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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.19 Lisboa jun. 2023  Epub 30-Abr-2023

https://doi.org/10.48751/cam-2023-19198 

Dossier

O Movimento Moderno e a vaga cultural brasileira

The Modern Movement and the Brazilian cultural tide

1 CiTUA-Centre for Innovation in Territory, Urbanism and Architecture, IST-Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, 1049-001 Lisboa, Portugal;

2DAU-Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Sergipe, 49170-000 Laranjeiras/SE, Brasil.carolina.chaves@academico.ufs.br

3 CiTUA-Centre for Innovation in Territory, Urbanism and Architecture, IST-Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa, 1049-001 Lisboa, Portugal. ana.tostoes@tecnico.ulisboa.pt


Resumo

Ao longo do século XX, mais precisamente entre 1930 e 1960, afirmar a independência do Brasil ganhou contornos de um projeto político e cultural que urdiu a Arquitetura Moderna Brasileira e definiu precisos marcos de fundação (Ministério da Educação e Saúde Pública, MESP) e ocaso (Brasília). A identidade brasileira, construída sob a herança lusa, justificavam a aproximação e as trocas culturais entre Brasil e Portugal, num refluxo que mais adiante causaria alguma náusea. Analisamos a crítica nacional e internacional exposta em livros, revistas e atas de congressos acerca da Arquitetura Moderna Brasileira em contraponto ao enquadramento político internacional, concluindo por compreender o peso das decisões políticas sob as críticas e o lugar reservado a Brasília na história arquitetónica e urbanística.

Palavras-chave: Arquitetura Moderna Brasileira; Brasília; Portugal; Independência do Brasil

Abstract

Throughout the 20th century, more precisely between 1930 and 1960, asserting Brazil’s independence became a political and cultural project that led to Brazilian Modern Architecture and established accurate landmarks as Ministry of Education and Public Health (MESP) and Brasília. The Brazilian identity, built on Portuguese heritage, justified the approximation and cultural exchanges between Brazil and Portugal, in an ebb that would later cause some nausea. We analyse the national and international criticism exposed in books, magazines and congress proceedings about Brazilian Modern Architecture in counterpoint to the international political framework, concluding by understanding the weight of political decisions under the criticism and the place reserved to Brasília in the architectural and urbanistic history.

Keywords: Brazilian Modern Architecture; Brasília; Portugal; Independence of Brazil

Introdução

Tupy, or not tupy that is the question. […] A nossa independência ainda não foi proclamada. (Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade, 1928)

Os extratos retirados do Manifesto Antropofágico, de autoria do poeta Oswald de Andrade publicado no contexto do primeiro centenário da independência do Brasil1, trazem duas ideias complementares e fundamentais para compreender a política cultural e o Movimento Moderno no Brasil: um ato de independência ainda por ser concretizado e a construção de uma identidade nacional como condição para tal. Era preciso transgredir o movimento de importação cultural (de fora para dentro) e produzir cultura para exportação num movimento de refluxo (de dentro para fora), como propunha o próprio Oswald de Andrade (1890-1954) com sua Poesia Pau-Brasil (1924): “uma única luta - a luta pelo caminho. Dividamos: poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação” (Andrade, 1924, p. 5).

Sem querer colocar esse processo como particular do caso brasileiro, Jorge Schwartz nos lembrava, em 1998, que as vanguardas periféricas enfrentaram, mais cedo ou mais tarde, a buscar por definir “quem somos”. No entanto, o autor vincou a intensidade e originalidade do caso brasileiro, pois “em nenhum outro país [da América Latina] encontramos a atualidade que até o momento têm as expressões de ruptura que caracterizaram os anos vinte” (Schwartz, 1998, p. 54). Ainda que Schwartz se estivesse a referir à literatura, a mesma leitura é extensível à arquitetura.

A independência cultural era uma luta comum aos vários campos das artes e estava no horizonte da ação intelectual e artística de indivíduos cultos da sociedade brasileira na literatura, música, pintura, escultura e arquitetura2 - ainda que esta última levasse algum tempo para elaborar seus manifestos e criar uma linguagem própria internacionalmente reconhecida, a partir de obras como o Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de Nova Iorque (1939) (Figura 1) e o projeto para o Ministério da Educação e Saúde Pública (1936-1942) (Figura 2). A Semana de Arte Moderna de 1922, e seu impacto no ambiente artístico e cultural brasileiro, é reconhecido pela crítica nacional e internacional como momento charneira e definidor de um projeto cultural que forjou uma identidade nacional fundada na relação entre modernidade e tradição, com as contribuições fundamentais de intelectuais como o escritor Mário de Andrade (1893-1945) e o arquiteto Lúcio Costa (1902-1998), responsáveis pela criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Guerra, 2002).

Figura 1 Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de Nova Iorque, arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, 1939. Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942, Catálogo MoMA-NY (Goodwin, 1943, p. 195). 

Figura 2 Ministério da Educação e Saúde Pública (atual Palácio Capanema), Rio de Janeiro, Brasil, arquiteto Lúcio Costa e equipa formada por Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos, 1936-1942. Fotografia de Carolina Chaves, 2009. 

Os caminhos que levavam à identidade nacional e à modernização estavam sobrepostos e pavimentados por elementos do passado, da memória e da tradição, e foi exatamente a partir da eleição desses elementos e de sua forma de montagem que diferentes percursos interpretativos foram abertos3. Dentre estes interessa-nos revisitar aquele que conduziu à Arquitetura Moderna Brasileira, importante símbolo de expressão da cultural nacional em cenário internacional durante as décadas de 1940 e 1950 - uma Poesia em Concreto, de exportação - cujo alcance internacional se percebe na presença dessa produção na cena cultural portuguesa e, por sua influência, na elaboração de uma arquitetura vinculada ao Movimento Moderno e consciente de suas raízes, tradição e história (Tostões, 2019).

No entanto, na década de 1960, os novos rumos da política internacional e a agitação na cena cultural com os movimentos de contracultura, revelaram o esgarçamento das propostas do Movimento Moderno de Arquitetura com crescente aumento da crítica profissional que demonstrava o afastamento das propostas urbanas modernas e estava empenhada em explorar novos caminhos de aproximação ao tema do planeamento urbano. Nesse contexto, a euforia da “invenção” de Brasília gradualmente cedeu lugar a críticas que reconhecem, por um lado, seu sucesso enquanto solução artística e, por outro, seu fracasso enquanto proposta urbanística. O fato é que Brasília tornou-se um tema polêmico desde sua conceção e o que, para a crítica nacional, seria o ato de afirmação definitivo da identidade nacional e expressão de novos valores universais, para parte da crítica internacional, seria o capítulo final de um episódio de modernidade que em décadas anteriores havia sido reconhecido por sua “linguagem própria” (Lara, 2005; Martins, 2010; Giedion em Mindlin, 1999) e pelo alcance de sua influência internacional (Tinem, 2006; Tostões, 2014).

É certo que os questionamentos à qualidade da Arquitetura Moderna Brasileira antecederam Brasília e, em certa medida, ajudaram a dar o tom da crítica que se seguiria após sua construção. Entre 1953 e 1954 as observações proferidas pelo crítico suíço Max Bill (1908-1994), aquando de sua passagem pelo Brasil a convite do Ministério das Relações Exteriores, agitaram o debate nacional4 acerca da qualidade da Arquitetura Moderna no Brasil. Max Bill punha em questão a componente social no projeto dos arquitetos modernos brasileiros, bem como a pertinência dos princípios formais de matriz corbusiana frente aos requisitos do clima tropical.

No âmbito internacional, a revista inglesa The Architectural Review publicou o discurso de M. Bill, em matéria intitulada Report on Brazil, ao lado do depoimento de arquitetos como Walter Gropius, Ernesto Rogers e Bruno Zevi (Report on Brazil, 1954, pp. 234-250). As opiniões sobre a qualidade da arquitetura brasileira divergiam e o debate ganhava novas contribuições, a exemplo da polêmica envolvendo os pilares em “V” do edifício habitacional projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012) para a Exposição Internacional de Arquitetura de Berlim (Interbau), em 1957, que agitaria as páginas da revista alemã Bauwelt com repercussão internacional (Campos, 2011; Eskinazi, 2008).

O reconhecimento internacional da qualidade da produção de Arquitetura Moderna Brasileira e o grau de influência que essas realizações imprimiram em diferentes culturas talvez nos permitisse concluir que, de facto, o Brasil tivesse proclamado sua independência. No entanto, os desdobramentos da crítica profissional a partir da década de 1960 e os recorrentes questionamentos acerca do (in)sucesso de Brasília5 convidam-nos a refletir sobre o projeto desta cidade moderna reconhecida Património da Humanidade em 1987, cuja preservação é mais do que um desafio material e nos exige uma compreensão mais profunda do sentido de vida coletiva proposta em seu projeto.

Nas palavras de Mário Pedrosa (1900-1981)6, “ela é ainda um gesto ainda não muito claro de uma necessidade nacional profunda!” Ainda que um objeto em construção material e de sentido, “a nova cidade” foi um gesto de refundação do Brasil a partir de uma ação consciente e planeada por elementos nacionais que pressupunha “uma remodelação geográfica, social e cultural do País inteiro” (Pedrosa, 1959, p. 120). No entanto, como também reconhecia o próprio autor, esse gesto precisaria ser ainda compreendido fosse pela crítica internacional fosse pelos brasileiros.

Brasília não era o único fenómeno da cultura arquitetónica brasileira a intrigar a crítica internacional. Em 1956, ao prefaciar o livro Arquitetura Moderna no Brasil (Mindlin, 1999), Siegfried Giedion (1888-1968) reconhecia haver “algo de irracional no desenvolvimento da arquitetura brasileira”, que “crescia como uma planta tropical” e rapidamente teria alcançado uma linguagem própria e um impressionante alcance de difusão no nível médio da produção nacional. No entanto, como analisa Martins (2002),

Significativamente, o momento de sua maior aceitação [os anos de 1950] foi também o da ruptura da unanimidade da critica internacional. A presença no Brasil, por ocasião das primeiras exposições internacionais de arquitetura, de Giedion, Gropius, Aalto, Rogers e Max Bill, entre outros, acendeu um debate polarizado entre a admiração pela originalidade da arquitetura brasileira e a crítica feroz ao seu suposto abandono das premissas sociais da ortodoxia moderna (p.2).

No ano do segundo centenário da Independência do Brasil e tendo em consideração as relações culturais luso-brasileiras, propomo-nos a analisar como a crítica profissional portuguesa rececionou o projeto cultural moderno brasileiro e a construção de Brasília. Para tanto, voltamos a analisar as trocas culturais de Brasil e Portugal entre as décadas de 1930 e 1950, revisitamos as críticas ao projeto de Brasília e a tentativa de refundação de uma nação, para refletirmos sobre as possibilidades de novas interpretações para este que é um marco da história do Movimento Moderno, reconhecido Património da Humanidade e, recorrentemente, diminuído no seu valor artístico e social.

O projeto moderno: fluxos e influxos na relação cultural brasil e portugal

O desenvolvimento da Arquitetura Moderna em Portugal passou por dois momentos fundamentais nos quais as referências à produção moderna foram inicialmente “adotadas de modo criativo, ético e ideologicamente convicto, para logo se passar ao seu questionamento rompendo-se com o sentido de dogma do estilo internacional” (Tostões, 2014, p. 282). Em ambos os momentos, a Arquitetura Moderna Brasileira teria desempenhado importante papel ao trazer consigo, por um lado, as referências a Le Corbusier (1887-1965), por outro, uma autêntica linguagem artística em diálogo com as necessidades do seu tempo, do seu lugar e do seu povo.

Os pontos de aproximação entre a produção de Arquitetura Moderna em Portugal e no Brasil começaram a ser demarcados ainda na década de 1930. Essa aproximação estava enquadrada na tensão entre modernidade e tradição que agitava a cena cultural dos dois países e que pavimentou o caminho para que, no entroncamento dessas duas trilhas, ambos edificassem suas próprias experiências de modernidade, ainda que, na referida década, os encontros entre essas culturas arquitetónicas tenham sido ocasionais e resultado em trocas culturais pontuais, como refere Fernandes (2013). Dentre os pontos comuns podem ser citados uma fase de experimentação7 nas décadas de 1920 e 1930, um regime político ditatorial designado “Estado Novo”8 e uma forte política de Obras Públicas a impulsionar processos de modernização assentes na relação entre modernidade e tradição.

Exatamente na especificidade da relação entre modernidade e tradição é que se distinguem as experiências de modernização nesses dois países, cujo distanciamento pode ser ilustrado através das figuras dos arquitetos Lúcio Costa e Raul Lino (1879-1974). O primeiro, um dos responsáveis pela base teórica que fundamentou e apresenta a Arquitetura Moderna no Brasil como o resultado de uma síntese entre a tradição brasileira (de raiz colonial portuguesa) e as modernas técnicas construtivas (de matriz corbusiana). O segundo, manteve-se um defensor da abordagem culturalista e condenava a modernidade expressa pelas vanguardas da primeira metade do século XX.

No ano de 1937 esses dois arquitetos publicaram textos que marcariam, definitivamente, posicionamentos opostos diante da cultura arquitetónica da época: L. Costa publicou Documentação Necessária, afirmando a génese de uma arquitetura popular brasileira de origem portuguesa, a qual deveria ser reconhecida e promovida agora com o uso das modernas técnicas de construção; R. Lino publicou Auriverde jornada: Recordações de uma viagem ao Brasil, posicionando-se contra a Arquitetura Moderna: “Recusando a aceleração da vida moderna, associando a ideia de racionalismo à de materialismo, é com base nesse proposto que ataca a arquitectura e o urbanismo modernos. Porque para ele as cidades modernas são monótonas e desinteressantes” (Tostões, 2014, p. 263).

Ainda no período referido, o ambiente cultural português contou com a atuação de uma pioneira geração de arquitetos que experimentavam não apenas as novas técnicas de construção - encorajados pela produção abundante de cimento - mas, também, uma linguagem formal geometrizada e rarefeita de ornamentos como demonstra a produção, em Lisboa, de arquitetos como Cristino de Silva (Cineteatro Capitólio, 1925-1931), Pardal Monteiro (Instituto Superior Técnico, 1927-1935), Carlos Ramos e Cottinelli Telmo (Pavilhão de Oncologia, 1927-1933) ou Jorge Segurado (Casa da Moeda, 1934-1941). Essa geração9 inovou em linguagem e técnica, ainda que não estivesse efetivamente integrada ao Movimento Moderno como a geração seguinte.

Se as décadas de 1920 e 1930 foram de experimentação e alguma hesitação quanto à arquitetura do Movimento Moderno em Portugal, os anos de 1950 representaram sua consolidação. No Brasil, os anos de 1930 a 1945 corresponderam à “década heróica” na qual se desenvolveram as fases de “Incubação (1930-1936)” e “Emergência (1936-1945)” (Comas, 2002), cuja produção foi celebrada e internacionalmente divulgada através do catálogo da exposição Brazil Builds: architecture new and old (1652-1942), editado pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA-NY), com curadoria de Philip Goodwin (1885-1958) e fotografias de George Kidder-Smith10 (1913-1997), publicado em 1943 (Figura 3).

Figura 3 Capas em inglês (esquerda) e português (direita) do catálogo bilingue Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942. Dividem a capa imagens que representam a “tradição” (escultura de António Francisco Lisboa [o Aleijadinho], canto superior) e “modernidade” (Estações de Hidroaviões, canto inferior). Brazil Builds: architecture new and old 1652-1942, Catálogo MoMA-NY (Goodwin, 1943). 

Sem dúvida, esta publicação (com a vantagem de ser uma edição bilingue inglês-português) foi um importante veículo de divulgação e consolidação de uma Arquitetura Moderna Brasileira definida a partir da resposta às condições geográficas e identitárias nacionais sedimentadas na relação entre tradição e modernidade e, será através desta, que as obras e os arquitetos brasileiros vinculados ao Movimento Moderno tornaram-se conhecidos do público português. Vale lembrar que a circulação dessa publicação não era generalizada, o que conferia algum status de privilégio aos que a possuíam, e sua relevância na cultura arquitetónica portuguesa à época foi comparada a um “segundo Vignola”11 por Maurício de Vasconcelos (1925-1997) (Ramos & Matos, 2005).

A inserção do Brasil no plano cultural internacional estava alinhada com os direcionamentos da política internacional ao início da Guerra Fria, logo após o término da II Guerra Mundial, que guiou a atenção para a produção de países que mantiveram ritmo de construção durante o conflito que destruiu grande parte das nações europeias. O objetivo era a construção de uma imagem acerca do Movimento Moderno que informasse sobre a possibilidade de continuidade com a tradição - tema também sensível ao projeto político e cultural português - ao contrário da rutura histórica informada através da exposição de 1932, Modern Architecture: International Exhibition (MoMA-NY) e do seu catálogo The International Style: Architecture since 1922. O depoimento de Nuno Teotónio Pereira (1922-2016) atesta isto:

Com o subtítulo de “Architecture New and Old 1652-1942”, [Brazil Builds] revelava ao mundo qualquer coisa de duplamente inédito: a riqueza da arquitetura barroca, colonial e neoclássica do Brasil e a enorme pujança das obras de inspiração moderna, construídas exactamente durante os anos da guerra (Pereira, 1996, p. 303).

Normalmente, os livros e as revistas que nós recebíamos com arquitectura moderna não ligavam nenhuma às arquitecturas do passado. Eram realidades opostas. Brazil Builds desmente isso: na mesma publicação, na mesma exposição do MoMA, aparecem essas duas realidades. Isso foi de facto uma surpresa e mostrou que o que é importante em arquitectura é a autenticidade, a consonância com o tempo (Milheiro, 2013, p. 134)12.

Também foi este um período de relativa abertura política em Portugal, sendo possíveis as trocas culturais e a efetiva promoção de uma arquitetura vinculada ao Movimento Moderno, na qual muitos autores locais13 reconhecem a influência da arquitetura brasileira ao citar a realização de duas exposições14 dedicadas a este tema e pela repercussão da produção brasileira em publicações portuguesas (Luz Filho, 2018; Ramos & Matos, 2005; Tostões, 1997). Em 1948, a realização do I Congresso Nacional de Arquitectura representou um “facto de consequências determinantes para o entendimento da produção arquitectónica dos anos 50”, quando “se assume finalmente a dimensão ética e moral do Movimento Moderno. E assim se cumprindo plenamente o novo ideário” (Tostões, 2014, p. 287).

Do seu momento de incubação à efetiva receção e difusão entre os arquitetos modernos portugueses, a Arquitetura Moderna Brasileira assumiu identidade própria e era reconhecida internacionalmente pela autenticidade com que conseguira produzir obras de expressão plástica singular capaz de responder, sem recorrer a revivalismos e com o uso de uma linguagem moderna, às exigências climáticas, técnicas e económicas fazendo uso de um saber vernacular acumulado no decurso do tempo. Essa mensagem seria reforçada e continuada com a publicação do livro Modern Architecture in Brazil editado por Henrique E. Mindlin (1911-1971) com prefácio de Siegfried Giedion (1888-1968). Também de promoção norte-americana, o livro foi lançado em edição trilingue (francês, inglês e alemão) publicada em 1956 e serviu como mais uma importante referência para o público português sobre a produção moderna brasileira (França, 1987).

O intervalo entre Brazil Builds (1943) e Modern Architecture in Brazil (1956) corresponde aos períodos designados por Comas (2002) como “Consolidação (1946-1950)” e “Hegemonia (1951-1955)”, no qual os projetos e os arquitetos brasileiros publicados em revistas internacionais de grande circulação como LArchitecture d’Aujourd’hui e The Architectural Review (para citar as mais relevantes no cenário português), ajudaram a cristalizar a imagem de uma Arquitetura Moderna adaptada aos trópicos a forjar uma identidade nacional a partir de uma relação atávica ao barroco mineiro15. A produção brasileira não era a única a atrair o interesse internacional, mas certamente destacava-se no conjunto das obras latino americanas como evidenciava o catálogo da exposição Latin American Architecture since 1945 sob curadoria de Henry-Russell Hitchcock pelo MoMA-NY, publicado em 1955.

Sobre este contexto, é importante recordar que entre 1933 e 1945 todos os esforços foram despendidos em nome da Política de Boa Vizinhança (1933-1945) estabelecida entre os Estados Unidos e os países da América Latina e que, no Brasil, coincide com o 1º Governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Neste quadro,

O tema mais palpitante continuava sendo o da identidade nacional, que começara a agitar os meios culturais no início da década de 1920. As discussões concernentes ao perfil do povo brasileiro e à existência de uma autêntica cultura nacional, além, é claro, dos debates referentes ao futuro político do país dominavam amplamente a atenção dos intelectuais. Em relação ao exterior, apesar de todas as iniciativas de valorização da cultura nacional, continuava-se a reverenciar as conquistas culturais européias (Gonçalves, 2010, pp. 104-105).

A narrativa que essas publicações ajudaram a consolidar resolvia não apenas a questão “tradição e modernidade” no contexto brasileiro, mas também apresentava para o quadro cultural e político português um “álibi moral, assim se legitimando a descendência e as influências de ‘torna viagem’” (Tostões, 2014, p. 288). Assim, ao mesmo tempo atendia-se ao interesse do Estado Novo: (i) para o fortalecimento dos elementos de identidade da cultura portuguesa (para o qual foi importante o reconhecimento do papel da arquitetura portuguesa no desenvolvimento de uma arquitetura tradicional brasileira); (ii) para a manutenção do Império Ultramarino (para o qual foram importantes os ensinamentos sobre como construir nos trópicos); e (iii) para o diálogo internacional com nações cuja produção cultural há tempos refletiam importantes transformações estéticas, técnicas e sociais (ao demonstrar que os processos de modernização não implicavam na perda de identidades nacionais, ao contrário, poderia forjá-la). Assim, o projeto cultural brasileiro foi exportado para Portugal e deixou evidentes marcas também nas colónias em África16.

Gonçalves (2010) afirma que, desde a independência do Brasil (1822), os anos entre 1945 e 1965 foram os de maior intensidade e de aproximação entre a relação Brasil-Portugal. Faces da mesma moeda, essa aproximação representava, para o primeiro, um caminho para inserção na política internacional, enquanto para o segundo, era um meio para conservar o Império Ultramarino. Na década de 1960, seriam essas as mesmas razões que ajudariam a entender o afastamento entre as duas nações, com o gradual silenciamento acerca do Brasil - quando este tentou intensificar sua participação no plano internacional através do que chamou de Política Externa Independente17 - e o aprofundamento da crise em África para a qual a perceção ideológica da raça (tentada através do antropólogo brasileiro Gilberto Freire18) não seria ferramenta suficiente para conter as revoltas por independência. Para Portugal, o caminho escolhido foi a aproximação às nações europeias.

Verificamos esse movimento de aproximação e de afastamento pelo comentário de Nuno Teotónio Pereira sobre a circulação da revista Arquitectura e seu papel na cultura arquitetónica da década de 1950 ao distinguir dois momentos: o primeiro deles sob responsabilidade da ICAT19,

ia publicando projectos nacionais (raramente obras construídas) e divulgando trabalhos estrangeiros, sobretudo da América Latina - Brasil e México. O caráter dominante desta divulgação era o de um modernismo enfatizando a estética do betão armado, rígido e cortado em grandes planos, de formas paralelepipédicas, que corria o risco de veicular estereótipos do racionalismo e fazia esquecer outras correntes do Movimento Moderno, e com total ausência de textos teóricos (Pereira, 1996, p. 258).

O segundo momento aconteceu quando, em 1957, assumiram a direção da revista os jovens arquitetos Nuno Portas (1934-) e Carlos Duarte (1926-2019). Esta alteração representou, para Teotónio Pereira, um momento de viragem na linha editorial da revista:

Para além do visual inteiramente renovado, a revista apresentava características de uma verdadeira revista de Arquitectura [grifo dos autores], com a diversificação da informação e frequentes textos da crítica, assumindo-se como órgão doutrinador. Para além do aumento da frequência de obras já construídas entre nós, eram apresentados autores numa panóplia mais alargada que dava relevo sobretudo aos italianos e aos nórdicos.

A renovada Arquitectura [grifo dos autores] foi assim simultaneamente registo de/e impulso para novas tendências e expressões que iam buscar a Wright e a Aalto os seus pontos de partida, em consonância com a revista italiana de Zevi que tinha o mesmo título (Pereira, 1996, p. 258).

Antes de seguir, é importante recordar que os últimos anos da década de 1950 e toda a década de 1960 foram marcados, no plano internacional, pela crítica ao Movimento Moderno em torno de seu conteúdo racionalista - acusado de não ter realizado seu projeto social - e a busca por uma nova cultura figurativa. Em História da arte ocidental 1780-1980, José-Augusto França (1987) refere os anos de 1960 como a “década à procura da figura humana” e relaciona essa busca com a oposição ao período de abstração que caracterizou a década anterior. Fala, portanto, da busca por uma nova arte figurativa que já em 1957 era designada como Pop-Art. Tratava-se, portanto, de “uma reação figurativa tentando, em novo sistema de signos, promover uma recuperação de significados icónicos” (França, 1987, p. 407).

Arquitetura moderna brasileira e a crítica internacional

É nesse contexto que recordamos a produção crítica de Bruno Zevi (1918-2000) e entendemos que, no plano da cultura arquitetónica, a aproximação ao seu pensamento através de seus livros e do projeto editorial da revista L’architettura, cronache e storia (1955-2005) possa ajudar a compreender os novos rumos do debate em Portugal e um quase completo silenciamento com relação a Brasília (1956-1960).

Bruno Zevi parece encontrar a procurada “figura humana” na produção de Frank Lloyd Wright (1867-1959) e na ideia de uma arquitetura orgânica20, em oposição ao racionalismo corbusiano, ideia que abre a edição italiana de seu livro Storia dell’Architettura Moderna:

O equívoco mais difundido na historiografia da arquitectura moderna está na valorização das personalidades e nas obras do período racionalista, isto é, na actividade que se desenvolveu na Europa desde 1920 até cerca de 1933, a perfeição, a exemplaridade, o arquétipo de mais de um século de história (Zevi, 1973, p. 27).

A oposição de Zevi à arquitetura racionalista, com declaradas críticas a Le Corbusier, manifesta-se na análise que faz à Arquitetura Moderna Brasileira sob o título A moda Lecorbusiana no Brasil (Zevi, 2003), publicada em 1971 na revista italiana L’architettura, cronache e storia e que chama a atenção por apresentar essa produção como um ato de “evasão”, sem aprofundamento crítico ou comprometimento com seu tempo, frívolo e inconsequente. Zevi apoiou seu julgamento na crítica lançada pelo suíço Max Bill em 1954 e publicada numa espécie de painel crítico (Report on Brazil21) na revista The Architectural Review, que reuniu textos do inglês Peter Craymer, dos alemães Walter Gropius (1883-1969) e sua esposa Ise Frank (1897-1983), do japonês Hiroshi Ohye (1905-1995) e do italiano Ernesto Rogers (1909-1969).

Esses autores escreveram sobre a arquitetura brasileira após breve passagem pelo país por ocasião de eventos culturais promovidos entre 1953 e 1954, em particular a II Bienal de Arquitetura de São Paulo, que contou com a participação de arquitetos portugueses e que premiou, dentre outros projetos, o conjunto habitacional “Bairro das Estacas” (1951-1954) (Figura 4), projeto dos arquitetos Ruy Jervis d’Athouguia (1917-2006) e Sebastião Formosinho Sanchez (1922-2004) com participação do arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles (1922-2020). Esse fato põe em contexto a fala de cinco críticos vindos de distintos contextos e que tiveram diferentes níveis de relação com a realidade brasileira, sendo a mais próxima a do jovem Peter Craymer que estagiou durante um ano no Rio de Janeiro.

Figura 4 Bairro das Estacas (Célula 8 do Bairro Alvalade), Lisboa, Portugal, arquitetos Ruy Jervis d’ Athouguia e Sebastião Formosinho Sanchez, 1951-1954. Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SAL/000117. 

Apesar de reconhecer que a imagem que tinha da arquitetura brasileira foi forjada essencialmente a partir das publicações, após seu primeiro contato em concreto, Max Bill acusou a arquitetura brasileira de correr o risco de reduzir-se ao formalismo academicista pelo esvaziamento de seu conteúdo social, com exceção feita ao conjunto habitacional Pedregulhos (Figura 5), “um completo sucesso do ponto de vista do planeamento urbano, arquitetónico e social” (Report on Brazil, 1954, p. 238), de Affonso Eduardo Reidy (1909-1964). Seu discurso tentava deslegitimar a singularidade da expressão plástica e estrutural da Arquitetura Moderna Brasileira a partir do esvaziamento do conteúdo social. Entretanto, a compreensão de Peter Craymer sobre essa produção explica, mais uma vez, a dificuldade de compreensão da produção artística brasileira pelo europeu:

For Brazilians have a conception of architecture in which the structural skeleton plays a forma more important and fundamental role in the appearance of the building than it does in Europe, and for this reason the engineer is bound to be enthusiastically involved in research into new structures and new formal solutions, and the barrier between the architectural and engineering professions - unfortunately so common over here - is not to be found in Brazil, and this achievement is not least among the architectural triumphs of Niemeyer, Reidy, Bernardes and their compatriots (Report on Brazil, 1954, p. 236).

Figura 5 Conjunto Pedregulhos, Rio de Janeiro, Brasil, arquiteto Affonso Eduardo Reidy, 1947. Fotografia de Carolina Chaves, 2009. 

A divergência de posicionamentos dos cinco arquitetos (positivos e negativos) é reveladora do grau de incompreensão acerca da Arquitetura Moderna Brasileira. A palavra dos editores da revista advertia, à partida, que julgar a produção de Arquitetura Moderna realizada pelo Brasil exigiria dos europeus um ajustamento de parâmetros para um entendimento consertado acerca de uma realidade que lhes parece “improvável” e que não conseguem perceber (talvez porque “narciso acha feio o que não é espelho”22).

The standards by which Brazilian architecture must be judged are not those to which we are accustomed in Europe […]. To the European architect few creatures could appear as fabulous as his Brazilian counterpart as he appears in the stories which filter back from Rio - of men with Cadillacs, supercharged hydroplanes, collections of modern art to make the galleries blush, bikini-clad receptions receptionists and no visible assistants - nor could any glass towers of medieval imagination appear as improbable skyscrapers which are reported to have been returned to the vertical by hydraulic jacks resting on refrigerated quicksands.

Our trouble is the lack of authoritative eye-witnesses, for Brazil is a boom-province of the Modern Movement which the Movement’s masters have hardly visited since Le Corbusier lent his authority and support to the pioneer efforts of Costa and Warchavchik in the Thirties; and, since the definitive reports of Goodwin and Kidder-Smith in Brazil Builds (Report on Brazil, 1954, p. 235).

A leitura feita pelo casal Gropius e por Rogers convergem para a figura de um país em crescimento cujo processo de desenvolvimento é tão rápido quanto difícil de compreender. Ainda sob o ar pesado das “acusações de Max Bill”, Ise Frank lembra que a arquitetura de Niemeyer só pode ser entendida pelos que conhecem o território, inferindo a estrita relação da obra com o lugar e que “não se justifica medi-las [as construções brasileiras] com parâmetro Suíço”. Para W. Gropius os brasileiros tinham desenvolvido uma atitude própria acerca da Arquitetura Moderna, o que acreditava em não ser um “modismo passageiro, mas um vigoroso movimento”. Rogers, apesar de vincar uma possível antipatia pela Arquitetura Moderna Brasileira, advertiu que “nós também devemos evitar o formalístico erro de avaliar com a régua de nossa própria poética o trabalho que é produto de um mundo poético diferente” (Report on Brazil, 1954, pp. 236-237)23.

Na sequência da publicação inglesa acontecem dois eventos já referidos, mas que pela importância justificam uma nova nota. A exposição Latin American Modern Architecture Since 1945 (MoMA-NY, em 1955) e a publicação do livro Modern Architecture in Brazil (Mindlin, 1999), com prefácio de Siegfried Giedion que reafirmava a excecionalidade da produção moderna brasileira e a “precariedade que envolveria qualquer tentativa de pensar o desenvolvimento da Arquitetura Moderna no Brasil no quadro esquemático das relações de ‘influência’ ou ‘absorção’ de princípios e propostas das vanguardas centrais por artistas e intelectuais de um país ‘periférico’” (Martins, 2002, p. 369).

O livro de Henrique Mindlin tinha o declarado e firme propósito de reafirmar a mensagem transmitida através de Brazil Builds, nomeadamente o traço identitário e singular de uma experiência de modernidade que se fundamentou na reinterpretação de sua própria tradição, articulada com as questões de vanguarda no campo das artes e da técnica, e atenta ao seu enquadramento social. Uma experiência cultural fundamentada “na equação que se estabelece entre modernidade e construção da identidade nacional” (Martins, 2002, p. 2). Para Giedion (Mindlin, 1999, p. IX) havia “algo de irracional no desenvolvimento da arquitetura brasileira” e na maneira vigorosa como a linguagem moderna se difundia pelo país no “nível médio da produção”.

Ainda nos anos de 1950, em articulação com os debates em questão, as palavras que Giulio Carlo Argan (1909-1992)24, embora não solucionassem as críticas mais duras, apontavam caminhos para a interpretação de uma arquitetura que “praticamente venceu sua batalha e até recebeu o crisma da oficialidade” (Argan, 2003, p. 170). Uma produção que para ser compreendida precisa ser enquadrada num contexto político e cultural peculiar cuja conjunção levou a construção consciente de seu projeto político e artístico que elege suas fontes de referência (europeias, tanto na ‘tradição’ quanto na ‘modernidade’) para elaboração de uma linguagem própria. Argan, enxergou intencionalidade e propósito - ainda que não conseguisse explicar as nuances e contradições internas desse processo - naquilo que outros críticos interpretaram como casualidade.

Entretanto, o crítico italiano insistia no risco do “formalismo técnico” (ainda que tivesse o cuidado de esclarecer, recorrentemente, que falava a partir do que via apresentado pela exposição na Galeria de Arte Moderna no Valle Giulia, em Roma, 1954). Neste aspeto, Argan e os demais críticos desconheciam o vasto esforço de uma política pública para promoção de habitação social no Brasil ao longo da década de 1940 e primeiros anos de 1950, na qual estavam envolvidos muito arquitetos modernos proeminentes como o já citado Affonso E. Reidy, Attílio Corrêa Lima, Eduardo Kneese de Melo, dentre outros25.

Ainda antes de regressar ao contexto português, é válido relembrar os recorrentes debates sobre arquitetura, cidade e comunidade que agitavam os encontros do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) desde o fim da II Grande Guerra até sua dissolução em 1959. Nesse contexto, Siegfried Giedion, José Luis Sert (1902-1983) e Fernand Léger (1881-1955) defendiam a ideia de uma “nova monumentalidade”26 como recurso de ligação entre a produção artística e seu conteúdo social, através da qual dada comunidade pudesse reconhecer-se. Segundo Giedion “as pessoas desejam construções que representem sua vida social, cerimonial e comunitária. Elas querem ver construções que sejam mais que uma realização estrutural” (1958, p. 27). Essa necessidade seria acentuada em países onde a Arquitetura Moderna era chamada a atender programas de cunho social como museus, igrejas, universidades e teatros, que traziam consigo uma carga simbólica. É exatamente fora do continente europeu que Tostões (2014) aponta exemplos dessa nova monumentalidade na construção de novas capitais (Chandigarh, na Índia; Brasília, no Brasil) e grandes equipamentos de educacionais (Cidade Universitária de Caracas, na Venezuela; Cidade Universitária do México).

A década de 1950 foi para Portugal um período de maturação crítica na passagem para uma terceira geração de arquitetos modernos, nascidos em 1930, dentre os quais citamos Nuno Portas (1934-) e Álvaro Siza (1933-), que inseria a crítica como combustível para criação e a Arquitetura Moderna não como estilo, mas como método de projeto e cada vez mais voltado à dimensão urbana.

A tensão entre a manutenção de um status quo autoritário (afirmação do Regime cuja imagem se fazia através do “Português Suave”) e a abertura a processos de modernização (a aceitação e a prática de uma arquitetura vinculada ao Movimento Moderno, intensificada desde o Congresso de 1948) materializava-se no território. Ao contrário do caso brasileiro, no qual o Estado foi importante promotor de uma arquitetura vinculada ao Movimento Moderno (equacionada com a construção da identidade nacional), em Portugal tais experiências ocorriam com maior intensidade nos territórios mais afastados das áreas que mantinham a representação da imagem de poder desejada pelo Regime (áreas urbanas históricas com forte carga simbólica27). Os territórios em África foram claramente locais privilegiados para experimentação, o que resultou num importante repertório de obras. Em Lisboa (Portugal continental), o laboratório da modernidade associado ao programa estatal de habitação instalava-se nas novas áreas de expansão urbana com a construção de novos bairros (a exemplo da Célula 8 do Bairro de Alvalade [1949-1952], Olivais Norte [1955-1958], Olivais Sul [1959-1962] ou Telheiras [1971-1973]28, para citar apenas alguns no contexto metropolitano de Lisboa) (Figura 6).

Figura 6 Plano Urbanístico de Olivais Norte (Lisboa, Portugal), arquitetos Pedro Falcão e Cunha e José Sommer Ribeiro, projetado em 1955. Disposição dos edifícios de habitação coletiva e áreas verdes. Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSBAH/GOMU/007/00455, p. 2. 

Em 1955, a realização do Inquérito à Arquitetura Regional Portuguesa (1955-1961) organizado pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos, que tinha por finalidade comprovar a tradição portuguesa, demonstrou a diversidade da cultura vernacular e reforçava mais as críticas da nova geração de artistas e arquitetos que os interesses do Regime, contribuindo para “pôr termo ao mito da ‘casa portuguesa’, bem como para a reflexão de uma linguagem arquitectónica de acento culturalista, repensada entre a fidelidade ao Movimento Moderno e o compromisso da realidade e da acção do tempo histórico” (Tostões, 2004, p. 141). Nestes termos, compreende-se a aproximação à crítica italiana e o consequente afastamento do campo cultural brasileiro, ainda que “a transposição literal de modelos brasileiros foi-se naturalmente atenuando…, os ensinamentos basilares da sua arquitectura enquanto prática inovadora expressando aspirações de modernidade e fruto de condições sociais e culturais próprias mantiveram a sua actualidade” (Pereira, 1996, p. 305).

Precisamente quando os olhos dos portugueses estavam voltados para o seu próprio território e buscando relações com outras nações europeias, em especial aquelas ideologicamente alinhadas à política fascista do Estado Novo (mas não apenas), Brasília estava em construção e a crítica que se seguiu ao longo dos anos de 1960 apagava gradualmente o otimismo da conceção e do ato de refundação de uma nação, mais empenhada em afirmar sua independência que celebrar sua herança lusa.

Brasília: ato de refundação

Ao contrário do que insinuaram alguns críticos à época da construção da cidade (sobre os quais falaremos em maior detalhe), Brasília não foi um ato repentino ou feito de improviso, nem demarcado em território por decreto parlamentar. Ao contrário, foi um ato de vontade política gestado desde o século XVIII no contexto da Inconfidência Mineira (1789). A intenção de edificar a capital federal no centro geográfico do país foi oficialmente registada na Constituição de 1891 (após a Independência do Brasil, 1822). A ideia seria retomada nas turbulentas décadas de 1920 e 1930 marcadas pela disputa política entre Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Mas, foi somente materializada com o governo presidencial de Juscelino Kubitschek (1956-1960), na convergência de uma política desenvolvimentista e de um quadro cultural nacional e internacional propícios ao ato de refundação de uma nação, fruto de um processo de nascimento endógeno, mas não por geração espontânea, “Trata-se da ocupação do território, da marcha do homem brasileiro para o Oeste, para que daqui, do centro do país, se volte passo a passo para o litoral, para os núcleos mais antigos da civilização” (Mário Pedrosa em Lobo & Segre, 2009, p. 46).

Ainda durante sua construção, no ano de 1959, a cidade foi objeto da crítica internacional e nacional a partir da realização do Congresso Extraordinário de Críticos de Artes (organizado pela Associação Internacional de Críticos de Arte - AICA) no âmbito das ações vinculadas a V Bienal de Arquitetura de São Paulo. Mas, esse foi um ano crucial para os rumos da cultura arquitetónica no mundo e os antagonismos e as polêmicas que guiavam os novos direcionamentos seriam igualmente sentidos no tom das críticas que se colocavam a Brasília.

Na segunda sessão do Congresso, na mesa de urbanismo, para além da incredulidade de Zevi, outros narradores expressavam a crença no porvir, no que aquela cidade (monumento novo) poderia representar. Richard Neutra (1892-1970) conseguiu encontrar a dimensão do “individuo” na criação de Costa e Niemeyer. Saarinen (Eero Saarinen, 1910-1961) advertia que para compreender a nova cidade seria preciso despir-se dos dogmas de outros tempos, uma vez que Brasília não apenas atendia a requisitos funcionais, mas criava um símbolo de e para uma nova sociedade. Ambos acreditavam no futuro (incerto) da nova cidade. Mário Pedrosa reconheceu que “é evidente que Brasília é uma aventura” sem esquecer dos riscos inerentes quando se lança ao novo (Lobo & Segre, 2009, pp. 34-47). Nas palavras de Pedrosa, Brasília não seria o ponto de chegada, mas um novo ponto de partida cujo sucesso (ou insucesso) dependeria mais da governança do que das qualidades ou dos defeitos de seu plano e de sua arquitetura: “Trata-se, no fundo, de uma revolução que começa. Isolada com seus belos palácios e monumentos, Brasília não é nada. Mas é um símbolo; e sobretudo pode vir a ser a expressão da vontade consciente dum Brasil novo para forçar a história deste país” (Mário Pedrosa em Lobo & Segre, 2009, p. 49) (Figura 7).

Figura 7 Mapa do Brasil com indicação da centralidade da nova capital com as distâncias indicadas a cada capital estadual (esquerda) e mapa da cidade de Brasília com cruzamento do Eixo Monumental (menor, este-oeste) e Eixo Residencial (maior, ‘asas’ norte e sul). Brasília - Revista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil,, Ano 1, N.º 02 e N.º 03 (1957), respetivamente da esquerda para direita. NOVACAP, custodiado pelo Arquivo Público do Distrito Federal - ArpDF. 

Brasília foi um projeto urbano, arquitetónico, paisagístico e social que procurava atender, ao mesmo tempo, o desejo de construção de um símbolo nacional (assumido pela escala monumental), inexoravelmente articulado a um novo modo de vida a partir da valorização do espaço coletivo (ao abrigo da escala residencial), cujo ponto de contacto definia o ponto fulcral para o funcionamento desse sistema definindo a escala gregária fazendo a passagem de um para o outro (espaço de transição, de troca física e metafórica). Todo esse sistema circundado pela natureza para fruição do espírito e do lirismo (escala bucólica). A complexidade e a sutileza dessas mudanças de escala, de paisagem e de discurso não podem ser compreendidos por rápidos lances de olhar. É preciso demorar-se, é preciso estar.

Não por acaso, grande parte das críticas que se faz ao desenho de Brasília (urbano e arquitetónico) diz respeito à escala. Mais precisamente, à grande escala do eixo Monumental e as grandes distâncias entre os edifícios que definem esse espaço, que avança para a monofuncionalidade de seus setores até chegar à zona residencial. Não seria possível iniciar essa discussão agora (que deixamos para um próximo texto), mas muitos já são os trabalhos de investigação que, nas últimas três décadas, voltaram a analisar a morfologia urbana de Brasília e cujas conclusões apontam para o que W. Holford (1907-1975) sugeria em 1959. Ou seja, a solução das superquadras como chave para compreender as relações entre “os elementos monumentais do plano e as células orgânicas que provavelmente crescerão” (William Holford em Lobo & Segre, 2009, p. 47).

Em 1971, a crítica de Bruno Zevi à Arquitetura Moderna Brasileira (A moda Lecorbusiana no Brasil) mantinha o tom negativo dos anos anteriores, na mesma medida que sua superficialidade. Atribuindo-se o dever de advertir os brasileiros dos riscos de que a arquitetura brasileira, esvaziada de conteúdo social, estaria reduzida ao formalismo academicista “em um país imenso, sem valores permanentes ou estabilidade econômica, a arquitetura reflete, na fluidez figurativa e na busca histérica dos perfis licenciosamente novos, um estado de incerteza” (Zevi, 2003, p. 165). Um estado de euforia e excessos que levaria à fadiga até os próprios brasileiros.

Uma década mais tarde, William Curtis (em Modern Architecture since 1900, de 1982) afirmou a fadiga das formas da arquitetura brasileira, que tiveram grande vitalidade na década de 1940. No entanto, para Carlos E. Comas, a perda de vitalidade não estava nas formas, mas no olhar de uma nova geração de críticos que não vê mais novidade na Arquitetura Moderna brasileira e desdenha sua peculiar hibridação de retas e curvas, julgada desde 1960 cacoete subdesenvolvido em contraste com a elegância do Mies americano, a força de Le Corbusier e o humanismo de Aalto (Comas & Almeida, 2010, p. 10).

Contrariando a “fadiga” anunciada por Zevi e ratificada por muitos outros, em 1987 Brasília foi inscrita na Lista de Património da Humanidade atingindo o reconhecimento de monumento não apenas pelos brasileiros, mas como marco simbólico da história da humanidade (Figura 8). Em suas múltiplas escalas (residencial, gregária, monumental e bucólica), Brasília é reconhecida como expressão cultural de uma época, de um povo, de uma sociedade (em sentido latu, quiçá, utópico) comprovando ser um monumento da “nova monumentalidade” (1958), sob os termos de S. Giedion, J. Sert (1902-1983) e F. Léger (1881-1955). Ironicamente, ou não, o reconhecimento oficial do “monumento” veio da esfera mais ampla (UNESCO) para a esfera local (Decreto 10.829, 1987)29 e, por último, nacional (Portaria nº 314, 1992)30.

Figura 8 Vista aérea da Asa Sul (setor residencial), Brasília, Brasil, 2012. © Victoria Camara. https://creativecommons.org/licenses/by/3.0/deed.en 

Conclusão

Através de suas esferas cultural, política e econômica, o Brasil empenhou-se em construir e afirmar sua independência engendrada ao processo de legitimação de uma identidade nacional. Para tanto, elegeu as relações culturais com a Europa para afirmar sua tradição (moldada a partir de uma herança lusa) e a modernidade (seguindo o rastro do pensamento corbusiano). Entre as décadas de 1940 e 1950, o Brasil foi projetado internacionalmente - assim mesmo, em voz passiva - por uma política internacional cujos interesses alinhavam com os daquele grande país latino-americano que buscava a si próprio.

Nesse sentido, o Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova Iorque (1939) e o Ministério da Educação e Saúde Pública (Rio de Janeiro, Brasil, 1936-1942) serviram como marcos de apresentação de uma nova linguagem em elaboração. O projeto de Niemeyer para o Grande Hotel de Ouro Preto (Minas Gerais, Brasil, aprovado em 1939 e as obras iniciadas em 1940), demonstrava a eloquência da nova arquitetura brasileira em articular o new and old (o novo e o velho) no âmbito da solução arquitetónica e do projeto político de nação (através da atuação do SPHAN31), também afirmado no projeto de preservação e recuperação dos assentamentos jesuíticos no Rio Grande do Sul elaborado por Lúcio Costa em 1938 e inaugurado em 1940.

Na sequência, o projeto para o bairro da Pampulha32 (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil), 1940-1943 (urbanização próxima ao aeroporto e ancorada na lagoa resultante de uma represa), por encomenda do então prefeito Juscelino Kubitschek, articula um conjunto de edifícios que demonstram a autenticidade e independência da nova Arquitetura Moderna Brasileira. Niemeyer projetou para Pampulha: Igreja São Francisco de Assis (Figura 9), Cassino, Iate Clube, Residência Juscelino Kubitschek e Casa do Baile. A cidade de Cataguases, em Minas Gerais, também atesta a nova fase assim como muitos outros centros urbanos ao longo do território nacional, cuja difusão seria intensificada com o impacto da construção da nova capital federal. No Rio de Janeiro, a obra de Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) e a dos irmãos MMM Roberto (Marcelo Roberto, 1908-1964; Milton Roberto, 1914-1953; Maurício Roberto, 1921-1996), também são exemplos de realizações que reforçam a presença da nova linguagem de arquitetura moderna em tecido urbano consolidado.

Figura 9 Grande Hotel Ouro Preto (1936), arquiteto Oscar Niemeyer, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Fotografia de Carolina Chaves, 2007. 

Na narrativa canônica da historiografia da Arquitetura Moderna Brasileira observamos um percurso que parte do agitado ambiente cultural de São Paulo, segue caminho para legitimar-se no centro político do país, o Rio de Janeiro, avança para o interior e consolida-se enquanto nova linguagem em Minas Gerais, e segue em busca de novo sítio para refundar-se enquanto Nação a partir do centro geográfico do país. Brasília é este sítio e será marcado com o sinal da cruz “gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse” (Lúcio Costa em O projeto vencedor, 1957, p. 10) (Figura 10). No entanto, Brasília não era (ao menos para o projeto político brasileiro), ponto de chegada. Todo o caminho feito do litoral ao interior, refazendo os traços dos colonizadores, fazia recomeçar um processo de ocupação de dentro para fora. Como inicialmente anunciado por Oswald Andrade, o processo de independência precisava ser de natureza endógena ou, para usar suas palavras, antropofágica.

Figura 10 Urbanização da Pampulha, Igreja São Francisco de Assis, 1943, arquiteto Oscar Niemeyer, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Fotografia de Carolina Chaves, 2009. 

Precisamente, as décadas de 1950 e 1960 foram o período de maior difusão e produção do repertório de Arquitetura Moderna Brasileira, confirmando a força de uma linguagem que se afirmava em território nacional. No entanto, o novo arranjo no plano internacional, provocado pela Guerra Fria, retirou o Brasil do horizonte de interesse fosse dos norte-americanos ou dos europeus.

No ano do segundo centenário de Independência do Brasil (2022), o convite é para voltar a olhá-lo como um país renascido sob seus próprios termos e que segue seu processo de redescobrimento - não sem tensões, paradoxos, crises de identidade e contradições - na necessária aproximação à natureza e aos povos originários sem as lentes do “pitoresco” e do “selvagem” que foram (im)postas pelos estrangeiros. A legitimação cultural e política do país segue sendo um processo de/em construção.

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1 No ano de 1922 dois eventos marcaram as dissonâncias e o clima de debate acerca da produção cultural no Brasil cujo ponto fulcral era a identidade nacional. Referimos, portanto, a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em São Paulo entre 13 a 18/02/1922, e a Exposição Internacional do Centenário da Independência, realizada no Rio de Janeiro entre 7 de setembro de 1922 e 23 de março de 1923.

2Efetivamente, a participação da arquitetura na Semana de Arte Moderna de 1922 poderia ser referida como tímida e revelava o distanciamento dessa arte às vanguardas artísticas europeias. Os arquitetos participantes da Semana de 22, a convite dos artistas modernistas, foram o espanhol Antonio Garcia Moya (1891-1949) e o polonês Georg Przyrembel (1885-1956). O primeiro apresentava obras com inspiração pré-colombiana e o segundo cercava-se de referências coloniais. Sendo assim, ambos atendiam a resistência à arquitetura eclética de forte inspiração francesa, mesmo que não mostrassem nenhuma afinidade com as vanguardas européias.

3Sobre a construção e montagem de uma identidade brasileira a partir da eleição de um passado, ver as análises elaboradas por Carlos Martins (1988) e Fernando Lara (2002). O primeiro foi um dos autores iniciais a apresentar uma leitura crítica da trama que ajudou a consolidar a narrativa que sustentava a tese construída pelo grupo liderado por Lúcio Costa. O segundo, acrescentou à análise do anterior novos elementos para compreender as dualidades iniciais e a prevalência do projeto cultural costiano apoiado na herança cultural mineira.

4Durante sua passagem pelo Brasil, Max Bill concedeu entrevista à revista Manchete (“Max Bill critica a nossa moderna arquitetura”, nº 60, 13 de junho de 1953), cujas críticas foram refutadas por Lúcio Costa (“Lúcio Costa defende a nossa arquitetura moderna - oportunidade perdida”, nº 63, 4 de julho de 1953) na mesma revista. A polêmica seguiria, ainda, nas páginas da revista Habitat que republicou a referida entrevista sob o título “O inteligente iconoclasta” (Habitat, nº 12, set./out. de 1953).

5É sempre possível identificar vozes contrárias e favoráveis. Apenas para citar o fato público mais recente, o cineasta Sérgio Tréfaut definiu Brasília como uma farsa ou uma “impostura ideológica” em entrevista concedida para o site de notícias TAB UOL, em abril de 2022, para a colunista Daniela Pinheiro (disponível em https://tab.uol.com.br/colunas/daniela-pinheiro/2022/04/30/brasilia-e-uma-farsa-diz-cineasta-luso-frances-que-foi-morar-no-brasil.htm, acedido em 03 de maio de 2022). Moradores da cidade rapidamente contestaram as afirmações do cineasta através de publicações em redes sociais, dando nota de que as opinões sobre “a cidade nova” são divergentes.

6Intelectual brasileiro importante intercolutor dos debates e organizador do Congresso Internacional de Críticos de Arte de 1959 que ocorreu em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

7Num primeiro momento, mais vinculada às vanguardas centro europeias, sendo mais acentuada na produção dos arquitetos portugueses que, só ao final da década de 1940, demonstrariam aproximação às ideias corbusianas. No caso brasileiro a aproximação racionalista foi mais efêmera e, sobretudo, manifesta em São Paulo na atuação do ucraniano Gregori Warchavchik - com quem Lúcio Costa colaboraria antes de sua atuação destacada como grande teórico do Movimento Moderno no Brasil - do italiano Rino Levi e do brasileiro Flávio de Carvalho, importantes figuras na cena cultural paulistana.

8No caso brasileiro, o Estado Novo liderado por Getúlio Vargas (1882-1954) vigorou entre os anos de 1937 a 1945, havendo um período transitório designado Governo Provisório (1930-1934) igualmente liderado por Vargas. No caso português, o Estado Novo estendeu-se de 1933 a 1974, sendo antecedido por uma Ditadura Nacional entre os anos de 1928-1933.

9Ana Tostões (2014) designa a arquitetura produzida por essa geração como “modernista” (1925-1940) e a diferencia da arquitetura produzida pela geração seguinte (1948-1961), a qual referencia como “arquitectura do Movimento Moderno”.

10A viagem foi apoiada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) para reunir material para exposição. Na ocasião, a dupla foi rececionada e acompanhada por arquitetos empenhados com a realização de uma arquitetura vinculada ao Movimento Moderno.

11Giacomo Barozzi da Vignola (1508-1573), Regole delle cinque ordine dell’Architettura (1562).

12Entrevista concedida a Ana Vaz Milheiro em 10 de fevereiro de 2006, parcialmente publicada pela primeira vez em 2006, no seu artigo “A tradição em Brazil Builds e o inquérito à Arquitectura Popular em Portugal”.

13Essa leitura pode ser constatada na obra de autores como Sergio Fernandez (Percurso, Arquitectura Portuguesa 1930/1974, de 1985), Pedro Vieira de Almeida e José Manuel Fernandes (A Arquitectura Moderna em Portugal, de 1986), Ana Tostões (Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50, de 1994) e João Vieira Caldas (Cinco Entremeios sobre o Ambíguo Modernismo, de 1997), apenas para citar alguns.

14Em 1949, realizou-se no Instituto Superior Técnico a “Exposição de Arquitectura Moderna Brasileira” com participação do arquiteto e professor Wladimir Alves de Souza (1908-1994), também presente, em 1954, na “Exposição de Arquitectura Contemporânea no Brasil” integrada às actividades do III Congresso da União Internacional dos Arquitectos, acolhida pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos.

15Identificado por Lúcio Costa como os princípios de uma arquitetura autenticamente brasileira, ainda que não negue a ascendência portuguesa. Traços de singularidade também reconhecidos por Raul Lino em sua visita ao Brasil em 1935 e expressa em Auriverde Jornada (1937) ao admirar-se com as torres de algumas igrejas que “tomam curiosamente a forma cilíndrica que se repete várias vêzes nos templos setecentistas de Minas Gerais. Efectivamente ambas estas formas [ao referir a torre da Igreja Nª Sª da Conceição da Praia na Bahia] me são desconhecidas no continente português, e, sou em dizer que elas têm sabor próprio do Brasil” (Lino, 1937, pp. 139-140).

16Uma contribuição seminal sobre este tema é a publicação Modern Architecture in Africa: Angola and Mozambique publicada em 2016 sob coordenação de Ana Tostões e fruto de um projeto de investigação realizado entre 2013-2016, que identificou e sistematizou projetos feitos entre 1943 e 1974.

17Aplicada pelo Governo Jânio Quadros (janeiro a agosto de 1961) a partir da recusa do governo português em apoiar os interesses da cafeicultura brasileira. Este novo direcionamento da política externa brasileira previa que “a diplomacia brasileira devia emprestar seu apoio ao processo de descolonização que se iniciava na África” (Gonçalves, 2010, p. 110).

18Entre outubro de 1951 e janeiro de 1952, a convite do governo português, o intelectual brasileiro percorreu o império colonial português e, em 1953, publicou dois livros: Um Brasileiro em terras portuguesas e Aventura e rotina. Para maior aprofundamento ver o capítulo “No encalço de Gilberto Freyre pelo último império português (1951-1952)” (Castelo, 2021).

19Fundada em 1946, em Lisboa, a Iniciativas Culturais Arte e Técnica (ICAT) foi criada por um coletivo de arquitetos politicamente engajados que contou com acentuada atuação do arquiteto Keil do Amaral. Esta, ao lado da Organização dos Arquitectos Modernos (ODAM, 1947-1952), fundada na cidade do Porto, teve um papel determinante na organização e nos resultados do I Congresso Nacional de Arquitectura realizado de 1948.

20Em 1945, publicou o texto Verso un’architettura organica. Entre 1945 e 1954, após sua estadia em Inglaterra e Estados Unidos, B. Zevi fundou a Associazione per l’Architettura Organica (APAO). Nesse período, exercia e divulgava sua atividade crítica através da revista Metron.

21A revista The Archictectural Review publicou, em 1954, matéria com o título Report on Brazil, na qual reuniu o depoimento de cinco importantes críticos à época. Ao fim dos depoimentos, era apresentada uma seleção de projetos que ilustravam a produção de arquitetura moderna brasileira (Report on Brazil, 1954, pp. 234-250).

22Trecho da canção “Sampa”, de autoria do compositor brasileiro Caetano Veloso, em 1978.

23Os excertos citados neste parágrafo foram traduzidos do original pelas autoras.

24Texto publicado em 1954 nas páginas da revista Comunità, Vol. 8, nº 24, sob o título Architettura Moderna in Brasile. A versão do texto consultado refere à tradução feita por Ana Luiza Nobre e publicada no livro Depoimento de uma Geração. Arquitetura Moderna no Brasil, organizado por Alberto Xavier (2003).

25Sobre este tema é referencial o trabalho pioneiro de Nabil Bonduki iniciado com sua tese doutoral Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria (1998), posteriormente ampliada através de projetos de investigação e, recentemente, com a publicação de Os pioneiros da habitação social no Brasil: Cem anos de construção de política pública no Brasil (2012, Vol. 1) e Os pioneiros da habitação social no Brasil: Inventário da produção pública no Brasil, 1930-1964 (2012, Vol. 2).

26Nine points on Monumentality reúne a perspetiva destes três autores sobre o tema da monumentalidade numa tentativa de síntese entre pintura, história e arquitetura. O texto foi publicado pela primeira vez em 1958 como parte da obra Architecture you and me: the diary of a development.

27A exemplo, as discussões que envolveram as sucessivas propostas de planos urbanísticos e o projeto de arquitetura para a área da Praça do Império, em Belém, abordados na exposição Sombras do Império: Belém - Projetos, hesitações e inércia, 1941-1972, sediada no Padrão dos Descobrimentos (Belém) entre 2 de maio de 2022 e 30 de janeiro de 2023.

28As datas de construção dos referidos bairros Célula 8 do Bairro de Alvalade, Olivais Norte, Olivais Sul e Telheiras foram retiradas do livros A Idade Maior, Cultura e Tecnologia na Arquitectura Moderna Portuguesa (Tostões, 2014) e Lisboa Moderna (Tostões, 2021).

29Regulamenta o art. 38 da Lei nº 3.751, de 13 de abril de 1960, no que se refere à preservação da concepção urbanística de Brasília.

30Portaria publicada pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília.

31Atualmente Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

32Em 2016 foi inscrito na Lista do Património da Humanidade (UNESCO).

4Artigo elaborado no âmbito de pesquisa doutoral em desenvolvimento no Programa Doutoral em Arquitetura do Instituto Superior Técnico de Lisboa, Universidade de Lisboa, e integrante do Centro de Investigação do Território, Urbanismo e Arquitetura (CiTUA). A pesquisa conta com o suporte da Fundação para Ciência e Tecnologia (referência 2020.05276.BD) e da Universidade Federal de Sergipe (Brasil).

Recebido: 17 de Julho de 2022; Aceito: 16 de Dezembro de 2022

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