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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.19 Lisboa jun. 2023  Epub 15-Maio-2023

https://doi.org/10.48751/cam-2023-19238 

Dossier

Memórias em conflito: a disputa de significados em torno do monumento a Pedro IV em Lisboa

Conflicting memories: the dispute of meanings over the monument to Pedro IV in Lisbon

Jorge Artur dos Santos1  2
http://orcid.org/0000-0001-8231-3999

1Investigador independente, 1500-074 Lisboa, Portugal.jorgeart.santos@gmail.com


Resumo

Pedro I do Brasil, e IV de Portugal, é personagem histórica muito controversa. As suas ações levaram a disputas pela sua memória, em ambos os lados do Atlântico. Um caso exemplar é o do monumento erguido em Lisboa em sua homenagem, que foi alvo de tentativa de desconstrução simbólica. Este texto apresenta uma reflexão sobre essa tentativa, isto é, indaga quais foram as razões para o surgimento do boato de que a estátua que representa o rei seria originalmente realizada para representar Maximiliano do México. Tenta-se compreender o ambiente sociopolítico que favoreceu a sua disseminação, bem como as motivações e os objetivos que se buscava alcançar. Conclui-se que diferentes círculos intelectuais, descontentes com o regime liberal em vigor, teriam contribuído para este questionamento da memória sobre Pedro em construção.

Palavras-chave: Memória; Lisboa; Pedro IV; Monumento; Boato

Abstract

Pedro I of Brazil, and IV of Portugal, is a very controversial historical character. His actions have led to disputes over his memory, on both sides of the Atlantic. An exemplary case is the monument erected in Lisbon in his honour, which was the target of an attempt at symbolic deconstruction. This text presents a reflection on this attempt, that is, it inquires what were the reasons for the rumour that the statue representing the king was originally made to represent Maximilian of Mexico. It attempts to understand the socio-political environment that favoured its dissemination, as well as the motivations and the goals that were sought to be achieved. It is concluded that different intellectual circles, dissatisfied with the liberal regime in force, would have contributed to this questioning of the memory about Pedro under construction.

Keywords: Memory; Lisbon; Pedro IV; Monument; Rumour

...nunca foi fácil representar D. Pedro, todas as recriações são versões, e nelas nunca está ausente a dimensão simbólica que aquela figura assumiu. D. Pedro sujeito à Rainha do Mundo. (Pereira, 2001, p. 606)

Introdução

Uma exposição ocupou uma sala do primeiro andar do Museu de Lisboa - Palácio Pimenta, em Portugal, entre 16 de julho de 2020 e 10 de janeiro de 2021, comemorando os 150 anos da ereção do monumento a Pedro IV, na praça que leva seu nome, em Lisboa. Em destaque, dois frascos que foram enterrados sob a base do monumento por ocasião do içamento da estátua. O que havia em um dos frascos perdeu-se, e constava ser uma fotografia; no outro, dois papéis enrolados, manuscritos a tinta, um aludindo à colocação da primeira pedra, em 1867, e o segundo relatando alguns sucessos da manhã em que a estátua foi alçada para o topo da coluna que a sustenta, em 1870.

A exposição também nos disse que depois de tentativas frustradas de levar a cabo a homenagem em 1821, 1834, 1841 e 1850, realizou-se um concurso em 1864 e foram acolhidos oitenta e sete projetos. Destes, saiu vencedor aquele que era fruto da parceria entre o escultor Louis Valentin Elias Robert e o arquiteto Gabriel Davioud, ambos franceses. Havia fotografias de todos os projetos e por elas observávamos que o vencedor foi o que se vê hoje no Rossio, fato que a exposição fez questão de ressaltar para refutar um boato que paira em torno deste monumento. Esta ideia era reafirmada num texto de uma pequena publicação que se encontrava disponível na exposição, onde se lia, “já se escreveu que a estátua de D. Pedro IV era a do imperador Maximiliano do México, falecido em 1867. Mas tal ideia é um mito urbano sucessivamente repetido na história de Lisboa” (Museu de Lisboa, 2020, p. 17).

Este é mais um exemplo de quão verdadeira é a afirmação em epígrafe, de quantas e diferentes memórias foram construídas em torno desta personagem-chave do processo de independência política do Brasil e também da liquidação do Antigo Regime em Portugal, memórias que dependem tanto dos grupos que as produziram quanto do ambiente sociopolítico que lhes favoreceu a propagação. E também de sua geografia. Por mais que fujamos de uma visão personalista e heroica da História, este príncipe português, imperador brasileiro em 1822 e, mais tarde, em 1826, rei português - cargo do qual abdicou em favor da filha -, é figura incontornável para a história do período. As memórias construídas em torno dele, e o choque entre elas, em ambos os lados do Atlântico, apontam para uma discussão do seu legado enquanto participante da independência do Brasil e da sua ação em terras portuguesas no embate contra o irmão Miguel. Lidamos aqui com a hipótese de que é na fratura provocada por estas memórias em conflito que surge a oportunidade para a disseminação do boato mencionado acima.

Uma fratura resiliente e um boato revelador, portanto.

Passados século e meio, o que se tenta agora é recuperar o contexto no qual o rumor acerca deste monumento encontrou solo para medrar. Descobrir o agente criador, neste caso, é tarefa quimérica, embora fosse muito interessante concretizar esta possibilidade. Mas há outra tarefa tão ou mais significativa que é a de problematizar as memórias construídas, buscando, por aproximações, recuperar pistas que indiquem respostas a perguntas como: a que se deve este boato? Quais seriam as intenções por trás de sua criação? Em quais círculos teria surgido e a quem interessaria a sua disseminação? Quais os efeitos da sua circulação para a disputa de memórias em torno de Pedro IV?

Um boato, três versões

Chama a atenção, neste boato, o fato de ter circulado por muitas décadas apenas oralmente, resistindo a ser registrado em página impressa. É mesmo curioso perceber que por mais de um século passou pelas mãos de tipógrafos somente em textos que o combatiam e buscavam convencer o público da sua falsidade1. É daí que nos chega a notícia da sua existência. E há vários. Sem fazer uma lista exaustiva é possível contá-los iniciando por artigo anônimo na Revista ABC, intitulado A estátua de D. Pedro V é ou não é de Maximiliano do México?, publicado em 1822; as obras de Rocha Martins, publicadas em 1939 e 19432; de José-Augusto França, publicadas em 1966 e 2008; e de Stanislaw Herstal, de 19723. Apenas a partir do final dos anos 1990 foi, afinal, impresso em chave de aprovação, nesse caso em livro de um autor já consagrado nas letras portuguesas. Daí, aproveitando-se de novo meio de comunicação à disposição, apareceu com veracidade defendida em sítios web.

O escritor, muito citado, é José Cardoso Pires. Ele discorre sobre o boato por cinco páginas de seu Lisboa: Livro de Bordo, de 1997. A edição por nós consultada foi publicada sob os auspícios da Expo 98, pela Publicações Dom Quixote. José Cardoso Pires diz que a identificação da estátua é desimportante depois de reafirmar prazerosamente o boato. Um recorte do seu argumento:

“Que fazemos nós, Lisboa, os dois aqui na terra em que nascemos e eu nasci” perguntava Alexandre O’Neill, de ombro na ombreira, a olhar o imperador Maximiliano do México que está na estátua do Rossio a fingir que é Dom Pedro IV de Portugal (...) Verdade ou mentira, ainda se está para saber por que razão é que o escultor francês encarregado de figurar o nosso rei em bronze de primeiríssima não esteve com mais aquelas e despachou para Portugal um Maximiliano qualquer que tinha lá para um canto do atelier (...) Dom Pedro? Dom Maximiliano? Que se lixe, seja o Dom Pedro, por que não? Assim como assim, o país fica na mesma e o Rossio ainda ganha mais um caso para entreter.4 (Pires, 1997, pp. 15-16).

Vê-se como o autor, no atacado, dá crédito ao boato e, no varejo, se resguarda intercalando pequena frase que sugere dúvida, aquela transcrita em itálico. Olhando-se para a totalidade do livro, nota-se que o tom é carregado de ironia, um guia de Lisboa heterodoxo, a contrapelo dos turísticos tradicionais. Se esta leitura é correta, o boato sobre a estátua de Pedro caiu-lhe à mão como uma luva.

Aberto o precedente, surgiram na década seguinte alguns blogs com postagens sobre o assunto, sempre levantando dúvidas. Entre aqueles que fazem defesa da verdade do boato, mencionamos um. A postagem é de 2004. Faz referência à revista História publicada naquele mesmo ano, que confirmaria o boato, e se apoia bastante no livro de José Cardoso Pires. Num trecho em que cita Eça de Queiroz, de quem falaremos adiante, o blogueiro identificado como “Ant. Manuel” pontifica: “Mas esta estátua com «o tom baço e pálido de uma vela de estearina colossal e apagada» é um D. Pedro a fingir; na verdade, como já aqui dissemos e a Revista História no seu último número também o indicia, pairam sérias dúvidas sobre aquela figura que hoje se admite tratar do Imperador Maximiliano do México” (Manuel, 2004).

A revista mencionada publicou, em setembro de 2004, um dossiê sobre Pedro, aproveitando a conta redonda de 170 anos desde a sua morte. O último artigo trata do boato. O autor, que assina Franz Marco, não hesita em aceitar a sua veracidade, apesar do uso de condicionais. Em primeiro lugar, nunca cita as suas fontes, mesmo quando faz uma afirmação como a seguinte: “Após alguns anos, era inaugurado o monumento, a 29 de abril de 1870, na sua forma atual. Mas desde logo irrompeu uma viva polêmica acerca de quem era a personalidade representada na famosa estátua, e foram vários os jornais e as personalidades da época que anunciaram que tudo não passava de uma impostura (...)” (Marco, 2004, p. 36)5.

Mas o que causa espanto é o parágrafo final, em que afirma, novamente sem citar fontes, que “Só o tempo fará calar as contestações, que aliás hoje em dia já nem têm razão de existir, visto que a estátua original foi substituída por uma réplica de cobre, bem menos valiosa, aquando duma operação de limpeza, vindo posteriormente a desaparecer” (Marco, 2004, p. 36).

Temos aqui um tijolo novo nessa construção secular: a estátua que já não seria de Pedro, desaparece sem deixar rastro, substituída por uma réplica - a réplica do falso!

Um resumo muito útil das versões em voga do boato é apresentado em Histórias Secretas dos Reis Portugueses, de Alexandre Borges. Embora não as referencie, a não ser pela menção a José Cardoso Pires, o texto é deveras útil. São três versões, cuja ordem de apresentação não denota prioridade (Borges, 2015, pp. 214-215).

A primeira conta que a estátua, projetada e elaborada por franceses sob encomenda de Maximiliano ou de seus asseclas, estava a bordo de um navio que fazia escala no porto de Lisboa quando chegou ali a notícia da morte do imperador no México; coincidência feliz, pois a Câmara de Lisboa, desejosa há muito tempo de homenagear Pedro, a descobre no porto, verifica a semelhança entre as personagens, compra-a e a coloca sobre a coluna na Praça Pedro IV6. Uma segunda versão também coloca a mesma estátua representando Maximiliano no porto de Lisboa, mas a faz cruzar ali e ser trocada com uma outra encomendada pela Câmara para homenagear Pedro, resultando que aquela que está no Rossio deveria ter tomado o rumo do México, e vice-versa. E a terceira a encontra no atelier parisiense do escultor que a fizera para representar Maximiliano, abandonada em um desvão desde que recebera a notícia da morte do homenageado; sabendo depois do interesse em erigir o monumento a Pedro, remodelou-a, adaptando-a à nova personagem, e despachou-a para Lisboa.

Devemos notar, contudo, que as versões atuais estão já um tanto modificadas daquele murmúrio inicial, quando quer que ele tenha surgido, o que, aliás, é traço característico dos boatos (Shibutani, 1966, p. 13). Todavia, há elementos que nos permitem remontar a uma forma básica, que a exposição do Museu de Lisboa - Palácio Pimenta, anteriormente mencionada, sintetizou assim: a estátua que completa o monumento não representava originalmente Pedro IV mas, sim, Maximiliano do México.

Para entender o contexto que teria possibilitado essa tentativa de desconstrução simbólica, e as suas motivações, teremos de recuar até à década de 1860.

A monumentalização de Pedro

Aquela década foi agitada para Pedro. Para a memória que se tentava construir dele, claro. Iniciativas monumentalizantes avançaram. Em 1862 foi inaugurada a estátua equestre no Rio de Janeiro, numa praça que já foi chamada Rocio. Ali também Pedro segura a Constituição, nesse caso a brasileira, de 1824, em uma das mãos. À época da inauguração, os republicanos brasileiros saíram a protestar, especialmente contra o local que se escolheu para instalá-la, a mesma praça onde Tiradentes morrera, sob o reinado da avó de Pedro, D. Maria I. Nas palavras de José Murilo de Carvalho: “A ocasião e o local eram a própria materialização do conflito. No lugar onde fora enforcado Tiradentes, o governo erguia uma estátua ao neto da rainha que o condenara à morte infame. Teófilo Otoni (...) chamou a estátua de mentira de bronze, e a expressão virou grito de guerra dos republicanos” (Carvalho, 1998, p. 60).

A partir da década seguinte, caricaturistas, como Angelo Agostini, na Revista Illustrada, divertiram-se com ela, soltando-lhe em cima impiedosamente um humor ácido de sabor antimonarquista. Em artigo de Francisco das Neves Alves (2011) há muitas reproduções de charges desta natureza.

Em 1866, é a vez da estátua do Porto, equestre também7. E finalmente a de Lisboa, que vinha de ser discutida desde 1864, e cuja inauguração ocorreu em 29 de abril de 1870, como se vê na imagem captada naquele dia, desde o Teatro D. Maria II (Figura 1).

Figura 1 Inauguração do monumento a D. Pedro IV, 1870. Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BAR/000958. 

É grande a probabilidade de que no eixo Lisboa-Rio tenha havido um leva e traz de memórias e contra-memórias sobre Pedro, alimento para toda sorte de chistes e contendas. Se realmente ocorreu, este debate transoceânico pode ter colaborado para que o clima fosse favorável ao boato lisboeta, e a memória de Pedro que se buscava construir em ambos os lados do Atlântico teria flutuado em águas tormentosas.

Águas que se encrespavam já no próprio seio do grupo que estava encarregado de dirigir os trabalhos do monumento lisboeta. Após a inauguração do monumento, em 1870, foi publicada uma Memoria em que se relata o processo de criação da comissão encarregada de promover o concurso de projetos, de selecionar o mais adequado e de encaminhar a construção (Memoria…, 1870). Agrega também relatos dos festejos de inauguração, relação dos presentes - em que consta a assinatura do escultor Elias Robert -, notícias da imprensa local, e carta do artista Davioud remetida desde Paris com explicações para sua ausência. O que chama a atenção é o fato de o próprio relator, o marquês de Souza-Holstein8, deixar transparecer no texto que não é de todo favorável ao projeto escolhido, afirmando que “não faltará quem lhe note os defeitos” (Memoria…, 1870, p. 9). Ou seja, já se andava a colocar defeitos no monumento. Um ambiente propício ao florescimento do boato, portanto. Opositores ao constitucionalismo de Pedro IV subsistiam (Catroga, 1990), como se verá adiante, e podiam estar a semear cizânias. E o que é mais interessante, um pouco à frente o autor volta a mencionar defeitos, agora de forma peremptória, defeitos que ele próprio encontra na obra: “Contemplado à luz escassa da noite, quando os detalhes se fundem harmoniosamente no todo, e só vemos as linhas principais, destaca-se com majestade sobre o céu estrelado. Os pequenos defeitos que tem desaparecem” (Memoria…, 1870, p. 25)9.

É importante destacar que durante os trabalhos da citada comissão foi produzido um relatório em dois volumes, dirigido ao ministro de Obras Públicas, apresentando todos os projetos que concorreram ao concurso realizado em 1864, além da escolha feita e das providências tomadas a seguir. E ficamos ali sabendo que cinco membros (de um total de 12 votantes) não optaram pelo projeto vencedor, que tinha o número 28: “Os vogais duque de Palmela, marquês de Souza Holstein e Miguel Lupi votaram pelo projeto n.º 34 (…) Os vogais conde de Farrobo e Francisco de Assis Rodrigues votaram pelo projeto n.º 6” (Relatorio…, 1868, v. 1, p. 31).

Somos forçados a reconhecer, então, que os reparos que o marquês colocou posteriormente ao monumento na Memoria de 1870, já mencionada, não são elaborações de terceiros, mas suas. Se registrar este desagrado no próprio documento, na Memoria, implicou criar fissuras na homenagem que se fazia, isto significou também deixar registrado para os leitores seus contemporâneos e posteriores senões que ajudavam a turvar a memória que se buscava construir. Mais munição para os opositores.

Veja-se a pequena nota publicada pelo jornal Diário de Notícias, em 30 de abril de 1867, quando o monumento enfim começou a ser erguido. É importante lembrar que o projeto já era conhecido, uma vez que tinha sido exposto à população junto aos demais que participaram do concurso. À luz do boato posterior parece significativo o comentário sobre a estátua que arrematará a obra: “A estátua de el-rei D. Pedro IV, que deve colocar-se no monumento inaugurado anteontem, 29, na praça do seu nome nesta cidade, é um tanto mais pequena que a estátua de Camões”10.

Antes de mais, o termo “inaugurado” significa o início das obras do monumento, “a primeira pedra”, como diz a Memoria de 1870 (p. 26). Mas o importante é a comparação entre as estátuas. Camões estava sendo entronizado como o príncipe dos poetas portugueses, campeão da língua pátria e símbolo da nacionalidade pelos esforços de intelectuais como Teófilo Braga, aproveitando-se da aproximação das comemorações dos trezentos anos da sua morte, que se cumpririam em 1880 (Medeiros, 2014). O monumento em sua homenagem, erigido em Lisboa, na praça que leva o seu nome, foi inaugurado naquele mesmo ano de 1867, em 9 de outubro, com a concorrência de um grande público, de acordo com a xilogravura publicada pelo Archivo Pitoresco (Figura 2).

Figura 2 A inauguração do monumento a Camões, em Lisboa, em xilogravura da revista Archivo Pittoresco, 1867. Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/POR/060176. 

Sabendo que, de fato, a estátua de Pedro é setenta centímetros mais baixa do que a do poeta, o articulista não fez uma comparação inocente. Podemos conjecturar que sugeria ser menor a importância que estava sendo dada a Pedro, vis-à-vis Camões. Portanto, esta nota encontra um modo de colocar reparo ao monumento de Pedro. E como dentro da própria comissão encarregada da supervisão do projeto houve divergências, como já vimos, nota-se haver discordâncias em circulação, que podem ter ajudado a criar um ambiente propício para uma má recepção do monumento.

Um irmão com muitos adeptos

Miguel - irmão e adversário de Pedro - e seus partidários, os “miguelistas”, são personagens fundamentais nesta história. Durante e após a guerra civil (1832-1834) que opôs os dois irmãos, as narrativas de ambos os partidos viam Pedro como o liberal, ele e a Constituição como símbolos da liquidação das instituições do Antigo Regime em Portugal, e Miguel como o absolutista, símbolo da defesa do Antigo Regime. O que mudava de uma narrativa para outra era o polo a ser positivado. Acrescente-se a isto a caracterização de cada um dos dois personagens feita pelo grupo opositor: enquanto os liberais esgrimiam um preconceito de classe afirmando que Miguel liderava os “rotos” (Ramos, 2009, pp. 481, 484), ou seja, as camadas mais pobres da população, os “miguelistas” brandiam uma palavra carregada de significado moral e cristão contra Pedro chamando-o “traidor”, por ter liderado a independência do Brasil11.

Por isto é importante ressaltar a coincidência da morte de Miguel, em 1866, com o processo de ereção do monumento a Pedro, em Lisboa (e com a inauguração do monumento no Porto). Isto parece ter reacendido a chama dos absolutistas que passaram a pleitear o trono português para seu filho, Miguel também. Tanto é que se encontram algumas publicações desta data em diante referindo-se a eles. Em primeiro lugar, a imagem de um Miguel envelhecido mas ainda com olhar decidido, litografada no mesmo ano da sua morte (Figura 3), servindo como objeto de propaganda e devoção.

Figura 3 Miguel de Bragança, 1866. Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/001699. 

Outros exemplos incluem uma carta assinada por D. Maria Candida Collaço Falcão, dirigida à viúva de Miguel, lamentando o falecimento e fazendo um elogio do finado; embora não esteja datada, na última página há a data da impressão, 1866. Portanto, foi escrita e impressa - usada então como peça de divulgação e propaganda miguelista - no calor das exéquias. Diz ela, entre outras coisas, que:

Chamaram-lhe o mais desditoso dos filhos de Bragança! Ilusão! Foi o mais feliz de todos!! Feliz, sim, incomparavelmente feliz, por que nenhum foi mais entusiasticamente amado! Nenhum reuniu em cinco anos de verdadeira idolatria todas as homenagens, todas as adorações tributadas a uma longa realeza! Nenhum foi mais grato aos seus, mais fiel às sagradas tradições da Religião e da Pátria! (Falcão, 1866).

Houve também uma oração fúnebre em memória de Miguel, proferida pelo padre J. L. de Araújo e Silva, publicada em Braga, em 1868, em que a desdita miguelista é chorada nos seguintes termos:

(…) o Príncipe mais querido e idolatrado dos portugueses; o que representava um grande princípio, e simbolizava as tradições da monarquia de sete séculos; o que pugnou pela liberdade e independência da sua pátria (…); Aquele que por espaço de cinco anos empunhou o cetro dos reis de Portugal, e cingiu a corôa de D. Afonso Henriques, já não existe! Já se mirrou nas terras do exílio ao gélido sopro da morte! (Oração Funebre…, 1868, p. 13).

Uma publicação anônima, de 1871, impressa em Lisboa, intitulada Portugal, a Liberdade e D. Miguel II, defende o ramo miguelista dos Braganças como legítimo detentor da coroa portuguesa na pessoa de Miguel, o filho. O estilo é grandiloquente e hiperbólico como revela este trecho: “Todas as nações da Europa aprenderam nos exemplos de Portugal a respeitar a soberania do povo, soberania que se manifestava no campo dos combates como ante os tronos, como nos templos da lei” (Portugal…, 1871, p. 44).

É importante observar que o termo “Liberdade” presente no título desta publicação e em outros documentos citados remete à liberdade política de Portugal em relação às nações estrangeiras. É desta maneira que os miguelistas procuravam se colocar como os verdadeiros paladinos desse direito, disputando a bandeira da liberdade com os liberais. O fato de Pedro ter dependido de ajuda estrangeira para alcançar a vitória contra o irmão só deu mais munição para este discurso.

Mais um exemplo é o panfleto denominado O Propheta, também anônimo, sem local de publicação e cuja data, dada a menção à Comuna de Paris, é posterior a 1871 - o que se infere também da referência que faz a terem se passado quase quarenta anos desde o tratado de Évora Monte, aquele que pôs fim à guerra civil entre os partidários dos irmãos, em 1834. Condena todos que não se enquadram no seu dístico “Deus! Legitimidade!”, a saber, os liberais e os comuneiros de Paris:

E ainda haverá quem creia na duração dos sistemas de governo representativos? Talvez; assim como também há, desgraçadamente, quem diga que a comuna há de ressuscitar. Esperem uma ou outra coisa. Ao nobre partido legitimista, ao povo, à nação, a quem dedico estas linhas, exclamo agora - alerta! que em última instância, os traidores são capazes de nos venderem à Espanha como escravos. Olhai para o futuro! Não sabeis qual ele é? Ou a restauração de Portugal na pessoa legitima do sr. D. Miguel II; ou escravos para sempre da Espanha! (O Propheta, s.d.)

Comecemos pela menção a “Deus”. Não se pode esquecer de que a Igreja Católica, enquanto instituição, foi severamente golpeada após a derrota e o exílio de Miguel. A abolição do dízimo e das ordens religiosas, em 1834, entre outras medidas (Ramos, 2009, pp. 494-495), enfraqueceram sobremaneira um dos pilares do Estado Absolutista que se estava liquidando. Quando as ordens foram readmitidas no país, em 1857-1862, já não adquiriram o protagonismo dos tempos do Antigo Regime. Assim, muitos eram os motivos para os clérigos reclamarem da sua presente situação e suspirarem por um retorno aos status quo ante. Neste contexto devemos situar a oração fúnebre do padre J. L. de Araújo e Silva já mencionada.

Quanto à “legitimidade”, os miguelistas fizeram dela um de seus argumentos básicos para reivindicar o trono, apontando os liberais como usurpadores. Fundamentavam o argumento na aclamação de Miguel como rei de Portugal, em 1828, pelas cortes dos Três Estados, reunidas por seus partidários depois de dissolverem a assembleia constitucional surgida da Revolução de 1820, que entre outras coisas, obrigara D. João VI a retornar a Portugal e a jurar uma constituição (Ramos, 2009, p. 483).

A referência à Espanha ocorre por conta de movimento que agitou o meio político propondo uma nova “união ibérica”, com a unificação das coroas da península. Em 1868, houve na Espanha um levantamento militar, “La Gloriosa”, que empolgou setores da sociedade e levou à derrubada da rainha Isabel II, inaugurando o que passou depois a ser chamado como “Sexenio Revolucionario” (Serra, 2018). Os grupos liberais dentre estes revolucionários saíram em busca de um novo rei, de corte constitucionalista, e a casa de Bragança foi sondada (Martins, 1895, pp. 379-381). Diante do debate em torno do tema ocorrido em Portugal, o “profeta” faz a defesa de Miguel II no trono lusitano como a única possibilidade de manutenção da independência do reino frente ao vizinho ibérico.

A própria Memoria, de 1870, já citada, dirige-se aos miguelistas vencidos, tentando fazer-lhes ver que a vitória de Pedro acabou sendo o melhor para ambos os partidos. Diz o autor:

O monumento poderia ter recordado o heroísmo do general, poderia ser um poema da vitória. Não o quiseram os portugueses, e não quiseram bem. Perante o resultado admirável da obra de D. Pedro, deve esquecer tudo quanto recorda a sangrenta luta que o conseguiu. Nossos irmãos vencidos gozam conosco das vantagens que a espada vitoriosa de D. Pedro alcançou (Memoria…, 1870, p. 15)12.

Percebe-se, assim, que os remanescentes do partido de Miguel viam com maus olhos a homenagem em curso. Se o próprio autor da Memoria viu-se compelido a citá-los é porque andavam murmurando seu rancor ante o que viam se erguer no que ainda chamavam de Rossio.

Isto fica evidente ao lermos o diário A Nação - editado em Lisboa desde 1847 e dedicado à causa miguelista -, nosso último e talvez mais importante exemplo. Não é possível, por limitação de espaço, fazer aqui uma análise extensa dos seus artigos, mas registre-se que manteve-se ali uma campanha constante contra o monumento, desde o seu anúncio até os festejos de inauguração, sempre buscando ridicularizá-lo. Fiquemos apenas na edição de 30 de abril, o dia seguinte à inauguração, e tomemos essa “interpretação” dos quatros Ps que adornam as laterais da base do monumento:

Um curioso interpretou assim os quatro Ps do monumento:

Pedro

Pôs

Portugal

Pedindo (Braz, 1870, p. 3).

No pé da primeira página da mesma edição, em duas estrofes ao meio de um poema satírico, o autor que assina “Manuel Braz” esmerou-se em desmerecer o monumento identificando a coluna como um “castiçal” e a estátua de Pedro como um “pavio” - uma imagem com reflexos na “vela de estearina” de Eça de Queiroz, da qual já prometemos tratar e o faremos adiante:

No meio, vês tu, no meio,

Posto mesmo tal e qual,

Estava feito de pedra

Um enorme castiçal.

No cimo, de coto escuro,

Saía, como pavio,

Um bonecrito de bronze,

Que era o herói do Rocio (Braz, 1870, p. 1).

À continuação, o poema compara o monumento a Pedro com aquele a D. José I, no Terreiro do Paço, símbolo do absolutismo, para concluir que o primeiro não vale uma simples “ferradura” do segundo.

De sorte que, a depender deste ambiente político, o boato estava bem servido.

Era uma vez no México

Neste ponto é importante tratar da personagem Maximiliano de Áustria. Afinal, por que foi ele escolhido pelos criadores do boato? O que há na sua biografia capaz de enviesar a memória sobre Pedro?

Da casa de Habsburgo, era primo de Pedro II, imperador do Brasil - filho de Pedro IV. Apaixonou-se por Maria Amélia de Bragança, também filha de Pedro IV, a qual veio a morrer precocemente. Acabou por casar-se com Carlota, filha do rei belga Leopoldo I (Almeida, 1973).

Uma vez imposto como imperador mexicano com apoio francês - e não é relevante tratar aqui do processo através do qual conseguiu o título -, chegou àquele país em 1864 (Galeana, 2010), mesmo ano em que ocorreu o concurso para escolha do projeto de monumento a Pedro, em Lisboa.

Diz-se que Maximiliano era liberal. O que é deveras interessante, e os historiadores e historiadoras do México não se cansam de problematizar: para obter a coroa aliou-se aos conservadores, que estavam em luta contra as reformas liberais iniciadas em 1857 e capitaneadas por Benito Juarez - liberdade de culto, expropriação dos bens da Igreja, registro civil, secularização dos cemitérios, entre outras. Eis que chegado ao México implementou parte destas mesmas reformas liberais, contrariando assim seus apoiantes conservadores (Galeana, 2010). Por outro lado, para além da soberba egocentrada de considerar que seria aceito de braços abertos por toda a população mexicana, insistiu na defesa de seu império através de guerra civil cruenta, em que não faltaram fuzilamentos de líderes da resistência. Então, quando o governo francês, que o suportava, percebeu que a causa mexicana estava perdida e começou a repatriar suas tropas em 1866, e os republicanos mexicanos ganharam terreno, Maximiliano fez um giro à direita, e incorporou ao seu governo próceres conservadores, revogando várias medidas liberalizantes anteriores (Ratz, 2008; Galeana, 2010).

A aventura de Maximiliano no México tem fim conhecido. Ele foi preso e fuzilado em Querétaro, em 19 de junho de 1867 (Galeana, 2010). Tal insucesso repercutiu na imprensa lisboeta, mas sabemos que as notícias viajavam à velocidade que a época permitia. Assim, durante o mês de maio, o Diário de Notícias publica notas dando conta de que Maximiliano defende Querétaro, seu último bastião, e que tenta um acordo com Benito Juarez - o presidente constitucional em luta para retomar o poder - para interromper os combates e sair ileso com seus últimos asseclas do país13.

E no mesmo dia 30 de maio de 1867 em que noticia os esforços de Maximiliano para defender-se do cerco juarista, o Diário de Notícias publica despacho da agência de notícias Havas, em negrito, informando que ele foi capturado no passado dia 1514.

Durante todo o mês de junho prosseguiu a narrativa, chegando informações de tentativas de convencer Juarez a libertar Maximiliano e deixá-lo abandonar o país. Menciona-se, inclusive, pedidos de Garibaldi e de Vitor Hugo remetidos com esse fim diretamente a Juarez. Finalmente, a 4 de julho, o Diário publica a confirmação do fuzilamento de Maximiliano15, e no dia seguinte, que Luís I de Portugal e Napoleão III de França decretaram 30 dias de luto16.

Podemos supor, assim, com razoável certeza, que a partir deste 30 de maio os acontecimentos envolvendo Maximiliano tenham-se tornado assunto de conversas em Lisboa, se já não o eram antes, desde sua chegada ao México. Portanto, em 1870, apenas três anos passados, sua memória devia estar fresca. Assim como aquela do papel desempenhado pelo governo francês na sua desdita. Napoleão III o cooptou para a aventura mexicana e depois o abandonou, quando retirou as tropas francesas do México, em 1866. Como os vencedores do concurso para a ereção do monumento eram franceses, tínhamos aqui um campo para associações de ideias favorável ao boato.

Por último, mas não menos importante, ao compararmos a fotografia que tomaram a Maximiliano no ano do embarque para o México (Figura 4) com o retrato do Pedro retornado (Figura 5), um elemento crucial para a emergência do rumor revela-se rapidamente: a barba. Embora Maximiliano e Pedro não se parecessem, como se vê nestas imagens, a barba comum aos dois era a característica fisionômica que se dava mais à vista dos observadores diante de monumento tão elevado17.

Figura 4 Maximiliano em 1864, Brady-Handy photograph collection. Library of Congress, Prints and Photographs Division. https://loc.gov/item/2004672076. 

Figura 5 Pedro em 1833, gravura de J. S. Maia Ferreira Júnior. Biblioteca Nacional de Portugal. https://purl.pt/1031. 

Sobre galhetas e galhofas

Já foram mencionadas anteriormente as datas de tentativas malsucedidas de erigir um monumento a Pedro em Lisboa. Aquela de 1850 é importante aqui pelo que pode ter criado de predisposição ao boato. Chegou-se a construir um pedestal para uma estátua, que todavia nunca compareceu (Figura 6).

Figura 6 Pedestal na praça Dom Pedro IV conhecido por Galheteiro pelos lisboetas, 1852-1864. Arquivo Municipal de Lisboa. PT/AMLSB/POR/060365. 

Como explica a Memoria de 1870: “Levantou-se na praça um pedestal destinado ao futuro monumento. Executaram-se algumas estátuas, mas nem o pedestal, nem as estátuas eram dignas do glorioso destino que se lhes dera. Por bastantes anos permaneceu no centro do Rocio o desairoso montão de pedras a que merecidamente se deu o nome de galheteiro” (Memoria…, 1870, p. 3.).

Pois este “galheteiro” levanta a seguinte questão, que acaba por se tornar uma proposição: não terá essa obra incompleta e rapidamente apropriada em tom de galhofa pela população preparado o terreno para o boato em torno do monumento? Júlio de Castilho deixou este registro: “O público olhava com sorrisos para o galheteiro, e achava-o uma sensaboria. Galheteiro sem sal - lhe chamava alguém; e quando as discussões se azedavam na imprensa àquele propósito, chamava-lhe então galheteiro com muita pimenta e muito vinagre” (Castilho, 1937, p. 118).

Assim, a observação por anos a fio daquela coluna não terá construído uma memória do “rei soldado” que flertava mais com a comédia do que com o drama que a narrativa dos liberais buscava construir - o drama de um rei que lutou heroicamente para acabar com o absolutismo e dar à nação uma carta constitucional, símbolo do reconhecimento, embora limitado, dos direitos humanos egressos do Iluminismo e da Revolução Francesa, vindo a falecer logo em seguida? A galhofa do “galheteiro”, repetida à exaustão, não ajudou a desconstruir a memória liberal de Pedro, anulando a gravidade que os atos em que estivera envolvido ao retornar ao reino deveriam sugerir? Ao dar-se à vista da população o monumento, em 1870, e apesar da tentativa do cerimonial de marcar o papel dramático de Pedro, não terá a recepção popular imediatamente enviesado para nova comédia, desta vez colocando em dúvida a execução da estátua que coroa o monumento?

Se pensarmos em uma estética da recepção, ou seja, em como as obras são recebidas, em como as pessoas as interpretam de acordo com o seu background, com as suas preocupações, experiências e expectativas em relação à vida social em geral, e à de cada um, em particular, podemos argumentar que o boato não era resultado apenas da maledicência de miguelistas amargurados. Mesmo que tenham sido eles os iniciadores do rumor, o que é o mais provável, era necessário haver um ambiente favorável à recepção, caso contrário, cairia em ouvidos moucos. É razoável supor, ademais, que as chamadas camadas populares tenham se comprazido em desconstruir a memória de alguém que, afinal, era mais um membro da elite, cuja disposição e luta política diziam muito mais respeito à manutenção do poder em mãos da filha do que a projeto social de elevação das condições de vida dessas mesmas camadas. Subiam os monumentos aos heróis da pátria e as condições de vida da população trabalhadora pouco mudavam. Na vida cotidiana, vingava-se essa população com as armas do sarcasmo e da ironia (Pinheiro, 2000, p. 84; França, 2008, p. 593).

E qual ambiente poderia ser mais favorável do que aquele em que a sociedade quase toda se cansava de uma monarquia que não oferecia perspectivas de realização de um projeto de nação que desse protagonismo ao reino no quadro das relações internacionais, e particularmente, no continente europeu? Aquele era um momento importante na ascensão do nacionalismo na Europa, é importante frisar (Hobsbawm, 2004).

Na cidade luz

Uma interessante observação foi feita em Paris. O ano é 1868, dezembro. Ao reportar a informação de que a fundição da estátua de Pedro se completara, o articulista do periódico La Presse que assina Marius Chaumelin18 relata resumidamente o processo de escolha do projeto de Elias Robert e Davioud. Também preocupa-se em explicar o motivo pelo qual se havia decidido em Portugal homenagear Pedro. E após elogiar o trabalho do escultor, não sem colocar alguns reparos quanto à execução de duas das quatro figuras alegóricas da base - a Prudência e a Força -, conclui o texto assim:

Pourquoi donc cet artiste a-t-il eu la singulière idée de placer sa statue debout sur une moitié de globe? On tremble, à tout instant, de voir le royal législateur perdre l’équilibre et glisser du haut de sa colonne triomphale; l’attitude même de ses jambes semble trahir en lui cette préoccupation. A la rigueur, nous admettrions qu’il eût les pieds posés sur deux hémisphères. Ce serait peut-être grotesque au point de vue artistique, mais les amateurs de représentations emblématiques verraient là une allusion au pouvoir exercé dans les deux mondes par don Pedro, roi de Portugal et empereur du Brésil. Mais que peut signifier un seul hémisphère? Je ne sais... à moins que M. Elias Robert n’ait voulu rappeler par cette base glissante l’instabilité des trônes. L’idée ne manquerait pas de malice, mais serait-elle goûtée au Portugal? (Chaumelin, 1868, p. 3)

Não foram encontrados rastos deste periódico nas bibliotecas portuguesas, ao menos naquelas que permitem consulta online dos acervos, mas sabemos que as notícias viajam por outros meios. Portugueses letrados vivendo em (ou viajando a) Paris e interessados nos eventos relacionados ao seu país teriam sabido desta publicação. Inclusive, podem ter fornecido a Chaumelin muitas das informações concernentes a Portugal que utiliza no texto. O comentário sobre uma “moitié de globe” terá repercussão, como veremos, e parece ter sido mais um elemento que alimentou o deleite dos detratores19.

Aliás, por isso é necessário voltar mais uma vez à Memoria de 1870, pelo fato de que ela absolutamente ignora o meio globo sobre o qual a estátua se apoia. Há uma descrição pormenorizada do monumento, que começa pela base, passa pela coluna, chega ao capitel, menciona o ábaco e salta para a estátua. E na estátua comenta já a figura de Pedro, mencionando a Carta, a espada embainhada e a coroa de louros, mas não a base, o meio globo (Memoria…, 1870, p. 24). Compare-se com a imagem da estátua (Figura 7) e será possível sustentar a suposição forte de que, sim, o reparo do francês havia chegado aos portugueses, lido ou ouvido (ou o reparo já nascera em Portugal, à época da exposição dos projetos, e viajara até França, alcançando os ouvidos de Chaumelin), e o apologista do monumento decidiu então ignorar aquele incômodo. Se assim for, vemos mais uma vez os murmúrios já interferindo na vida do monumento desde o seu parto.

Figura 7 Detalhe do Monumento, 2022.Fotografia do autor. 

A “geração de 70”

E influenciando autores portugueses. Veja-se o caso d’O primo Basílio, publicado oito anos após o auto de inauguração do monumento a Pedro: “O céu abafava, - e na noite escura, a coluna da estátua de D. Pedro tinha o tom baço e pálido de uma vela de estearina colossal e apagada” (Queiroz, 1878, p. 124).

Eça de Queiroz aproveitou-se aqui da mesma caracterização do monumento que havia feito anteriormente, em texto de outro gênero - que por sua vez, ecoa o “castiçal” e o “pavio” já aparecidos em A Nação. Em uma carta jocosa, característica do periódico em que foi publicada, dirige-se ao finado Pedro IV, suposto estar no “Elísio”, para comentar - e ridicularizar - a comemoração feita em Lisboa para rememorar a chegada a esta cidade das tropas do duque da Terceira, episódio da guerra entre Pedro e Miguel. Originalmente publicado em 1872, dois anos após a inauguração do monumento, o texto não poupa ironia:

Porque Vossa Majestade tem uma estátua! - e é mesmo para nós uma felicidade ter esta ocasião de dar a Vossa Majestade esta nova soberba, e as nossas felicitações. Há três anos [sic] que Vossa Majestade a tem. É no Rocio. No meio. As costas para o teatro de D. Maria. Vossa Majestade está no alto de uma coluna, esguia, polida e branca como uma vela de estearina, e mostra, equilibrando-se sobre uma bola de bronze, um papel, a Carta, - ao clube do Arco do Bandeira. É a quem Vossa Majestade a mostra. O clube do Arco do Bandeira pela sua atitude, modesta e digna, parece não dar por tal. Vossa Majestade está com a espada na bainha. Vossa Majestade passa à posteridade com um rolo de papel na mão, - como um tabelião, ou um vate. Nada que lembre o soldado. É uma estátua - doméstica (Queiroz, 1891, v. 2, p. 219)20.

Sem entrar nos pormenores da guerra entre Pedro e Miguel, que nos desviariam sobremaneira de nosso objeto, é importante notar que Eça estava interessado em ridicularizar as elites políticas que Pedro simbolizava. Necessitava ressaltar o trágico da luta fratricida para contrapô-lo aos fatos que assistia e narrou como comédia. A ridicularização que estende ao monumento do Rossio refere-se não a Pedro, mas ao monumento mesmo, metáfora do período constitucional inaugurado pelo “rei soldado” que, sugere Eça, aos poucos foi-se desgastando e traindo as promessas que o liberalismo havia feito - a vela apagada21.

Não é demais ressaltar que a menção à dificuldade da estátua para equilibrar-se sobre “uma bola de bronze” feita por Eça ecoa Marius Chaumelin, o articulista de La Presse, mencionado acima. Eça pode ter chegado a essa imagem por moto-próprio. Contudo, como aventado antes, a circulação de informações chegadas da França entre a elite intelectual do país indica uma provável conexão.

Por outro lado, Eça de Queiroz nos leva à famosa “Geração de 70”, em que encontramos também ambiente intelectual propício ao nosso boato. Ele e alguns dos intelectuais desta geração aparecem em famoso retrato batizado de “Um grupo célebre” (Figura 8), tomado depois que o grupo se firmou no ambiente cultural português em 1871, quando da organização das sempre rememoradas “Conferências do Casino”. Nelas, intelectuais como o próprio Eça, capitaneados por Antero de Quental, pretendiam apresentar um diagnóstico das mazelas do país - que o estavam levando à “decadência” -, e um conjunto de propostas para superação daquela situação.

Figura 8 Um grupo célebre, [1885?]. Biblioteca Nacional de Portugal. https://purl.pt/31109. 

A ambição por mudanças era grande, o que se vê pela amplitude dos títulos das conferências: “Do programa bastante amplo, como se sabe, apenas cinco foram proferidas: a de abertura; a de Antero, sobre as “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos”; a de Augusto Soromenho, sobre “A Literatura Portuguesa”, a de Eça, sobre “A Nova Literatura”; e a de Adolfo Coelho, sobre “O Ensino em Portugal” (Franchetti, 2007, p. 113).

Depois de cinco conferências, o governo proibiu-as, alegando que colocavam em risco a estabilidade de um Portugal monárquico e católico. De fato, pois seus membros estavam tentando exatamente descobrir e propor soluções para uma reorganização da sociedade portuguesa que passavam por simpatias socialistas - inspiradas em Proudhon -, e também por anticlericalismo, cientificismo e republicanismo. No dizer de Rui Ramos, eles, “Na época de agitação de 1868-1871, em Lisboa, tentaram importar as últimas modas intelectuais europeias: o “socialismo” de Proudhon, a Associação Internacional dos Trabalhadores, o “positivismo” de Auguste Comte, a erudição “científica” das universidades alemãs, e o estilo “naturalista” dos romancistas franceses” (Ramos, 2009, p. 543).

Veja-se os títulos das conferências não realizadas: Salomão Saragga, “Os historiadores críticos de Jesus”; Jaime Batalha Reis, “O socialismo”; Antero de Quental, “A república”; Augusto Fuschini, “A dedução positiva da ideia democrática” (Mónica, 2001).

É importante aqui atentar para a insatisfação gerada nos círculos médios da sociedade pela desaceleração econômica portuguesa que se seguiu à perda da colônia americana. Minguada a extração de impostos e de lucros comerciais, e despreparado para enfrentar os desafios que o desenvolvimento capitalista colocava, especialmente para a criação de um complexo industrial que fosse motor do desenvolvimento (Pereira, 2000; Lains, 2003) - como acontecia, por exemplo, na Inglaterra, na França, nos EUA e na Alemanha que se unificava -, o reino português viu estes círculos médios crescerem em indignação diante de oportunidades perdidas. Os intelectuais que formaram a chamada Geração de 70 em grande medida deram expressão a esta realidade (Ramos, 1992), como atesta o título da conferência proferida por Antero de Quental. Destilar esse desconforto criticando as elites patrimonialistas que controlavam o Estado era uma consequência óbvia. E encontrar um rei a ser homenageado, cuja memória se prendia com a inauguração do estado de coisas que criticavam, estimulou um olhar enviesado contra esta personagem.

Embora o elã propriamente revolucionário tenha amainado nessa “geração”, com muitos se acomodando “em empregos e posições no regime” (Ramos, 2009, p. 544), subsistiu o inconformismo, dependendo das particularidades de cada intelectual em questão. Ressalte-se, assim, a permanência da animosidade entre eles e a monarquia constitucional reinante.

Aliás, inimizades e quizílias, duradouras ou momentâneas, que envolveram membros da comissão encarregada do monumento e desafetos podem ter também desempenhado algum papel na evolução do boato. Miguel Ângelo Lupi, o secretário da comissão encarregada da ereção do monumento, viu-se alguns anos depois se altercando com Ramalho Ortigão, um dos intelectuais da “Geração de 70”, via imprensa, em torno da confrontação artística romantismo/naturalismo (Pamplona, 1948, pp. 151-165; França, 2007, p. 6). Sem querer atribuir a paternidade do boato a Ortigão, a ideia aqui é utilizar um exemplo à mão para mostrar que situações desse tipo existiram e também podem ter contribuído para que o boato prosperasse.

CONCLUSÃO

Embora não saibamos se esta foi a intenção do fotógrafo, a imagem realizada por Paulo Guedes no início do século XX (Figura 9) é uma boa metáfora das fraturas surgidas na memória construída e propagada pelos liberais acerca de Pedro IV. Todavia, ele acabou por não escorregar do “meio globo”. Permanece impávido, ainda a olhar de cima para o avô montado lá na Praça do Comércio.

Figura 9 Paulo Guedes, [Ant. 1919]. Arquivo Municipal de Lisboa, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG/000258. 

Muito da oposição que lhe foi feita no passado deveu-se ao papel que desempenhou no que muitos dos seus contemporâneos chamavam de perda da colônia americana. Uma perda que agravou o acinte para os partidários do irmão. Na perspectiva deles, “pôs a colônia americana a perder” e, não satisfeito, desde os Açores veio a pôr a perder o reino também, enfraquecendo-lhe o comando e entregando-o à sanha de aproveitadores e arrivistas. Esta é uma das narrativas - associada aos miguelistas -, aquela que deve ter colaborado muito para o sucesso inicial do boato.

A versão básica, de que a estátua foi fundida originalmente para representar Maximiliano, é contada hoje em dia em torno do monumento a turistas. Para adquirir feição plausível, desde o início teve de se haver com uma causa e com um modo, isto é, uma razão para se ter aproveitado uma estátua de Maximiliano como se fosse de Pedro e a maneira como isto teria sido feito. Daí os complementos que vem adquirindo ao longo de tempo, consolidando-se provisoriamente nas três versões disponíveis apresentadas ou se incrementando com novos floreios, como o do desaparecimento da estátua original.

Pela sua simplicidade, o boato parece ter tido grande alcance social. Contudo, mesmo levando-se em conta que Miguel - desde a tentativa de golpe de estado contra o pai, D. João IV, em 1824, até à guerra civil contra o irmão - empolgou boa parte da população portuguesa, havendo aí um grande campo para uma memória crítica a Pedro, a grande maioria dessas pessoas não estava a par dos fatos envolvidos. É, portanto, plausível imaginar que pessoas de círculo letrado, tendo acesso às notícias dos acontecimentos no México e de suas conexões com a França, sejam aquelas que perceberam a oportunidade para associá-las ao monumento.

A versão propalada pelo livro de José Cardoso Pires parece ser de sua própria lavra. Não encontramos pista anterior de que circulasse a suspeita de que o Elias Robert tivesse reaproveitado uma estátua de Maximiliano, que lhe tivesse sobrado às mãos pela morte do modelo, e a enviado a Lisboa. Atribuímo-la, assim, como indicado na introdução, ao gênio literário do escritor.

Por outro lado, a versão que afirma ter havido uma inadvertida troca de estátuas no porto, a de Maximiliano acabando no Rossio e a de Pedro atravessando o Atlântico, parece ter sido gestada não muito depois da inauguração do monumento. Aqui um grau de elaboração e o conhecimento dos fatos correntes eram necessários. Não se ignorou que tinha havido um concurso para escolha do projeto, concomitante à presença de Maximiliano no México. Portanto, não se negava o óbvio, isto é, que tinha havido uma exposição dos projetos, que o assunto fora discutido na imprensa e nos bares, quiçá nos lares, e se admitia, portanto, a encomenda aos franceses e a execução da estátua. Fabulava-se, contudo e primeiro, ao se imaginar que Maximiliano havia encomendado também uma estátua de si próprio e que o caminho dela até o México passava por Lisboa. Em segundo lugar, com as datas, embaralhando aquelas dos acontecimentos no México com as do processo de ereção do monumento. E concluía-se com o tópos da “troca”, obtendo-se o encanto adicional de sugerir que Fortuna tinha conspirado contra Fama - não apenas Portugal estava indo abaixo após a “doação da Carta”, como a memória do “dador” que se procurava construir apoiava-se num monumento com defeito de origem.

Vista desta perspectiva, ela se revela mais acorde com círculos intelectualizados que incluíam, em ordem de precedência, miguelistas ressentidos e saudosos do absolutismo, clérigos avessos às reformas religiosas implementadas pelos liberais, e intelectuais ansiosos por transformações sociais e econômicas no país. A intersecção destes círculos, neste caso, fazia-se em torno do objetivo de sabotar a memória de Pedro que os ditos liberais procuravam construir com a monumentalização da sua figura.

Não é destituído de significado simbólico o fato de estas versões do boato estarem ainda em circulação atualmente, continuando a perturbar a memória do “Rei Soldado” que a ereção do monumento pretendera perpetuar.

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Serra, M. (2018). El tiempo del liberalismo: 1833-1874. In J. Á. Junco, A. Shubert (Eds.). Nueva historia de la España contemporánea (1808-2018). Galaxia Gutemberg. [ Links ]

Shibutani, T. (1966). Improvised New: A sociological study of rumor. Bobbs-Merrill. [ Links ]

1 “Rumours certainly appear to belong to the world of messages entrusted to the ‘spoken’ word, and therefore by their very nature they resist being set down in any textual form” (Guastella, 2017, p. 104).

2Rocha Martins é o autor sempre citado quando se pretende refutar a veracidade do boato. Pelas datas de seus artigos, vê-se que, no período do Estado Novo (1933-1974), o boato estava muito vivo, o que se coaduna com a incompatibilidade entre este Estado autoritário e a imagem de um rei constitucionalista (ver Martins, F. J. R. (1939)). O monumento a D. Pedro IV e Maximiliano do México. Revista Municipal, (1), pp. 21-24; 48 e Martins, F. J. R. (1943, 17 jan.). A estátua do monumento do Rossio é a de D. Pedro IV ou de Maximiliano do México?. Jornal do Commercio, (5).

3Como os boatos são autorreferentes (Neubauer, 2013), e portanto bastante impermeáveis a demonstrações lógicas de sua falsidade, como é aqui o caso, é de se perguntar o quanto estas tentativas de refutação não acabaram realimentando a sua circulação.

4Itálico nosso.

5Leitura atenta do periódico A Nação - de orientação ultracatólica e miguelista e portanto crítico feroz de tudo o que dissesse respeito aos liberais -, cobrindo o período de 1867 a 1870, não revelou qualquer abordagem invalidando o monumento por tal tipo de “impostura”.

6A questão do nome daquele espaço urbano não é isenta também de disputas. Embora batizada de Praça Pedro IV pelos liberais vitoriosos em 1834, o antigo nome resistiu - e resiste - sendo sempre o mais utilizado (Câmara Municipal de Lisboa, 1990).

7Para uma contextualização mais abrangente da busca pela construção da memória liberal em Portugal através de monumentos públicos - e suas dificuldades de execução (Pinheiro, 2000).

8Embora esta Memoria tenha sido publicada sem que nela constasse o nome do autor, Freire (1931-1932, v. 2, p. 277) refere ter sido escrita pelo marquês.

9A grafia dos textos de época foi atualizada, exceto em títulos de obras. Itálico nosso.

10Diário de Notícias, 30 de abril de 1867, p. 2.

11Pecha que permaneceu pelo menos até aos tempos do Estado Novo, como se vê, por exemplo, neste trecho do verbete dedicado a Pedro no Lello Universal (s.d.) publicado nos anos 1950: “Em 1 de Dezembro seguinte [1822], foi coroado imperador [do Brasil]. Seguiu-se uma curta campanha (…), que terminou pela retirada das guarnições portuguesas para a metrópole, consumando assim a obra de traição à sua pátria”.

12Itálico nosso.

13Diário de Notícias, 17 de maio de 1867, p. 2.

14Diário de Notícias, 30 de maio de 1867, p. 1.

15Diário de Notícias, 4 de julho de 1867, p. 1.

16Diário de Notícias, 5 de junho de 1867, p. 1.

17À diferença da imagem característica das memórias brasileiras, em que Pedro é retratado com suíças, bigode e mosca, a iconografia do seu regresso a Portugal geralmente apela para a barba espessa (Herstal, 1972).

18Trata-se de Jean Marie Chaumelin (1833-1889). Crítico de arte, escritor e jornalista francês.

19Se alguma prova faz-se ainda necessária, o conteúdo deste texto - a descrição da estátua, a sua fundição, o contexto português - é o último prego no caixão da veracidade do boato em torno do monumento. Maximiliano já estava morto há ano e meio, afastando-se assim qualquer possibilidade de que a estátua fosse uma sua representação.

20Itálico nosso.

21Essa identificação entre Pedro e o insucesso liberal, que em Eça é ainda uma sugestão, mais tarde será central na avaliação de alguns republicanos, como Teófilo Braga e José de Arriaga, acerca de Pedro e da monarquia constitucional estabelecida em 1834 (Pina, 2003, p. 68).

22Este artigo se vale de parte das fontes utilizadas em livro mais abrangente do autor sobre o tema, publicado em 2023. Enquanto neste se relata o andamento da própria pesquisa realizada, com o suceder de descobertas, revisões teóricas, interpretações e reinterpretações de resultados, e becos sem saída, o presente texto foca as condições que podem ter propiciado o surgimento da discussão em torno do monumento lisboeta a Pedro IV.

Recebido: 26 de Junho de 2022; Aceito: 11 de Novembro de 2022

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