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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.4 Lisboa dez. 2015

 

RECENSÕES

BRAGA, Paulo Drumond - Uma lança em África: história da conquista de Ceuta. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2015. 200 p.

Filipe Themudo Barata*

 

 

Não é surpreendente que neste ano de 2015 tenham sido publicadas diversas obras sobre Ceuta: discutiu-se a sua conquista, a sua defesa, a sua manutenção, a sua perda e até a sua realidade atual. Não admira, pois, como se sabe, fez este ano 600 anos que foi tomada esta praça pelo exército português comandado pelo rei D. João I. Para o próximo ano, muitas das atas dos encontros ocorridos este ano, serão certamente publicadas e, então, poderemos fazer um balanço de tudo o que foi escrito e publicado.

Entre aquelas que foram publicadas este ano, conta-se este trabalho da autoria de Paulo Drumond Braga (PDB), que, juntamente com Isabel Mendes Drumond Braga, já tinha sido autor de vários trabalhos sobre Ceuta, entre os quais destaco “Ceuta Portuguesa (1415-1656)”, publicado em Ceuta, em 1998.

No primeiro contacto com esta obra percebemos logo o seu objetivo: organizar de uma forma simples e compreensível a informação que se sabe sobre Ceuta no período que medeia entre a sua conquista pelos portugueses e a sua passagem para a soberania espanhola. Pelo modo como está dividido percebe-se que está dirigido a todo o tipo de leitores interessados.

Além dos 6 pontos em que o livro se organiza, fica assinalada a presença de um conjunto de anexos que, para historiadores e outros leitores, são sempre úteis. Em especial, as listas de Capitães e Governadores, bem como as dos bispos de Ceuta e de Ceuta e Tânger, são uma informação segura com as fontes devidamente identificadas. Também fica aqui o registo para uma bibliografia bastante completa.

Vejamos agora o conteúdo.

No primeiro ponto, o autor começa por apresentar, claro, as várias teorias de muitos historiadores sobre os motivos que levaram o rei à conquista da praça do Norte de África. Esse resumo de teses merece, todavia, uma nota. Por razões que tenho dificuldades em compreender, a sugestão que Aires Augusto Nascimento defendeu, no seu conhecido “Livro dos Arautos” e que PDB conhece e cita, nunca é considerada à hora de escolher as diferentes hipóteses levantadas pela historiografia para a tomada de Ceuta; é certo que o título da obra não parece discutir os motivos da conquista, mas o seu conteúdo mostra bem como os problemas da legitimidade da Coroa portuguesa e a necessidade de se fazer representar no Concílio de Constança podem ser considerados tão importantes como a busca das rotas do ouro ou do trigo marroquino.

Depois de descrever, de forma breve, a cidade nos inícios do século XV que os portugueses se preparavam para tomar, é no ponto seguinte que PDB aborda rapidamente a conquista da cidade. Nesta parte, certamente por não se pretender entrar em detalhes e numa descrição demasiado especializada, nunca se faz uma apreciação – uma crítica - das fontes, nomeadamente do testemunho de Zurara, como outros historiadores têm vindo a fazer, como é o caso de Luís Miguel Duarte.

O ponto seguinte, o maior, refere-se à descrição da cidade de Ceuta sob domínio português. O modelo de análise é o que, há muitos anos, A. H. Oliveira Marques apresentou para o estudo das cidades portuguesas. O problema desse tipo de abordagem, no pequeno espaço desta obra, é a necessidade de se comprimirem as conjunturas e o próprio tempo para realçar os aspetos mais gerais, perdendo-se a perceção dos anos difíceis, da crise, da insegurança, ou, ao contrário, das épocas de prosperidade. Mas também é justo reconhecer que, desta forma e neste livro, temos acesso a imensa documentação e informação tirada diretamente das fontes.

Finalmente, PDB termina, dizendo que dessa presença centenária portuguesa ficou a bandeira, as armas da cidade e o reconhecimento de um passado comum. Pessoalmente, depois de ter ido várias vezes a Ceuta, o que mais me impressionou, não foi tanto a bandeira e as armas da cidade, mas muito mais a reivindicação dos seus habitantes de uma herança comum com Portugal que querem continuar a partilhar e que, no contexto da Espanha atual, lhes dá, ou reclamam dar, uma identidade especial.

Uma última nota para o que, nos nossos dias, valeria a pena continuar a investigar e estudar e que, normalmente, se perde nas descrições da conquista e da história da cidade. O primeiro ponto refere-se à importância simbólica que, desde 1415, a cidade passou a ter, tanto em Portugal, como no contexto europeu. De facto, já existem alguns artigos, mostrando, como, no final da vida, muitos dos que pediam tenças ao rei, reclamavam os seus direitos com o argumento de pertencerem à geração dos que tomaram Ceuta. Mas conhecemos muito pior o que Ceuta representou para muitos europeus que vinham combater na cidade. PDB, aliás, enumera muitos estrangeiros que, em vários momentos, lá se encontravam; o que não sabemos é se, para além dos comerciantes, Ceuta terá conseguido polarizar uma corrente, ideológica e política, de todos aqueles que seguiam e perseguiam modelos cavaleirescos e guerreiros nas relações com o Islão.

Um outro ponto que importa conhecer melhor é a forma como, nos nossos dias, os habitantes da cidade reclamam a partilha de um património comum, porque o fazem e qual o conteúdo identitário desse património. É quase perturbador a ligação a Portugal que reclamam.

Um último aspeto que justifica o aprofundamento dessa relação é o facto de nos permitir conhecer melhor a própria Ceuta portuguesa. A muralha e porta califal posta recentemente a descoberta ajuda-nos a compreender melhor as obras que os portugueses ergueram; do mesmo modo, muitas das construções perto da cidade, junto à costa, no futuro, ajudar-nos-ão a perceber com mais precisão a forma como Portugal se entrincheirou na região.

Mas convenhamos que para avançar para estes novos caminhos é essencial termos estes pontos da situação que a obra de PDB nos fornece.

 

 

Nota

* Historiador, Professor Associado, com Agregação, da Universidade de Évora, investigador e vice-director do CIDHEUS - Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades. Responsável da Cátedra UNESCO de património imaterial; académico correspondente da Academia da Marinha e da Academia Portuguesa de História.

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