SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 número4A cidade de Lisboa na preparação da conquista de Ceuta índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.4 Lisboa dez. 2015

 

INTRODUÇÃO

Introdução

André Teixeira*

FCSH/NOVA - Departamento de História, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa, Portugal;

CHAM - Centro de História d'Aquém e d'Além-Mar, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores, Portugal.

 

Evocam-se este ano os 600 anos da conquista de Ceuta. Foi um evento decisivo na história de Portugal, tendo mobilizado praticamente toda a elite política e militar da época, sinal da relevância que a Coroa portuguesa lhe atribuiu. Apesar de desligada do processo de revolução geográfica da Idade Moderna proporcionado pelos Descobrimentos, foi seguramente a primeira etapa de uma aposta além-mar de Portugal que perdurou no tempo até à contemporaneidade. Ponto estratégico entre o Atlântico e o Mediterrâneo, entre África e a Europa, Ceuta constitui também o primeiro passo num campo prioritário de ação da dinastia de Avis, o Norte de África, palco que lhe proporcionava legitimidade e afirmação no contexto internacional, o controlo sobre um espaço estratégico necessária às suas atividades marítimas, além do exercício das suas elites militares, que aqui recolhiam igualmente importantes proveitos. Embora motivadora de aceso debate, a própria presença portuguesa na cidade do Estreito ao longo de mais de dois séculos é prova da sua importância para Portugal e para a Cristandade.

Quiseram a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo da Cidade Autónoma de Ceuta assinalar esta data em conjunto, promovendo uma série de iniciativas culturais e científicas de longo alcance. Esta vontade, que é naturalmente de louvar, surgiu em separado nas duas cidades. Em Ceuta com o plano de organização de uma exposição que traçasse a evolução do perfil e da vivência dos dois aglomerados urbanos neste período de mutações cruciais, entre a medievalidade e a época moderna. O evento decorre presentemente em Lisboa e seguirá em 2016 para Ceuta, tendo-se produzido um catálogo e um vídeo que perdurarão a memória do trabalho realizado. Em Lisboa a ideia surgiu dirigida para a organização de um volume dos Cadernos do Arquivo Municipal dedicado às relações entre Lisboa e Ceuta, obra que agora se dá à estampa.

O elo de ligação nesta relação entre os dois poderes autárquicos foi a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Esta vem procurando cimentar e dar corpo a uma parceria estratégica com a Câmara Municipal de Lisboa, que no âmbito do Departamento de História se materializa no lançamento de projetos conjuntos, na organização de inúmeros eventos científicos e culturais, na colaboração ao nível de estudos pós-graduados e na promoção do estudo de coleções arqueológicas à guarda do município. Paralelamente, através da sua unidade de investigação CHAM, tem desenvolvido investigação junto do Governo da Cidade Autónoma de Ceuta, destacando-se a colaboração nas investigações sobre as Muralhas Reais daquela cidade, sob a coordenação de Fernando Villada Paredes, conjunto monumental que também passará a estar acessível ao público nesta efeméride.

Outro projeto cruza estas instituições, tendo amplas repercussões no presente volume, o de recolha e inventariação de documentação sobre Ceuta existente em arquivos portugueses, de que se publicará proximamente o respetivo guia. Este facto justifica a secção Documenta deste número, onde se publicam os documentos coligidos até ao momento sobre esta temática do Arquivo Municipal de Lisboa, contando para isso com o labor de Joana Torres, do CHAM- Centro de História d´Aquém e d´Além Mar, e de Sara Loureiro, do Arquivo Municipal de Lisboa. No quadro desta parceria inclui-se também nesta secção um contributo, inédito nesta revista, com documentação sobre Lisboa existente no Archivo General de Ceuta, cabendo aqui um expresso agradecimento a Rocío Valriberas Acevedo e a José Luís Gomez Barceló, responsáveis naquela instituição.

Efetivamente, o tema do presente volume constitui novidade. Por certo intensa produção sobre o passado de Ceuta tem sido publicada por numerosos autores desta cidade, destacando-se neste âmbito o papel do Instituto de Estudios Ceutíes, a que se juntam naturalmente outros investigadores espanhóis e, sobretudo, portugueses. O mesmo se poderá dizer sobre Lisboa, onde organismos autárquicos e instituições universitárias, entre outros agentes, têm procurado dar continuidade ao labor dos olissipógrafos consagrados de antanho. Contudo, o objetivo desta publicação é inovador, na medida em que se pretendem estudar as relações entre Lisboa e Ceuta na longa duração e num quadro interdisciplinar, perspetiva sobre a qual a investigação rareia. Esta asserção é ainda mais válida quando se procura integrar, na linha do estatuto editorial da revista, o acervo histórico documental lisboeta à guarda da edilidade.

A construção deste número dos Cadernos do Arquivo Municipal foi feita, pois, num contexto de “trabalho em progresso”, no sentido em que os artigos foram sendo redigidos paralelamente à investigação dos fundos e coleções do arquivo. Cumpre, aliás, agradecer aqui a disponibilidade do conselho editorial desta revista, na pessoa da sua coordenadora Marta Gomes, para acolher as vicissitudes deste facto, nomeadamente na aceitação muito fora do prazo de contribuições para o tema desta edição. É devido também um agradecimento à colega de Conselho Científico Edite Alberto, funcionária do Arquivo que muito nos auxiliou na gestão deste espinhoso dossier. Julgamos, enfim, que os textos aqui reunidos, num espaço de tempo que é, apesar de tudo, relativamente curto, constituem um contributo para esta abordagem inovadora das relações históricas entre Lisboa e Ceuta.

Logo no início da publicação, o próprio evento da conquista e os movimentos militares subsequentes são analisados com um enfoque inovador: Carlos Guardado da Silva olha os quotidianos da capital portuguesa nas vésperas da partida da armada de Ceuta, ao passo que Tiago Machado Castro aproveita um documento sobre a deslocação de reforços defensivos para a cidade do Estreito para produzir um ensaio sobre o armamento em uso à época. Noutro apartado, Carlos Caetano, por um lado, e Jacinta Bugalhão e André Teixeira, por outro, focam a cidade de Lisboa no tempo de Ceuta, o primeiro analisando finamente a implantação do organismo que fazia a gestão da presença portuguesa no Norte de África, a Casa de Ceuta, os segundos cruzando informação documental e achados arqueológicos para perscrutarem uma das tendências dos aglomerados urbanos desta época, tanto no Reino, como além-mar, as preocupações sanitárias.

Segue-se um grupo de estudos que, partindo de enfoques totalmente distintos, trazem novos dados sobre aspetos da presença portuguesa em Ceuta: Natália Antónia no domínio da economia, retomando a questão polémica da rentabilidade da praça; Diana Pereira, no campo da arte e da religião, trazendo novos dados sobre a imagem da padroeira de Ceuta, Santa Maria de África; Antonio Rodríguez, na esfera eminentemente política, abordando a controversa matéria da não adesão de Ceuta à causa da Restauração, bem como o processo de castelhanização da cidade pelos Habsburgo. Já Beatriz Marques trouxe-nos o único artigo sobre uma matéria ainda mais escassamente tratada, a do legado que a presença portuguesa além-mar deixou no Reino, em domínios que são muitas das vezes do foro do simbólico e imaterial: a autora atenta à evolução urbana do bairro lisboeta de Alcântara e a formação da Avenida de Ceuta.

O volume termina com um conjunto de recensões críticas a quatro publicações sobre Ceuta editadas este ano, merecendo aqui uma palavra de gratidão aos autores que aceitaram o convite para esta tarefa, conferindo-lhe atualidade e fazendo um certo ponto de situação da produção historiográfica sobre a história da cidade do Estreito e em particular a sua conquista em 1415.

Resta esperar que a presente publicação estimule a continuação dos estudos sobre Lisboa e Ceuta, bem como o Norte de África em geral, num quadro de fronteiras disciplinares e institucionais cada vez mais esbatidas.

 

Nota

* André Pinto de Sousa Dias Teixeira é licenciado em História e em História, variante de Arqueologia, mestre em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa e doutor em História, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Professor auxiliar do Departamento de História desta faculdade e coordenador do 2º ciclo em Arqueologia. Investigador integrado do CHAM, unidade de investigação da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores, onde pertence à direção e coordena o grupo de investigação de Arqueologia Moderna e da Expansão Portuguesa. Correio eletrónico: texa@fcsh.unl.pt

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons