SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 número8Abastecimento e consumo de pescado: alguns aspetos do quotidiano na Lisboa dos séculos XIV e XV índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Cadernos do Arquivo Municipal

versión On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.8 Lisboa dic. 2017

 

INTRODUÇÃO

 

Amélia Aguiar Andrade*; Mário Farelo**

*IEM - Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal.

**IEM - Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal.

CEHR - Centro de Estudos de História Religiosa, Universidade Católica, 1649-023 Lisboa, Portugal.

CHUL - Centro de História da Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1600-214 Lisboa, Portugal.

 

 

A história da Lisboa medieval regista atualmente um renovado dinamismo. Depois dos estudos de recorte institucionalista de meados do século XX e da insistência no conhecimento sociológico dos grupos de poder da cidade nas últimas décadas, a história da Lisboa medieval beneficia hoje de uma diversificação dos seus objetos de trabalho. Por um lado, aprofundam-se caminhos já trilhados, nomeadamente em torno das elites urbanas da urbe, permitindo um olhar atualizado sobre a sua implantação e recrutamento, sem esquecer as relações de domínio que o rei, as oligarquias camarárias e o alto clero exerceram sobre as restantes «forças» sociais da cidade. Pelo outro, a crescente consciencialização dos medievalistas para a importância da área patrimonial tem possibilitado um estreitar de relações da História com a História da Arte e a Arqueologia, com resultados importantes para o estudo da cultura material e do património documental, arquitetural e artístico da cidade no passado, como aliás testemunham alguns anteriores dossiês temáticos dos Cadernos.

Para este dinamismo contribuiu o trabalho desenvolvido nos últimos anos pelo Arquivo Municipal em termos de disponibilização do seu acervo, através da elaboração de instrumentos de descrição documental ou da digitalização dos documentos custodiados e a posterior colocação em linha. Com a recente publicação do Livro dos Pregos, o arquivo camarário assumiu a sua responsabilidade de facilitar o acesso ao seu acerto e de combater algo conhecido de todos os medievalistas: o facto de a publicação de fontes sobre a Lisboa medieval permanecer, em termos gerais, muito aquém do desejado e do necessário.

A crescente acessibilidade (digital) das fontes, aliada ao incentivo da ligação entre as entidades detentoras e os centros de investigação, tem adjuvado também um crescendo na investigação sobre a Lisboa medieval. Neste particular, destaca-se o projeto científico dirigido pelo Arquivo Municipal de Lisboa e pelo Instituto de Estudos Medievais, destinado a valorizar a documentação medieval conservada pelo primeiro e que justifica o dossiê temático apresentado neste número dos Cadernos do Arquivo Municipal, com a coordenação de dois membros do segundo.

Um dos objetivos propostos por este projeto é o estudo dos fundos documentais custodiados pelo arquivo camarário com informações substantivas para o conhecimento das atividades produtivas dos lisboetas e das lutas constantes para abastecer a cidade no período medieval, continuando o trabalho iniciado há várias décadas pela professora Iria Gonçalves. Pretendeu-se com este número temático responder a esse desafio, reunindo-se para o efeito um conjunto de textos que, na sua maioria, abordam temas ligados à questão do abastecimento da cidade. Um desafio que se propõe, de igual modo, amenizar uma tendência sentida pela investigação sobre Lisboa medieval, a saber uma falta de equilíbrio na cronologia. Centrada no estudo das instituições, das pessoas e dos seus relacionamentos para os séculos XIII e XIV, existe ainda hoje um nítido atraso no conhecimento da documentação quatrocentista do arquivo e da própria história da cidade.

Refira-se que esse dossiê espelha também algumas das dificuldades sempre sentidas por muitos dos organizadores deste tipo de publicação científica: o facto de a investigação se encontrar por diversas vezes ainda em curso, assim como da impossibilidade de muitas contribuições chegarem a letra de forma, muito por culpa da multiplicidade das solicitações científicas que recaem sobre os especialistas.

Resultante de uma chamada de artigos, o dossiê que agora de apresenta resulta algo compósito. A um núcleo de três artigos ligados à temática do abastecimento, seguem-se dois outros trabalhos que espelham justamente alguns dos caminhos seguidos pela história da Lisboa medieval nos últimos tempos, a saber a reconstituição do património régio na cidade, assim como a escrita na urbe, aqui observada à luz da evolução da prática escriturária na escrivaninha camarária. A mesma dupla orientação presidiu à constituição das contribuições da seção Documenta. Nesta última, o leitor poderá consultar uma fonte ímpar para o conhecimento dos agentes do abastecimento de carne a Lisboa em inícios do século XVI, assim como duas peças ligadas à gestão patrimonial na cidade, ilustrativas da possibilidade de alguns fundos arquivísticos, constituídos no essencial com documentação moderna, poderem constituir pontos de acesso privilegiado a informações sobre temáticas medievais.

No que respeita à organização do dossiê, Manuela Catarino propõe um périplo pelo abastecimento do pescado à cidade no período tardomedieval, destacando a importância do seu consumo na Idade Média, para depois se centrar nos seus diversos aspetos, da captura e do seu transporte a Lisboa, à sua venda e confeção. Indicador da participação do poder camarário na gestão dos recursos alimentares, o caso do pescado aqui entrevisto coloca em relevo os problemas associados ao abastecimento de uma cidade tão multifacetada do ponto socioeconómico como Lisboa.

Por sua vez, os dois artigos seguintes centraram a sua atenção na utilização e exploração de recursos aquíferos. Luís Ribeiro Gonçalves procurou rastrear os usos da água na Lisboa medieval e reconstituir as diversas componentes dos sistemas de água da cidade, muitos deles organizados antes da Época Moderna. Mais do que meros recursos dotados de uma geografia e operacionalidades específicas, o autor sublinhou o seu papel enquanto elementos essenciais de um processo de gestão de recursos no qual intervinham, como seria de esperar, a instituição camarária e a Coroa.

Ana Cláudia Silveira chama a atenção, no seu trabalho de recorte diacrónico sobre um moinho de maré em Alcântara, para as potencialidades da água – e no caso específico do rio Tejo – para as comunicações, para a irrigação dos solos e como fornecedor de energia motriz para diversos engenhos de moagem. Estes últimos, enquanto valiosos equipamentos de transformação, propiciam um conjunto de rendimentos que fazem deles objetos preferenciais da atenção dos terratenentes leigos e eclesiásticos presentes da cidade de Lisboa.

A propriedade imobiliária constituiu o tema do artigo de João Miguel Simões, centrado no estudo da identificação dos proprietários e da estruturação do espaço entre o Chão do Alcamim e da Igreja de São Cristóvão ao longo de um arco cronológico desde o século XIV ao século XVI. Percebe-se da investigação que este último evoluiu, ao longo do tempo, com o acelerar da sua urbanização do período medieval e, concomitantemente, com a crescente depreciação do seu valor imobiliário, apesar da instalação no seu seio de paços pertencentes a membros da nobreza e do clero ligados aos monarcas portugueses. A desvalorização das rendas seria assim, para o autor, uma das formas pelas quais os poderosos controlaram socialmente o referido espaço.

Por último, Jorge Ferreira Paulo reconstituiu a passagem da escrita gótica à escrita humanística no seio da atividade burocrática da Câmara Municipal, pela via da análise da produção escriturária do seu escrivão Cristóvão de Magalhães e de seus filhos. Pelo estudo das formas e das práticas gráficas em uso na escrivaninha municipal, o autor contextualizou e caracterizou um processo pontuado pelas vontades dos seus agentes e que constitui um testemunho de uma passagem de época e da influência da Coroa sobre a atividade camarária.

No seguimento da colaboração desenvolvida pelas instituições supracitadas, a secção Varia pretende dar conta do comprometimento de cada uma delas com a história da cidade no período medieval. Assim, a primeira contribuição analisa e apresenta a produção científica dos membros do Instituto de Estudos Medievais, na última década e meia, sobre a referida temática (sendo um dos seus últimos produtos justamente objeto de atenção na secção Recensões). A segunda, da responsabilidade do Arquivo Municipal, disponibiliza um importante catálogo da documentação custodiada por esta instituição, no relativo às instituições de assistência que se encontraram sob gestão municipal no período medieval.

Fruto de um trabalho coletivo, cumpre-nos agradecer à diretora da revista, Helena Neves, à Coordenadora e ao Conselho Editorial dos Cadernos, Marta Gomes, Aurora Almada e Santos, Denise Santos, Nuno Martins, Sandra Cunha Pires e Sara de Menezes Loureiro as facilidades concedidas para a realização deste número. Os mesmos agradecimentos devem ser dirigidos a todos os colegas que se dignaram avaliar os artigos submetidos e, sobretudo, a todos os autores que, pelos seus contributos, pugnam para que a documentação medieval do Arquivo Municipal de Lisboa assuma todo o protagonismo que as vicissitudes do tempo e a força das circunstâncias teimaram até hoje em negar.

 

Notas

* Professora catedrática de História Medieval da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Membro do Instituto de Estudos Medievais, do qual foi Diretora entre 2011 e 2015. Integra o comité científico da European Association for Urban History (desde 2008), o ESF College of Expert Reviewers e o Comité Científico de Nájera: Encuentros Internacionales del Medievo (desde 2005). Integrou, em 2009/2010, o review panel do Eurocores programmes in the Humanities da ESF para o concurso subordinado ao tema European Comparisons in Regional Cohesion, Dynamics and Expressions (EuroCORECODE). A sua investigação desenvolve-se em torno do estudo da articulação entre espaços e poderes, nomeadamente ao nível dos contextos urbanos no Portugal medieval. Coordenou dois projetos de investigação financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, participando regularmente em projetos de investigação no estrangeiro, particularmente em dois projetos europeus. Correio eletrónico: amelia.andrade@fcsh.unl.pt

** Mestre-ès-Arts (1999), mestre e doutor em História Medieval (2004 e 2009). Bolseiro de pós-doutoramento da FCT entre 2009 e 2014. Membro do Instituto de Estudos Medievais, do Centro de Estudos de História Religiosa e do Centro de História da Universidade de Lisboa. O seu trabalho tem incidido de forma particular sobre a história da Lisboa medieval, nomeadamente no que respeita ao estudo do recrutamento e da institucionalização das elites de poder olisiponenses no período medieval. Tem como outras áreas de trabalho a História eclesiástica, urbana, diplomática e cultural do reino de Portugal. Correio eletrónico: mario.farelo4@gmail.com

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons