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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.19 Lisboa jun. 2023  Epub 30-Mar-2023

https://doi.org/10.48751/cam-2022-19132 

Destaque

As Cortes Constituintes e a insuperável discórdia política entre deputados portugueses e brasileiros (1820-1823)

The Congress and the insupermountable political discord between Portuguese and Brazilian Deputies (1820-1823)

i UAL - Universidade Autónoma de Lisboa, 1150-293 Lisboa, Portugal. josesubtil@outlook.pt


Resumo

O presente texto tem por objetivo enfatizar a indisponibilidade política da maioria dos deputados portugueses e alguns brasileiros para resolverem o problema da união entre Portugal e o Brasil, tendo em vista a passagem do “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves” (1815), uma criação da monarquia absoluta, para um modelo que pudesse refletir a cultura política constitucional e liberal. O facto de não terem encontrado uma solução serviu, no Brasil, os sentimentos de autonomia e, em Portugal, a pulsão centralizadora dos deputados portugueses. O atraso na chegada dos deputados brasileiros, a falta de um bom acolhimento e entrosamento político, a constante crítica às suas intervenções sobre os direitos constitucionais do Brasil e o atraso nas informações e notícias, acabaram por fechar o diálogo e alimentar o movimento de independência.

Palavras-chave: Brasil; Independência; Cortes Constituintes; Liberalismo

Abstract

The present text aims to emphasize the political unavailability of the majority of Portuguese deputies and some Brazilians to solve the problem of the union between Portugal and Brazil, in view of the passage of the “United Kingdom of Portugal, Brazil and Algarves” (1815), a creation of absolute monarchy, for a model that could reflect the constitutional and liberal political culture. The fact that they did not find a solution served, in Brazil, for the feelings of autonomy and, in Portugal, for the centralizing drive of the Portuguese deputies. The delay in the arrival of Brazilian deputies, the lack of a good reception and political integration, the constant criticism of their interventions on Brazil’s constitutional rights and the delay in information and news, ended up closing the dialogue and feeding the independence movement.

Keywords: Brazil; Independence; Constituent Courts; Liberalism

Introdução

As circunstâncias que ocorreram depois da revolução liberal de 1820 favoreceriam as condições para que, no Brasil e em Portugal, cá e lá, se criasse uma dinâmica imparável para a independência, tornando inviável o projeto de uma união entre os dois reinos1. Essas condições tiveram a ver com o modo como funcionaram as Cortes Constituintes, o acolhimento tardio dos deputados brasileiros, a segregação entre as bancadas de deputados portugueses e brasileiros, o bloqueio doutrinário e político causado pelos desentendimentos sobre o que era a verdadeira representatividade política dos deputados, o alcance do significado da soberania e da noção de nação e as investidas legislativas contra os desalinhamentos brasileiros, numa palavra, na insuperável discórdia que se instalou no Congresso.

Por isso, o objetivo do presente texto é realçar, no âmbito do ambiente político das Cortes Constituintes, a indisponibilidade política da maioria dos deputados portugueses, e de alguns brasileiros, para resolverem o problema de passar do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, uma criação da monarquia absoluta, para uma união condizente com o regime constitucional e liberal2.

Se a análise da luta pelo poder de dominação, depois da chegada dos primeiros deputados brasileiros até à assinatura e juramento da Constituição, tem tido, nos últimos anos, maior atenção da historiografia brasileira, em especial sobre o desempenho dos deputados brasileiros nas Cortes Constituintes (fundacionais as teses de doutoramento de Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (Neves, 2003) e Márcia Regina Berbel (Berbel, 1999), o certo é que o tema não foi, ainda, suficientemente analisado pela historiografia portuguesa.

Sem termos por intenção analisar os discursos dos deputados do ponto de vista semiótico e/ou linguístico, um trabalho que começou a ser feito por historiadores brasileiros para revelarem o mosaico de sentimentos ‘nacionalistas’ (por exemplo, Tasca (2016), onde a linguagem é vista como agente estruturante da tensão política entre brasileiros e portugueses), interessa-nos as intervenções parlamentares para captar as contrariedades e as tensões políticas agravadas pelo problema do desfasamento comunicacional que acumulava cerca de cinco meses de diferimento entre o emissor e o recetor das mensagens3.

Do lado de cá e do lado de lá, a distância era tão grande e o tempo de comunicação tão longo que deixava, por vezes, sem sentido muitas das intenções e deliberações tomadas. E, não menos vezes, a imaginação e a fantasia transformavam a realidade, proporcionavam a intriga, viciavam os comportamentos e baralhavam os acontecimentos como o caso ridículo no cumprimento de leis por desobediência ou irreverência.

Tudo servia para recolher informação, como canais diplomáticos, ofícios, cartas privadas, relatos de particulares, notícias em jornais, depoimentos de tripulantes e passageiros, muitas das vezes para enviesar a realidade brasileira (Cabral, 2006). A multiplicidade desencontrada da comunicação e o oportunismo alimentavam uma opinião pública devassada por intoxicações (Castro, 1993).

Depois do regresso de D. João VI começaram as contrariedades por causa do indesejado retorno à menoridade política do Brasil e dissolução da máquina administrativa, extinção de muitos cargos e instituições (Wehling, 1986; Subtil, 2020) como o Desembargo do Paço, a Casa da Suplicação, a Mesa da Consciência e Ordens, a redução de mercês e privilégios. As alterações administrativas para transformar as capitanias em províncias, governadas, não por capitães-generais, mas por juntas provisionais, constituíram outra mudança radical e polémica na vida política do Brasil4.

Um ambiente que se foi agravando com o fracionamento das posições políticas destas novas províncias relativamente à independência, à união ou reunião com o Reino de Portugal, posições assumidas por múltiplos atores que acentuavam a incapacidade da Coroa para controlar a situação. As eleições para os procuradores provinciais proporcionariam mais fatores de instabilidade por os governadores militares e as juntas de fazenda, nomeados pelo Reino de Portugal, não ficarem sujeitos à tutela das juntas provinciais (Chaves, 2013, 2018).

Por sua vez, a insistência no regresso do príncipe D. Pedro e a cessação da sua regência, acentuou a imposição do Reino de Portugal obrigar o Reino do Brasil a ficar sujeito a uma regência nomeada pelo monarca e à mercê dos desígnios do governo. Se esta regência por nomeação se assemelhava, em traços gerais, ao anterior governador-geral, a regência do príncipe D. Pedro transportava uma legitimidade régia e criava a possibilidade de se tornar monarca caso sucedesse no trono (Slemian & Pimenta, 2008).

Do lado de cá, as manifestações políticas nas Cortes Constituintes para com os deputados brasileiros, a indiferença com as suas propostas e indicações, o tom acintoso para com algumas intervenções, induziam a ideia de uma união desigual que podia retroceder a uma situação anterior a 18085.

Deste modo, ao centrarmos a nossa atenção nestas questões, procuramos realçar alguns fatores criados no Congresso que não facilitaram o compromisso e o diálogo e, consequentemente, contribuíram para a formação de uma consciência autonomista por parte dos deputados brasileiros.

Finalmente, uma nota metodológica para chamar atenção sobre a necessidade de referir uma abundante e recente bibliografia brasileira que, não tratando especificamente da questão que nos ocupa no texto, aborda, contudo, temáticas correlativas que ajudam a contextualizar o processo que se desenvolveu fora das Cortes Constituintes.

O recurso, mais do que habitual, às notas de rodapé teve por objetivo, sempre que possível, transcrever debates à margem do texto principal, bem como realçar factos e acontecimentos relativamente singulares.

O domínio parlamentar dos deputados portugueses

Vejamos, resumidamente, o processo da constituição dos «grupos» parlamentares dos deputados portugueses e brasileiros nas Cortes Constituintes. Apesar da minoria da representação dos deputados brasileiros, o cumprimento das deliberações foi sempre admitida pela bancada portuguesa como legítima e legal porque consideravam que os deputados brasileiros pertenciam à nação e não às províncias, o que era, evidentemente, contrariado pela bancada brasileira que não aceitava equiparar uma província europeia com qualquer província brasileira e, por isso, não consentiam na aplicação da Constituição ao Brasil6.

O momento eleitoral para a escolha dos deputados, que viriam a compor as Cortes Constituintes, ocorreu em dezembro de 1820 (Vieira, 1992). Esta primeira experiência eleitoral foi regulada por duas instruções (31 de outubro e 22 de novembro de 1820, Costa, 2019)7 que acabariam por ser referências eleitorais para o Brasil, sobretudo o sufrágio indireto por freguesias, comarcas e províncias e a proporcionalidade dos deputados pelo número de habitantes, o critério do vínculo de naturalidade à província e a maioridade eleitoral para apuramento dos deputados brasileiros às Cortes de Lisboa (Decreto de 18 de abril de 1821)8.

O essencial do sufrágio assentava nas juntas eleitorais, presididas pelo juiz de fora (Almeida, 2016; Almeida, 2010). Nas freguesias, estas juntas eram compostas por todos os cidadãos domiciliados e residentes, sendo que, por cada 200 fogos, seria eleito um eleitor, cidadão maior de 25 anos e morador na freguesia. Estes eleitores juntar-se-iam, na cabeça da comarca, para elegerem o eleitor ou eleitores da comarca para que estes, depois, elegessem os deputados que deviam ter mais de 25 anos, terem nascido ou estarem domiciliados há mais de sete anos na província9.

No cômputo geral, foram eleitos 100 deputados para o Reino de Portugal com a seguinte distribuição por província: Algarve (3), Alentejo (10), Estremadura (24), Beira (29), Minho (25) e Trás-os-Montes (9).

Como desde 1815 o Brasil era um Reino, teria uma representação em pé de igualdade com o Reino de Portugal, mas como não se sabia a reação das províncias brasileiras à revolução de 1820, que só tomaram conhecimento desta no mês de outubro, não era possível inventariar o número exato de deputados brasileiros10.

A demora pelas manifestações de adesão, a organização do ato eleitoral no Brasil e a urgência em convocar as Cortes Constituintes para dar cumprimento às promessas da revolução, constituíram um feixe de problemas nada fácil de resolver. Tanto mais que a presença de deputados brasileiros era o garante indispensável da abrangência constitucional para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e o fundamento da legitimidade das Cortes Constituintes, ou seja, os deputados do Reino do Brasil eram imprescindíveis no âmbito da nova noção de soberania11.

Para resolver o problema foram propostas várias soluções. Uma apontava para a ideia de só abrirem os trabalhos das Cortes Constituintes depois da chegada dos deputados brasileiros ou de, pelo menos, a sua maioria. Outra solução admitia a eleição provisória de deputados brasileiros que residissem no Reino de Portugal para serem, posteriormente, substituídos pelos eleitos no Brasil. Uma terceira proposta defendia o regime de cooptação, ou seja, a designação temporária dos deputados brasileiros pelas Cortes Constituintes. E, finalmente, a proposta que acabaria por vingar, apontou para a abertura imediata das Cortes Constituintes e a integração faseada dos deputados brasileiros à medida que chegassem. Como veremos, esta solução acarretou muitos problemas e nunca consubstanciou uma situação regular e legal como aconteceu com a aprovação das Bases da Constituição sem a presença dos deputados brasileiros que não participaram nas sessões desde janeiro até agosto de 1821, altura em que chegaram os primeiros e poucos deputados (Moreira e Domingues, 2021)12.

Apesar de as Bases da Constituição (2 de março de 1821), no ponto 21, dizerem, sem margens para dúvidas, que “Somente à Nação pertence fazer a sua Constituição, ou lei fundamental, por meio de seus Representantes legitimamente eleitos. Esta lei fundamental obrigará por ora somente aos Portugueses residentes nos Reinos de Portugal e Algarves, que estão legalmente representados nas presentes Cortes”, admitindo para os “que residem nas outras três partes do mundo, ela se lhes tornara comum, logo que pelos seus legítimos Representantes declarem ser essa a sua vontade” (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 20 de fevereiro de 1821). Seria, pois, com base neste compromisso que os deputados portugueses exigiram aos deputados brasileiros, antes de tomarem assento no Congresso, o juramento das Bases da Constituição.

Não é possível, nestas circunstâncias, ignorar o ambiente pouco propício à integração dos novos deputados que foram recebidos apenas por protocolos burocráticos e sentiram desconfiança na participação das sessões, muitas vezes sujeitos a apupos das bancadas e das galerias. O mal-estar obrigou, inclusive, os deputados brasileiros mais ativos e intervenientes a abandonarem os debates e a ausentarem-se das votações.

Outros problemas se levantaram como o da dimensão das suas representatividades. Na sessão de 3 de fevereiro de 1821, o deputado Bento Pereira do Carmo, da província da Estremadura, apresentava, a propósito, um projeto para regular “Representação nacional Portuguesa de ambos os Mundos para que todos os portugueses concorram à formação da Lei Fundamental”. Das propostas que vieram a ser discutidas, uma apontava para três deputados por cada província do Rio de Janeiro e Bahia e dois por cada uma das restantes e, uma outra, defendia uma paridade igual à do Reino de Portugal. Contudo, como para a grande maioria dos deputados portugueses, os critérios que estavam a ser praticados proporcionavam o conforto de maiorias no Congresso, não quiseram debater o assunto.

Quadro I Número de deputados brasileiros efetivos às cortes constituintes e cronologia da sua chegada às cortes constituintes (agosto de 1821 a julho de 1822) 

Outra dificuldade prendeu-se com a realização do processo eleitoral. Uma das últimas decisões de D. João VI, antes de sair do Rio de Janeiro, foi impulsionar as eleições (decreto de 7 de março de 1821, mais tarde corroborado por um outro das Cortes, de 18 de abril de 1821), numa altura em que já se previa um enorme atraso nas eleições e na chegada dos deputados brasileiros. Mesmo assim, esta previsibilidade não acautelou medidas extraordinárias para evitar o deficit da representação brasileira o que evidenciava uma desvalorização do Brasil no processo constitucional13.

No total foram eleitos 92 deputados brasileiros, entre efetivos e suplentes. Do grupo dos efetivos, num total de 66 deputados, só 49 vieram para o Congresso (v. Quadro I).

Os primeiros a tomar posse em Lisboa, a 29 de agosto de 1821, foram os deputados de Pernambuco (7)14 que tinham sido sufragados a 7 de junho. Em 10 de setembro foi a vez dos deputados do Rio de Janeiro (5). Os da Bahia (9) tomaram posse em 15 de dezembro. E só no ano seguinte, em abril de 1822, teve lugar a posse dos deputados do Pará (2), Espírito Santo (1) e Goiás (2), para, em meados de maio, ser a vez da província do Ceará (5). Em meados de julho, as Cortes suspenderam a chegada dos deputados de Paraíba e Piauí (5) e deram posse aos substitutos porque a Constituição estava pronta e prestes a ser aprovada. A bancada de Minas Gerais que era a mais numerosa (13 deputados), acabaria por não vir para Lisboa15.

Os deputados brasileiros não formaram uma unidade política coesa e refletiram as particularidades regionais das províncias que os elegeram. Por exemplo, as regiões Norte e Nordeste tinham posições bem diferentes das do Centro-Sul, as primeiras com ligações mais estreitas com a Coroa e as segundas com uma experiência de distanciamento político e administrativo desde a permanência da Corte no Rio de Janeiro. O deputado paulista Diogo António Feijó, dizia a propósito “Que não somos deputados do Brasil, de quem em outro tempo fazíamos uma parte imediata, porque cada província se governa hoje independente. Cada um é somente deputado da província que o elegeu” (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 25 de abril de 1822).

Os deputados brasileiros que não se reviam no conceito de nação brasileira, não comungaram, portanto, do compromisso político de que as votações nas Cortes Constituintes cobriam o Reino de Portugal e do Brasil como uma só nação. Esta questão, retomada mais à frente, esteve na origem do permanente confronto político com a bancada portuguesa e gerou momentos de tensão nas bancadas mais interventivas como do Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco16.

O certo é que quando os de cá e os de lá se juntaram no palácio das Necessidades, já tinham decorrido oito meses durante os quais os deputados portugueses decidiram, constitucionalmente, sem os representantes do Reino do Brasil. E, até ao mês de abril de 1822, ou seja, já nos finais do debate sobre a Constituição, só tinham chegado a Lisboa 21 deputados brasileiros, das províncias de Pernambuco, Rio de Janeiro e Bahia (v. Quadro I). Esta representação insignificante do Reino do Brasil foi, como já o referimos, a maior das fragilidades constitucionais, incapaz de refletir a abrangência dos direitos de cada Reino e a principal causa política do movimento pela independência.

Compreende-se, por isso, o choque provocado pelos primeiros deputados brasileiros quando exigiram ratificar as votações já ocorridas com o argumento de que a Constituição era para o Reino Unido e não, apenas, para o Reino de Portugal e, posteriormente, forçaram ratificar a Constituição com um ato adicional referente ao Brasil.

A rejeição desta iniciativa dos deputados brasileiros fundou-se, mais uma vez, no argumento usado e abusado pela bancada portuguesa de que os deputados eram deputados da nação e, não do Reino de Portugal e, neste sentido, a lei da maioria praticada nas votações, era a lei manifesta da vontade da nação para todo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Este bloqueio, ao mesmo tempo eivado de oportunismo e hipocrisia face à realidade dos factos, impediu os deputados portugueses de entenderem a diferença entre a natureza tradicional da união declarada em 1815, por um rei absoluto, e a união que se queria concretizar com o novo regime constitucional e liberal.

Para contornar este confronto político seria criada uma Comissão de deputados brasileiros, adiante analisada em detalhe, para propor aditamentos constitucionais para serem apreciados durante a revisão final da Constituição. O resultado foi, porém, provocatório para os deputados brasileiros na medida em que as objeções e pedidos de debate não foram, por motivos da agenda das sessões, discutidos e, no final, seriam rejeitados em bloco. Foi esta sistemática inviabilização, por parte dos deputados portugueses, das propostas brasileiras, a menoridade política conferida às suas intervenções, de quererem, por vezes, “mandar as leis nas pontas das baionetas”, que levaria ao pedido dos deputados brasileiros para serem dispensados de assinar, de jurar e de acompanhar os atos protocolares da celebração da Constituição.

O processo político

Retomando ideias centrais deste texto, uma das grandes questões que moldou a relação do Brasil com Portugal, entre 1815 e 1822, foi a maioria dos deputados portugueses quererem manter o figurino do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (Pereira, 2010; Silva, 2009) e não terem equacionado, ou pelo menos discutido, um império luso-brasileiro de tipo unitário ou federal17.

A Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815, que elevou o Estado do Brasil à categoria de Reino e o une aos Reinos de Portugal, e dos Algarves com o título de Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves d´aquem e d´alem Mar, foi uma iniciativa do regime absolutista18.

Quando, no ano seguinte (20 de março de 1816), falecia a rainha D. Maria I, a aclamação de D. João VI ficou congelada pela fragilidade do ato de aclamação ter de se realizar no Brasil e foi preciso, passados dois anos, ter acontecido a revolta de Pernambuco (1817) para a aclamação de D. João VI ter ocorrido no Rio de Janeiro, contribuindo para o crescimento da autonomia do Brasil, mas, também, para a futura fragmentação administrativa por causa da fragilidade do relacionamento do poder executivo fluminense com as câmaras e as juntas provinciais que seriam criadas pelas Cortes Constituintes com competências económicas, fiscais e administrativas19.

No dia 1 de setembro de 1821, quando as Cortes Constituintes, para apaziguar a situação na província de Pernambuco, criavam uma junta provisória com jurisdição civil, económica, administrativa e de polícia, exceto sobre a junta da fazenda e o governador das armas, acabaram por desencadear a revolta dos pernambucanos sobre as intenções do governo de Lisboa em manter o controlo sobre a economia e as forças militares20. Uma decisão que não podia ter corrido pior, tanto mais que o modelo desta junta será replicado nas restantes províncias, compostas por sete membros para as províncias do Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiares, e de cinco membros para as restantes províncias21.

As Cortes queriam, com a formação destas juntas provinciais, criar condições para o regresso de D. Pedro e, deste modo, decapitar a liderança executiva. De facto, pouco depois, começaram por pedir que o príncipe regente regressasse para viajar pelas Cortes de França, Espanha e Inglaterra22, para acabarem por exigir o seu retorno (29 de setembro de 1821). Quando estas ordens chegaram ao Rio de Janeiro, dois meses e meio depois (11 de dezembro), as reações das elites, as manifestações populares e os jornais provocaram uma onda de desobediência e resistência.

Na sequência destas reações, D. Pedro de Alcântara (9 de janeiro de 1822), declarava não obedecer às Cortes e ficar no Brasil “Como é para o bem de todos, e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao povo que fico”, como resposta ao pedido da câmara do Rio de Janeiro. O influente José Bonifácio de Andrada e Silva, tornava-se chefe do gabinete ministerial (16 de janeiro de 1822) e o Príncipe Regente criava o Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil (16 de fevereiro de 1822) com o objetivo de convocar uma Assembleia Geral de Representantes das Províncias do Brasil (3 de março de 1822). A seguir à convocação da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa seguiram-se as instruções para as eleições (19 de junho de 1822) da autoria de José Bonifácio de Andrada e Silva23.

Estava, portanto, em movimento uma dinâmica de independência que apanhava as Cortes Constituintes desprevenidas, sem capacidade de reação devido ao desfasamento de informações24 e, por isso, percebe-se porque no dia 23 de julho de 1822, tenham agido, de forma inútil, ao anularem o decreto de Rio de Janeiro de 16 de fevereiro de 1822 quando já estava em marcha a convocação da Assembleia Constituinte e Legislativa do Brasil25. E, cerca de um mês depois, era assinada a Constituição (23 de setembro) quando, alguns dias antes, D. Pedro tinha declarado a independência no famoso grito do Ipiranga (7 de setembro de 1822) e no dia 1 de dezembro decorreu a coroação como imperador quando as Cortes tinham encerrado no dia 4 de Novembro.

A comissão especial dos negócios do Brasil

O que se passou com a Comissão Especial dos Negócios do Brasil retrata o quadro político instalado nas Cortes Constituintes ao mostrar como os deputados portugueses ensaiaram uma estratégia de dissimulação em relação aos deputados brasileiros com a criação de uma comissão cujas propostas estavam destinadas ao insucesso, como se veio a verificar26.

A situação incómoda e um tanto incorreta tinha vindo a acentuar-se com a pouca ou nenhuma atenção que as Cortes Constituintes deram aos persistentes pedidos dos deputados brasileiros para os artigos da Constituição aprovados se adequarem ao Brasil. Cada vez mais difícil de justificar esta exclusão e pressionados pela ameaça de abandono dos deputados brasileiros, as Cortes Constituintes acabariam por criar uma Comissão de 15 membros, só de deputados do Brasil, para apresentarem propostas de revisão e “preparar todos os artigos constitucionais, que são requeridos pela especial situação, e circunstancias das províncias ultramarinas, para serem discutidos ao tempo da revisão da Constituição” (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 11 de março de 1822).

Um dos membros da comissão, o deputado fluminense Francisco Vilela Barbosa, apresentou, de imediato, um projeto de ato adicional, recebido com muitas críticas e rejeitado, de tal forma que os membros da comissão ameaçaram com as suas demissões na medida em que os deputados portugueses só aprovavam “coisas insignificantes sobre o Brasil” e deixavam morrer, à nascença, as mais importantes devido à força da pluralidade dos votos27.

Mas, insistindo, a Comissão Especial dos Negócios do Brasil oporia outro projeto sobre o poder legislativo, propondo dois congressos, um em cada reino28. O congresso do Brasil reuniria no local de residência do regente e o Congresso de Portugal na sede do monarca. Existiriam, ainda, umas Cortes Gerais para rever as leis aprovadas pelos dois congressos, com sede em Lisboa, composta por 50 deputados, 25 de cada uma das cortes, com competências especiais para os assuntos comerciais, de defesa, militares e da marinha, para reverter leis e intervir nos abusos de poder.

O projeto foi apresentado pelo deputado do Minho e secretário do Congresso Francisco Xavier Soares de Azevedo como se se tratasse do milagre para evitar a independência e promover a formação de Império “Luso-brazilianio”. Justificou os seus objetivos e propósitos com as muitas discussões havidas na comissão, na representação da câmara do Rio de Janeiro, na indicação do vice-presidente do governo de Minas Gerais e nas cartas da junta provisória de Pernambuco. De acordo com o seu relato, a comissão tinha chegado à conclusão de que o ”sistema de unidade inteira dos dois reinos, é quase de absoluta impossibilidade” porque “na Constituição de um Império composto de partes tao heterogéneas, e opostas, como são Portugal, e o Brasil, há necessariamente duas cousas mui distintas, que merecem consideração, e duas classes de leis, que se não podem confundir sem o maior abuso, e risco” e que o “Reino do Brasil é muito arredado do de Portugal, a sua localidade, e circunstancias o diferenciam essencialmente de qualquer regime, e sistema Europeu; e tudo isto exige, que haja um meio local de fazer essas leis, e de as fazer executar” (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 26 de junho de 1822).

Percebe-se o desconforto que estas propostas causaram na bancada dos deputados portugueses, a começar pela reação do deputado de Trás-os-Montes, António Lobo Teixeira Girão, quando confessava ser “impossível que todo o meu sangue deixe de ferver nas veias”, que só não classificava as ideias como absurdas e monstruosas por respeito ao Congresso e que, quanto aos deputados brasileiros, só podia dizer que quiseram “zombar de nós, e reportar-nos destituídos de senso comum”. Seguiu-se o colega Manuel Borges Carneiro a lamentar que as “Cortes estão ultrajadas, e ofendidas” e outras intervenções repisariam os argumentos de que o projeto era contra as Bases da Constituição e concorria para a separação (Diário do Governo nº 149, 27 de junho de 1822, sessão nº 400, 26 de junho).

Sem acusar os efeitos da pressão política e mantendo as suas convicções, a comissão apresentaria, no dia 6 de julho de 1822, outro projeto sobre a delegação do poder executivo onde levantava mais questões fraturantes.

A primeira, tinha, obviamente, a ver com a amplitude da delegação de poderes, ou seja, um só centro ou dois centros. Ao abandonarem a ideia da pluralidade de centros de governo por província, colocavam em discussão tanto o modelo de governo centralista como regionalista que tinha sido defendido pelas Cortes.

Os que se associavam a um só centro tinham por argumento evitar retalhar o Brasil em pequenas unidades autónomas como as províncias. A solução por dois centros, um a Norte e outro a Sul, fundamentava-se no extenso território do Brasil que dificultava a comunicação política. Com dois centros, alvitrariam, também, duas assembleias legislativas que se podiam agregar numa só para tomar decisões conjuntas com as Cortes Gerais sediadas em Lisboa. Admitia-se, como exceção, o caso do Maranhão e do Pará por desejarem ficar dependentes do governo de Portugal.

A segunda questão, de natureza política, era saber qual o modelo a seguir sobre a delegação de poderes, ou seja, se seria uma delegação configurável com uma regência cujo titular fosse familiar régio ou uma regência de nomeação ou de eleição.

Os deputados brasileiros defendiam, sem hesitar, a regência do sucessor da Coroa para legitimação do cargo. A opção pela regência de nomeação foi maioritária entre os deputados portugueses que viam nessa solução a oportunidade para retirar poderes a D. Pedro e a possibilidade de controlar o futuro governo, para além de resolver o problema da sucessão que poderia recair no regente do Brasil e, consequentemente, abrir, de novo, uma crise de “dependência” de Portugal em relação ao Brasil.

Antecipando-se à reação dos deputados portugueses, o deputado baiano Domingos Borges de Barros pedia ao deputado português Manuel Borges Carneiro para “quando falar do Brasil não seja com tanta acrimonia” e, ao Congresso, para ter mais consideração pelas propostas brasileiras e não continuar a atacar os direitos do Brasil porque prejudicavam a união dos dois Reinos, “magoam os Deputados do Brasil, e provocam respostas do mesmo tom” ou obrigavam os deputados brasileiros a sair da sala, como aconteceu, constantemente, em sinal de protesto (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 12 de agosto de 1822). Uns dias antes, o deputado fluminense Francisco Vilela Barbosa queixava-se que era muito difícil o trabalho da sua bancada “mal com Portugal por amor do Brasil, mal com o Brasil por amor de Portugal” e que a exclusão dos deputados brasileiros não resolvia os problemas, muito menos o envio de tropas para o Brasil (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 7 de agosto de 1822).

Estas advertências e pronúncias não caíram bem na bancada portuguesa e o deputado Manuel Fernandes Tomás, com algum cinismo, concordava com o baiano Domingos Borges de Barros para não “nos parecermos com alguns do Brasil, que continuamente nos estão insultando” e esperaram “noticias de que outras províncias tem feito o mesmo” para obrigarem a tomar medidas repressivas que contribuem para o desentendimento e a discórdia.

Pouco tempo depois (22 de agosto de 1822), a Comissão de Constituição não perdia tempo e respondia às propostas da Comissão Especial do Brasil sobre o poder executivo, contrapondo uma delegação do poder executivo, da responsabilidade de uma regência composta por cinco membros, nomeados pelo monarca, ouvido o Conselho de Estado. Dessa regência sairia o futuro governo das Secretarias dos Negócios do Reino e Fazenda, Negócios da Justiça e Eclesiásticos, Guerra e Marinha. E, sobre o poder legislativo, a Comissão da Constituição reagiu, drasticamente, contra o poder excessivo pretendido pela Comissão Especial dos Negócios do Brasil.

Podemos concluir que criação da Comissão Especial dos Negócios do Brasil serviu para entreter os deputados brasileiros com a preparação de propostas que, já se sabia, serem impossíveis de acolhimento porque revertiam o sistema constitucional que tinha sido aprovado sem a concordância ou a ausência dos votos brasileiros.

Apesar de tudo, a Comissão evidenciou o propósito dos deputados brasileiros encontrarem uma via diferente para a versão final da Constituição quando os deputados portugueses apostaram, simultaneamente, na desvalorização parlamentar da comissão e no oportunismo político que emprestava à legitimidade do texto constitucional.

Uma outra comissão, a Comissão dos Negócios Políticos do Brasil, funcionou à parte, sendo composta por deputados de ambas as bancadas. Esta comissão, a pedido do Congresso por causa das muitas informações que corriam sobre o Brasil, apresentaria um relatório e parecer sobre os acontecimentos, com foco na correspondência de D. Pedro, na representação da Junta de São Paulo, na posição do bispo da diocese e na reação ao decreto que criava as juntas provisórias.

Nas principais sessões onde se debateu o relatório (28 e 29 de junho de 1822), tanto os deputados portugueses como brasileiros foram muito críticos sobre as conclusões retiradas pela comissão. Uma das intervenções mais demoradas foi a do deputado português Manuel Borges Carneiro que realçou, negativamente, o facto de a comissão não ter criticado D. Pedro e a Junta de São Paulo, lendo, com invulgar erudição, um parecer que acabou por ser uma aula para os deputados brasileiros acerca da tradição constitucional da monarquia portuguesa e as origens do despotismo. E terminou com fortes acusações à chancelaria do Rio de Janeiro, aos sentimentos de D. Pedro e à proposta da comissão para que o seu regresso esperasse “até a época em que no Brasil se publicasse a Constituição”. Em sentido contrário, o deputado paulista António Manuel da Silva Bueno entendeu que a junta terá usado do ‘direito de petição’, enquanto o deputado José Joaquim Ferreira de Moura (Beira) preferiu chamar-lhe ‘direito de resistência’.

A grande defesa da Junta de São Paulo coube ao deputado paulista Nicolau Pereira Vergueiro que transferiu toda a responsabilidade dos acontecimentos para os decretos das Cortes sobre a extinção dos tribunais, o regresso do príncipe regente e a organização do governo por juntas. Rematou com a ideia de que as Cortes não podiam legislar para o Brasil e que a aprovação da legislação para a nação inteira seria assegurada por “uma mera fração da grande Nação Portuguesa” (Diário do Governo nº 150, 28 de junho de 1822, sessão nº 401, 27 de junho). Foi aplaudido com intervenções dos deputados José António Guerreiro (Minho), do deputado pernambucano Francisco Moniz Tavares e do deputado paulista António Carlos Ribeiro de Andrada (Diário do Governo nº 151, 29 de junho de 1822, sessão nº 402, 28 de junho).

A desvinculação antes da independência

Uma das advertências mais frequente dos deputados portugueses para com os deputados brasileiros foi, como já o dissemos, de que representavam a nação e não as províncias do Brasil, por isso, estavam em pé de igualdade com os deputados portugueses. A resposta dos deputados brasileiros foi sempre a mesma perante o que consideravam “injurias, e duros sarcasmos”, ou seja, de que, em primeiro lugar, os portugueses tinham a maioria dos votos e aprovavam o que queriam, em segundo lugar, a aparente igualdade servia para serem “entretidos sempre das esperanças de que alguma vez o soberano Congresso assistiria às razões da mais perfeita igualdade” e, em terceiro lugar, que não eram deputados da Nação, mas das províncias que os escolheram. Para provar esta diferença, o deputado paulista José Feliciano Fernandes Pinheiro dizia que “resta-me propor, visto que a ilustre Comissão não quis pronunciar seu parecer, que ou se esperam notícias claras, e decisivas da opinião da maioridade das províncias que representamos; ou, conforme ouvi já sensatamente opinar-se, se enviem a elas comissários com a Constituição” para se aperceberem das singularidades das várias províncias que, em conjunto, também nunca cultivaram o sentido da nação brasileira como acontecia em Portugal (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 21 de setembro de 1822).

O ambiente político, muito fraturado e sem margens de retorno, agravou-se depois da chegada dos deputados brasileiros e, muito em especial, durante os meses de junho a setembro de 1822 que antecederam a aprovação da Constituição.

Este afrontamento parlamentar subia de tom e intensidade à medida que se aproximava a aprovação do texto constitucional. Os deputados portugueses, depois de confrontados com as propostas da Comissão Especial dos Negócios do Brasil, foram unânimes em concordarem que “Ao ouvir proferir as injurias [dos deputados brasileiros] que se tem proferido contra esta Assembleia, não nos conteríamos ao ouvir estes insultos, se não fosse a desejada união”, isto é, atribuíam a responsabilidade pela desunião aos brasileiros de cá e de lá (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 19 de setembro de 1822)29 e até algum desprezo pela independência, como transparece das palavras do deputado da Paraíba Francisco Xavier Monteiro de França ao afirmar que Portugal já mostrou “que pode existir com gloria, e Independência sem Brasil. Este é que ainda não fez a experiência como poderá existir sem Portugal”, sendo que, na mesma altura, o Brasil já tinha assumido a independência (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 20 de setembro de 1822).

Esta coação política parlamentar foi acompanhada por represálias sobre os deputados brasileiros, criando uma situação insuportável no Congresso e na cidade de Lisboa. O deputado paulista António Carlos Ribeiro de Andrada, queixava-se de ameaças de morte e de cartas anónimas insultuosas por “apregoar a honra do Brasil” afirmando, ao mesmo tempo, que “se eu assinasse uma Constituição que se opõe aos interesses do meu país, teria pejo de aparecer outra vez diante dos meus compatriotas”. Num desabafo extremado afirmava que “Todos os dias se tem ouvido blasfémias contra os Deputados do Brasil; corram-se os Diários das Cortes e ver-se-á que não se encontra uma falta de ordem que tenha sido principiada pelos Deputados do Brasil; ao contrario se vera que são os Deputados Europeus quem os provoca, e eles nada mais fazem que rebate-los depois de os ouvirem” e a verdade é que as Cortes se deviam chamar-se “Cortes Luso Brasilienses” porque se juramos fazer uma Constituição, não juramos fazer uma constituição qualquer, muito menos que prejudique o nosso pais” (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 21 de setembro de 1822)30.

Por outro lado, como já foi dito, o problema do desfasamento temporal no conhecimento em Portugal do que se passava no Brasil e, no Brasil do que se passava em Portugal, um diferimento entre dois a três meses, aguçava a imaginação, tornava a aparência de realidade real, impulsionava a radicalização legislativa e tornava inútil muitos atos praticados.

Vejamos dois exemplos emblemáticos desta discrepância temporal com consequências políticas determinantes.

Na sessão de 28 de setembro de 1822, destinada a fixar os dias e a formalidade do juramento da Constituição depois da sua aprovação (23 de setembro de 1822), os deputados foram surpreendidos com um ofício do monarca a remeter três cartas de D. Pedro (26 de julho, 4 e 6 de agosto) que davam conta da irreversibilidade do processo de independência. De certo modo sarcástico, D. Pedro desculpava-se pelo atraso nas informações porque “assim convém para que os faciosos das Cortes” não saibam a quantas andam.

Na terceira das cartas (6 de agosto), o monarca remetia o manifesto de “Sua Alteza Real o Príncipe Regente Constitucional, e Defensor Perpetuo do Reino do Brasil”, um título só por si provocatório, com críticas extremadas às Cortes que negaram a delegação do poder executivo, decretaram três centros contraditórios, excluíram os brasileiros dos empregos honoríficos, encheram as cidades de baionetas europeias e roubaram o banco do Brasil31.

Na segunda das cartas (4 de agosto), mandava os dois decretos sobre o que designou por “marcha política deste Reino” e que só pretendia “ter relações com Vossa Majestade, só familiares, porque assim é o espirito publico no Brasil (...) é um impossível físico e moral Portugal governar o Brasil, ou o Brasil ser governado de Portugal”, ignorando ostensivamente as Cortes Constituintes32.

Na primeira das cartas (26 de julho), dava conta do reconhecimento que a deputação de Pernambuco lhe prestou como regente, sem quaisquer restrições, acentuando a sua legitimidade em relação às Cortes Constituintes.

Outro exemplo, igualmente significativo, sobre a ausência de sincronia que bloqueou o diálogo transatlântico foram os acontecimentos relacionados com a assinatura da Constituição, já aqui referenciados.

Dias antes da assinatura e aprovação da Constituição, quando ainda só era conhecido o decreto de 3 de junho pelo qual D. Pedro convocava as eleições para uma Assembleia Geral de Representantes das Províncias do Brasil para se constituir uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, entrava nas Cortes Constituintes (14 de setembro) uma declaração do deputado paulista José Feliciano Fernandes Pinheiro e do deputado do Ceará Manuel do Nascimento Castro e Silva, onde era lembrada a assinatura da Constituição e dois factos políticos relevantes.

O primeiro, referente ao pacto firmado que D. Pedro de Alcântara seria Regente Constitucional e Defensor Perpetuo do Reino do Brasil e, o segundo, à instalação de uma Assembleia Constituinte no Rio de Janeiro, factos que impediam os deputados brasileiros de assinar a Constituição por ser “indecoroso prestar juramento que a constituição decreta instituições diferentes”33.

O deputado do Ceará Manuel do Nascimento Castro e Silva fazia a síntese desta dissidência ao afirmar que era “inegável que a presente Constituição está diametralmente oposta à prosperidade e dignidade do Reino do Brasil” por quatro razões: a) a regência devia pertencer ao sucessor da Coroa; b) as províncias deviam livrar-se do governo dos capitães generais e ficarem sujeitas a um centro de governo; c) a sede da monarquia devia ser fixada no Brasil; d) o corpo legislativo brasileiro devia ter as mesmas atribuições que o de Portugal.

Como estas condições não estavam cobertas pela Constituição ficava provada a dissidência, o desprendimento dos representantes brasileiros e a recusa pela assinatura o que dificultava o protocolo de celebração do texto constitucional (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 14 de setembro de 1822)34.

Nas duas semanas seguintes (14 a 28) foi discutido, com muita acrimónia à mistura, este ato de desobediência dos deputados brasileiros, a que se somavam outros no Brasil, mas que as Cortes Constituintes só tomaram conhecimento no final do mês. O deputado português Francisco Soares Franco resumia a vontade dos deputados brasileiros dizendo que uns queriam ser dispensados do Congresso, outros serem desobrigados de assinar e jurar, outros, ainda, queriam esperar para saberem mais notícias do Brasil e outros, até, advogavam que se mandassem emissários ao Brasil para ajustarem conciliações constitucionais (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 21 de setembro de 1822). O deputado português rematava com uma crítica assombrosa: “Se nos deixarmos enxotar do Brasil, como cães, quem fará caso de nós, que resultado tiraremos da nossa infâmia? Pelo contrário, combatendo com honra, e com glória, conservaremos algumas províncias ao Norte do Brasil, pelo menos”35.

Em conclusão, com a Constituição já aprovada o que esteve sempre presente na maioria dos deputados portugueses foi a defesa de um sistema de dominação decalcado das práticas do final do Antigo Regime com alguns matizes retóricos da doutrina liberal, mas nenhuma relacionada com uma putativa solução diferente da união integracionista.

A começar pelo argumento da representação da soberania que separava, de forma irredutível, a bancada de deputados brasileiros, da bancada dos deputados portugueses. Como, repetidamente, afirmaram os deputados brasileiros, as suas procurações representavam as províncias que os elegeram e não eram, como diziam os deputados portugueses, representantes da nação portuguesa, “não vieram negociar, ao contrário trouxeram procurações para connosco fazerem uma Constituição, e esta só pode ser feita pela pluralidade de votos”.

Na verdade, a argumentação da bancada portuguesa era retórica porque refletia, de facto, a recusa de olhar para o Brasil como um Reino. Como salientava o deputado João Maria Soares de Castelo Branco (Estremadura),

“Eu me convenci de que eu pertencia inteiramente à Nação e se rebentasse uma fação na minha província eu não pensava que as minhas funções deviam cessar. É preciso que os representantes da Nação tenham sempre diante dos olhos uma verdade que deve ser o norte das suas ações: longe deles o espreitar qual é a opinião da multidão. A Soberania reside essencialmente na Nação: ela não a pode exercer pela dificuldade de se congregar para deliberar, por isso, nomeia homens para a dirigir e, portanto, não tenho que espreitar essa multidão mas seguir o caminho que claramente deve conduzir a Nação à sua felicidade”.

Depois, o argumento de que as Cortes Constituintes não concretizaram “certas coisas convenientes ao Brasil” que os deputados brasileiros tinham pedido através da Comissão Especial dos Negócios do Brasil, apesar das Cortes terem aceitado, no limite, o pedido para a amnistia dos presos da revolta de Pernambuco36.

Em terceiro lugar, o argumento da pressão política, ou seja, o Congresso não podia obrigar nem dispensar os deputados a assinar e jurar a Constituição porque era um ato livre e individual. Mas não foi isso que aconteceu porque os deputados portugueses mantiveram um clima de afronta quando afirmavam, num Congresso em que tinham a maioria dos votos, que os colegas brasileiros não aceitavam ter sido vencidos e mostravam “o ressentimento de não terem sido adotadas as suas ideias a este respeito”, destruindo a máxima da política que é a lei “do sistema representativo que é a lei da maioria nas resoluções dos corpos deliberantes”. Além disso, cometeriam o crime de perjúrio porque juraram fazer a constituição e estavam, afinal, “é dizer que sim, e que não, é dizer que fiz, e não fiz, quero e não quero”, precisamente um falso juramento e uma aleivosia indesculpável.

Em quarto lugar, o argumento da ética e da honra, exposto pelo deputado Manuel Borges Carneiro, “Para que renovar discussões já enfadonhas e consumidoras de tempo tão precioso? As ideias parecem ser inconciliáveis” e obrigavam à assinatura, ou seja, uma ameaça moral para criminalizar, futuramente, as carreiras dos deputados brasileiros (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 20 de setembro de 1822).

Em quinto lugar, o argumento diplomático e paleográfico para demonstrar a manipulação com as informações do Brasil que intoxicavam os deputados brasileiros. Uma estratégia que pretendia desarmar a invocação de factos e acontecimentos e desconstruir a autenticidade dos documentos, em particular sobre o governo do Rio de Janeiro, de São Paulo, da Bahia, e das províncias do Norte e Pernambuco, isto é, a documentação apresentada pelos deputados brasileiros seria uma “extravagancia da pretensão dos Senhores deputados do Brasil” para justificarem a não assinatura da Constituição.

Finalmente, o argumento sobre o jacobinismo brasileiro, “atendendo ao caracter dos brasileiros, à tendência que alguns deles tem mostrado para formas republicanas e federativas, á rivalidade das províncias, das diversas castas, e até das famílias”, uma acusação de «republicanismo» para desacreditar as intenções dos deputados brasileiros sobre a monarquia e o sistema constitucional liberal.

Conclusão

Se a concretização célere de uma Constituição era o objetivo central dos liberais, o certo é que a mesma não podia ser, apenas, uma constituição para Portugal. Precisava, para ser legitimada politicamente, de ser aprovada pelos deputados do ultramar, em especial do Brasil, o que levantava diversos problemas, entre os quais a eleição de deputados brasileiros, a sua integração nas Cortes em proporção razoável e uma comunicação política eficiente muito dificultada pela distância.

Nenhuma condição foi satisfeita. A eleição dos deputados brasileiros demorou muito tempo e só em agosto de 1821 chegaram os primeiros deputados. Depois, a proporção entre deputados brasileiros e portugueses foi sempre muito desigual. Durante largos meses os deputados portugueses aprovaram tudo e, quando começaram a partilhar as votações, a bancada brasileira era pequeníssima, sem capacidade de reação. Nos meses próximos da finalização e aprovação da Constituição, a esmagadora maioria dos votos pertenceu à bancada portuguesa que se impunha sistematicamente nas decisões.

Quanto à inclusão dos deputados brasileiros no Congresso nada foi feito para os acolher socialmente, nem foi criado nenhum programa político de integração nos seus trabalhos. A receção fria e burocrática não favoreceu a criação de laços de confiança e colaboração como se veio a constatar no ambiente vivido nas Cortes. E, nunca foi ultrapassado o problema da comunicação política entre Portugal e o Brasil, um dos maiores bloqueios ao debate e à comunicação política, por si só um fator que contribuiu, decisivamente, para o processo de independência37.

Mas outros problemas se somaram a todos estes, nomeadamente de ordem política. Comecemos pela questão da união.

A unidade do “Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves” (16 de dezembro de 1815), foi uma criação do Ancien Régime cujos fundamentos repousavam, exclusivamente, na legitimidade do poder régio, ou seja, era no monarca que se encontrava a unidade da soberania (Hespanha, 2019b). Uma unidade tradicional que nunca ficou definida nos seus contornos formais, independentemente da consubstanciação régia. Faltou, portanto, uma orientação política para cada reino e para o Reino Unido em geral (Castro, 2009; Lyra, 1994).

Esta indefinição durou, porém, meia dúzia de anos, porque com a revolução liberal de 1820, mudou radicalmente o conceito de soberania que deixou de estar alicerçado no poder absoluto do monarca para se legitimar na nação, isto é, no Congresso. Contudo, esta enorme mudança doutrinária colocava dificuldades na representação política da nação, tendo em conta as províncias do ultramar, sobretudo, do Brasil. Os deputados portugueses não resolveram este problema e acabaram numa contradição insanável e fatal ao persistirem na defesa da “união dos reinos” criada por D. João VI, em lugar de a substituírem por uma outra, adequada política e constitucionalmente ao regime liberal. A mudança implicava que a soberania fosse exercida por representantes eleitos da nação na pluralidade dos três reinos, o que nunca foi admitido pelos deputados portugueses.

É verdade que a conjuntura do debate parlamentar não favorecia a irrupção de ideias inovadoras. Portugal tinha saído de quatro experiências históricas que tolhiam a ação política.

Em primeiro lugar, as invasões francesas e todas as consequências da destruição do aparelho administrativo e económico, fazendo de Portugal um país ocupado e governado por uma potência estrangeira, obrigando a família real a fugir para o Brasil.

Em segundo lugar, a perda da centralidade política para o Rio de Janeiro, “colónia da sua colónia”. O embaixador português em Londres, D. Domingos de Sousa Coutinho, escrevia, a propósito, que “poder-se-hia dizer que Portugal se tornou uma possessão ultramarina em relação ao reino do Brazil”, tal foi a mudança que se operou do ponto de vista político e administrativo e que se pode descrever nas resoluções tomadas nos primeiros meses após a chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro. Desde logo, na formação de um governo onde haverá a salientar, agora, o papel influente do Conde de Linhares, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, como secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (Subtil, 2008, 2012).

Em terceiro lugar, a disseminação das revoltas por todo o país, um povo em armas, a lutar contra o invasor que assaltou instituições e centros de poder, demonstrando que era possível alavancar outro regime e outro modelo de governação, incluindo o fim da monarquia. A experiência destas revoltas irá marcar, no futuro, a revolução de 1820, as guerras civis e os levantamentos populares na primeira metade do século XIX.

E, em quarto lugar, o domínio militar e político dos ingleses que vieram combater os exércitos napoleónicos, foi longo e vexatório, uma experiência traumática que diminuiu a capacidade política do Reino que, com a ausência da família real, transmitia uma imagem de orfandade e humilhação.

Por sua vez, o Brasil tinha perdido o protagonismo e a autonomia política com o regresso de D. João VI a Portugal, somava uma série de revoltas que não podiam ser resolvidas no quadro colonial, em especial depois dos acontecimentos de 1817 em Pernambuco, e começava a experimentar os efeitos dos tratados comerciais com a Inglaterra (1810).

Apesar de tudo isto, o comportamento dos deputados portugueses, ao aprovarem o Regimento das Cortes, as Bases da Constituição, a Lei da Liberdade de Imprensa e muitos artigos da Constituição, sem a presença dos deputados brasileiros, agravou a disponibilidade para se discutirem soluções que pudessem agradar, em certa medida, aos movimentos mais autonomistas do Brasil. Desde muito cedo, os deputados portugueses habituaram-se a decidir sozinhos e, quando confrontados com a pronúncia e a discórdia dos deputados brasileiros, reagiram com a imposição da maioria da pluralidade dos votos, com manobras retóricas e manipulação da realidade38.

A insistência em identificarem os deputados brasileiros como deputados da nação portuguesa, a evocação do princípio da maioria nas votações quando os deputados brasileiros eram uma minoria, a fragmentação autonomista das juntas provisórias provinciais, a extinção do sistema administrativo montado por D. João VI, o bloqueio à regência de D. Pedro, as ameaças e concretizações no envio de forças militares e o adiamento do regresso da tropa, formaram uma catadupa de animosidades que não contribuiu para um debate de proximidade, acabando por levar à independência39.

Para fechar o círculo de contrariedades, o papel desempenhado pelo desfasamento na comunicação política, no enquadramento das deliberações tomadas por falta de informação, espera de notícias ou manipulação, foi um fator muito importante na progressão de um imaginário político dos deputados para argumentarem, protelarem votações ou decidirem ignorar a realidade num ambiente de insuperável discórdia que se radicalizou e veio a constituir um dos fatores que levou à independência do Brasil40.

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1 Sobre as grandes linhas de interpretação do sistema colonial v., por exemplo, Alexandre (1993a, 1993b), Pedreira e Monteiro (2013), Hespanha (2006), Bicalho (2015), Fragoso, Bicalho e Gouvêa (2001), Souza (2006); sobre a independência, v. Malerba (2006), Pimenta (2008), Siqueira (2006), Slemian (2007); sobre o corpo político, v. Souza (1999); sobre o Estado e Nação, v. Jancsó (2003). Um novo modelo de interpretação, de que António Hespanha foi precursor de referência, ao abordar o direito colonial como uma pluralidade de direitos e autonomias devido à cultura jurídica e às fragilidades do exercício do poder.

2Como fontes foram usados o Diário das Cortes Geraes, Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza; Documentos para a História das Cortes Gerais da Nação Portugueza, Tomo I (1820-1825), Lisboa: Imprensa Nacional, 1883 (http://purl.pt/12101); e o Diário do Governo, uma publicação diária que faz a síntese dos debates, reproduz passagens de periódicos, divulga ofícios das câmaras e governos provinciais, cartas de D. Pedro para D. João VI, elenca os registos das chegadas marítimas, dá notícias internacionais, publica “cartas ao redator” para completar notícias ou dar outras. Alguns deputados portugueses mais ativos, como Manuel Borges Carneiro e Manuel Fernandes Tomás, recorriam a este periódico para continuarem as suas intervenções no Congresso. Um caso interessante, por exemplo, foram as duas cartas dirigidas ao redator. Uma do deputado paulista António Carlos Ribeiro de Andrada, a caricaturar a animação das galerias por causa da sua intervenção em defesa dos subscritores da representação da Junta de São Paulo, que eram tão “honrados como os deputados que estavam no Congresso” e a criticar a sobranceria intelectual do deputado Manuel Borges Carneiro “admirando-me somente que nos não quisesse dom de alguns grãos de vulgaridade, e rusticidade, que bem podia repartir sem ficar pobre”. Na outra carta, Manuel Fernandes Tomás repreende o deputado brasileiro e adverte-o de que não pode demitir-se apenas por se sentir ofendido, defende as manifestações públicas das galerias, que não foram de “alarido mas de rumor” e surpreende-se com a insinuação de que teriam sido encomendadas (Diário do Governo nº 92, 20 de abril de 1822). Para um enquadramento do vintismo (1820-1823) v., sobretudo, Castro (1990, 1996), Vieira (1992); sobre o processo constitucional, v. Vargas e Ribeiro (1993) e, sobretudo, Hespanha (2012, 2019a). Sobre o desempenho do influente deputado Manuel Fernandes Tomás, v. Cardoso (2020).

3Para um entendimento detalhado sobre a situação burocrática e política causada pela distância entre Portugal e o Brasil, v. Martins (2007). No ano de 1821, as embarcações e passageiros entrados no Tejo vindos do Brasil, entre 1 de janeiro e 31 de dezembro, foram: Rio de Janeiro, 23; Bahia, 23; Pernambuco, 26; Maranhão, 21; Pará, 16; Ceará, 4. Em média semanal tivemos duas embarcações a chegar do Brasil, um movimento perto de 50 passageiros por semana e uma duração média da viagem de dois meses e meio (Diário do Governo nº 43, 20 de fevereiro de 1822). Invulgar foi a viagem da nau D. João VI, vinda do Rio de Janeiro, com 66 dias de viagem, 540 tripulantes e 465 passageiros (Diário do Governo nº 124, 28 de maio de 1822). Todas as embarcações tinham, pelo menos, uma mala de correio por onde eram remetidos documentos oficiais, cartas e notícias que o comandante fazia chegar ao palácio de Queluz. As informações verbais recolhidas junto do comandante, tripulantes e passageiros eram reproduzidas no Diário do Governo e outros periódicos.

4Foi numa sessão em que se apreciou o parecer da Comissão da Constituição sobre os governos ultramarinos e o regresso de D. Pedro ao Reino que teve lugar o debate sobre a extinção da Casa da Suplicação e outros tribunais e conselhos, do desagrado dos deputados brasileiros (Diário do Governo nº 223, 20 de setembro de 1821, sessão nº 185 do Congresso, 19 de setembro). As juntas provisórias, que vieram a manter uma comunicação com as Cortes Constituintes, foram: Rio de Janeiro, Pernambuco, Pará, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande de São Pedro do Sul, Maranhão, Ceará, Piauhi, Santa Catarina, Paraíba, Alagoas, Espirito Santo e Goyases e Bahia.

5A criação de uma deputação permanente para substituir as Cortes nos períodos de não funcionamento e na transição entre eleições, foi um dos raros momentos de acerto na paridade constitucional, com três deputados das províncias da Europa, três deputados das províncias do Ultramar e um deputado sorteado de entre um da Europa e outro do Ultramar. Sobre esta deputação, competência e forma de eleição dos deputados, v. artigos 117º a 120º da Constituição de 1822. Contudo, os deputados brasileiros, pela voz do pernambucano Francisco Moniz Tavares entregaram uma indicação para se formarem duas deputações, uma na capital dos deputados europeus e outra em qualquer das cidades do Brasil. O deputado Pimentel Maldonado, concordando que “devemos tratar com toda a igualdade, e fraternidade os Senhores Deputados do Ultramar” acabou, porém, por reprovar a proposta e acompanhou o deputado Francisco de Lemos Bettencourt, da província da Estremadura, com o argumento, mais uma vez, da estafada ideia de que não havia deputados de reinos nem de províncias, eram todos da nação, e, portanto, a composição não podia ficar limitada a critérios regionais: “eu não sou da opinião do projeto que quer a eleição seja da parte da europa, e parte do ultramar, (...) pois comtemplo só uma nação, e que os deputados não são das províncias que os nomearam, mas de toda a Nação que representa a família Portuguesa” (Diário do Governo nº 269, 13 de novembro, sessão nº 229, 12 de novembro).

6Sobre os deputados há muita informação, v., por exemplo, Castro (2002b). Sobre os deputados brasileiros, v., entre outros, Varnhagen (2010), Carvalho (2003), Boschi (2002).

7Na lei de 22 de novembro de 1820, o Congresso ficou fixado em 100 deputados a que acresciam os das ilhas e domínios Ultramarinos, embora a maioria dos pareceres recebidos na Comissão de Constituição advogasse um contingente de 120 deputados. Sobre os problemas colocados pela doutrina da representação política de tipo liberal, v. Moreira e Domingues (2021).

8A população brasileira atingia, no ano de 1808, um total de 2.323.386 habitantes livres, o que daria uma representação de 76 deputados pelos critérios seguidos para os deputados portugueses. O que se veio a verificar foi, porém, a eleição de 66 deputados efetivos e 26 substitutos dos quais acabariam empossados 9 (Boschi, 2002).

9Mais informações em Subtil (2021). Sobre a evocação, divulgação e tramitação do ato eleitoral v. Brochado (2020). Os maiores problemas do ato eleitoral em Portugal foram a enorme taxa de analfabetismo, que tolhia a formação de contingentes de eleitores e eleitos, a desconformidade entre o espaço político do Antigo Regime e a modelação de um sistema racionalizado, de tipo liberal, que não facilitava a constituição de assembleias de eleitores por causa da imensa rede de 800 municípios, dos quais 228 tinham menos de 200 fogos e só 177 ultrapassavam os 1000 fogos (Manique, 2020). E, em terceiro lugar, a moldura política e cultural, dominada por uma longa tradição de autonomias e práticas sociais, em contradição com uma cultura racional e centralizadora (Hespanha, 2019b). Estes problemas replicaram-se no Brasil com tonalidades diferentes conforme as províncias.

10A primeira província do Brasil a aderir ao liberalismo foi o Grão-Pará (1 de janeiro de 1821), seguida da Bahia (10 de fevereiro de 1821) e do Rio de Janeiro (26 de fevereiro de 1821). Estas datas dizem respeito ao conhecimento das Cortes.

11Se a proclamação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino ao Brasil (31 de outubro de 1820), exortava os brasileiros a aderirem à revolução liberal e a fazerem “parte da grande família portuguesa”, numa nova exortação lembravam que era preciso “que vossos Deputados venhão completar o quadro da representação nacional para auxiliar as Cortes em suas laboriosas tarefas, e tomar nas deliberações a parte que devem ter”, esquecendo de dizer, contudo, que as Bases da Constituição já tinham sido aprovadas só pelos deputados portugueses, Exortação das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa aos “habitantes do Brasil”, de 13 de julho de 1821.

12O ano parlamentar das Cortes Constituintes iniciou-se a 24 de janeiro de 1821 e encerrou a 31 de dezembro, para recomeçar em 28 de janeiro de 1822 e terminar a 4 de novembro. As Cortes aprovaram o texto constitucional no dia 23 de setembro de 1822 e o juramento régio de D. João VI ocorreu no dia 1 de outubro, seguindo-se o das câmaras municipais e outras entidades, embora crescesse, cada vez mais, a ideia de que não havia condições para a sua aplicação. Nos primeiros debates das Cortes Ordinárias, começou mesmo a falar-se na sua revisão (Hespanha, 2012, 2004). Uma das análises mais interessantes, do ponto de vista político, é confrontar o projeto da constituição (Moreira e Domingues, 2018) apresentado às Cortes em 25 de junho de 1821, que entrou em discussão no dia 9 de junho, com o texto constitucional (Pereira, 2018) que radicalizaria o projeto. O combate político foi assumido pelo deputado José Joaquim Rodrigues de Basto, acompanhado, no essencial, pelos deputados Francisco Manuel Martins Ramos, da província das Alagoas, o deputado fluminense Francisco Vilela Barbosa, o baiano Cipriano Barata e José Vitorino Barrete Feio, deputado pelo Alentejo (Moreira e Domingues, 2018; Pereira, 2018). Com a revogação da Constituição de 1822, D. João VI nomearia uma junta, formada por personalidades moderadas e de grande prestígio político e académico, para propor uma nova Constituição e evitar a ofensiva absolutista. Alguns projetos constitucionais de cidadãos foram, também, enviados à junta (Hespanha, 2004). Consultar o projeto em Projeto da Constituição Política da Monarquia Portugueza, Diário das Cortes Geraes, Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza, Lisboa: Imprensa Nacional, 1822, p. 3-18. https://books.google.pt/books?id=DAxQAAAAYAAJ, p. 123-138.

13No dia 23 de março de 1821, D. João VI, antes de partir do Brasil, determinava que “sem perda de tempo, se façam eleições dos deputados para representarem o Reino do Brasil”. O decreto, de 7 de março de 1821, dava instruções para as eleições, contudo seria o decreto das Cortes, de 18 de abril de 1821, que abriria o processo eleitoral com orientações semelhantes ao regulamento de 22 de novembro de 1820 sobre as eleições para as Cortes Constituintes.

14A fórmula usada para receber os deputados brasileiros foi exclusivamente burocrática. O presidente do Congresso suspendia a sessão para dar a palavra ao relator da Comissão de Verificação dos Poderes apresentar o parecer sobre o cumprimento das procurações e, de seguida, eram convidados a prestaram juramento e a tomarem assento nas Cortes, sendo, depois, retomada a sessão e as votações. Os deputados de Pernambuco que tomaram posse foram: Inácio Pinto de Almeida e Castro, Manuel Zeferino dos Santos, Pedro de Araújo Lima, João Ferreira da Silva, Francisco Moniz Tavares, Feliz José Tavares Lyra, Domingos Malaquias de Aguiar e Pires Ferreira (Diário do Governo nº 205, 30 de agosto de 1821, sessão nº 169, 29 de agosto de 1821).

15Dos 13 deputados efetivos da província de Minas Gerais que nunca embarcaram para Lisboa, 8 eram formados em Coimbra. No conjunto geral dos deputados eleitos e substitutos, num total de 92, contam-se 27 ministros régios a exercerem diversas funções administrativas, na maioria com formação em direito, 23 clérigos e 12 militares, um subtotal de 62 (67%), ou seja, um grupo maioritário de deputados brasileiros que tinham servido a Coroa e a Igreja no período colonial (Boschi, 2002).

16V., do deputado paulista Diogo António Feijó, a invocação das Lembranças e Apontamentos para os deputados de São Paulo, de 22 de agosto de 1821, redigidas por José Bonifácio de Andrada e Silva, onde se destacavam as vantagens da união desde que fossem asseguradas as condições de igualdade para a União, para o Brasil e para a província de São Paulo. A ideia era, por conseguinte, criar uma paridade entre Portugal e Brasil (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 25 de abril de 1822).

17Os deputados brasileiros perguntavam, a propósito, e com fundamentos constitucionais, porque é que o Brasil não podia fazer a sua própria Constituição na medida em que, a partir do dia da revolução (24 de agosto de 1820), Portugal se tinha separado do Brasil ao estabelecer uma nova forma de governo que alterou, de facto e de direito, o pacto estabelecido com a união criada por D. João VI (1815). Esta atitude condicionou todo o processo político como a medida da representação política, a escolha da sede do novo Reino, o regresso de D. João VI e do filho D. Pedro, a centralidade da província do Rio de Janeiro sobre as outras províncias, a delegação do poder executivo e do poder legislativo (Silva, 2009). Curiosamente, pela mesma altura (entre 1808 e 1811), por inspiração de D. Rodrigo de Sousa Coutinho e com a diplomacia de D. Pedro de Sousa e Holstein, esteve em marcha uma estratégia de reforço da Casa de Bragança através da união das coroas de Portugal e Espanha e da anexação das colónias espanholas, o que quer dizer que o tema do império era debatido nas elites, com efeitos na posição de Portugal no contexto da Europa (Subtil, 2012; Coutinho, 1958).

18O processo político foi, ainda, dominado por uma enorme confusão identitária que os deputados agudizaram com a promoção de diferenças, estigmas e contágios miméticos, como pátria, país, nação, reino, deputados europeus e americanos, brasileiros e brasilienses, recolonização, regeneração. No periódico O Correio Brasiliense (1808), apoiante e divulgador das posições inglesas no governo, era feita alusão à distinção entre brasiliense, natural do Brasil; brasileiro, o português europeu que vai negociar ao Brasil; e americano, o brasileiro que quer ser livre. A combinação destas várias pátrias num corpo homogéneo formava um enorme mosaico, nascido da pátria mãe e não do reino irmão (Pimenta, 2006; Jancsó e Pimenta, 2000; Fanni, 2015; Jancsó, 2005a, 2005b; Tasca, 2013). Fernando Catroga (2013) confronta a institucionalização do ordenamento político-administrativo e territorial com os princípios da soberania e da divisão de poderes e as formas de integração e de tensão entre centro e periferia, indissociável das ideias de pátria, nação e cidadania, região ou província, ou seja, da organização dos micropoderes locais, aos afetos dos patriotismos locais e nacionais.

19O que mudaria radicalmente depois da revolução de 1820, foi a soberania deixar de residir no monarca e passar para a nação, representada por uma assembleia de deputados (Hespanha, 2004, 2019b; Castro, 2002a; Silva, 2004; Silva, 1988). No mesmo dia da aclamação, para celebração do “Ato da Minha Aclamação e Exaltação ao Trono destes Reinos”, o monarca, pelo Decreto de 6 de fevereiro de 1818, acabava com as devassas de Pernambuco e outras terras sobre “alguns malvados” que quiseram “inficionar a Nação Portuguesa” não “prender, ou sequestrar a mais nenhum Reo, ainda que pelas mesmas Devassas já se lhe tenham formalizado culpas, exceto tendo sido dos Cabeças da Rebelião”.

20O deputado baiano Domingos Borges de Barros, com o apoio do pernambucano Francisco Moniz Tavares e do português Francisco Soares Franco, deputado da Estremadura, chamava a atenção para o debate sobre o título 6º da Constituição, referente às juntas administrativas, não poder ocorrer sem estarem, pelo menos, 2/3 dos deputados brasileiros ou, então, as decisões não poderiam ser aplicadas ao Brasil. Em sentido contrário, o deputado Manuel Borges Carneiro entendeu não haver necessidade de mais deputados brasileiros porque a maioria já tinha tomado posse, provocando a reação do deputado paulista António Carlos Ribeiro de Andrada, que o lembrou que, pelo menos, deveriam chegar 80 deputados do Brasil e nem sequer estavam 30. Este conflito de representação mostra bem a indisposição que afetou o Congresso. O deputado José Joaquim Ferreira de Moura, da Beira, começou por perguntar se, afinal, estava em causa a legalidade das decisões tomadas pelas Cortes. E, mais uma vez, intervinha o paulista António Carlos Ribeiro de Andrada para lhe dizer, em tom desafiante, que “a força repulsiva que tendia a desligar o Continente Americano, do Europeu, excedia a força centrípeta que os devia unir”, por isso, as Bases da Constituição não deviam “jamais ser feitas, sem a concorrência dos brasileiros; porem que estes tinham cedido a isto e os haviam ratificado, mais por conveniência do que por Justiça”. Em resposta, o deputado português José Joaquim Ferreira de Moura entendeu frisar que as procurações não foram passadas por conveniência porque “os povos os mandaram para aprovar a constituição”, recebendo a contra-argumentação do deputado José Lino dos Santos Coutinho (Bahia) com a alegação de que “nas procurações não está dito que vinham para o Congresso aprovar a Constituição que estava feita mas para a fazer” e que aquele estava a confundir as províncias europeias, que têm quase os mesmo interesses, com as províncias do Brasil que até se “podiam chamar Reinos, e são muito diferentes em usos, e costumes, e que as leis Municipais pelas quais se regem são muito diversas”. Seguiu-se um jocoso comentário do deputado brasileiro Araújo Limas sobre a intervenção do deputado José Joaquim Ferreira de Moura, ao dizer-lhe que “se havia cansado com seus argumentos, para provar que as decisões do Congresso eram legais” (Diário do Governo nº 56, 7 de março de 1822, sessão nº 317, 6 de março). Depois de aprovarem este novo modelo de governo, as Cortes Constituintes alargaram o poder das juntas provisórias (7 de julho de 1822) para extinguir tributos, isentar da décima e alterar taxas (Slemian, 2007).

21O decreto régio sobre o sistema de governo e administração das juntas provisórias de governo considerava os cidadãos das paróquias “conspícuos por seus conhecimentos, probidade, e aderência ao Sistema Constitucional, de maior idade, possuindo meios de subsistência”. Os membros da junta da fazenda eram, porém, independentes e responsáveis perante o governo de Lisboa e o Congresso, acontecendo o mesmo com os generais encarregados do governo das armas das províncias. Estas juntas estiveram ativas até ao final do ano de 1823 e constituíram uma rutura com o modelo de governo. Como eram legitimadas pelo voto popular, acabaram por configurar uma verdadeira representação política dos interesses das províncias que, mais tarde, com a criação do Conselho de Procuradores, formariam autênticas assembleias constitucionais (16 de fevereiro de 1822). A força política destas juntas revelar-se-ia, por exemplo, na Junta de São Paulo, liderada por José Bonifácio de Andrada e Silva, que passou a Junta do Conselho do Governo Provisório (23 de junho) ou na proposta à Junta de Minas Gerais (22 de março de 1822) para criarem uma Liga que impedisse a independência das juntas de fazenda e dos governos militares (Diário do Governo nº 234, 3 de outubro de 1821).

22V. Quadro I com 66 deputados efetivos a que acresceram 26 deputados substitutos, num total de 92. A maioria (62 em 92) eram clérigos, militares e funcionários régios. E, num tom jocoso, diria o deputado Barata, entre apupos, que 30 ou 40 deputados no meio de 100 não valiam nada e que o Brasil não estava, portanto, devidamente representado para fazer ouvir a sua voz.

23Foi no dia 17 de abril de 1823 que 52 deputados se reuniram na Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. A influência doutrinária e a liderança de José Bonifácio de Andrada e Silva foi determinante. A tese de doutoramento de Valdei Lopes de Araújo (Araújo, 2008) dá-nos um conhecimento detalhado sobre a modernidade do seu discurso desde que deixou a Academia Real das Ciências de Lisboa para regressar ao Brasil “para ir habitar o novo Portugal, onde nasci”. Em 1820 tornou-se conselheiro de D. João VI e, em 1821, seria nomeado vice-presidente da Junta Provisória de São Paulo sendo o autor das Lembranças e Apontamentos para os deputados paulistas na base da regeneração do Brasil como cenário principal do Império, distanciando-se, portanto, do ideário de regeneração dos liberais portugueses a quem acusou de “retrogradação colonizadora”. As críticas radicais que fez às Cortes tiveram por tema central o despotismo e a unificação do passado colonial como evidenciou, mais uma vez, na redação do Manifesto do Príncipe Regente de 6 de agosto de 1822.

24Vejam-se mais desencontros da comunicação política atlântica, entre outros dados ao longo do texto. No Diário do Governo nº 189, 11 de agosto de 1821, é reproduzido um extrato da Gazeta do Rio de Janeiro, de 9 de junho, dando conta da aprovação das Bases da Constituição e dos acontecimentos do dia 7 quando D. Pedro recebeu os membros da junta provisória, criada com base no artigo 31º das Bases da Constituição (membros do governo, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, e Estrangeiros, Pedro Alvares Dinis, desembargador do paço; Negócios da Fazenda, Conde da Lousã, D. Diogo; Negócios da Guerra, Marechal de Campo Carlos Frederico de Caula; Negócios da Marinha, Manuel António Farinha). Mais um outro desencontro, paradoxal, de 13 de maio de 1822, quando D. Pedro aceita ser Defensor Perpétuo do Brasil enquanto nas Cortes, António Carlos Machado e Silva (irmão do José Bonifácio de Andrada e Silva) era vaiado e perturbado no seu discurso ao defender o Brasil (22 de maio de 1822). O desconcerto da situação não evitou que as Cortes Constituintes, por Carta de Lei de 17 de dezembro de 1822, definissem a sede da Regência do Brasil na cidade da Bahia a que ficariam sujeitas todas as províncias, exceto Pará e Maranhão e, eventualmente, outras que requeiram ficar dependentes do Governo de Portugal. E, no dia 14 de janeiro de 1823, quando a independência era uma realidade, eram acusadas de rebeldes as províncias que desobedecessem à Constituição ou que reconhecessem o governo do Rio de Janeiro (o caso das províncias do Ceará, Paraíba do Norte, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo).

25De forma contraditória, as Cortes abriam um julgamento aos membros da Junta Provisória do Governo da província de São Paulo que assinaram a representação ao Príncipe Regente (24 de dezembro de 1821) e aos que assinaram o discurso dirigido a sua Alteza Real no Rio de Janeiro (26 de janeiro 1822).

26Foi o deputado da Estremadura Bento Pereira do Carmo que propôs a criação desta comissão com o apoio do deputado fluminense Francisco Vilela Barbosa e do deputado paulista António Carlos Ribeiro de Andrada, embora chamassem a atenção que deviam estar presentes todos os deputados por causa da dimensão do Brasil. Designada, depois, por Comissão Especial para os Negócios do Brasil, apresentaria, em 19 de março e 10 de junho de 1822, propostas para serem apostas à Constituição e, ainda, o célebre projeto de artigos adicionais à Constituição, de 15 de junho de 1822, posteriormente, completados com novas adendas (30 de junho), o que causaria um enorme embaraço político no Congresso.

27Outra evidência incongruente da comunicação política foi quando, ainda, na sessão 20 de setembro de 1822, os argumentos políticos oscilavam entre uma espécie de união que podia revestir a figura de federação, ou a unidade absoluta dos dois Reinos. Ninguém falava abertamente na independência, mas o certo é que o Brasil já tinha assumido a separação.

28Projeto apresentado no dia 15 de junho e discutido na sessão do dia 26 de junho de 1822. Foram seus autores os deputados brasileiros José Feliciano Fernandes Pinheiro (São Paulo), António Carlos Ribeiro de Andrada (São Paulo), José Lino dos Santos Coutinho (Bahia), Francisco Vilela Barbosa (Rio de Janeiro) e Pedro de Araújo Lima (Pernambuco).

29As Cortes sempre reconheceram o papel de D. Pedro na liderança do processo de secessão e, por isso, pediam o seu rápido regresso e a nomeação de uma regência. Afinal, depois da morte do pai, acabaria por outorgar a Portugal a Carta Constitucional (29 de abril de 1826).

30Contra os pareceres da Comissão da Constituição, que quase obrigava os deputados brasileiros a assinarem a Constituição, o deputado paulista António Carlos Ribeiro de Andrada lamentava que as Cortes Constituintes tenham ridicularizado a carta assinada por 1.411 cidadãos da Bahia e ignorado os ofícios do general Madeira a dar conta da resistência às tropas enviadas de Portugal. A combatividade deste deputado, já referido como irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, ficou marcada quando, na sessão do dia 22 de maio de 1822, ao ser interrompido pelas galerias quando discursava disse “Eu não sei quem tenha pela lei a ousadia de perturbar-me. Os cidadãos das tribunas devem saber que reis, quando elegem os seus representantes, são, neste lugar, súbditos: aqui cumpre-lhes todo o sossego: escutar e calar”. Como diria, mais tarde, outro deputado brasileiro do Ceará, José Martiniano de Alencar, “É muito árdua a situação do desgraçado deputado brasileiro”. Foram estas circunstâncias que levaram o deputado do Ceará Manuel do Nascimento Castro e Silva, a sugerir a espera por notícias autênticas (Neves, 2011).

31Nesta carta, o Príncipe Regente reafirmava a decisão de ter ficado no Brasil pelo “desvaneio das Cortes de Lisboa”, realçava o decreto de 3 de junho e criticava “A historia dos feitos do Congresso de Lisboa a respeito do Brasil, é uma história de enfiadas injustiças, e sem razões, seus fins eram paralisar a prosperidade do Brasil [...]. Legislou o Congresso de Lisboa sobre o Brasil, sem esperar pelos seus representantes, postergando assim a soberania da Nação”.

32São aqui invocados o decreto de 1 de agosto em que o Príncipe Regente declarava inimigas as tropas mandadas para o Brasil sem o seu consentimento e, também, o decreto de 3 de agosto, a esclarecer dúvidas sobre as eleições da Assembleia Constituinte e Legislativa cujas instruções foram da responsabilidade de José Bonifácio de Andrada e Silva, na altura já Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Estrangeiros.

33O que estava em causa era, de facto a assinatura da Constituição por parte dos deputados brasileiros cuja recusa levantava o grave problema de legitimidade constitucional para o Reino Unido, correndo-se o risco de a Constituição ficar restrita ao Reino de Portugal. Por outras palavras, os acontecimentos sobre a aprovação e a assinatura da Constituição não estavam a favorecer o objetivo da união, mas a alimentar a independência.

34O deputado do Rio de Janeiro Francisco Vilela Barbosa, na sessão de 18 de setembro de 1822, apresentava uma indicação sobre alguns deputados do Brasil que pediam o fim das suas funções por se acharem dissidentes as províncias que representavam. A lista incluía deputados de todas as províncias, exceto Goiás, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Maranhão. O maior contingente pertencia à província de Pernambuco e o destaque, que não se compreende, vai para a ausência de deputados de São Paulo, até porque foi deste grupo que saiu a maioria dos deputados que recusaram assinar ou jurar a Constituição. A relação destes 16 deputados foi a seguinte: Inácio Pinto de Almeida e Castro (Pernambuco), Pedro de Araújo Lima (Pernambuco), João Ferreira da Silva (Pernambuco), António José Moreira (Ceará), Manuel Zeferino dos Santos (Pernambuco), José Martiniano de Alencar (Ceará), Francisco Xavier Monteiro da França (Paraíba), Manuel Félix de Veras (Pernambuco), Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira (Pernambuco), Francisco Moniz Tavares (Pernambuco), Félix José Tavares Lira (Pernambuco), Francisco Vilela Barbosa (Rio de Janeiro), José da Costa Cirne (Paraíba), Francisco de Assis Barbosa (Alagoas), Lourenço Rodrigues de Andrade (Santa Catarina) e Manuel de Sousa Borges Leal (Piauí).

35Na sessão de 23 de setembro de 1822, 36 deputados brasileiros aprovaram a Constituição (São Paulo, 1; Bahia, 5; Ceará, 4; Rio de Janeiro, 5; Piauí, 2; Pernambuco, 8; Alagoas, 3; Pará, 2; Paraíba, 2; Maranhão, 1; Rio Negro, 1; Goiás, 1 e Santa Catarina, 1). Abandonaram as Cortes o baiano Cipriano Barata e o paulista António Carlos Ribeiro de Andrada. Para consulta do texto constitucional aprovado e dos deputados que a aprovaram v. Galeria dos Deputados das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes da Nação Portugueza, Henriques, Luís Filipe Correia, Constituição de 1822. https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/7511.pdf

36Indicação a favor dos 42 presos de Pernambuco que ainda estavam a bordo, pedindo que os mande soltar. “São homens de bem”, dizia o deputado pernambucano Francisco Moniz Tavares, com o acordo de todos os deputados de Pernambuco. Em 27 de outubro o ministro da justiça mandava soltar os presos que, entretanto, foram para a cadeia do castelo (Diário do Governo nº 246, 17 de outubro de 1821, sessão nº 207, 16 de outubro).

37Até à chegada dos deputados de São Paulo (fevereiro de 1822), o pequeno grupo dos deputados brasileiros tinha na representação de Pernambuco a mais interventiva (v. quadro I, p. 10). Se podemos dizer que nem todos os deputados brasileiros formariam um grupo consolidado (v. quadro I, p. 10), a maioria apoiou os conterrâneos mais influentes politicamente. A província mais ativa no Congresso foi, sem dúvida, Pernambuco, seguida de São Paulo, e os líderes mais empenhados na defesa dos interesses do Brasil foram António Carlos Ribeiro de Andrada (São Paulo), Pedro de Araújo Lima (Pernambuco), Francisco Vilela Barbosa (Rio de Janeiro), Manuel dos Nascimento Castro e Silva (Ceará) e Cipriano Barata (Bahia). No cômputo geral, podemos selecionar 26 deputados que mais se notaram no Congresso: Francisco de Assis Barbosa (Alagoas), Cipriano Barata, José Lino dos Santos Coutinho, Domingos Borges de Barros e Luís José de Barros Leite (da província da Bahia), António José Moreira, Manuel do Nascimento Castro e Silva e José Martiniano Pereira de Alencar (da província do Ceará), Francisco Xavier Monteiro de França e José da Costa Cirne (Paraíba), Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, Gervásio Pires Ferreira, Inácio Pinto de Almeida Castro, Félix José Tavares de Lira, Manuel Zeferino dos Santos, Pedro de Araújo Lima, João Ferreira da Silva, Manuel Félix de Veras e Francisco Moniz Tavares (da província de Pernambuco), Manuel de Sousa Borges Leal (Piauí), Francisco Vilela Barbosa e Luís Nicolau Fagundes Varela (Rio de Janeiro), António Carlos Ribeiro de Andrada, Diogo António Feijó, José Feliciano Fernandes Pinheiro, António Manuel da Silva Bueno (São Paulo).

38A Lei da Liberdade de Imprensa foi um dos casos mais exemplares sobre a fronteira que separou o discurso das práticas políticas liberais (Subtil, 2022).

39Segundo dados do deputado Francisco Soares Franco (da Estremadura), as tropas estavam há sete anos na região de Montevideu e davam sinais de indisciplina, fadiga e baixa operacionalidade porque eram militares que já tinham combatido na guerra peninsular. Seria um contingente de 8000 militares, com 3500 voluntários reais e 4500 do Brasil (Diário das Cortes Geraes..., sessão de 23 de agosto de 1822). Um ano antes, o influente deputado Manuel Fernandes Tomás não acompanharia, desta vez, a ideia para enviar tropa para o Rio de Janeiro, afirmando que “ou as Províncias do ultramar queriam, ou não, abraçar o sistema constitucional”. Contudo, quanto a este tema houve sempre desentendimento no Congresso (Diário do Governo nº 200, 24 de agosto de 1821).

40O Tratado de Paz e Aliança, de 29 de agosto de 1825, consagrou a independência do Brasil, mas o tema da proximidade entre “povos irmãos” continuou a fazer cultura. No início do século XX, por exemplo, a revista Atlântida, mensário artístico, literário e social para Portugal e Brasil, publicada em Portugal e no Brasil, entre 1915 e 1920, foi uma das montras dos “laços entre estados, baseados na raça, nas tradições e história comum, e na noção de latinidade” nas suas múltiplas formas de expressão portuguesa e brasileira.

Recebido: 31 de Agosto de 2022; Aceito: 02 de Setembro de 2022

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