SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 número1Entre castiçais, vasos, bustos de santos e estátuas de apóstolos: cerimonial e aparato barroco do altar da Patriarcal joanina índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-2176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.1 Lisboa jun. 2014

 

ARTIGO

Bernardo da Costa Barradas: Um pintor-dourador de Lisboa (1706-1747)

Bernardo da Costa Barradas: A painter-gilder of Lisbon (1706-1747)

Jorge Ferreira Paulo*

 

RESUMO

O presente artigo é dedicado a um pintor e dourador lisboeta que exerceu o seu ofício no reinado de D. João V. Numa perspetiva histórica, pretende-se dar um contributo para o estudo da sua atividade e, sobretudo, para a caraterização do estatuto socioeconómico deste tipo de artista na primeira metade do século XVIII, ajudando a completar a sua biografia e corrigindo alguma informação menos correta.

 

PALAVRAS-CHAVE

Lisboa / Rua da Verónica / Pintura / Talha / Douramento

 

ABSTRACT

This article is dedicated to a Lisbon painter and gilder, who has practice his metier in the reign of D. João V. From an historical perspective, it aims to give a contribution to the study of his craft and especially to characterize the socio-economic status of this kind of artist in the first half of the eighteenth century, helping to complete his biography and correcting some less rigorous information.

 

KEYWORDS

Lisbon / Veronica Street / Painting / Wood Carving / Gilding

 

 

NOTA PRÉVIA

No decurso de investigações documentais iniciadas em 1991, por ocasião dos levantamentos patrimoniais da Zona Oriental de Lisboa, no âmbito da preparação da Expo 98 e no desenvolvimento do programa "Caminho do Oriente", o autor deparou com variada documentação relativa ao pintor e dourador Bernardo da Costa Barradas. Essa documentação – quer relativa à sua atividade profissional, quer a detalhes da sua vida privada (familiares, económicos, patrimoniais, etc.) – justificou a elaboração a posteriori de um estudo autónomo sobre o mesmo sujeito, nunca publicado na sua versão definitiva.

Entretanto, em 1998, Jaelson Bitran Trindade dedicou ao mesmo artista um estudo focado na sua atividade como pintor, em especial no respeitante à intervenção na igreja matriz de São João Baptista de Alcochete1. Posteriormente, Vítor Serrão, em trabalho publicado em 2003, divulga outras intervenções de Bernardo Barradas, acentuando o relevo da sua produção pictórica, e aprofunda o estudo das pinturas de Alcochete2.

Estes dois estudos, dada a sua focagem na vertente da História de Arte, poderiam tornar redundante a publicação do presente trabalho, à data já completado, mas ainda inédito. No entanto, a forte componente de informação de vida de Bernardo da Costa Barradas reunida permite dar um contributo interessante para o conhecimento mais aproximado da atividade, do estatuto social e dos hábitos de vida de um artista a trabalhar em Lisboa, originário de uma família de oficiais mecânicos que, todavia, tem uma certa ascensão social decorrente da sua atividade profissional, sendo inclusivamente recebido como familiar do Santo Ofício. A tónica nesta perspetiva, possível face à documentação recolhida ainda desconhecida, torna pertinente a publicação deste texto, independentemente de alguma repetição de informações já reveladas pelos dois referidos autores. Mais pertinente ainda se revela a presente publicação pois dá a conhecer a avaliação da obra de pintura de Bernardo da Costa Barradas na matriz de Alcochete, realizada por Carlos Mardel em 1748, documento essencial apenso ao suculento Inventário Orfanológico abaixo citado, além de outros documentos, até ao momento desconhecidos. Poder-se-á assim afirmar com segurança e de forma conclusiva que Bernardo da Costa Barradas não foi o autor das telas da igreja de São João Baptista de Alcochete, pois as mesmas não são referidas na citada avaliação de Carlos Mardel, omissão que decerto não seria possível pois estava em causa o pagamento à sua viúva dos honorários devidos pelo trabalho realizado. Nesta conformidade, deverá corrigir-se a afirmação algo precipitada dos dois supracitados autores, pelo que, até ao eventual aparecimento de qualquer nova documentação mais explícita, as quatro telas da igreja de Alcochete continuam órfãs de autor, deixando de fazer qualquer sentido as eruditas considerações estéticas sobre a excelência artística de Bernardo da Costa Barradas que, na verdade, foi sempre um simples pintor-dourador, autor em Alcochete de pinturas de “brutescos”, das quais ainda restam alguns, poucos, exemplares.

 

INFORMAÇÕES BIOGRÁFICAS

Bernardo da Costa Barradas nasceu em Lisboa, na freguesia de Santa Engrácia, onde recebeu os santos óleos do batismo no dia 29 de agosto de 17063. Cresceu e viveu em casa dos pais e depois em casas suas na travessa da Verónica ou dos Aciprestes, à Vila Galega, junto a Santa Clara. Os pais, Domingos da Costa Barradas e Jerónima dos Santos, também eram naturais desta freguesia, que acolhia a família desde o tempo de seus avós que também aqui viveram, sendo o avô paterno, António da Costa Barradas, daqui natural, e a sua mulher, Maria de Andrade, batizada em Santo Estêvão. Pela parte materna era neto de João Lopes, natural de Ferreira de Aves, e de Violante Ferreira, de Vila Franca de Xira4.

Sendo o mais novo de três irmãos, foi o único que não professou a vida religiosa. O mais velho, frei José da Costa, trinitário, tomou hábito em Santarém, estudou Teologia em Coimbra, foi lente de Moral em Santarém e reitor do convento de Alvito, onde ministrou mais de dez anos 5; o segundo, frei Manuel dos Santos, franciscano da Província dos Algarves, foi pregador e professor6. A Bernardo coube-lhe uma outra via, virada às artes.

O estado incapacitante do pai, atingido pela cegueira, e a condição de iletrada da mãe, não os impediu de se preocuparem com a instrução dos filhos, pelo menos no que diz respeito ao primogénito. Deduzimo-lo por uma nota respeitante a uma dívida ao livreiro Pedro António Caldas referente a uns "liuros clasicos" que comprara para o "menino mais velho", entre os quais, "Oracio e virgilio", "Arte portugueza" ou a "presedencia de S. Caterina"7. O segundo filho seguiu as pisadas religiosas dos tios, professando como franciscano da Província dos Algarves.

Bernardo casou-se com 25 anos, no dia 28 de julho de 1731, também em Santa Engrácia, com D. Eufrosina Caetana das Neves e Oliveira, uma leiriense filha de José das Neves e Oliveira e de D. Josefa de Santa Isabel, natural de Santo Estêvão de Alfama, sendo todos os avós naturais da zona de Leiria8. Foi mesmo uma das avós da noiva, D. Maria José, viúva do governador de Cabo Verde, António Vieira, que terá acertado o casamento com Domingos da Costa Barradas, providenciando com a devida antecedência o dote dos nubentes, que casariam por "carta de ametade"9.

A noiva foi dotada com 600.000 reis em dinheiro de contado e um conjunto vasto de peças: "Huma salua de Prata Lavrada, e huma comfeiteira de Prata meya duzia de garfos do mesmo, e huma faca de cabo de Prata, huma duzia de lançois de Pano de linho, hum cobertor de Damasco emcarnado, huma armação de Leito (...)"10, seguindo o rol, entre colchas, toalhas, guardanapos e travesseiros, tudo rigorosa e notarialmente registado em 27 de março. O entusiasmo do noivo, que tudo presenciou, por certo terá aumentado com a enumeração das peças, não tanto com o leito de paussanto ou o contador de dezasseis gavetas de pés torneados, mas com as palavras que repetidamente iam sendo registadas no livro de notas pelo tabelião Tomé Freire de Araújo – ouro, esmeraldas, diamantes –, à medida que se descreviam as joias de D. Eufrosina.

Quanto a Bernardo da Costa Barradas, foi dotado com "huma morada de cazas na trauessa da Veronica hindo do dito Campo de Santa Clara para o arco da Praça, a mão direita (...) que constão de loge com seu sobrado, e quintal com huma caza em todo sima que servem de cozinha"11, ficando assim reforçada a ligação ao sítio que o viu nascer, onde viria a adquirir uma outra propriedade e onde viveria até ao último dos seus dias. Para compor a casa nova recebeu sete cortinas de damasco encarnado com sanefas a condizer e franja de retrós cor de ouro e dois tapetes de Arraiolos, "hum milhor que outro"12. O encarnado e a cor de ouro parecem constituir uma marca de gosto ou de hábito no que diz respeito aos seus bens decorativos, pois mantêm-se presentes nos róis elaborados aquando do seu falecimento.

 

 

Durante treze anos a família foi crescendo a um ritmo regular, ali na freguesia de Santa Engrácia. O nascimento dos cinco filhos, entre 1734 e 1746, constitui uma preciosa ajuda para a reconstituição do percurso de vida do pintor, desde logo pelo registo dos batismos, todos às mãos de Francisco dos Santos, presbítero do hábito de S. Pedro. Pelo nome dos padrinhos é possível conjeturar sobre os seus relacionamentos e a sua proximidade a certos círculos ou a determinadas redes clientelares, casos de Vasco Lourenço Veloso (1734), o rico negociante da Cruz de Santa Apolónia, de Francisco Carneiro de Araújo e Melo (1737), do desembargador Duarte Salter de Mendonça (1740), de Francisco do Rego e Matos (1744) e do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real (1746)13. Não menos importante é a condição de menoridade dos filhos aquando da morte de Bernardo da Costa Barradas, uma vez que implicou a elaboração de um inventário post mortem, sempre rico em informações.

Cumprindo a tradição familiar, Bernardo da Costa Barradas abraçou um ofício mecânico. O pai foi pedreiro e, mais tarde, fogueteiro, como seu pai também já o fora. O avô materno, João Lopes, foi oficial de cordoeiro. Bernardo enveredou pelo ofício de pintor-dourador. Infelizmente, desconhecemos as suas primeiras intervenções, nada se sabendo sobre os primeiros tempos de atividade, a quem esteve associado ou com quem e como fez o seu aprendizado.

A primeira informação relacionada com a sua atividade profissional data de 16 de outubro de 1726, quando, com 20 anos de idade, ingressa na Irmandade de S. Lucas, de acordo com o "Livro dos assentos dos Irmãos". No primeiro capítulo, o Compromisso da irmandade estatuía acerca dos que haviam de ser recebidos por irmãos:

os pintores todos, assi de olio, como de tempera, Architectos, Scultores, Iluminadores, ou outras quaisquer pessoas que professarem debuxo que quiserem ser irmãos desta irmandade do glorioso São Lucas, serão reçebidos nella, sendo conheçidos por pessoas de boas consciencias (...)14.

No mesmo registo também se lê que nunca chegou a pagar os seus anuais, estipulados em quatro vinténs. Não foi por isso, porém, que deixou de ser considerado pessoa de boa consciência, tanto mais que passou no crivo do Santo Ofício, cujo rigor nas provanças de qualidade de sangue por vezes se mostravam melindrosas para este tipo de artífices, não podendo indiciar vestígio de "infâmia de feito ou de direito". Do seu volumoso processo, ao qual foi agregado o da mulher, resultou a pretendida certidão de limpeza de sangue, passada em 26 de novembro de 173715.

 

A ATIVIDADE PROFISSIONAL

Por exercer uma atividade pouco notável ou por não se tratar de uma figura de primeiro plano, as referências a Bernardo da Costa Barradas e à sua obra foram pontuais até à publicação dos artigos dos dois autores já referidos acima, apesar de justificados por uma intervenção de pintura que agora se sabe não ter sido da sua autoria16. Embora apareça sempre associado à atividade da pintura, mencionado como "mestre do oficio de pintor", "pintor", "mestre pintor", "mestre da arte de pintura" ou "da arte de pintor", trabalhava no âmbito das modalidades menos exigentes daquela arte, como a têmpera, o fresco, o douramento e o estofado. De facto, uma análise atenta da documentação evidencia que a sua pintura tinha um caráter decorativo ou ornamental, de brutesco, não havendo registos de intervenções de maior projeção. Era, então, um pintor-dourador, com capacidade de fazer ornamentos e também de executar uma pintura decorativa de elementos arquitetónicos. Assim o demonstram os contratos de obra em que intervém como outorgante comprometido com um clausulado estrito e de caráter descritivo. Desta maneira, terá realizado o exame do seu ofício sujeitando-se aos critérios estipulados nos pontos cinco e seis do Regimento dos Pintores, que apesar de categorizar estas modalidades como menores não deixava de atribuir a imprescindível "carta de examinação" para o exercício profissional, como se pode ler:

E o que de tempera ou fresco quiser vsar faraa em parede a fresco E em panno ou tauoa a tempera figura ou lauor romano ou grotesco querendo vsar de tudo E fazendo o sobredito ficara examinado de todas as cousas a dita pintura de tempera ou fresco jmferiores.

E o que de dourado ou estofado Somente quiser vsar por mais não poder alcançar faraa huma peça de ouro bornido E mate em a qual haueraa algum plano ou tauoa per si de dous palmos em que faça alem do dito dourado dous palmos de rapado E faraa mais hum pao de branco bornido e encarnaraa hum rostro de vulto de huma virgem, de encarnação polida17.

Este regimento estaria ainda em vigor no século XVIII, uma vez que não se registou nenhum acrescentamento aos regimentos dos pintores e dos douradores, ao contrário do que se passou com outros oficiais mecânicos18.

Reunindo a informação publicada e outra que ora se revela, hoje é possível afirmar-se que a atividade de Bernardo da Costa Barradas está relativamente bem documentada, ao longo dos 14 anos que medeiam entre o primeiro trabalho referenciado e a data da sua morte, distribuindo-se as nove intervenções conhecidas por dez desses anos: S. Vicente de Fora (1734 e 1737), Nossa Senhora da Conceição do Monte Olivete (1735), S. Tomé (1736), Santa Marinha (1741), S. João da Praça (1741-1742), Santo Estêvão de Ribeira de Canha (1745), Matriz de Alcochete (1745-46) e Paço da Casa de Bragança (1747)19.

 

Figura 2

 

Apesar de pouco restar da sua obra, quer por ação humana, quer por efeito do Terramoto de 1755, além da memória documental, é possível fazer algumas considerações sobre o seu trabalho.

Olhando para a distribuição geográfica das suas intervenções, pela marcação na planta da cidade pré-terramoto, de João Nunes Tinoco, verifica-se que há uma concentração da sua atividade na zona oriental de Lisboa, relativamente perto da sua residência. Tal permite inferir que a proximidade ao local da obra poderia constituir um dos critérios na licitação das arrematações de empreitadas ou que a adjudicação destas poderia decorrer de certas ligações a irmandades vizinhas. Neste sentido, apenas os últimos trabalhos se afastam desta lógica, em Ribeira de Canha, Alcochete e no paço bragantino.

O tipo de comitente envolvido nas empreitadas executadas por Barradas varia, embora predomine a iniciativa religiosa, por parte de irmandades ou de comunidades monásticas, frequentes promotoras de programas decorativos dos seus espaços, muitas vezes em articulação com a sua atividade prestamista.

Quanto ao tempo de execução dos trabalhos, analisando o clausulado dos contratos de obra conhecidos, verifica-se que duraram entre 2 a 8 meses. Curiosamente, a encomenda de maior valor, na igreja de S. João da Praça, que demorou 5/6 meses, não corresponde à de maior tempo de execução, como Santa Marinha (8 meses) ou Alcochete.

 

 

 

AS EMPREITADAS

Analisemos as nove intervenções documentadas, direta ou indiretamente, de Bernardo da Costa Barrada, entre 1734 e 1747.

1) 1734 – A sua primeira obra conhecida resultou de uma encomenda da irmandade das Almas de S. Vicente de Fora, com quem se contratou em 10 de agosto para pintar a capela de Nossa Senhora das Almas na igreja do convento seu vizinho, a primeira quando se entra na igreja, do lado da Epístola. Em 1731 já tinha esta designação, mas em 1759 (6 de agosto), segundo o padre Luís Cardoso, reportando-se a informações dadas pelo padre Francisco José de Matos na sequência do Terramoto de 1755, era conhecida por capela de S. Miguel20, invocação muito comum em Portugal, geralmente associada ao culto das almas e à boa morte para os agonizantes. Segundo a doutrina de S. Jerónimo, S. Miguel estava incumbido da recolha das almas, com a balança destinada a separar os eleitos dos réprobos, para as conduzir à glória. Esta irmandade das Almas, uma das três que existia em S. Vicente, terá adquirido a capela depois desta vagar, aprestando-se a recompô-la, ornamentando-a, consistindo a obra na execução de

(...) hum fronte espiçio de madeira liza para nelle se pintar hum retabolo de architetura com sua Tribuna e escada para seruentia por dentro com huma pianha, para nella se pôr o Anjo São Miguel, com duas portas e huma terá sua casinha para despejos e se obriga a fazer duas cardencias e nos vaos dellas seus almarios com portas e fechaduras e toda a dita obra se obriga fazer de madeiras e barrotes de purças juntas forradas de pano grudado tudo bom e das milhores purças que ouuer e feita a dita obra na forma do dito risco, e com toda a perfeição dandoa feita e acabada de tudo o pertencente ao seu officio de entalhador the quinze do mes de Agosto proximo que vem deste prezente anno21.

A obra ter-se-á prolongado, pois só em 12 de maio do ano seguinte foi "pago e satisfeito"22, conforme o estipulado na escritura de quitação, que definia o resto do pagamento no final da obra.

O trabalho final de ornamentação da capela, "feita de madeira e preparada para se pintar"23, coube a Bernardo da Costa Barradas, que se comprometeu pela quantia de 180.000 réis a concluir a obra até 15 de outubro, pintando-a com todo o primor da sua arte:

(...) pela frente de pedras fingidas das mais esquipaticas e ar natural, e estas serão feitas como manda a Arte de sorte que fação bom apartamento, só as colunas serão de pedra verde fingidas na milhor forma possiuel e estas serão guarneçidas com festões de ouro escuresida, como tambem os pilares e trapillares e toda a parte liza, donde couber, e for possiuel, e leuara o ornato de ouro escuresido, e este será de Mordente, e toda a talha, e filetes que ornão a mesma cappela será de ouro de Bornido, e a moldura do oculo de sima será fingida de pedra, e só os filetes serão dourados, e no meyo leuara hum emblema dedicado a São Miguel o qual ficara na Elleição delle Pintor, e as tarjas, que guarneçem, e ornão a dita cappela leuarão tambem os seos emblemas no meyo, o Throno sera fingido de pedras na mesma forma que fica dito, e será guarneçido em cada facha com sua Tarja de ouro escurecido, e as molduras do mesmo Throno com seos filetes de ouro, e a casa será Pintada de architetura de Cores fazendo huma boa prespectiua, e esta pintura sera a olio, e asim tambem as banquetas serão guarneçidas com brotesco de ouro, e as portas da dita cappela serão de xarão emcarnado, e azul e os degraos, e altar de pedra fingida, e as cardencias serão pintadas na milhor forma, com tarjas e brotesco de pintura, e nas mais Tarjas que reuestem a cappela serão com Tarjas dedicadas a São Miguel com seos filetes á roda e os andaimes serão por conta delle Bernardo da Costa Barradas, e asim mais seis castiçais, e huma crus pratiados e guarnecidos com ouro nas gargantas, e nas mais partes donde realçe, e asim mais tres moldurinhas dos Evangelhos douradas de bornido, e o santo será estofado pela frente, e emcarnado de pelimento (...)24.

A descrição desta empreitada de Barradas em S. Vicente de Fora, a mais detalhada que se lhe conhece, enuncia claramente as características da sua pintura decorativa, com os fingidos de pedra e os brutescos. O retábulo fingido, em trompe-l'oeil, possivelmente de caráter provisório, viria mais tarde a ser substituído pelo que lá está hoje, integrado num programa único mais vasto com outros formalmente muito semelhantes.

2) 1735 – Neste ano, Bernardo da Costa Barradas, conjuntamente com João Crisóstomo Ribeiro, também pintor dourador25, empreendeu a obra de pintura e douramento da talha da capela de Nossa Senhora de Copacabana, na igreja do convento de Nossa Senhora da Conceição do Monte Olivete, dos Agostinhos Descalços, conhecidos por frades Grilos. O trabalho foi encomendado em 5 de março por Luís Manuel Castanheda de Moura Pereira Teles, contador mor do reino, que tinha o seu jazigo naquela capela, feita em talha, e "porque a queria dourar e Pintar se contratara com elles em lhe fazer a dita obra com todo o primor da arte pondolhe no simo as suas Armas"26, por preço de 300.000 réis. Porém, a parceria não se manteria até ao final da obra, não a concluindo juntos, pois João Crisóstomo Ribeiro, em 4 de junho, cedeu e trespassou a sua metade da empreitada para o Barradas, "para que possa findar e hauer para sy o lucro ou perda que Deos for Seruido dar nella"27. O contrato, celebrado em 5 de março, definia o fim do mês de julho como data para a conclusão da obra, prazo que foi cumprido, pois o contador mor morreu em 10 de junho e logo ali foi a sepultar. Contudo, a iniciativa desta obra coubera a sua mãe, D. Francisca Pereira Teles, que já ali se encontrava sepultada e em cuja lápide ainda hoje se lê:

S. DE D. FRANCISCA PEREIRA TEL/LES FILHA MOLHER MAY DOS CON/TADORES MORES LUIS PEREIRA DE / BARROS PLACIDO DE CASTANHEDA / DE MOURA 28 LUIS MANOEL DE CAS/TANHEDA DE MOURA PEREIRA TELLES / DO CONSELHO DE SUA MAGESTADE / ALCAYDES MORES DA VILLA DE BASTO / COMENDADORES DAS COMENDAS DE / SAM SALVADOR DE SERRAZES S. PAYO / DE OLIVEIRA DE FRADES DE SAM / JOAM DO PINHEIRO, E DE SEU FILHO / LUIS MANOEL / 1716.

A devoção de D. Francisca pela Senhora de Copacabana está bem patente quer na iniciativa de se tornar padroeira da sua capela, quer nas suas disposições testamentárias que refletem a determinação para que a ela se unisse a sua alma eternamente. Mandou que o seu corpo fosse "sepultado na Cappella de Nossa Senhora de Copacabana e aos pes do seu Altar citta no convento de Nossa Senhora da Concepção de monte oliuete dos Padres Augostinhos descalsos pela publica deuoção que tenho com ella a quem Deixo para as obras da sua Cappella 50.000 reis"29. Deixou ainda 100.000 réis à irmandade de Copacabana para que os aplicasse a juros, "em parte muito segura", que reverteriam para os religiosos do convento para a missa da sua festa anual, a aplicar pela sua alma.

 

 

A imagem de Nossa Senhora de Copacabana foi entretanto substituída por uma imagem de São Teotónio, da autoria de Manuel de Almeida. Frei Agostinho de Santa Maria, vigário geral da Congregação dos Agostinhos Descalços, dedicou o primeiro tomo do "Santuário Mariano", onde conta a história das imagens de Nossa Senhora veneradas em Lisboa, a ela "Maria Santissima debayxo do seu milagroso titulo de Copacavana"30. Conta-nos o clérigo a história desta Nossa Senhora de origem peruana que esteve na origem do célebre topónimo brasileiro31. Trazida para o Porto, em meados do século XVII 32, daqui se disseminou por ermidas e capelas, entrando nesta igreja no dia 1 de novembro de 1706, "obrada com grande perfeição, tunica branca semeada de flores de ouro, manto azul bordado de matizes de pedras, e perolas; tem em sua mão direita sceptro, e na cabeça coroa imperial de prata ricamente obrada; em o braço esquerdo o Menino Deos"33.

3) 1736 – A igreja de S. Tomé sofreu a intervenção seguinte de Bernardo da Costa Barradas. Por contrato celebrado em 4 de setembro, obrigou-se com a irmandade do Santíssimo Sacramento a dourar toda a obra de talha existente naquela igreja, bem como a viga do coro, ainda por forrar, e a cimalha real. Todos os materiais ficariam por sua conta, tanto de aparelhos como de ouro, e tudo se concluiria até ao Domingo de Ramos de 1737, pelo preço de 700.000 réis. Mais, "alem do dourado se obriga a pintar a simalha real de cores que tambem lhe serão apontadas por pessoas da meza, e duas cortininhas de Damasco fingido com seos Galões" 34. No contrato ficou bem explícito o ouro a aplicar no douramento:

(...) do mais córado que ouuer, e não branco, ou desmayado, e o aparelho será o costumado sem faltar a demão alguma das que precisa o dito aparelho para ficar bom que são duas de gesso groço, tres de gesso mate, huma de lacradura, e tres de bolo tudo feito com cola de retalho branco sem ser salgado (...)35.

Apesar de ter sobrevivido ao Terramoto, esta igreja foi demolida no século XIX.

4) 1737 – Ainda neste ano regressaria a S. Vicente de Fora, onde trabalhara três anos antes. Sabemo-lo por uma certidão tirada de um livro de contas e despesa desta igreja, datada de 11 de novembro de 1737, lendo-se no treslado do "Títtulo das Empreitadas e a do Arquitetto":

(...) se deu de Empreittada ao pinttor Bernardo da Costa Barradas de dourar o Retabullo de nossa senhora da pureza nouentta e seis mil Reis. / Em o que se deu ao mesmo pinttor [da digo] pinttor de dourar o Retabullo de Christto duzenttos mil Reis. / Em o que se deu ao mesmo Pinttor o Coro vintte e seis mil e quatrocentos e outentta reis. / Em o que se deu ao mesmo de Dourar o Rematte que se acressenttou no Alttar do Senhor dos Paços e a Banquetta de Santta ursulla vinte mil Reis (...)36.

5) 1741 – Após três anos sem notícias do seu paradeiro ou atividade, encontramo-lo a trabalhar na igreja de Santa Marinha, também destruída pelo megassismo. Por encomenda da irmandade de Nossa Senhora da Boa Nova e Via Sacra foi contratado para dourar o retábulo da capela daquela Senhora, bem como o ornamento de pintura do teto dela – "atendendo a nessecidade e prejuizo do retabollo da Cappella da mesma senhora que por não estar dourado padecia grauissimo danno e não estar com a desencia diuida para o Culto da mesma senhora se ajustara com elle Bernardo da Costa Barradas" 37 –, pelo montante de 240.000 réis. Celebraram escritura em 19 de fevereiro. Oito meses volvidos, no dia 29 de outubro, reuniram-se de novo os mesmos outorgantes em sede notarial a fim de escriturarem o contrato de cessão relativo ao pagamento da empreitada. Contudo, recebeu apenas uma parte dos honorários38, só recebendo os 120.000 réis em falta em 28 de julho de 1742, conforme acordado na escritura de cessão39.

6) 1741 – A intervenção seguinte ocorreu na igreja de S. João da Praça, onde dourou toda a obra de talha da capela do Santíssimo Sacramento, por contrato de 31 de outubro com o marquês de Angeja e a mesa da irmandade do Santíssimo Sacramento da dita paroquial, consistindo a empreitada no douramento

(...) de toda a obra de talha que tem na Capella do Santisimo Sacramento da dita Jgreja desde o Arco pera dentro emtrando no dito dourado o Trono e tribuna fazendosse toda e qualquer obra de Talha que faltar e Remates que forem presizos para porfucão da mesma Talha feitos por emtalhador de sorte que tudo ficasse perfeito na milhor forma que premetisse asim a dita Arte de Pintura como o officio de emtalhador (...) 40.

Ficou também responsável pelo trabalho necessário de entalhador – "e pello que toca a talha mandara fazer os comsertos de que a mesma talha necesitar asim de fasquiado como da dita talha"41. Mais se lê no contrato que a obra fora "posta a lanços", fixando-se editais para o efeito, "para por elles se dar publica noticia a todos os oficiaes e pesoas que querem por sua conta tomar a obrigação de fazer a dita obra tanto no comodo de presso como na perfeição e com efeito havendo varios lansos por ultimo foi o delle Bernardo da Costa Barradas", no valor de 1.290.000 réis, devendo concluir a obra até à Quaresma de 1742, recebendo logo 300.000 réis. Esta igreja foi reconstruída após 1755.

7) 1745 – Do trabalho na igreja de Santo Estêvão da Ribeira de Canha, da Ordem de S. Bento de Avis, desconhecem-se pormenores. Contudo, importa salientar dois aspetos: por um lado, constitui a sua primeira intervenção fora de Lisboa, por outro, ocorre no âmbito de uma intervenção multidisciplinar (trabalho de pintor, carpinteiro e pedreiro), em sociedade formalizada em sede notarial, em 28 de abril, após assumir a obrigação de "fazer huma Jgreja noua para a freguezia de Santo Esteuão da Ribeira de Canha"42, em 8 de fevereiro, no Tribunal do Conselho da Fazenda.

Pela mesma escritura decidem que "todos sinco serão iguaes socios na dita obra na despeza e Receita, e no seu lucro, ou perda que Deos der", definindo também quem desempenharia as funções de tesoureiro e de escrivão, ficando este último cargo entregue a Bernardo da Costa Barradas, "Mestre da arte de pintor", a quem competia, desde logo, a tarefa de rubricar e numerar os livros de receita e despesa da obra. O seu estatuto na sociedade, face aos demais sócios (dois carpinteiros e dois pedreiros), é evidenciado pela responsabilidade que lhe é atribuída: "todos os negocios pertencentes a dita obra e Requerimentos que forem percizos fará somente elle Bernardo da Costa Barradas".

8) 1745-46 – Neste período trabalhou em Alcochete, chegando a contrair um empréstimo "para a continuação da obra de pintura que fizera na matris de São João Baptista da villa de Alcoxete"43, em 31 de janeiro de 1746. Pelo testamento, aberto em agosto de 1747, sabe-se que quando morreu ainda não estavam liquidadas as contas relativas a esta obra. Se por um lado devia 38.400 réis ao prior da freguesia de Alcochete, por outro, refere que da obra que fizera

(...) a Sua Magestade na Jgreja de S. João Baptista de Alcochete por ordem do Concelho da Fazenda de que he Arquiteto o Sargento mor Carlos Mardel o qual tem em seu poder todos os papeis pertencentes a dita obra constará depois de medida a sua importançia da qual se abaterão duzentos e quarenta mil réis que tenho recebido por conta da mesma obra (...) 44.

O acerto de contas foi realizado já pela viúva inventariante, que para efeitos de partilhas se viu forçada a pedir uma certidão a Carlos Mardel, que avaliou a obra em 1.106.076 réis. Por esta avaliação de caráter descritivo passada em 5 de maio de 1748, que demorou ao arquiteto dois dias de "jornada", e pela qual cobrou 22.952 réis (medição mais certidão), conhece-se agora em pormenor a intervenção de Bernardo da Costa Barradas em Alcochete. Nela registou o arquiteto sargento-mor:

Certidam

Carlos Mardel Sargento Mor da Jmfantaria com Exsercio de Emginheiro na Corte e arquiteto de Sua Magestade e dos passos Riais Conselhos da Fazenda e ordens Estado de Bragansa e agoas Liures Etca. Certefico que pella hordem de uosa Magestade fui a uilla de alcoxete a medir e aualiar a obra de pintura que se fes na igreja Matris de Sam João Bauptista cuja obra fes por hordem de uosa Magestade o Mestre pintor Bernardo da Costa Baradas e consiste a obra delle em os tetos de tres naues da Jgreja pintado de Brotesco deuidida cada huma naue em paineis semalhantes frizos pintados com seus ornatos o teto debaixo do coro e em sima com suas balaustradas tudo pintado e fingido de pedra hum frontepisio de huma Capella e teto da samcristia tudo pintado de brutesco e seis culunas na mesma Jgreja pintadas e fingidas de pedra com seus arcos e ornamentos e portas e Janellas e tudo o que achej hé o seguinte.

O teto da Naue grande no mejo hé deuidido em uinte e sete paineis de quinse palmos de comprido cada hum chejos de Pintura de Brutesco aualio hum em desaseis mil reis e todos Jmportão em coatro sentos e Trinta e dois mil reis. 432.000

Os dois Tetos nas duas Naues nos largos tem sete paineis cada hum do mesmo comprimento e fabrica com a do teto do mejo aualio cada hum pello mesmo preso de desaseis mil reis e todos Jmportam em duzentos e uinte e coatro mil reis.

224.000

Simalha frizo e arquitraue dos tres tetos pintados com seus ornamentos e fingido de pedra lhe aualio por todo a simcomfrensia das Tres naues em sento e uinte mil reis.

120.000.

O Teto de Baixo do Coro com dois paineis em suas mulduras e fachias de ornatos e a Balaustrada no mesmo Coro pintada e fingida de pedra lhe aualio tudo en sesenta mil reis.

60.000.

O Frontespisio de huma Capella no largo da Jgreja tudo pintado lhe aualio desanoue mil e duzentos reis.

19.200.

O teto da samcristia em coatro paineis de Bustos e o emtre as simalhas ornatos e suas portas e duas janelas pintadas de uermelho lhe aualio tudo em sesenta mil reis.

60.000.

Seis culunas grandes na Jgreja com seus arcos em sima com o ornamento e as seis culunas fingidas de pedra lhe aualio tudo em sento e coarenta mil reis. 140.000.

A metade do selario dos dois dias da Jornada medisam e pasar a sertidão Jmporta em onze mil e coatrosentos e setenta e seis reis. 11.47645.

Definitivamente, este documento põe de lado qualquer hipótese de autoria de Bernardo da Costa Barradas relativamente às quatro telas do altar-mor alusivas ao patrono de Alcochete46. Por outro lado revela o nome do responsável pelo programa de pintura decorativa da igreja (ornamentação, brutesco, fingidos de pedra), da qual pouco resta, além dos dois painéis de madeira por baixo do coro com as "mulduras e fachias de ornatos". Quanto aos painéis dos tetos das três naves, há muito que deixaram de apresentar os brutescos do pintor Barradas, desaparecendo muito antes da intervenção da Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais na década de 1940, de que resultou a pintura de todos os tetos47.

 

 

9) 1747 – A última intervenção do pintor ficou concluída no 1º semestre deste ano, ocorrendo no paço da Casa de Bragança, onde realizou obra do seu ofício de pintor. Sabemo-lo através de uma procuração datada de 21 de junho, pela qual nomeou o primo, Francisco Xavier da Costa, como seu procurador para cobrar 63.166 réis do Almoxarife dos Dízimos do Pescado de Lisboa "que por mandado dos Ministros da Junta do Estado da caza de Bragança Se lhe mandão Satisfazer procedidos da Obra que de seu officio fez no Paço da mesma caza de Bragança"48.

Deste trabalho nada mais se sabe. Do Paço pouco ou nada resta, pois não resistiu ao Terramoto, à semelhança das circunvizinhanças, localizado que estava na colina dos Mártires, sobre a barroca do Ferragial. Porém, merece-nos duas considerações. A primeira, por constituir a única intervenção de Bernardo da Costa Barradas num edifício não religioso; a segunda, por representar a ascensão do pintor ao círculo mais alto a que um artista poderia aspirar, a Casa Real. Esta ligação entre a matriz de Alcochete e o Paço de Bragança parece fazer-se através do arquiteto do Conselho da Fazenda e do Estado da Casa de Bragança, Carlos Mardel, que porventura terá apreciado os brutescos do mestre Barradas.

Um outro aspeto associado à atividade profissional de Bernardo da Costa Barradas é merecedor de alguma atenção. Diz respeito aos empréstimos a que recorreu para poder executar os trabalhos do seu ofício, ou seja, pedindo dinheiro emprestado para poder trabalhar49. Tal situação é mais notória no período em que está em curso a obra de Alcochete, que envolveu montantes mais elevados e que, talvez por isso, o tenha levado à contingência de se sujeitar a várias obrigações de caráter prestacionista. Mais concretamente para a fase de Alcochete, em 1 de outubro de 1745 pediu 400.000 réis emprestados às freiras de Santa Apolónia, hipotecando para tal uma propriedade como garantia50. Terá sido a escassez de dinheiro de contado para a prossecução dos trabalhos em Alcochete que o determinou? Assim parece, ao lermos um outro contrato de empréstimo, contraído em 31 de janeiro de 1746, agora de 320.000 réis, ao negociante Matias Lopes da Silveira, "para a continuação da obra de pintura que fizera na matriz de São João Baptista da villa de Alcoxete"51, de que viria a distratar-se a 8 de agosto desse mesmo ano52.

No seguimento de um pequeno carrossel de empréstimos e pagamentos, a 21 de maio de 1746 viu-se na contingência de vender a casa com que os pais o dotaram em 1731, embolsando 800.000 réis que lhe permitiram pagar a dívida às freiras de Santa Apolónia53 e a Matias Lopes. Esta situação decorreria das condições contratuais inerentes a este tipo de empreitadas, que determinavam um pequeno pagamento parcelar de entrada e o restante no final da obra, depois de devidamente avaliada pelo comitente. Ora, necessitando o artífice de dinheiros prontos para a aquisição de materiais54, muitas vezes era forçado a recorrer a empréstimos a juros, endividando-se55. Tal ideia é confirmada pela obrigação constante do registo da sociedade para a obra na Ribeira de Canha: "Sendo elle thezoureiro Obrigado a dar o dinheiro que Se determinar entre todos ao companheiro que asestir na dita Obra, e aSestindo mais de hum se dará áquelle que se conuier para poder continuar com os gastos que for fazendo (...)"56.

Além de adiantar dinheiro seu, este tipo de artífice não raramente tinha de esperar bastante tempo até receber a totalidade do estipulado57.

Anteriormente, em 19 de julho de 1736, o pintor pedira 200.000 réis a juro à irmandade das Almas da freguesia de S. Tomé, na pessoa de seu tesoureiro, o Padre José Mendes Pimenta, em cuja igreja viria a trabalhar dois meses depois, por encomenda de outra irmandade, a do Santíssimo Sacramento 58. Nesta escritura apresentou um fiador, evitando assim dar a casa como garantia59. Assim o exigia a rigidez do clausulado, impondo sanções em caso de incumprimento.

Pela informação disponível pode concluir-se que através de uma gestão rigorosa com recurso frequente a crédito a juros, Bernardo da Costa Barradas ia conseguindo pagar as suas dívidas, sem, contudo, conseguir livrar-se deste expediente para poder exercer a arte do seu ofício.

 

PATRIMÓNIO E ÚLTIMAS VONTADES

Apenas por uma vez Bernardo da Costa Barradas não é referenciado como residente na Vila Galega. De facto, no dia 21 de junho de 1747 encontrava-se "assistindo" na rua do Carrião, em casa do primo Francisco Xavier da Costa, com quem permutara temporariamente de residência, talvez pela maior proximidade ao paço da Casa de Bragança, onde trabalhara havia pouco tempo60. Contudo, no dia 31 do mês seguinte já estava de regresso à travessa da Verónica, aí fazendo redigir o seu testamento61.

Encontrava-se então gravemente enfermo, "de doença que Deus foy seruido darlhe, mas em seu prefeito Juizo, e entendimento" 62. Deixando de lado tal dádiva divina, desconhecem-se as causas de morte tão prematura. Sabe-se apenas que a maleita o acompanhava pelo menos desde abril de 1746, pois já então visitava a botica de S. Vicente em busca de remédios e prescrições terapêuticas que o curassem. As receitas e notas de dívida aos frades vicentinos que integram o seu inventário orfanológico revelam que tinha começado a tomar caldos de víboras a 21 de abril de 1747, tendo comprado por sua conta 22 víboras por 2.200 réis. Entre os produtos prescritos encontramos água de rosas, flor de enxofre, óleo de tártaro e sal torrado, integrando um receituário mais vasto que incluía, por exemplo, a forma de confecionar a "matéria", determinando os passos a seguir, começando pela cozedura dos ovos, devidamente quebrados com os dedos até endurecerem, "em certam de ferro bem limpa", juntando-lhes sais em pó, indo depois ao "fogo de carvão forte e sem chama e revolvendo a materia com espatula de ferro athe fazer espuma, se esprema na prensa, o oleo (...)"63.

A testemunhar o seu último ato estiveram presentes pessoas que lhe eram próximas, certamente não apenas por vizinhança ou para fazer fé pública, ou não estivessem entre as sete testemunhas presentes, além de um seu criado, dois pintores, dois carpinteiros e um pedreiro64. Três semanas depois soçobrava à doença, morrendo no dia 20 de agosto de 1747, a cinco dias de celebrar o seu 41º aniversário65. Os pais, ainda vivos, ficaram por herdeiros, ficando a terça para dividir pelos filhos quando aqueles morressem.

Analisando o arrolamento expresso no testamento, respeitante aos seus bens móveis e às quantias que envolviam credores e devedores, verifica-se que o ofício que lhe preencheu a vida não lhe foi desfavorável. Relativamente aos bens imóveis, Bernardo da Costa Barradas possuía duas propriedades na travessa da Verónica, onde morava, e outra na travessa do Rosário/horta da Cera, ali mesmo ao lado. As casas com que o pai o dotara não lhe serviram muito tempo. Aliás, pouco depois de casar, logo no primeiro dia de 1732 comprou uma "propriedade de Cazas grandes", também à travessa da Verónica por 450.000 reis, foreiras a Gaspar Sodré Ferreira66, ficando a haver algum dinheiro que lhe permitiu beneficiar de algum rendimento a juro67.

A nova casa de habitação tinha uma tipologia comum à maioria dos edifícios do arruamento, com loja e dois andares, pouco variando quanto ao número de lojas (uma ou duas) e de andares (um ou dois), isto em 1762, quando é possível fazer a reconstituição fiável do arruamento68. Contudo, se não se distinguia pela tipologia diferenciar-se-ia pela dimensão, de acordo com a referência a "casas grandes", vindo ainda a ser acrescentadas em mais um sobrado e aumentadas as sacadas em altura, após reunir os cabedais necessários, em 1737, como descrito no cordeamento de 10 de julho realizado pelo Senado da Câmara:

Diz Bernardo da Costa Barradas que elle hé senhor, e pessuhidor de huma morada de cazas, em Villa Galega, na traueça da veronica, as quais pertende reformar, sem tomar nada do publico, nem exceder a sua propria Ária (...), e fazendo as ginelas de sacada mais altas (...)69.

Deferido o pedido procedeu-se ao cordeamento, a 4 de setembro, registado pela mão do escrivão do tombo dos bens e das propriedades da cidade, que acompanhou

(...) a ver e cordear a obra das cazas de Bernardo da Costa Barradas em que pertende leuantar mais hum sobrado e se vio que a frontaria dellas extroce direita com a parede das cazas que lhe ficão da parte de baxo e com o muro do quintal que lhe fica da parte de sima e as sacadas que asentar no segundo sobrado ficão em altura de mais de dezaseis palmos e o degrao que tem na Rua o bota fora pera rebaxar a porta da escada (...)70.

Concluída a obra em janeiro, a "propriedade de cazas que de nouo Reedificou, e acrescentou em que viue na dita Trauessa da Veronica"71, desde logo foi hipotecada para garantia de um empréstimo.

Mais detalhada é a descrição das casas feita por ocasião do inventário post mortem do pintor:

(...) constam de entrada de logea e na mesma para a parte esquerda huma Cazinha Com Genela de Grades de ferro e na dita Logea huma Cazinha para mosso e debaxo da escada ha outra Cazinha e no primeiro andar ha tres Cazas Cozinha e Camera com sua genela para a Rua e Caza de fora com tres genelas de asentos e no andar de sima ha outras tres Cazas cozinha Camera e Caza de fora com duas genelas de Sacada e por sima ha humas agoas fortadas que constam de tres Cazinhas e huma Cazinha de Caruam com huma baranda as quaes estam nouas e bem tratadas todas com suas pinturas e vidrassas (...)72.

 

 

O relativo destaque da casa do pintor, apesar de desprovida de ambição, é confirmado em sede de imposto de décima relativamente às restantes daquele troço da rua, como se comprova na avaliação dos Livros de Arruamentos, entre 1762 e 176773. Entretanto, já a família mudara de residência, "por ser de major rendimento accomodando-se em cazas de menos valor em vtilidade do Cazal, e sinco filhos menores"74. A antiga casa de morada da família passou a ser arrendada. Assim o fez o tutor testamentário dos filhos menores, em 1756 (12/06), arrendando-a a Manuel António da Costa, apesar de danificada pelo terramoto. É então descrita com "dous andares de sobrados com suas loges"75. Depois de arrendada alguns anos ao Apontador das Obras, que ocupava o 1º e 2º andar, em 1768 é vendida ao repartidor dos órfãos do termo, João Aires da Rocha, que ali fixaria residência76.

 

 

A alienação da propriedade, porém, não apagou de todo a ligação do pintor à memória do sítio, pois, por disposição testamentária, fizera-se sepultar na ermidinha de Nossa Senhora do Rosário, vizinha de sempre, em frente das suas casas da Travessa da Verónica. Tudo com a maior das simplicidades "sem mais pompa nenhuma que hum Caixão allugado, e leuado por seis pobres mendicantes", amortalhado no hábito de S. Francisco e de Nossa Senhora do Monte do Carmo, de quem era, segundo suas humildes palavras, "indigno terceiro"77. Com espírito despojado e generoso, não se esqueceu do irmão e dos avós já falecidos partilhando com eles as 400 missas de esmola que deixou encomendadas, destinadas a si e às almas redentoras do fogo do purgatório. Aos parentes, aos amigos e aos inimigos, sem distinção, pediu que lhe perdoassem. À mulher, de quem tão cedo se separava e de quem também esperava a generosidade do perdão pelos agravos por ele cometidos, dedica a sua última pintura, registando por palavras de amor e afeto os sentimentos que os uniam, perpetuados pelas suas últimas vontades.

 

 

 

FONTES E BIBLIOGRAFIA

Fontes manuscritas

 

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Cartórios Notariais de Lisboa, Livros de Notas

1º, Ofício A, liv. 465

1º, Ofício B, liv. 558, 563, 566, 576, 579, 580, 582, 583, 588, 595, 598, 626, 628, 630, 632, 634, 640

7º, Ofício A, liv. 479, 481

, liv. 2

Habilitações do Santo Ofício, mç. 7, nº 104

Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7

Registo Geral de Testamentos, liv. 147 e 240

Registos Paroquiais

Santa Engrácia, Batismos, liv. 4, 6, 7, 8

Santa Engrácia, Casamentos, liv. 4

Santa Engrácia, Óbitos, liv. 5

S. Vicente de Fora, 2ª inc., docs. avulsos, cx. 18, mç. 47

Arquivo Histórico do Tribunal de Contas

Décima da Cidade, Livros de Arruamentos, Santa Engrácia, mç. 421 a 462

Arquivo Municipal de Lisboa

Livros de Cordeamentos de 1730-1737

Livro dos Regimentos dos Oficiais Mecânicos

Livros 1º e 2º do Acrescentamento dos Regimentos dos Oficiais Mecânicos

Livro 8º de Consultas e Decretos de D. João V do Senado Oriental

 

Bibliografia

Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Lisboa: [s.n.]. Nº 33 (1943).         [ Links ]

CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA - Carta Topográfica de Lisboa sob a direção de Filipe Folque: 1856-1858. Lisboa: Câmara Municipal, 2000.         [ Links ]

ESTEVAM, José - A restauração da Igreja Matriz de Alcochete. Lisboa: Couto Martins, 1948.         [ Links ]

FERREIRA, Sílvia - A retabulística. Presença e memória. In SALDANHA, Sandra Costa (coord.) - Mosteiro de São Vicente de Fora: Arte e História. Lisboa: Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, 2010. p. 279-295.         [ Links ]

MACHADO, Diogo Barbosa - Bibliotheca Lusitana. Coimbra: Atlântida Editora, 1965. tomo I.         [ Links ]

MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira - Guia Histórico do Caminho do Oriente. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. 2 vol.         [ Links ]

CARDOSO, Padre Luís – Dicionário Geográfico, 1759. In PORTUGAL, Fernando; MATOS, Alfredo de (ed.) - Lisboa em 1758 - Memórias Paroquiais de Lisboa. Lisboa: [s.n.], 1974.         [ Links ]

SANTA MARIA, Frei Agostinho de - Santuário Mariano. Lisboa: Off. Antonio Pedrozo Galram, 1707. tomo I.         [ Links ]

SERRÃO, Vítor - O núcleo de pintura. In FERNANDES, Isabel (coord.) - Igreja de São João Baptista de Alcochete. Alcochete: [s.n.], 2003. p. 76-103.         [ Links ]

SILVA, Augusto Vieira da – Plantas topográficas de Lisboa. Lisboa: Oficinas Gráficas da Câmara Municipal, 1950.         [ Links ]

SOROMENHO, Miguel - O Mosteiro e igreja de São Vicente de Fora. In MOITA, Irisalva (coord.) - O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994. p. 207-214.         [ Links ]

TEIXEIRA, Francisco A. Garcez - Irmandade de S. Lucas - Estudo do seu arquivo. Lisboa: [s.n.], 1931.         [ Links ]

TRINDADE, Jaelson Bitran - Nas encruzilhadas da arte: o pintor Barradas, de Lisboa (1747). Museu. Porto: [s.n.]. 4ª Série, Nº 7 (1998), p. 107-135.         [ Links ]

 

submissão/submission: 10/03/2014

aceitação/approval: 17/04/2014

 

 

NOTAS

* Jorge Luís Ferreira Marques Paulo é licenciado em História e mestre em Paleografia e Diplomática, com especialização na escrita humanística, em cujo âmbito prossegue estudos. No âmbito da Olisipografia, colaborou em vários periódicos e tem-se dedicado a estudos de caráter histórico e patrimonial para entidades públicas e privadas, com particular incidência em certas zonas de Lisboa, como a Lapa, Príncipe Real, Baixa Pombalina, S. Paulo, Mouraria, Colina de Sant'Ana e a zona oriental. A sua publicação mais recente data de 2013, em coautoria, "Um sítio na Baixa". Correio eletrónico: jfpaulo@netcabo.pt

1 TRINDADE, Jaelson Bitran - Nas encruzilhadas da arte: o pintor Barradas, de Lisboa (1747). Museu. Porto: [s.n.]. 4ª Série, Nº 7 (1998), p. 107-135.

2 SERRÃO, Vítor - O núcleo de pintura. In FERNANDES, Isabel (coord.) - Igreja de São João Baptista de Alcochete. Alcochete: [s.n.], 2003. p. 76-103.

3 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 4, f. 172v.

4 ANTT, Habilitações do Santo Ofício, mç. 7, nº 104.

5 Nasceu em 25 de julho de 1696. ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 4, f. 82.

6 Nasceu em 23 de março de 1704. ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 4, f. 152v.

7 ANTT, Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7, f. s/nº.

8 ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Casamentos, liv. 4, f. 230.

9 Um treslado da escritura de dote e obrigação, copiado em 1 de agosto de 1744 pelo tabelião António da Silva Freire, encontra-se inserto no inventário orfanológico de Bernardo da Costa Barradas (BCB), f. 189-192.

10 ANTT, Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7, f. 189v.

11 Cfr. TRINDADE, Jaelson Bitran - op. cit., p. 113.

12 ANTT, Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7, f. 190v.

13 O mais velho, Joaquim, batizado a 22 de março de 1734 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 6, f. 289), depois o Manuel, nascido a 17 de agosto de 1737 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 7, f. 116v.), Maria, 7 de junho de 1740 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 7, f. 231v.), Josefa, 13 de agosto de 1744 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 8, f. 135v.-136) e Ana, batizada a 6 de agosto de 1746 (ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Batismos, liv. 8, f. 218v.).

14 Cfr. TEIXEIRA, Francisco A. Garcez - Irmandade de S. Lucas - Estudo do seu arquivo. Lisboa: [s.n.], 1931. p. 93. Informação já dada por Jaelson Trindade (op. cit., p. 107-108). Não obstante ser mencionado como Bernardo da Costa Saradas, o facto de ser referido como morador na Vila Galega e apontado o seu óbito a 20 de agosto de 1747 (apesar do registo paroquial do óbito indicar o dia 24) confirma-se a sua identificação, tratando-se, portanto, de um erro de leitura.

15 ANTT, Habilitações do Santo Ofício, mç. 7, nº 104.

16 Além de Jaelson Trindade (op. cit.) e de Vítor Serrão, Bernardo Costa Barradas é mencionado por Garcês Teixeira (op. cit.), Miguel Soromenho (Cfr. O Mosteiro e igreja de São Vicente de Fora. In MOITA, Irisalva (coord.) - O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte, 1994. p. 212), José Sarmento de Matos e Jorge Ferreira Paulo (Cfr. Guia Histórico do Caminho do Oriente. Lisboa: Livros Horizonte, 1999. p. 51 e 70) e Sílvia Ferreira, mencionando documento compulsado por Miguel Soromenho (Cfr. A retabulística. Presença e memória. In SALDANHA, Sandra Costa (coord.) - Mosteiro de São Vicente de Fora: Arte e História. Lisboa: Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa, 2010. p. 285 e 287; por erro de leitura – 96.000 por 906.000 reis –, a autora fala de um "pagamento avultado" a Bernardo Costa Barradas).

17 Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Livro dos Regimentos dos Oficiais Mecânicos, f. 128-130v.

18 AML, Livros 1º e 2º do Acrescentamento dos Regimentos dos Oficiais Mecânicos.

19 Cronologicamente, foram divulgadas: 1994 – Miguel Soromenho (S. Vicente de Fora-1737); 1998 – Jaelson Trindade (Alcochete); 1999 – Jorge Ferreira Paulo (Grilo); 2003 – Vítor Serrão (S. Vicente de Fora-1734, S. Tomé, Ribeira de Canha), que refere ainda duas outras intervenções de Bernardo Costa Barradas, em Santo André e Santa Apolónia, que de acordo com a documentação referenciada não são corretas; 2014 – Jorge Ferreira Paulo (Santa Marinha, S. João da Praça, Paço da Casa de Bragança).

20 CARDOSO, Padre Luís - Dicionário Geográfico, 1759. In PORTUGAL, Fernando; MATOS, Alfredo de (ed.) - Lisboa em 1758 - Memórias Paroquiais de Lisboa. Lisboa: [s.n.], 1974. p. 276.

21 A obra de talha fora realizada pelo entalhador Manuel da Costa, por contrato de 23 de julho de 1730, "na forma do risco posto em hum papel que elles partes asignarão". Cfr. FERREIRA, Sílvia - op. cit., p. 285; ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 47, liv. 558, f. 65v.-66v.

22 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 48, liv. 563, f. 50v.-51.

23 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 52, liv. 579, f. 80v. (SERRÃO, Vítor - op. cit., p. 98).

24 Idem, ibidem, f. 80v.-82.

25 João Crisóstomo Ribeiro foi também um pintor dourador lisboeta, morador na rua Nova do Almada. Nos anos de 1734-1735 executou trabalhos de douramento e pintura na igreja de Santo André, em obra de talha realizada pelo entalhador João Oliveira, obrigando-se a "dourar toda a obra de Talha que se acha na dita Igreja feita de nouo, com as cabeças dos Serafins, e meninos, e fundos da dita Talha, feitos ao estilo moderno de que se uza", e arcos das cappelas de pintura, com fastoens de flores, e o grosso das frestas de pintura e as comruspondentes que não dão luz serão fingidas de vidraça pintada, e o tecto da mesma Jgreja pintado todo de Brutesco (...) e a Simalha Real pintada tambem de pintura e da mesma sorte as paredes do choro, e as que ficão por baixo delle, e o tecto do choro pintado de brutesco"; e ainda capelas, altares, púlpitos, pedestais, além da limpeza do ouro de vários retábulos, estofar imagens e fazer "de nouo noue paineis estureados quatro delles com a vida de Santo Andre, e os sinco com Paços da Sagrada escriptura". V. Serrão menciona Bernardo Costa Barradas como um dos outorgantes desta escritura, o que não se verifica (op. cit., p. 99); ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 52, liv. 580, f. 47v.-49. Em 1740-1741 J. C. Ribeiro dourou e pintou grande parte da talha da igreja do Convento do Salvador, que sofreu grandes obras naquela década.

26 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 52, liv. 582, f. 35v.-37 (Cfr. MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira - Guia Histórico do Caminho do Oriente. vol. II, p. 70-71).

27 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 52, liv. 583, f. 83-84. Vítor Serrão coloca os dois pintores a trabalhar na igreja de Santo André confundindo esta escritura com um outro contrato de obra referente apenas ao pintor J. C. Ribeiro, levando-o a considerações sem fundamento sobre BCB. Cfr. op. cit., p. 99.

28 Plácido Castanheda de Moura esteve na origem toponímica do largo do Contador Mor, na antiga freguesia de Sant'Iago, onde adquiriu uma propriedade depois de vender as casas e hortas na Bemposta, devido à construção do palácio de D. Catarina de Bragança.

29 ANTT, Registo Geral de Testamentos, liv. 147, f. 46v.

30 Frei Agostinho de Santa Maria (1642-1728) foi cronista da Ordem. Segundo MACHADO, Diogo Barbosa - Bibliotheca Lusitana. Coimbra: Atlântida Editora, 1965. tomo I, p. 69-70, "recebeu o hábito na igreja das religiosas do mesmo instituto situada no lugar do Grillo suburbio de Lisboa, authorizando este acto com a sua presença a serenissima Raynha D. Luiza Francisca de Gusmão insigne protectora da sua reforma, e foy o primeiro noviço, que teve neste Reyno".

31 Copacabana significava lugar e assento da pedra preciosa na língua dos índios peruanos. "Mas que pedra mais preciosa, e peregrina, que Maria Santíssima?" – pergunta Frei Agostinho – "não he pedra dura, mas pedra tão doce, que produz mel; porque produzio o doce e suave Jesus" (Cfr. SANTA MARIA, Frei Agostinho de - Santuário Mariano. Lisboa: Off. Antonio Pedrozo Galram, 1707. tomo I, p. 70).

32 Trazida do Peru pelo regressado e enriquecido António Veiga que lhe dedicou uma capela com uma imagem que mandou fazer segundo cópia trazida da vila de Copacabana.

33 SANTA MARIA, Frei Agostinho de - op. cit., p. 477-479.

34 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 53, liv. 588, f. 93-94 (SERRÃO, Vítor - op. cit., p. 99).

35 Idem, ibidem.

36 Mencionado por SOROMENHO, Miguel - op. cit., p. 212 (ANTT, S. Vicente de Fora, 2ª inc., docs. avulsos, cx. 18, mç. 47, doc. 75).

37 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício A, cx. 103, liv. 465, f. 42v.-43v.

38 ANTT, 7º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício A, cx. 81, liv. 479, f. 16v.-17v.

39 ANTT, 7º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício A, cx. 82, liv. 481, f. 25v.-26.

40 ANTT, 7º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício A, cx. 81, liv. 479, f. 17v.-20.

41 ANTT, 7º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício A, cx. 81, liv. 479, f. 18v.

42 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 61, liv. 626, f. 44v.-46 (SERRÃO, Vítor - op. cit., p. 99).

43 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 62, liv. 630, f. 81-82 (SERRÃO, Vítor - op. cit., p. 100).

44 ANTT, Registo Geral de Testamentos, liv. 240, f. 124v.-127v.

45 ANTT, Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7, f. 230-232. Esta certidão foi passada em pública-forma pelo tabelião Manuel Inácio da Silva Pimenta, em 29 de agosto de 1748, e posteriormente por Félix José Guilherme, escrivão dos órfãos de Alfama.

46 Jaelsen Trindade começa por afirmar no seu ensaio (op. cit., p. 109 e 115), a partir do testamento de Bernardo Costa Barradas, que "foram feitas obras nos anos de 1740, mas ainda falta apurar quais foram elas". Contudo, prosseguindo, sem suporte documental, acaba por considerar que as "4 grandes telas da vida de S. João Batista, que compõem a obra «do seu ofício de pintor» para Alcochete, tiveram um pagamento razoável, até mesmo elevado". Vítor Serrão (op. cit., p. 97) seguiu esta linha escrevendo que "a identidade precisa foi dada a conhecer pelo historiador de arte brasileiro Jaelson Bitran Trindade, em 1998, num notável ensaio onde revelou a documentação relativa à factura dessas telas, que se mantinham sob perturbador anonimato". Ora, chamando o testamento à colação nada de específico se vislumbra sobre o trabalho de Barradas. Nem qualquer outro documento conhecido corrobora tal autoria, nem tão pouco alude a qualquer fatura. Assim sendo, as telas persistem teimosamente anónimas.

47 José Estevam refere que "nas reparações em 1908, as Obras Públicas substituíram o teto de castanho por casquinha, segundo consta na vila" (Cfr. A restauração da Igreja Matriz de Alcochete. Lisboa: Couto Martins, 1948. p. 103). Cfr. Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Lisboa: [s.n.]. Nº 33 (1943), p. 23. Refira-se ainda que no teto da nave central contam-se hoje 24 painéis e não os 27 contabilizados por Mardel.

48 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 64, liv. 640, f. 14v.-15.

49 Vítor Serrão noticiou várias, contudo, a sua menção a "empréstimos a juro de altos quantitativos, que atestam um estatuto social de alguma relevância", suscita ambiguidade quanto à posição de Bernardo Costa Barradas no empréstimo (op. cit., p. 98). Clarifique-se que o pintor foi prestacionista na maioria dos empréstimos.

50 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 61, liv. 628, f. 97-98v. Vítor Serrão afirma que "as religiosas do Mosteiro de Santa Apolónia contratam Barradas para realizar pinturas nesse convento" (op. cit., p. 100). Ora, esta escritura corresponde a um simples empréstimo, sem qualquer referência a obra ou pintura.

51 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 62, liv. 630, f. 81-82.

52 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 63, liv. 634, f. 16-16v. Vítor Serrão considera tratar-se de um novo empréstimo, quando na realidade se trata de um "lançado em nota" de dois recibos; indica o dia 3, quando foi 13 de agosto; refere a participação de João da Silva das Candeias, mas o nome é José (op. cit., p. 100).

53 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, liv. 632, f. 100-101v.

54 Jaelson Trindade revela um rol de produtos adquiridos a José Lino Vermeule (op. cit., p. 111).

55 Contraíra outro empréstimo em 1738, após a obra de S. Vicente de Fora, de 225.000 reis, comprometendo-se a pagar juros anuais e a devolver o principal da dívida em três meses após ser solicitado a fazê-lo. Como garantia deixou a "propriedade de cazas nouas que elle deuedor possui na dita Traueça da veronica"; ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, liv. 598, f. 3-4v. e 4v.-6v.

56 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 61, liv. 626, f. 45.

57 Foi o caso da situação que originou a queixa de vários artífices (pintores, escultores, entalhadores, latoeiros) ao arquiteto mor, João Frederico Ludovice, credores do Senado da Câmara pelos trabalhos de pintura e dourado realizados em colunatas e toldos aquando da procissão do Corpus Christi de 1719, continuando à espera do pagamento ao fim de ano e meio (AML, Livro 8º de Consultas e Decretos de D. João V do Senado Oriental, f. 170-227).

58 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 53, liv. 588, f. 34v.-35v. Vítor Serrão, ao contrário, refere este documento como um empréstimo ("de 32000.000 rs") feito pelo Barradas "para usufruto da dita irmandade", datando-o de 19 de junho, e menciona o Dr. Francisco Gomes como tesoureiro da irmandade (op. cit., p. 99). Na verdade, era o promotor dos resíduos do Arcebispado Oriental, em cuja casa se realizou a escritura, que ficaria distratada em 9 de janeiro de 1738.

59 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 53, liv. 588, f. 62v.

60 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 64, liv. 640, f. 14v.-15.

61 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 64, liv. 640, f. 14v.

62 ANTT, Registo Geral de Testamentos, liv. 240, f. 124v.-127v.

63 ANTT, Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7, f. s/nº.

64 TRINDADE, Jaelson Bitran - op. cit., p. 112.

65 ANTT, Registos Paroquiais, Santa Engrácia, Óbitos, liv. 5, f. 42v.

66 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 49, liv. 566, f. 89-91v. e 91v.-92v.

67 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 51, liv. 576, f. 35v.-36 (SERRÃO, Vítor - op. cit., p. 98).

68 Arquivo Histórico do Tribunal de Contas (AHTC), Décima da Cidade, Livros de Arruamentos, mç. 421.

69 AML, Livro de Cordeamentos de 1730-1737, f. 456-457v.

70 Idem, ibidem, f. 456v.

71 ANTT, 1º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, Ofício B, cx. 55, liv. 595, f. 31-32v. (SERRÃO, Vítor - op. cit., p. 100).

72 ANTT, Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7, f. 128-128v. (TRINDADE, Jaelson Bitran - op. cit., p. 113).

73 AHTC, Décima da Cidade, Livros de Arruamentos, mç. 421, 422, 423.

74 ANTT, Inventários Post Mortem, mç. 59, nº 7, f. 227.

75 ANTT, 8º Cartório Notarial de Lisboa, Livro de Notas, cx. 1, liv. 2, f. 52v.-53v.

76 Conheceu entretanto vários proprietários até ao 2º quartel do século XIX: D. Inês Maria de Barros, D. Ana Aires de Miranda, Padre Miguel Rodrigues Abranches, António Ribeiro da Costa (AHTC, Décima da Cidade, Livros de Arruamentos, mç. 424 a 462).

77 ANTT, Registo Geral de Testamentos, liv. 240, f. 124v.-127v.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons