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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.9 Lisboa jun. 2018

 

INTRODUÇÃO

Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara*, Teresa Campos Coelho**

*Universidade Aberta, 1269-001 Lisboa; CHAIA-Centro de História da Arte e Investigação Artística, Universidade de Évora, 7000 Évora, Portugal. agagodacamara@sapo.pt

**CHAM-Centro de Humanidades, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa / Universidade dos Açores, 9501-855 Ponta Delgada, Portugal. teresacamposcoelho@gmail.com

 

 

“Do alto do Castelo, é deslumbrante, não digo que não. Mas há a distância, e a distância inventa cidades, como muito bem sabemos“.

José Cardoso Pires, Lisboa, livro de bordo1

 

A cidade é por definição um organismo vivo e em constante mutação. A sua história constrói-se de sonhos, conquistas e perdas, pelo que é uma história de identidade. Conhecer a história das cidades é compreender este passado ausente.

Como todas as cidades, Lisboa cresceu entre realidades, imaginários, ausências e utopias, entre permanências e transições. Como grande cidade foi já desejada por Francisco de Holanda em 1571 na Fábrica que falece à cidade de Lisboa, e citada por tantos autores ao longo dos séculos. Muitos seriam os nomes daqueles que sobre ela se debruçaram, que aqui poderiam e mereciam ser relembrados. Referiremos apenas o recente trabalho, The Global City2, que nos permite reconstituir essa cidade já ausente e que teve, na desaparecida Rua Nova dos Mercadores, a materialização de todo o seu esplendor.

Lisboa alia à beleza natural da sua geografia o exotismo do contacto com outros mundos que uma localização privilegiada permitiu, na confluência das rotas marítimas dos diferentes continentes. Mas se, como refere José Cardoso Pires, “a distância inventa cidades”, é sobretudo na proximidade e sentir das suas “muitas e desvairadas gentes” que reside, desde tempos imemoriais, grande parte do fascínio para quem a visita – e uma incontornável dependência para quem quotidianamente com ela (con)vive.

Ela traduz o confronto entre o sonho de alguns e as exigências de adaptação motivadas pelos mais diversos fatores, numa sábia reinvenção a cada momento, mesmo em períodos de grande rutura. Nas suas muitas mutações, Lisboa é a cidade possível, resultado das paixões e vicissitudes que a vão moldando – como José Sarmento de Matos a define na magnífica entrevista que nos deu, Em Lisboa as coisas ajeitam-se...

A ideia deste tema surgiu-nos quando, no início de 2016, estávamos a preparar para estes mesmos Cadernos um texto sobre o desaparecido Palácio do Marquês de Alegrete na Mouraria de Lisboa. Deparámo-nos com uma série de projetos para o Martim Moniz, de ligação entre o centro histórico e o prolongamento da Rua da Palma3.

Propusemos então (em fevereiro de 2017) a realização de um número temático sobre a Lisboa Ausente, que permitisse englobar não só a memória do património desaparecido, mas também a referência aos muitos projetos utópicos pensados para a cidade. O tema, embora não seja novo no âmbito da iniciativa municipal – em 1999 o Departamento de Património Cultural, através da Divisão de Arquivos, organizara já um colóquio subordinado ao tema Lisboa, utopias na viragem do milénio4, continua atual pelo interesse que desperta naqueles que estudam a cidade. E já em janeiro de 2017, viria a ser inaugurada, no Museu de Lisboa–Palácio Pimenta, a exposição A Lisboa que teria sido5.

Os seis artigos que integram o dossier deste número pretendem refletir sobre este tema a partir de diferentes perspetivas, considerando e salientando estruturas espaciais e sociais, formas urbanas, idealizações, projetos e intenções, estabelecendo pontes entre a cidade material e a cidade imaginada.

Agrupámos os textos em três núcleos, uma entre muitas outras organizações possíveis: “A Transformação de Lisboa”, “Lisboa Barroca” e “Lisboa Contemporânea”.

Na “Transformação de Lisboa” incluímos o texto intitulado A Mouraria da Velha Rua da Palma. Quatro séculos no ciclo de vida de um arruamento (1554-1959), onde o autor, Tiago Borges Lourenço, analisa como o rasgamento da Rua da Palma implicou importantes alterações no Vale da Mouraria.

O segundo núcleo, "Lisboa Barroca", reúne o maior número de textos, concentrados em diferentes olhares e perspetivas: o artigo de João Paulo Cabral, Onde estava localizado o Horto Botânico de Xabregas, criado por Gabriel Grisley em Lisboa, no século XVII?, reconstitui o Horto Botânico de Xabregas do médico alemão Gabriel Grisley, espaço onde se cultivavam plantas em abundância, para uso medicinal e estudo, tendo ainda associado um herbário para que boticários e médicos pudessem estudar as plantas medicinais.

Refazendo alguns espaços de uma Lisboa sacra, Maria João Pacheco Ferreira aborda a Desaparecida Igreja de Nossa Senhora da Divina Providência de Lisboa, reconstituindo uma memória visual do seu interior no ano de 1712 e partindo de uma descrição minuciosa da canonização de Santo André Avelino realizada pelos padres teatinos, consegue revisitar o cenário em que decorreu a festividade; e Sílvia Maria Cabrita Nogueira Amaral da Silva Ferreira, em mais um trabalho dedicado à talha barroca, Memórias de ausência, testemunhos de persistência: a talha barroca das igrejas de Nossa Senhora do Socorro, de Santo Estêvão e de São Miguel, em Lisboa, propõe compreender – à luz de diversas fontes documentais – os mecanismos económicos e socioculturais subjacentes às encomendas de obras de talha destes lugares.

Compondo uma historiografia artística sobre a cidade de Lisboa, o artigo de Giuseppina Raggi traça-nos uma visão muito sólida sobre a política cultural joanina, evidenciando o papel da rainha Maria Ana de Aústria como agente cultural na escolha de projetos, obras e arquitetos para a cidade. Apresenta alguns desenhos inéditos do Teatro da Real Ópera do Tejo, equipamento que integrou Lisboa na rede e circuito das grandes capitais europeias da segunda metade do século XVIII, infelizmente de duração efémera, destruído pelo terramoto de 1755 e que desde sempre se destacou na história de Lisboa pelo fascínio e pelas “histórias” que o envolveram.

Na "Lisboa Contemporânea", o texto Das colinas de Lisboa: as “avenidas aéreas” nunca construídas de Ana Cristina Martins Barata, autora que tem vindo a desenvolver trabalhos no âmbito das utopias da cidade. Paralelamente à cidade real que se ia transformando segundo os planos de melhoramentos, foi-se construindo a imagem de uma Lisboa mítica, alimentada de expectativas de modernização e cosmopolitismo, surgindo uma série de projetos que tiveram em comum o facto de nunca terem passado do domínio do desejo dos homens que os pensaram.

Na secção Documenta optou-se por disponibilizar um conjunto de documentos iconográficos relacionados com as temáticas escolhidas, quer com uma cidade já desaparecida, quer com as diferentes utopias para ela projetadas.

Na secção Entrevista, decidindo fugir ao alinhamento tradicional da Varia, considerámos oportuno, e do maior interesse, entrevistar o historiador de arte, ou melhor, o olisipógrafo José Sarmento de Matos. Com uma vasta obra dedicada ao estudo de Lisboa, cidade onde nasceu e vive, a par de numerosas palestras sobre o seu urbanismo e arquitetura, destacamos a sua intervenção no âmbito da Expo 98 (a comemorar agora 20 anos) com trabalhos como O Caminho do Oriente: Guia Histórico6, no qual estuda e chama a atenção para um património então praticamente esquecido. E, mais recentemente, o trabalho A Invenção de Lisboa, com dois volumes já publicados7, uma obra que, como transparece na entrevista que nos concedeu, se salienta também pelo sentir profundo da cidade que connosco partilha e se esta narrativa sobre uma Lisboa ausente e utópica remonta à fundação da cidade hoje continuam a multiplicar-se as tentativas de gerir o seu espaço e, consequentemente, as pessoas que nele habitam.

Por último, foi para nós também muito gratificante trabalhar com esta equipa constituída por: Helena Neves (chefe da Divisão do Arquivo Municipal e diretora da revista); Marta Gomes (coordenação e Conselho Editorial); Aurora Santos, Sandra Cunha Pires e Nuno Martins (Conselho Editorial); Denise Santos (revisão bibliográfica); Joana Pinheiro (design); Pedro Cordeiro e Susana Santareno (comunicação). Um agradecimento especial a todos pelo empenho, rigor e competência que dedicaram à organização deste número e à compilação da documentação publicada na rubrica Documenta,abrindo-nos pistas às muitas possibilidades de leitura sobre uma Lisboa sonhada, projetada e transformada ou já inexistente.

Uma última palavra de agradecimento é dirigida aos membros da Comissão Externa de Avaliadores do presente número promovendo a qualidade dos trabalhos publicados e aos autores que aceitaram, como nós, este desafio.

 

 

Lisboa, 25 de maio de 2018

 

 

NOTAS

1PIRES, José Cardoso – Lisboa, livro de bordo: vozes, olhares, memorações. Lisboa: D. Quixote, 2001. p. 11.         [ Links ]

2GSCHWEND, Annemarie Jordan; LOWE, K. J. P., ed. – The global city: on the streets of Renaissance Lisbon. [S.l.]: Paul Holberton Publishing, 2015.         [ Links ]

3CÂMARA, Maria Alexandra Trindade Gago da; COELHO, Teresa de Campos – O palácio dos Marqueses de Alegrete à Mouraria: do palácio ausente à memória do sítio. Cadernos do Arquivo Municipal. II Série Nº 5 V. 1 (janeiro-junho 2016), p. 81-126. Este número, subordinado ao tema Histórias de Casas e de quem lá vive(u) foi coordenado por Raquel Henriques da Silva.         [ Links ]

4COLÓQUIO TEMÁTICO LISBOA, UTOPIAS NA VIRAGEM DO MILÉNIO, 3, Lisboa, 1999 – Actas das sessões. Lisboa: CML/Arquivo Municipal. DL 2001.         [ Links ]

5SILVA, Raquel Henriques da; MIRANDA, António, coord. – A Lisboa que teria sido. Lisboa: EGEAC, Museu de Lisboa, 2017.         [ Links ]

6MATOS, José Sarmento de; PAULO, Jorge Ferreira – Caminho do Oriente: guia histórico. Lisboa: Livros Horizonte, 1999.         [ Links ]

7MATOS, José Sarmento de – A invenção de Lisboa: as chegadas: as vésperas. Lisboa: Temas e Debates, 2008. 2 vol.         [ Links ]

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