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Cadernos do Arquivo Municipal

On-line version ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.17 Lisboa June 2022  Epub June 01, 2022

https://doi.org/10.48751/cam-0cd3-d111 

Dossier

Ouro Preto, materialidades e espacialidades de sua paisagem

Ouro Preto, materialities and spatialities of its landscape

Camila Ferreira Guimarãesi 
http://orcid.org/0000-0002-6776-588X

Manoel Rodrigues Alvesii 
http://orcid.org/0000-0002-6935-0477

iIAU-USP - Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 13566-590 SP, Brasil. camilafguimaraes@hotmail.com

iiIAU-USP - Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 13566-590 SP, Brasil. mra@sc.usp.br


Resumo

Desde o início do processo de ocupação de seu território, o patrimônio edificado e a paisagem urbana da cidade de Ouro Preto (Minas Gerais, Brasil) sofreram diversas modificações. Em um primeiro momento, durante a colonização portuguesa, essa paisagem foi pautada pela exploração do solo na busca de minérios e caracterizada por aspectos do barroco. Um segundo momento, da conformação urbana, diz respeito ao período de modernização nacional e valorização do patrimônio. Já no contexto contemporâneo, a materialidade dessa paisagem é conformada por dois aspectos: decorrente do urbanismo neoliberal, a turistificação do território pela associação da indústria do turismo à indústria cultural; simultaneamente, a busca dos moradores pela sobrevivência no espaço urbano por meio de ocupações informais. Neste sentido, referenciado em um entendimento particular da noção de paisagem, este trabalho propõe um olhar sobre as paisagens urbanas construídas em Ouro Preto ao longo da exploração do seu território, a partir da ênfase na materialidade, usos e apropriações.

Palavras-Chave: Ouro Preto; Paisagem Urbana; Materialidades; Banalização

Abstract

Since the beginning of the process of occupation of its territory, the built heritage and the urban landscape of the city of Ouro Preto (Minas Gerais, Brazil), has undergone several changes. At first, during Portuguese colonization, this landscape was guided by the exploration of the soil in search of ores and characterized by aspects of the baroque. A second moment of urban conformation concerns the period of national modernization and appreciation of heritage. In the contemporary context, the materiality of this landscape is shaped by two aspects: due to neoliberal urbanism, the touristification of the territory by the association of the tourism industry with the cultural industry; simultaneously, the residents’ search for survival in the urban space through informal occupations. In this sense, this work, based on a particular understanding of the notion of landscape, proposes a look at urban landscapes built along the exploration of Ouro Preto’s territory, focusing on materiality, uses and appropriations.

Keywords: Ouro Preto; Urban Landscape; Materialities; Banalization

Introdução

A produção da paisagem urbana da cidade de Ouro Preto, localizada no Estado de Minas Gerais, no Brasil, tem, na sua gênese, a influência do urbanismo barroco e da exploração do ouro. Neste sentido, nos interessa analisar como a paisagem urbana, enquanto produção material e simbólica atrelada às transformações temporais, às materialidades de diferentes períodos históricos e aos reclames funcionais, foi moldada por interesses diversos, consolidando um modelo de ocupação estratificada com distintas qualificações espaciais, bem como opções relativas. Para tanto, propomos um olhar sobre três momentos característicos da ocupação e expansão do território de Ouro Preto: o primeiro, durante o período da colonização até a formação do Império; o segundo, relativo ao período da modernização brasileira e à emergência do patrimônio cultural; e o terceiro momento, a produção urbana contemporânea e as consequências da patrimonialização global.

Desta forma, introduzimos a seguir a abordagem dos conceitos de materialidade e paisagem urbana adotadas neste texto e como os mesmos se relacionam com a produção da paisagem cultural. Entendemos materialidade como uma sobreposição de aspectos culturais e tecnológicos manipulados pelo ser humano na produção de artefatos. Assim, a produção da cidade em diferentes momentos históricos representa transformações culturais manifestadas nos artefatos e nas relações sociais. Esse debate nos leva a um outro conceito determinante para este trabalho, a definição de paisagem urbana. Para tanto, faz-se necessário definirmos o nosso entendimento de paisagem enquanto um produto social, resultado da ação humana sobre o ambiente natural, determinando uma projeção cultural. Assim, a paisagem representa, segundo Ivaldo Lima, uma sobreposição de culturas relacionadas ao passado de uma determinada comunidade. O autor ainda destaca a paisagem como uma forma de interpretação criada para apreensão da realidade com a função de buscar meios de apropriação do espaço1.

Usamos como parâmetros de entendimento de paisagem urbana a conceituação de espaço desenvolvida pelo geógrafo Milton Santos, que define o espaço como uma sobreposição e interação de elementos fixos e de fluxos: “Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e sociais, e redefinem o lugar” (Santos, 1999, p. 61).

Neste sentido, Milton Santos define duas categorias: os sistemas de objeto e os sistemas de ações. A primeira categoria está relacionada com a transformação que o ser humano faz do ambiente natural, pela produção de artefatos móveis e imóveis, enquanto o sistema de ações está relacionado às interações sociais e culturais. Para o autor, o espaço é composto pela materialidade e pelas relações sociais: “O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoados por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e seus habitantes” (Santos, 1999, p. 63).

A partir desta perspectiva, consideramos a paisagem urbana como uma constante interação entre os seus elementos fixos e os fluxos. Ao longo do texto analisaremos como a paisagem urbana da cidade de Ouro Preto se alterou a partir da produção espacial, enquanto materialidade e enquanto alterações nos modos de vida e nas práticas sociais desenvolvidas no espaço físico. A temporalidade é um elemento fundamental para a composição da paisagem urbana, uma vez que as camadas do tempo tecem texturas que se somam, resultando em uma maior complexidade. Segundo o geógrafo e urbanista Francesc Muñoz (2008), reconhecendo tempos de categorias distintas na conformação da paisagem urbana, o território da cidade é formado pela coexistência de três temporalidades: demográfica, cultural e socioeconômica. A demográfica está relacionada à forma como o espaço é usado e sua intensidade de uso. A temporalidade cultural está relacionada à materialização e à relação simbólica cultural da paisagem urbana. Já a temporalidade socioeconômica está diretamente associada à segregação territorial somada à segregação temporal - ou seja, os valores econômicos associados aos espaços. Estes entendimentos de temporalidade, um relacionado à materialização técnica e à morfologia da paisagem e sua historicidade, e o outro relacionado aos usos, à composição social e à temporariedade de permanências no espaço, são fundantes para a compreensão de paisagem urbana como a expressão de aspectos culturais e técnicos, tanto em sua forma material construída, quanto nos seus aspectos simbólicos. O que sugere que a conceituação de espaço do geógrafo Milton Santos, relacionada à sobreposição entre a materialidade e a imaterialidade que compõem a paisagem urbana está presente também, na sua composição temporal.

Um outro aspecto do conceito de paisagem urbana relacionada à temporalidade é a noção de “paisagem cultural”, adotada em 1992 pelo organismo de preservação do patrimônio mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Esta definição reforçou aspectos imateriais e culturais da composição da paisagem urbana, considerando que há uma superação conceitual de paisagem para além da sua materialidade técnica:

[...] paisagem cultural traz a marca das diferentes temporalidades da relação dos grupos sociais com a natureza, aparecendo, assim, como produto de uma construção que é social e histórica e que se dá a partir de um suporte material, a natureza. A natureza é matéria-prima a partir da qual as sociedades produzem a sua realidade imediata, através de acréscimos e transformações a essa base material (Nascimento e Scifoni, 2010, p. 32).

Ainda sobre o conceito de paisagem cultural vale ressaltar considerações feitas por Ulpiano Meneses (2002) sobrepondo, na camada material, a importância dos usos no processo de significação da paisagem. Neste sentido, os três momentos analisados ao longo do artigo trazem uma perspectiva sobre a composição formal, os usos e os aspectos culturais que conformam a cidade de Ouro Preto. Essa análise, pautada na noção de paisagem urbana apresentada por Alves e Tapia (2017), a qual ressalta que a paisagem mais concisa é aquela que coloca o homem diante de si, interroga uma importante questão a ser considerada: o sentido que as pessoas outorgam à paisagem sobressai à sua própria conformação. Ao relacionarmos esse entendimento com a leitura que faremos da cidade de Ouro Preto, lançamos o olhar para a significação dada pelas análises dos diferentes usos na paisagem urbana, composta pelo patrimônio edificado e por seus elementos simbólicos.

Para o desenvolvimento deste trabalho buscamos, a partir de um aporte conceitual sobre os entendimentos de paisagem, traçar um panorama a respeito dos processos de produção da cidade contemporânea e suas materialidades construtivas em contextos patrimonializados. Para o levantamento de dados foram realizadas atividades de pesquisa de campo na cidade de Ouro Preto, com o objetivo de analisar as dinâmicas relacionadas à produção da paisagem urbana contemporânea. Como procedimento metodológico das análises desenvolvidas a partir dos dados coletados e dos registros efetuados, optamos por uma abordagem inovadora por meio da elaboração de cartografias do sensível referentes a interpretações críticas do campo. A produção cartográfica enquanto método consiste no acompanhamento de processos em desenvolvimento. No caso de Ouro Preto, este acompanhamento é baseado nas sobreposições de conflitos relacionados aos usos e apropriações físicas e simbólicas do território patrimonializado. A cartografia do sensível explora as percepções dos pesquisadores, neste contexto, é usada para além de uma ferramenta de representação. Para Eduardo Rocha e outros (2017), o mapa se aproxima da produção da realidade e suas problematizações, onde o pesquisador “adentra e conhece territórios vividos, através do corpo posto sobre papel” (Rocha et al., 2017, p. 151).

Nesse enquadramento, este trabalho busca contextualizar o debate acerca das transformações da paisagem urbana relacionadas às materialidades e aos elementos simbólicos de processos de patrimonialização, tendo Ouro Preto como referência, a partir das análises dos processos em andamento, cartografando as percepções e transformações na produção da paisagem, propondo a construção de uma noção de atmosfera patrimonial2, apoiada na tríade de esferas de Peter Sloterdijk (2003, 2004, 2006), que observa as esferas política e de poder, econômica, social, de uso e simbólica.

Construindo paisagens urbanas: do colonial ao contemporâneo

Produção da paisagem colonial: construções de pau a pique e a estratificação da sociedade

A ocupação do território do estado de Minas Gerais está diretamente relacionada à descoberta do ouro no interior do estado, no início do século XVIII. A cidade de Ouro Preto representa o auge do ciclo do ouro e tem sua conformação urbana marcada pela influência do barroco. Desde a ocupação do território pelas formações de arraiais, passando pelas vilas até à sua consolidação como cidade, a influência barroca se manifestou nas tipologias construtivas, no controle econômico e político promovido pela Metrópole (Portugal) e pelo controle social manifestado pela Igreja Católica3. De fato, o espaço urbano conformado pela exploração do ouro é marcado pelas disputas espaciais e pelo domínio da natureza e da geografia acidentada para a construção de edificações, neste momento produzidas por técnicas vernaculares e compostas dos materiais locais: madeira, barro e rocha.

O barroco traz uma diversidade de categorias de percepção, sendo que a arte e a arquitetura foram (e são) instrumentos de representação do poder que a Igreja e o Estado exerciam na colônia. O uso do repertório formal do barroco, como os ornamentos, os materiais, as relações de profundidade, de cheios e vazios, ilusões e perspectivas, criou um imaginário simbólico na paisagem urbana de Ouro Preto. Além de contribuir na formação da percepção dessa paisagem, ressaltou os valores do sistema colonial imposto por Portugal, o qual induziu e manteve a estratificação social. Assim, as paisagens urbanas reproduziram as diferenças sociais ao mesmo tempo que ressaltaram o domínio da natureza enquanto um recurso econômico para manutenção do controle e das hierarquias estabelecidas.

Outro ponto marcante na construção da paisagem urbana colonial está relacionado à sua face mais cruel: a introdução da sabedoria africana por meio da mão de obra escravizada. Neste sentido, a paisagem ressaltou a força física e o sofrimento na exploração do ouro e na construção de uma cidade que usou o estilo arquitetônico para reforçar a dominação colonial: “O barroco aparece como signo de uma sociedade colonial ordenada pela Metrópole, que imprimiu uma estratificação socioespacial e cultural baseada na lógica do Velho Mundo” (Costa, 2015, p. 72).

Cabe destacar a posição das igrejas no território e seu papel nos contextos político e social do núcleo urbano. A localização de igrejas próximas umas das outras, mesmo quando pertencentes a irmandades diferentes, derivava e associava-se às funções política e social, uma vez que os membros das irmandades compartilhavam a esfera pública do debate e do apoio coletivo. Neste sentido, a qualidade de vida no espaço urbano estava associada diretamente ao pertencimento a uma irmandade. O destaque e monumentalidade dados à implantação das igrejas - isoladas em largos ou quadras, ou próximas às praças - configuraram um outro elemento da composição da paisagem urbana, evidenciando o impacto dos templos religiosos na articulação dos usos e do tecido urbano no século XVIII, como podemos observar na Figura 1.

Figura 1 Fotomontagem contendo mapa com a localização das principais igrejas de Ouro Preto, destaque para implantação da Igreja Nossa Senhora do Carmo e Igreja São Francisco de Assis. Autores, 2020. Fonte das fotografias das igrejas: Camila Guimarães, 2018. Dados do mapa base: Google, ©2021 Maxar Technologies, com intervenções realizadas pelos autores em 2021. 

Na área destacada à direita da Figura 1, observam-se duas igrejas próximas à Praça Tiradentes: a Igreja Nossa Senhora do Carmo, que se destaca na paisagem pela implantação isolada de outras construções no alto do morro e a Igreja São Francisco de Assis que compõe, com o Largo do Coimbra, um importante espaço público na cidade. A arquitetura do templo religioso condiz com a produção do espetáculo barroco pela dramaticidade das construções, da arte aplicada e da ostentação do auge da exploração do ouro, fatores que determinaram a hierarquia das irmandades dentro da composição social urbana.

Complementarmente, em relação aos modos de vida observa-se uma significativa migração do campo para o espaço urbano. O processo de crescimento do núcleo urbano de Ouro Preto caracterizou-se por uma atuação mais intensiva da Igreja e das irmandades, que tiveram um papel importante na divisão da sociedade. A grande quantidade de igrejas justificava e representava a divisão social e racial da época, não apenas porque na vizinhança de cada igreja moravam os membros das diferentes irmandades, mas principalmente porque a divisão entre igrejas para brancos ricos, brancos pobres, mulatos e negros resultou na fragmentação da ocupação da cidade pelos diferentes grupos sociais e raciais, herança colonial que ainda permanece presente na sociedade brasileira. Neste sentido, a ocupação do território caracterizou-se pela divisão entre os tipos e funções das construções, e consequentemente de moradores, com as casas nobres localizadas nas áreas centrais e os sobrados de comerciantes e mucambos ocupando áreas alagadiças (Costa, 2015, p. 91).

Os conjuntos urbanos do ciclo do ouro em Minas Gerais têm como característica o uso da composição do urbanismo barroco para criarem o que Everaldo Costa chama de teatralização da vida, a partir da criação de cenários. O processo de entendimento da paisagem urbana enquanto cenário - ênfase nas fachadas e na composição entre elas para criação de uma imagem urbana - irá impactar de forma significativa a preservação do núcleo histórico, enfraquecendo as relações de usos e a construção da memória coletiva pelos moradores. O autor remete ao período da colonização, porém podemos associar a produção de cenários até ao contexto contemporâneo, conforme abordado no próximo item. Everaldo Costa conclui que a vocação da cidade pelo espetáculo e a teatralização da vida está materializada nas fachadas dos edifícios. Assim, percebemos que a produção de cenários data bem antes da transformação da cidade em patrimônio: “[...] a fachada é uma expressão de que a cidade se transforma em algo que pode e deve ser observado, como se observa um espetáculo teatral” (Costa, 2015, p. 90).

A forma técnica de construção deste período, com as edificações encravadas nas montanhas, o uso de técnicas construtivas de pau a pique, a arte produzida pelos usos de pedras locais, como a pedra sabão, o caiamento das edificações, as telhas de barro em capa-canal, moldaram a paisagem colonial de Ouro Preto, persistindo até ao período imperial com a vinda da família real portuguesa para a colônia, período de crescimento urbano e da implantação de edifícios administrativos no entorno da Praça Tiradentes, configurando um espaço cívico e estimulando novas atividades comerciais. Essa região assumiu então importância central enquanto espaço da vida pública, nela ocorrendo as principais manifestações, comemorações e punições. Até hoje, a Praça Tiradentes carrega um importante papel simbólico para os moradores da cidade, ao mesmo tempo em que sua teatralização é o principal ponto turístico.

O mapa de evolução urbana da cidade de Ouro Preto (Figura 2) possibilita observar características do processo do crescimento da cidade desde o início da ocupação dos arraiais, sua consolidação como vila (denominada Vila Rica), o período imperial, até ao momento presente. Percebemos a ocupação longitudinal, ao longo do que Sylvio de Vasconcellos (2011, p. 72) denomina “Caminho Tronco”, assim como o adensamento em torno da Praça Central (Praça Tiradentes) localizada entre os antigos arraiais de Antônio Dias e Pilar. A consolidação da Vila Rica, entre meados do século XVIII e início do século XIX, coincidiu com o desenvolvimento econômico, o aumento do tecido urbano e a construção de palácios e edifícios públicos, como a Casa de Câmara e Cadeia, Casa de Fundição e Despachos e o Palácio dos Governadores (Costa e Netto, 2015).

Figura 2 Mapa de Evolução Urbana de Ouro Preto. Mapa cadastral fornecido pela Secretaria de Patrimônio da Prefeitura de Ouro Preto, 2018, com intervenção dos autores realizada em 2020. 

Contudo, na sequência deste período, ao início do século XIX, com o esgotamento do ouro e a consequente decadência econômica e populacional, o núcleo urbano apresentou significativa transformação. É também nesse intervalo temporal que a Vila de Ouro Preto é elevada à categoria de cidade com o objetivo de recuperar a vitalidade urbana, em queda pela perda de importância econômica e redução populacional, por meio da instalação de equipamentos educacionais como as Escolas de Farmácia, Normal e de Minas; e da abertura e alargamento de vias para veículos de tração animal - fatores que implicaram no adensamento populacional ao longo do Caminho Tronco e ocupações ao sul da cidade (Costa e Netto, 2015).

Em 1889, ocorreu a implantação da estação ferroviária na região da cidade denominada Barra, fato que influenciou diretamente a conformação da paisagem urbana, interligando a cidade com outras regiões do país. Neste momento temos a sobreposição das vias de circulação de pedestres, de veículos de tração animal e os trilhos dos trens. Outro ponto marcante deste período foi a canalização de córrego (ribeiro) futuro eixo de crescimento urbano. É possível notar, no mapa de evolução urbana (Figura 2), um adensamento residencial na região de Antônio Dias, maioritariamente pela população de baixa renda, indicando que o crescimento urbano manteve as divisões socioespaciais presentes desde o início de ocupação dos arraiais.

Produção da paisagem moderna: a cidade patrimônio e a idealização do conjunto urbano

O século XIX trouxe transformações significativas para a cidade de Ouro Preto, nos quais dois fatores da segunda metade do século foram particularmente determinantes: a industrialização dos materiais de construção e a transferência da capital do Estado de Minas Gerais de Ouro Preto para Belo Horizonte. O processo de industrialização implicou a introdução de novos materiais construtivos, como o ferro e o tijolo. Neste sentido, muitas construções tiveram seus elementos de madeira que compunham as fachadas dos casarios, como guarda-corpos e corrimãos, substituídos pelos de ferro. Importante destacar que a maioria dos casarios de Ouro Preto data do século XIX, sendo alguns do século XX, fato esse que nos mostra quanto a tendência ao fachadismo, como elemento central da composição da cidade enquanto cenário, persiste ao longo de diferentes fases de conformação urbana. Percebe-se que muitas edificações construídas nos séculos XIX e XX mimetizam o estilo colonial, criando uma situação paradoxal entre a memória de um período histórico e a sua reprodução (Angotti-Salgueiro, 2020).

Mesmo com a introdução de novos materiais e técnicas construtivas, as composições da forma urbana na região central da cidade mantiveram as mesmas características, em parte também porque os limites impostos pela forma natural do sítio impediram o crescimento da cidade. Este fato nos leva ao segundo aspecto de transformação da cidade: a transferência da capital. A impossibilidade do crescimento e a modernização de Ouro Preto, em função de suas condições geográficas, desdobrou-se no início do processo de concepções e construção de uma nova capital, de acordo com os preceitos de modernização impostos no final do século XIX. Em consequência, em 1897, houve a transferência do governo do Estado para a nova capital, Belo Horizonte. A perda dos serviços do Estado e a decadência da atividade mineradora, um rude golpe para Ouro Preto, constituíram um período de estagnação econômica e êxodo de habitantes com reflexo direto na paisagem urbana, implicando um processo de deterioração e degradação de muitas construções em decorrência do abandono (Castriota, 2009).

Esse processo é revertido, na primeira metade do século XX, quando o movimento modernista, buscando um estilo arquitetônico que expressasse a identidade nacional brasileira, encontrou nas cidades do ciclo do ouro a possibilidade de reconhecimento de uma arquitetura que representasse a história e o saber nacionais. Assim, em 1937, foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e, em 1938, a cidade de Ouro Preto foi tombada como patrimônio nacional. Como forma de manter a unidade e homogeneidade do conjunto urbano, uma série de normativas foram aplicadas à cidade identificando uma preocupação intensa com as fachadas. Em consequência, as novas construções precisavam ser adequadas ao estilo colonial, resultando na produção de pastiches. Sobre essas ações, que negavam as produções do século XIX e valorizavam um período da história da arquitetura, Heliana Angotti-Salgueiro (2020) escreveu: “As medidas ditadas por uma visão unificadora da cidade falseiam a percepção dos diferentes momentos de sua historicidade arquitetural” (p. 480).

Somada às transformações geradas pelas restaurações na década de 1940, observou-se a adoção de soluções higienistas que promoveram o alargamento das proporções das janelas e a repetição simétrica das mesmas (Figura 3), implicando também em outra transformação importante: a substituição das espessas paredes caiadas de pau a pique por paredes de tijolos cerâmicos, com capacidade de suportar as novas janelas: “No início do século, a cidade de pau a pique começa a dar lugar à cidade de tijolo, material cujo uso tende a se generalizar” (Angotti-Salgueiro, 2020, p. 483).

Figura 3 Vista parcial da cidade, onde é possível perceber a variação das janelas nas construções. Fotografia de Camila Guimarães, 2018. 

No mapa de evolução urbana apresentado anteriormente na Figura 2, em que as manchas em vermelho e verde representam a ocupação da cidade até ao reconhecimento do seu valor patrimonial pelos intelectuais modernistas, percebe-se que o crescimento de Ouro Preto permaneceu fortemente vinculado ao Caminho Tronco, no sentido longitudinal. Na imagem da Figura 4, vista parcial da cidade, podemos observar diferentes materialidades e temporalidades presentes na paisagem urbana expressas pelo conjunto colonial e a edificação modernista do Grande Hotel (canto inferior à esquerda da fotografia), obra moderna projetada por Oscar Niemeyer em que o arquiteto lançou mão das novas técnicas em concreto armado. Entretanto, outras novas construções foram implantadas, porém imitando o estilo arquitetônico do período colonial.

Figura 4 Vista parcial de Ouro Preto com destaque para o centro da cidade. Fotografia de Camila Guimarães, 2018. 

Apesar das novas construções, a percepção da paisagem acompanha o processo de homogeneização, se destacando o conjunto de casarios coloniais junto das igrejas barrocas. Sobre esse processo, de homogeneização da paisagem urbana, Everaldo Costa chama atenção para o caráter dramático de manutenção de uma tipologia arquitetônica. Na tentativa de manter a homogeneização urbana, algumas edificações, que não se enquadravam no estilo do patrimônio colonial, foram demolidas (Costa, 2015, p. 89-91).

Em busca da diversificação econômica, a fábrica de Alumínio Brasil S/A (Alcan) foi implantada em 1945, o que, associado à canalização de cursos de água e à estação ferroviária, anteriormente mencionadas, estimulou a construção de novas habitações para os trabalhadores da fábrica e o adensamento residencial deste setor urbano. A essas ações, duas décadas depois, em 1969, somou-se a criação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), reforçando o crescimento da cidade nessa direção (Figura 5). O novo bairro, onde está implantada a UFOP, denominado Bauxita, caracteriza-se por tipologias arquitetônicas diversas - variando em pequenos prédios, sobrados e casas térreas - que empregam materiais construtivos tradicionais (tijolos, blocos de concreto, telhas cerâmicas e outros), sendo um dos setores de planejamento urbano para expansão controlada da cidade e localizado de forma a não interferir na paisagem do centro histórico, situação que é contrária às ocupações irregulares que ocorreram nas encostas em volta desse centro. “O núcleo principal que se mantinha praticamente inalterado desde os fins do século XVIII, sofre um processo de expansão e adensamento, sendo ocupadas áreas da periferia e das encostas, iniciando o que mais tarde constituirá ocupações irregulares da cidade” (Costa, 2015, p. 89-91).

Figura 5 Mapa de Ouro Preto com destaque para alguns equipamentos urbanos, 2020. Dados do mapa: Google, ©2020 Maxar Technologies, com intervenções realizadas pelos autores em 2020. 

Esses distintos momentos e processos de urbanização e crescimento urbano, como no setor de Padre Faria, que se caracterizou por ocupações de residências de moradores de baixo poder aquisitivo, estão associados, por um lado, ao processo de industrialização da cidade e, por outro, ao incentivo e exploração do turismo a partir do tombamento de Ouro Preto em 1938 (Costa e Netto, 2015, p. 93), relacionado ao aspecto econômico e às transformações dos sistemas de fluxos e de ações com impacto direto na forma urbana devido à implantação de hotéis - como na obra moderna do Grande Hotel -, pousadas e serviços de apoio, em sua maioria localizadas próximas ao centro da cidade.

A análise conjunta das imagens cartográficas das Figuras 2 e 5, observada também a localização dos equipamentos nesta última, permite uma melhor compreensão do crescimento da cidade, desde o tombamento em 1938 até ao final da década de 1970. Percebe-se tanto o crescimento da região oeste da cidade, em decorrência dos equipamentos educacionais, bem como o crescimento e adensamento vinculados à valorização da cidade enquanto um produto turístico. Tal valorização irá resultar em um processo de especulação imobiliária da região central, fazendo com que moradores tenham que buscar outras regiões para viver, decorrente do aumento dos valores de moradia e implicando em um processo de espraiamento urbano com o consequente aumento da periferia da cidade (via de regra em áreas de geografia e morfologias não adequadas).

Produção da paisagem contemporânea: o turismo massificado e a ocupação informal

Qualquer processo de análise da transformação da paisagem urbana deve ressaltar seus aspectos históricos e sociais e, portanto, retomar a definição de espaço feita por Milton Santos nesse processo. Assim sendo, argumentamos pela necessidade de se observar a constante interação entre os aspectos físicos (fixos/sistema de objetos), que resultam na composição material dessas paisagens sobrepostas às relações simbólicas, assim como pelas manifestações de fluxos econômicos, sociais e culturais (sistema de ações). A simbiose destes elementos adiciona uma complexidade ao contexto contemporâneo, já que as temporalidades inserem suas marcas, por meio de apagamentos e permanências. Neste sentido, propomos olhar para a composição urbana atual procurando analisar se as escolhas passadas ainda persistem e se são reproduzidas no território.

Para tanto, a análise da paisagem urbana contemporânea deve observar a noção de hodologia, o estudo de caminhos. Para os autores Alves e Tapia (2017, p. 9), essa noção consiste numa “nova e impositiva palavra do léxico da paisagem”. Se a paisagem é um processo em constante alteração, considerando as tensões de ordem econômica, tecnológica, social, política e cultural envoltas em sua produção, a noção de hodologia nos abre um campo de percepção sobre como, ao longo da conformação da paisagem, as relações entre os percursos, os elementos construídos e os significados devem se articular em sua composição. De fato, os deslocamentos realizados para apreensão da paisagem estão intrinsecamente associados aos trajetos percorridos pelos indivíduos (Alves e Tapia, 2017, p. 20). O olhar para a paisagem urbana contemporânea compreende esses deslocamentos e as perspectivas por eles direcionadas ao território.

As pesquisadoras Staël Costa e Maria Manoela Netto (Costa e Netto, 2015, p. 96) apresentam um estudo da morfologia urbana da cidade de Ouro Preto dividida em sete períodos históricos. O último período corresponde ao intervalo entre 1980 e 2014, sendo este momento, para as autoras, marcado pelos novos agentes indutores de crescimento, a industrialização e o turismo, que introduziram vetores de crescimento para leste e para sul, como a expansão planejada em direção ao bairro Bauxita. Percebemos com essas expansões que a idealização da cidade enquanto um exemplar do período colonial cristalizado começa a enfraquecer. É importante ressaltar que tal alteração na composição urbana, ao menos em parte, decorre da ação dos próprios moradores que, em busca de regiões onde consigam arcar com os valores imobiliários e sem apoio de políticas urbanas consistentes, encontram nas novas ocupações, distantes do centro histórico, uma possibilidade de permanência na cidade de Ouro Preto. A diferença das tipologias construtivas deste bairro é nítida se comparada com o centro histórico, conforme se pode observar nas novas edificações realizadas no setor de expansão urbana (Figura 6).

Figura 6 Bairro Bauxita. Fotografia de Camila Guimarães, 2017. 

Por outro lado, a Figura 7 refere-se à manifestação de grupo de Congado, prática religiosa socioespacial tradicional de origem africana, próxima à Capela de Padre Faria e à Igreja de Santa Efigênia, ao longo do Caminho Tronco, estruturante do desenvolvimento urbano da cidade - portanto, próximo à região central. A ocupação ao longo do Caminho Tronco foi realizada por moradores de baixa renda que buscaram, nas regiões no entorno do centro histórico, alternativas de moradia, muitas de forma irregular no alto da encosta. Ao longo do período colonial, as construções desta região eram destinadas a moradores de baixa renda, fato associado com a proximidade da Igreja de Santa Efigênia dos Negros, que delimitou a ocupação da área pela população negra.

Figura 7 Região Padre Faria. Fotografia de Camila Guimarães, 2017. 

Destacam-se também as ocupações espontâneas pela população de baixa renda nas encostas ao norte, em áreas de risco, enquanto elementos de permanência na paisagem cultural da cidade, além de refletirem o “reduzido controle oficial sobre o parcelamento do solo” (Costa e Netto, 2015, p. 96). Em relação a esse contexto, de controle das novas ocupações, é importante destacar que a criação da Lista de Patrimônio Mundial pela UNESCO, em 1972, promoveu o olhar dos organismos de preservação para o centro histórico de Ouro Preto, sua região turística mais próspera, potencializando assim a especulação imobiliária. Para Choay (2011, p. 48), a classificação do Patrimônio Mundial insere o patrimônio dentro de um processo de mercantilização da cultura. Em realidade, a classificação de Ouro Preto como Patrimônio Mundial na década de 1980, ressaltou tanto seu valor cultural quanto o seu valor de mercado. Assim, as restrições de ocupação na região central e o alto valor de moradia condicionaram o aumento das ocupações irregulares. Dos largos das igrejas implantadas nos altos dos morros observam-se centenas de construções nas encostas que, apesar de competirem visualmente com o conjunto de casario colonial, são ofuscadas pelos mesmos. Assim, nos questionamos sobre as políticas de preservação: em que medida elas promovem a produção de um cenário que mantem uma estrutura urbana estratificada, se por um lado os conflitos frente aos usos praticados pelos moradores e pelos turistas enriquecem a dinâmica urbana? O planejamento do território voltado para exploração econômica do patrimônio edificado enfraquece a apreensão dos elementos simbólicos? As manifestações culturais incorporam-se a processos de festivalização e tematização de práticas socioespaciais na implementação de atividades lucrativas? Há que se (re)pensar as imaterialidades como elementos fundamentais da paisagem urbana socioespacial resultante e, nesse sentido, apresentamos respostas a estas questões nos pontos trabalhados a seguir.

Perspectiva crítica: relações históricas

Patrimônio mundial: a construção e materialização de um imaginário

Para além de repensarmos as imaterialidades da paisagem urbana é também necessário interrogar em que medida a produção de uma lista do Patrimônio Mundial exacerba a necessidade de expansão do capitalismo, uma vez que a memória, a identidade e a historicidade da arquitetura adentram ao processo de mercantilização por meio da indústria do turismo. Envolto pelo processo de apropriação da cultura enquanto mercadoria, observam-se no centro histórico ações de preservação mais intensas, refletidas no seu valor comercial e no potencial de lucro. Como consequência dessas ações, percebe-se a construção e consolidação de uma periferia ambígua, entre ações planejadas e espontâneas (Figura 8), mas cujo cenário aponta para a manutenção da fragmentação socioespacial, percebida desde o início da ocupação do território, com a segregação socioespacial e o valor da terra como elementos de manutenção da hierarquia social.

Figura 8 Vista parcial de Ouro Preto. Fotografia de Camila Guimarães, 2018. 

Na mesma perspectiva, a apropriação do território pela indústria do turismo, desde o início da década de 1940, apoia-se em políticas públicas voltadas para a produção de um espaço urbano idealizado, banalizando as ações do tempo e as transformações culturais. Esse contexto tem-se potencializado, após a classificação de Ouro Preto como Patrimônio Mundial, como se percebe no incremento de espacialidades e práticas socioespaciais, em alguns pontos específicos da cidade, que passaram por um processo de tematização, no sentido de manutenção e (re)produção de um cenário colonial de materialidades pretéritas para a exploração turística. Portanto, a teatralidade marcada pelo barroco do início da conformação urbana de Ouro Preto persiste no presente em conteúdos falaciosos, com a reprodução de uma “arquitetura colonial” que emprega novos materiais e técnicas construtivas na produção de um falso histórico que objetiva a manutenção de um cenário do teatro colonial.

Rodney Harrison (2013) destaca a preocupação com a classificação do patrimônio, contextualizando a modernidade como o período em que este se torna um fenômeno global. Essa preocupação com o patrimônio no final do modernismo ressalta a crise da memória. O medo do apagamento do passado pelas ameaças do tempo, do avanço da tecnologia e do processo de mundialização, são aspectos do estabelecimento de um novo produto: o patrimônio mundial. A preocupação principal, segundo Harrison, não é apenas com o passado enquanto elemento histórico cristalizado, mas sim com a concepção e apreensão do futuro geradas a partir dos elementos históricos. Portanto, o imaginário do patrimônio está relacionado com o medo da perda, da ameaça ao passado, que pode alterar a forma como pensamos o futuro. Neste sentido, o papel do patrimônio comparece na economia global como uma preocupação meramente econômica com o passado, constituindo uma tendência de obsessão com os processos de patrimonialização (cultural) que vivenciamos nos séculos XX e XXI. O patrimônio neste contexto, como colocado por Alan Chandler e Michela Pace, é entendido enquanto processo, evidenciando suas facetas econômicas, políticas e sociais, além de potencializar a produção de narrativas no presente, que não são neutras, mas que estão atreladas aos meios (materiais ou imateriais) pelos quais se fazem presentes (Chandler e Pace, 2020).

Entretanto, confrontando a visão da memória e do patrimônio edificado enquanto recurso de exploração econômica, há manifestações culturais que resistem no território resgatando e mantendo os valores simbólicos da paisagem urbana. A composição social estratificada conservada na cidade desde o período colonial ressoa como um grande dilema para a preservação do patrimônio edificado. Enquanto o núcleo central, com maior valor turístico, abriga atividades comerciais e serviços voltados aos visitantes temporários, as periferias urbanas reproduzem a multiplicidade cultural e simbólica e o cerne da composição social. É nesse contexto que manifestações religiosas de matriz africana são mantidas pelos detentores e produtores da “cidade patrimônio”, como se representa na cartografia do sensível4 da Figura 9, que expressa a relação de práticas imateriais com e no território. A linha tracejada a vermelho representa o perímetro de tombamento da cidade, já a linha contínua a vermelho representa a área denominada pelo Plano Diretor Municipal como “Zoneamento Urbano de Ouro Preto como Zona de Proteção Especial (ZPE)”. Esta última concentra a grande maioria dos edifícios imponentes do passado colonial, apresenta maiores restrições de ocupação e encontra-se submetida à especulação imobiliária. Contornando este polígono situam-se imagens que representam manifestação religiosa de origem africana, o Congado, que tem forte relação com os moradores da periferia das encostas de Ouro Preto.

Figura 9 Ouro Preto - Cartografia do Sensível. Relação do Centro Histórico e prática cultural religiosa do Congado. Cartografia de Camila Guimarães sobre mapa base fornecido pelo Departamento de Patrimônio da Prefeitura de Ouro Preto, 2018. 

A totalidade do contexto urbano descrito coloca em questão a noção de autenticidade aplicada ao contexto patrimonial. Sharon Zukin (2011, p. 219-224) atualiza a definição de autenticidade na medida em que relaciona a historicidade material da paisagem urbana à sua composição social, aos usos e aos significados culturais. Para a autora, a noção de autenticidade está relacionada ao olhar e ao sentir, portanto, extrapola a percepção física do patrimônio edificado, necessariamente relacionando-se à composição social e cultural do tecido urbano. Assim, olhar para a paisagem periférica de Ouro Preto, com suas construções e ocupações irregulares reproduzindo um traçado urbano irregular, até mesmo relacionada ao traçado do urbanismo barroco, implica reconhecer a autenticidade e importância da composição social e cultural que se expressa no cotidiano dos moradores e nas práticas culturais imateriais. Ou seja, na capacidade de dar significado ao espaço e ao tempo. Nesse cenário, falar em autenticidade patrimonial (ou do patrimônio) implica ir além da identificação das construções originárias pertencentes ao estilo colonial de influência barroca que compõem o núcleo central da cidade. Portanto, a narrativa construída ao longo do texto argumenta pela necessidade de ampliação do olhar sobre a paisagem urbana contemporânea, de forma a potencializar seus aspectos imateriais.

Por conseguinte, a tentativa da conservação de uma memória de um fragmento do passado no centro histórico, às custas das expansões residenciais precárias nas encostas e colocando em risco a vida dos moradores, constitui-se na falsificação de um conjunto urbano que, para manter um ideal de cidade homogênea, ressalta a visão limitada da herança e da memória de um processo de patrimonialização. Enquanto a patrimonialização global reconhecer apenas uma versão da história, episódios que condenam as diversas faces da composição do patrimônio aos processos de banalização, continuarão gerando ocupações ilegais e apagamentos de comunidades tradicionais (Meskell, 2018). Em Ouro Preto, os verdadeiros produtores e detentores desse patrimônio muitas vezes são excluídos da experiência urbana cotidiana da área central (fundante) da cidade. A imagem global de Ouro Preto enquanto patrimônio mundial é marcada pelo exibicionismo de um fragmento da história da cidade relacionada com a colonização e com o auge da exploração do ouro, de fato uma lembrança do poder imperial, camuflada de produto turístico na (re)produção de uma paisagem urbana “contemporânea” - camuflada para evidenciar uma atividade, turística, que busca o entretenimento tematizado e conforme, em que grande parte da história do território é contada de forma a esconder os conflitos urbanos.

Sobre o processo de preservação, o filósofo e sociólogo Henri-Pierre Jeudy (2005) ressalta como a seleção do que será preservado, e do que não será, reproduz um espelho da sociedade. Se analisarmos o início do processo de preservação no Brasil, constatamos que apenas as arquiteturas do passado colonial de influência barroca foram dignas de serem mantidas para as futuras gerações. Tudo aquilo que destoava do conjunto colonial deveria ser apagado. Neste sentido, o início da patrimonialização ressalta a visão de uma sociedade burguesa em processo de modernização que, para pensar o futuro, precisava descobrir suas origens e, portanto, passou a escolher pedaços do passado para compor e expressar uma narrativa de sua história. Como Walter Benjamin (2020, p. 13) concluiu: “não há documento da cultura que não seja também documento da barbárie” e, portanto, a história que contamos a partir do patrimônio edificado compõe apenas uma perspectiva, apagando diversas narrativas que fazem parte da construção da sociedade e do território.

Tematização e a banalização da paisagem

Ao longo da cronologia histórica dos três períodos analisados percebemos os processos que foram se consolidando na paisagem urbana da cidade de Ouro Preto. Atualmente, a hegemonia de um urbanismo neoliberal que condiciona e conforma processos de patrimonialização faz com que a competição pelos espaços urbanos, valorizados tanto pela sua localização no conjunto urbano quanto pelo seu valor cultural, introduza o patrimônio edificado no processo de mercantilização da cultura e na transformação do passado em cenário. Assim, temos, na contemporaneidade, a construção de um elemento que irá potencializar a exploração do conjunto urbano pela indústria do turismo massificado objetivando a produção de uma imagem de cidade que a capacite a participar do cenário mundial. Para tanto, se faz necessária uma imagem banalizada, consensuada, pacificada e de fácil apreensão que abranja o maior público possível. Neste contexto, em que não há espaços para os conflitos sociais ou para territorialidades e espacialidades conflituosas, os problemas relativos à segregação socioespacial são camuflados ou, até mesmo, excluídos da imagem a ser comercializada mundialmente.

A partir desta perspectiva, a paisagem urbana a ser consumida deixa de carregar aspectos da construção simbólica da memória coletiva e passa a representar apenas uma narrativa, entre tantas possíveis, do passado colonial manipulada pelos agentes de produção da cidade. Portanto, as mudanças de usos do patrimônio edificado, para dar suporte à atividade turística, simplificam tanto o programa urbano como as dinâmicas socioespaciais, colocando em risco o patrimônio (material e imaterial) e a herança cultural dos moradores da cidade: “Mesmo que se mantenha a morfologia da cidade, as funções urbanas mudaram definitivamente e foram simplificadas” (Muñoz, 2008, p. 58).

Ao tatearmos os processos de simplificação da paisagem urbana, estamos adentrando fundamentalmente no debate acerca dessa paisagem. De fato, a sua “urbanalização” (noção apresentada por Francesc Muñoz como forma de reconhecer o processo de banalização da paisagem urbana) é identificada a partir de três processos: especialização econômica e funcional; segregação morfológica do espaço; tematização da paisagem urbana. Para que estes processos ocorram há quatro requerimentos: produção da cidade atrelada à sua imagem; necessidade de segurança urbana; utilização de elementos morfológicos como “playas de ocio5; e o consumo do espaço em tempo parcial, no qual predominam os turistas em relação aos moradores.

Identificamos, na análise da paisagem urbana de Ouro Preto, momentos em que os três processos apontados por Muñoz se manifestam, alguns deles desde meados do século XX, a partir do tombamento da cidade. A aposta na atividade turística a partir da preservação do patrimônio condiciona a passagem do centro histórico por uma especialização funcional para dar lugar a lojas, hotéis, pousadas e restaurantes. A mudança de uso associada ao processo de homogeneização do centro histórico e a valorização da área, acirra também as disputas pelas áreas urbanas valorizadas, resultando, como já destacamos, na ocupação residencial de encostas e áreas de preservação, caracterizando um crescimento irregular representativo de uma segregação morfológica em que, na região central, se destaca o conjunto de casarios coloniais, enquanto nas bordas urbanas percebemos ocupações recentes e o uso de materiais industrializados (Figura 10). Por último, seguindo os três processos relacionados à banalização, observamos a tematização da paisagem urbana decorrente da já comentada homogeneização do passado colonial de influência barroca e da proliferação de atividades turísticas tematizadas (e/ou festivalizadas) que se utilizam de elementos deste passado para atrair os visitantes temporários. Neste sentido, Muñoz alerta para a manipulação da história como elemento-chave da produção de paisagens banalizadas (Muñoz, 2008, p. 191).

Figura 10 Contrastes em Ouro Preto - Relação do Centro Histórico com a expansão urbana nos morros. Fotografia de Camila Guimarães, 2019. 

Entendemos que, a partir de uma visão limitada de paisagem pautada no consumo de seu patrimônio cultural, o espaço urbano se converte em um espaço não apenas mimetizado, mas tematizado. No processo de banalização da paisagem urbana e sua consequente transformação em uma imagem para o consumo, recai o paradigma identificado por Sharon Zukin: a passagem da cidade da produção para a cidade do consumo. O uso do processo de patrimonialização para potencializar o consumo da paisagem assegura tanto a preservação como a demolição para justificar a produção do patrimônio. Portanto, as políticas de apagamento tensionam e articulam a produção de uma paisagem banalizada, na medida em que há uma seleção de viés comercial daquilo que deve ser preservado. Assim, espaços, memórias e tradições que remetem ao passado são criteriosamente selecionados para, então, se tornarem recursos econômicos, culturais e políticos para o presente (Graham e Howard, 2008, p. 2). Este é, atualmente, o contexto e o cenário de Ouro Preto.

Considerações finais

Na cidade atual, imersa em fluxo de múltiplos conteúdos e resultante de interconexões e cruzamentos plurais entre sua matriz histórica e os desdobramentos de políticas globais, observam-se processos urbanos particulares da espacialização funcional e econômica que promovem novas e ambíguas interpretações simbólicas. Nela, uma cidade que parece responder a uma era de transição, o espaço urbano é profundamente tensionado por transformações em suas dimensões culturais, sociais, tecnológicas e políticas (Alves, 2014).

Em um cenário em que padrões espaciais são incrementalmente submetidos a universos referenciais de um processo hegemônico global, em que o pensamento contemporâneo é confrontado com a tendência totalizante de preponderância do capital sobre a vida pública, observam-se transformações significativas no espaço urbano que podem levar não apenas à instrumentalização do espaço, mas também à redução do seu valor público. De fato, as tensões políticas, econômicas, sociais, técnicas e culturais que envolvem a produção do espaço urbano se manifestam na conformação de sua paisagem. Paisagem que está em constante mudança, em decorrência dos fluxos produzidos por tais tensões que resultam em formas de ocupação, apropriação e usos dos espaços, em espacialidades e territorialidades de distintas ordens.

Dentro de uma perspectiva hegemônica de produção da cidade, onde o capital detém as formas de produção e manipulação da paisagem, o patrimônio edificado tende a responder a tal lógica de produção, na medida em que se transforma em um produto a ser explorado, ao menos pelas indústrias da cultura e do turismo. Neste sentido, o espaço urbano de Ouro Preto, enquanto suporte da memória coletiva, é desarticulado de sua herança simbólica, ressaltando os aspectos materiais das construções ao passo que as manifestações culturais e práticas cotidianas são paulatinamente afastadas do cenário principal do espetáculo colonial - o centro histórico.

A busca pela autenticidade está além da identificação dos elementos construídos originários do período colonial, encontrando-se, sobretudo, na significação e percepção da paisagem pelos praticantes do espaço urbano. A manutenção das práticas culturais e o processo de identificação com o território são elementos fundamentais para a produção de uma paisagem (hodológica) representativa de seus fixos e fluxos, de seus agentes. O passado enquanto elemento de apreensão do presente e concepção do futuro deve ser visto por vários olhares e narrativas. Portanto, o reconhecimento dos processos de urbanização e a contextualização de seus momentos de expansão urbana, as marcas materiais e imateriais do tempo, os diferentes grupos sociais que coexistem e atuam no espaço urbano, bem como as características culturais de suas práticas socioespaciais são elementos fundantes para a resistência do patrimônio edificado enquanto suporte da memória coletiva e, portanto, território para manifestação das imaterialidades que o compõem.

A noção de hodologia aplicada à paisagem traz uma outra chave de leitura, ao colocar a ação do percurso, do processo de desbravamento do território como o elemento de apreensão da paisagem. Se por um lado essa abordagem ressalta a perspectiva individual ao longo do tempo e do espaço, por outro, a ação do deslocar é seu ponto fundamental - quer em uma prática do cotidiano, quer em uma atividade turística. Assim, a paisagem urbana se constitui de duas formas contraditórias: uma instantânea, simplificada para o consumo dentro de uma perspectiva global; outra, construída pela experiência cotidiana, em um processo longo de identificação e significação da mesma.

Em decorrência, destacamos que o processo de banalização e tematização da paisagem urbana de cidades históricas, como no caso de Ouro Preto, tende não apenas a reproduzir um padrão morfológico de segregação socioespacial, mas também a condicionar a produção de falsos históricos que, caracterizados pela reprodução de estruturas urbanas e um estilo arquitetônico de um passado tematizado, desarticula, via de regra, a identificação dos moradores com o patrimônio edificado, banalizando as práticas do urbano e tensionando os conflitos pela sobreposição dos usos voltados aos visitantes temporários e aqueles exercidos pelos moradores.

Por fim, identificamos nos processos de patrimonialização um processo cultural particular de ressignificação da identidade com o lugar urbano, em que a desconstituição do caráter de seu significado cultural original se conforma pela redução de seu valor simbólico e desarticulação de seu contexto urbano. Portanto, interrogamos a relação e o papel do patrimônio na cidade contemporânea, a produção do espaço urbano e as relações entre a sua paisagem, materialidades, espacialidades e sociabilidades, suas implicações e desdobramentos, sua articulação com a história, memória, identidade e lugar. Em nosso entendimento, o processo identificado em Ouro Preto é representativo de uma política de mercantilização da cultura determinada pela lógica de um urbanismo neoliberal de (re)produção do espaço urbano, que condiciona a conformação e a configuração do território, seus usos, suas correlações e sua paisagem.

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2O conceito de “atmosfera patrimonial” apoiado no trabalho do filósofo Peter Sloterdijk integra a tese de doutorado de Camila Ferreira Guimarães, em desenvolvimento sob a orientação de Manoel Rodrigues Alves.

3A Contra-Reforma e o Absolutismo político são “as principais coordenadas do quadro histórico de um devenir de noções histórico-geográficas complexas que devem ser interpretadas nas paisagens integrantes do território da mineração” (Costa, 2015, p. 69).

4A cartografia do sensível é um procedimento metodológico que permite a inserção da percepção do pesquisador no processo de pesquisa, portanto, há um nível de subjetividade contida no ato de cartografar. Na cartografia do sensível, o corpo do cartógrafo se torna um instrumento base para a produção dos mapas.

5As “playas de ocio”, segundo Francesc Muñoz, constituem-se em espaços dedicados ao consumo e entretenimento.

Recebido: 31 de Dezembro de 2020; Aceito: 18 de Junho de 2021

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