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Cadernos do Arquivo Municipal

versão On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.19 Lisboa jun. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.48751/cam-2023-19313 

Documenta

O Marco dos Navios (1769-1837): documentos do Arquivo Municipal de Lisboa

Marco dos Navios (1769-1837): documents from the Lisbon Municipal Archives

i Arquivo Municipal de Lisboa, Direção Municipal de Cultura, Câmara Municipal de Lisboa, 1070-017 Lisboa, Portugal. nuno.martins@cm-lisboa.pt


Ao longo da história, os portos marítimos têm sido de grande importância por uma variedade de razões, desempenhando um papel vital no transporte de mercadorias e pessoas, permitindo aos navios atracar num local seguro que dispusesse de infraestruturas para cargas e descargas, controlo de passageiros e trânsito de mercadorias.

Muitas cidades prosperaram em torno de um porto, potenciando o comércio com outras regiões e nações e desenvolvendo-se como centros de comércio. Na sua circunscrição cresceram instalações administrativas, armazéns, mercados e toda uma panóplia de empresas e negócios em torno das atividades marítimas, para necessidades subjacentes quer à manutenção das embarcações quer à sustentação de uma economia ligada ao funcionamento do porto e às gentes que nele laboravam. Na defesa de territórios, os portos são frequentemente críticos, constituindo locais estratégicos para bases navais, fortificações e outras estruturas militares. São ainda importantes espaços de trocas culturais, pois tripulantes e viajantes de diferentes naturalidades ali se concentravam, favorecendo o intercâmbio de ideias, ajudando a moldar o cosmopolitismo das cidades e regiões.

*

Nesta Documenta apresenta-se um conjunto de documentação produzida com objetivos fiscais para o controlo e cobrança do imposto do Marco dos Navios entre os séculos XVIII e XIX, correspondentes, grosso modo, à criação e extinção do Erário Régio (1761-1833)1. Distribuídos e classificados em quatro séries, pertencentes à secção Impostos do fundo Câmara Municipal de Lisboa, esta documentação está organizada em quase duas centenas de livros, com dados manuscritos relativos ao movimento de embarcações e mercadorias no porto de Lisboa entre 1769 e 1837.

1. Caracterização das séries e da documentação

. Série 0012, Entradas dos navios portugueses dos portos da América, Ásia e ilhas no porto de Lisboa, composta por 59 livros com registos entre 24 de janeiro de 1772 e 30 de dezembro de 1833;

. Série 0023, Movimento dos navios portugueses e estrangeiros no porto de Lisboa, é composta por 2 livros e registos entre 1 de janeiro de 1834 a 28 de maio de 1835;

. Série 0034, Entradas do Marco dos Navios, composta por 70 livros entre 23 de janeiro de 1769 a 31 de dezembro de 1835;

. Série 0045, Receita do Marco dos Navios, composta por 65 livros entre 2 de janeiro de 1769 e 30 de agosto de 1834.

A primeira série é constituída pelos registos produzidos na Mesa de Arrecadação dos Direitos do Marco dos Navios, relativos às entradas de navios portugueses provenientes de vários portos da América (designação dada a portos no Brasil), da Ásia (Índia e Macau) e ilhas Atlânticas, mas também África (Cabo Verde ou Guiné) e alguns portos europeus, estas últimas duas origens não contempladas na titulação. Para cada embarcação é possível extrair a data de entrada no porto, o nome do mestre e do navio, a origem, quantidade e tipos de mercadoria e, por fim, a data do despacho alfandegário e a tonelagem despachada.

A segunda série é constituída por informações relativas aos registos das entradas e saídas no porto de Lisboa de navios portugueses e estrangeiros, distribuídas sob a forma de tabela indicam: identificação da bandeira, nome do navio, data da entrada, número de dias de viagem, porto de proveniência, nome do capitão, carga transportada, destinatário da mercadoria, data de saída, destino e carga com que saiu de Lisboa.

Os livros da terceira série são constituídos pelos registos das entradas de embarcações portuguesas e estrangeiras no porto de Lisboa, nome, bandeira e identificação do tipo de navio, nome do mestre, porto de origem, listagem de mercadorias e respetivas quantidades, data do despacho alfandegário, tonelagem da carga e receita de imposto cobrado. A estes dados, surge muitas vezes aposto o destino do navio e que mercadoria se prevê transportar na torna-viagem, ou “com a carga que se lhes oferecer”.

Quanto à quarta série, é composta pelos registos com as contas dos direitos de cobrança do Marco dos Navios, para navios portugueses e estrangeiros, incluindo o nome de quem pagou o valor da taxa, a identificação do navio, e a indicação da página no livro de inscrições em que o registo correspondente foi inserido.

Genericamente, cada livro corresponde a um ano e possui uma página inicial com o termo de abertura e encerramento do livro. A formulação não é fixa e tem algumas variações de redação. O número total de folhas nem sempre é indicado. Geralmente, a data de encerramento é a mesma da abertura, o que é normal e indicativo da prática do oficial redigir ambos os termos aquando da abertura de cada livro. Quando um livro não tem folhas suficientes para a totalidade dos registos do ano em curso surge a indicação, pelo escrivão da mesa, de quantas folhas foram acrescentadas e qual a numeração das mesmas, seguido da data, nome e assinatura.

2. Informações e possíveis abordagens

Apesar de parcial ou pontualmente ter sido objeto de alguns estudos6, o conjunto documental permanece por explorar, sobretudo numa abordagem serial. Os parcos estudos existentes limitam-se à dimensão objetiva dos seus conteúdos no campo da fiscalidade. Contudo, a informação contida nestes livros ultrapassa esse âmbito, sendo possível coletar informação de múltiplas formas para depois utilizar no cotejo, na verificação e no complemento com outros dados de cariz fiscal ou económico, político, social ou cultural.

Com base nas tipologias da informação é possível realizar abordagens quantitativa e qualitativa. Em relação à abordagem quantitativa, tarefa enorme pelo volume da informação a extrair, poder-se-á realizar seriações de diversa ordem, com resultados organizados de diferentes formas e objeto de cruzamentos.

A mais imediata é o número de embarcações que deram entrada no porto de Lisboa, quanto à frequência por ano, mês e dia, podendo ser filtrado pela proveniência dos navios, continental, por nação ou até cidade, e pela bandeira da embarcação.

Outras possibilidades são: a compilação de receitas fiscais; a seriação da tonelagem de mercadorias por categorias; a identificação de mercadorias (matérias-primas, produtos alimentares transformados ou não, e bens transformados). Estas sugestões, entre outras, podem ser organizadas e filtradas na cronologia (ano, mês, dia), segundo a proveniência, ou pela bandeira do navio.

De ressalvar que os dados possíveis de coligir não estão isentos de problemas e apresentam várias lacunas ou incongruências dificultando a sua organização, embora, com as devidas cautelas e observações, não coloquem em causa a sua análise e organização.

No que respeita ao transporte de mercadorias por armadores portugueses, a verificação dos portos de origem permite estabelecer rotas de trânsito intercontinental e as escalas efetuadas em portos intermédios, a frequência de cada e as épocas do ano em que se realizavam. A sua verificação e o confronto com a lista de mercadorias à chegada a Lisboa permite ainda perceber se, no porto de escala, novas mercadorias foram embarcadas para o último segmento de viagem, o que, a não se verificar, indicia, eventualmente, que poderiam apenas ter sido descarregadas. O registo destas escalas era recenseado precisamente por motivos relacionados com as mercadorias transportadas, e não exclui outras paragens que os navios pudessem fazer por questões técnicas de operacionalidade e navegação.

Sem surpresa, o continente brasileiro surge como escala entre a Ásia e Lisboa. De Macau para Lisboa identificámos dois portos intermédios no Brasil, Pernambuco e Rio de Janeiro. Estas cidades são também portos de escala na viagem entre Bengala, no Índico oriental, e Lisboa. Para esta rota encontramos duas outras escalas antes de Lisboa. Uma ainda no Índico ocidental, nas ilhas Maurícias, eventual segundo porto de carregamento de mercadorias antes de prosseguir viagem. As ilhas Maurícias surgem também como porto intermédio em viagens de Goa para Lisboa. Ainda de Bengala, encontramos uma escala já no continente europeu, em Falmouth (Cornualha inglesa), que se explicará como uma paragem para descarregar mercadorias destinadas na origem ao mercado inglês. Note-se ainda um “navio português de Bengala [que] vai para a mesma parte com escala na Ilha da Madeira e em Rio de Janeiro”.

Além destas viagens intercontinentais servidas por armadores portugueses, a capital do reino era também escala de outras rotas de navios portugueses e, sobretudo, estrangeiros. Isto mesmo é possível de verificar e é surpreendente a diversidade de portos de origem, a bandeira do navio e o destino de embarcações que faziam escala em Lisboa.

Sendo o trânsito massivo elencámos, a título ilustrativo, um “navio dinamarquês do continente norte-americano e vai para Hamburgo”, um “navio inglês da Terra Nova e vai para Málaga”, um “navio inglês de Riga e vai para Londres”, um “navio dinamarquês de Setúbal e vai para Veneza”, um “navio inglês de Londres e vai para Gibraltar”, outro “navio inglês de Aveiro e vai para Malta”, um “navio norte-americano de Bordeaux e vai para Hamburgo”, outro “navio norte-americano de Estocolmo e vai para Norfolk”, ou um “navio sueco de Waterford e vai para Génova”. Entre os muitos casos de navios portugueses em trânsito encontramos um “de Baltimore e vai para a ilha da Madeira”, um “de San Petersburgo e vai para a ilha da Madeira”, ou um “de Waterford e vai para a mesma parte com escala em Figueira da Foz”.

Por último, temos a informação dos diversos tipos de embarcação - bergantim, galera, corveta, iate, chalupa, patacho, brigue, lancha, galeota, escuna, bombarda, falucho, cachamarim ou polaca.

3. Confronto de eventos: alguns apontamentos

Para além da seriação das informações acima elencadas, é possível confrontar esses dados, integrando-os com uma série de ocorrências ou eventos políticos ou sociais em Lisboa, Portugal ou Europa, que de algum modo possam ter tido impacto na alteração de padrões quer no número de entradas de navios em Lisboa, quer da sua proveniência, tipos de carga, e outros fatores.

A título exploratório, e apenas tentando vislumbrar a existência de ruturas ou variações significativas que de algum modo possam ser explicadas ou ter relação com alguns eventos, apresenta-se de seguida o confronto de alguns dados e breves reflexões para alguns acontecimentos mais significativos pelo impacto previsível, possível ou não verificado.

Dezembro de 1793: tropas inglesas desembarcam em Lisboa

Curiosamente, os livros correspondentes ao período de dezembro de 1793 não são coincidentes, embora ambos exponham largos períodos sem registos. Não sabemos se estas lacunas estão direta ou indiretamente relacionadas com a entrada de tropas inglesas em Lisboa e, por isso, não é possível assegurar que não tenha havido entradas não registadas, que não houve efetivamente entradas, ou se as mesmas foram efetuadas noutros suportes ou em diferentes dias de despacho. Da série 001, para todo o mês apenas surgem registos de navios nos dias 19 (dois do Rio de Janeiro e um do Maranhão), 20 (um da Bahia) e 22 (um do Rio de Janeiro)7. Em dezembro não há mais registos e, em 1794, o primeiro surge em 19 de fevereiro. Contudo, na série 003, em dezembro, há registos no dia 2 (um navio sueco), dia 4 (doze ingleses procedentes de Inglaterra, um americano vindo de Amsterdam e um sueco proveniente de Génova), dia 6 (quatro navios de Setúbal, outro da ilha da Madeira e um da ilha de São Miguel, cinco ingleses, dos quais dois vindos da Terra Nova com carregamentos de bacalhau, três suecos, outros tantos dinamarqueses e um veneziano), dia 9 (cinco), dia 11 (nove navios, sendo oito ingleses), dia 16 (sete navios, sendo seis ingleses), dia 18 (três), dia 20 (seis), dia 23 (dez), e dia 30 (onze navios, sendo oito ingleses)8. De assinalar o elevado número de navios ingleses que aportaram em dezembro daquele ano que, de um total de 84 registados, 39 possuíam bandeira inglesa, o que não será alheio aos acontecimentos que se desenrolavam em Lisboa no final de 1793.

27 a 29 de novembro de 1807: saída para o Brasil da família real portuguesa

Na série 003, os últimos registos de 1807 são de dia 25 de novembro, com seis navios americanos provenientes de diversos portos (Setúbal, ilha da Madeira, Dover, Dublin, Copenhaga e ilhas Guadalupe), ficando a impressão subjetiva da última página nunca ter sido devidamente encerrada9.

A 30 de novembro do mesmo, sob comando do general Junot, o exército francês entrou em Lisboa onde permaneceu até 4 de dezembro. Mesmo com a perturbação política e social gerada que deverá ter tido algum impacto no normal funcionamento do porto, e com as cautelas dos navios de bandeira estrangeira na aportação a Lisboa, devido a constrangimentos pelos alinhamentos políticos, não será plausível que durante todo o mês de dezembro de 1807 não tenham havido entradas de embarcações. Recorremos à já hipotética razão de que estes livros eram alimentados por registos prévios, e que em tempos de disrupção ou perturbação do funcionamento das instituições, por razões variadas os registos originais não chegaram a ser vertidos para os livros finais da alfândega. Uma observação à caligrafia e ao aprumo dos documentos corrobora esta tese, pois o tipo de letra, a cursividade da mesma, e a “limpeza” das páginas apontam para que as entradas eram inscritas faseadamente, em dias de despacho e em róis de algum volume. As mudanças de estilo e características da escrita apenas são visíveis após longos períodos de semanas ou meses.

15 e 16 de setembro de 1820: movimento revolucionário Liberal em Lisboa

Na sequência do levantamento na cidade do Porto e da constituição da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino a 24 de agosto, Lisboa aderiu ao movimento revolucionário. Consultado o livro deste ano pertencente à série 003, verifica-se que a partir de dia 11 houve um decréscimo de embarcações registadas, confirmando-se no dia 13, duas embarcações (uma sueca proveniente de Nápoles e outra inglesa da Terra Nova com bacalhau), no dia 14 apenas um navio sueco vindo de Estocolmo com madeira e ferro, no dia 16 um outro navio inglês também proveniente da Terra Nova com bacalhau e para carregar sal para a proveniência, e dia 18 foram registados oito navios. Nos dias 15 e 17 não há registos lançados10. Se o decréscimo abrupto corresponderá a uma real inibição de entradas de navios de mercadorias em Lisboa, é uma hipótese plausível mas que carece de outras informações para a sua admissibilidade. Na série 001, o livro de 1820 tem muito pouco registos (inexistentes entre 28 de maio e 18 de outubro), pelo que pouco contribui para a consolidação da hipótese anterior.

1 de outubro de 1820: entrada da Junta Liberal em Lisboa

Consultando novamente a série 003, verifica-se um progressivo decréscimo no registo de entradas alguns dias antes de 1 de outubro. A circulação de notícias, a instabilidade governativa, a imprevisibilidade do rumo dos acontecimentos, ou a suspensão temporária voluntária ou coagida, podem ser explicações para a redução da entrada de navios no porto de Lisboa. Ainda assim, dia 28 de setembro registou-se a entrada de quinze navios de diferentes proveniências, número que baixa para cinco na véspera. Dia 1 não se encontra lançada nenhuma entrada. Dias 2 e 3, apenas três (provenientes de Setúbal, Sines e Cádiz) e cinco navios (três de Setúbal, um de Porto Covo e outro de São Martinho do Porto), todos de bandeira portuguesa. Dia 4 volta a não haver registos. Nos dias seguintes, tudo indica que a atividade voltou a normalizar-se, tendo sido registados no dia 5, sete navios, e dezoito no dia 6, com proveniências do extremo asiático, de portos nacionais continentais, das ilhas, um navio sueco vindo de Barth, Prússia, com trigo, dois navios prussianos, um dinamarquês e três ingleses, todos com bacalhau e para carregar sal e vinho11.

4. Mercadorias, unidades de aferição e portos de origem

Verificar as mercadorias vindas a Lisboa nos registos de cada embarcação, permite conhecer as tipologias que eram mais frequentes por continente ou por porto de origem. Sem surpresa, alguns produtos e materiais são frequentes nos registos de embarcações com as mesmas origens, e é possível encontrar alguns produtos ou materiais menos comuns, ou até inusitados, dada a sua proveniência. Outro elemento que se pode extrair, são as unidades de aferição das quantidades recenseadas que, quando indicadas, permitem conhecer o padrão de medida utilizado ou, mais interessante, a forma como essas mercadorias eram transportadas ou que recipientes eram utilizados. Encontramos caixas e caixotes, balsas, barris, fardos, rolos, sacas, volumes, alqueides ou pipas. Outras mercadorias encontram-se quantificadas pela forma como foram tratadas à priori do embarque. É o caso das madeiras elencadas como toros, paus, taboado e outras designações. Sem a pretensão de ser exaustivo, vejamos então uma descrição de mercadorias por geografia e portos de origem.

Mercadorias do continente sul-americano:

Do Brasil predominam o açúcar (em caixas), algodão e cacau (em sacas), mel (em barris), madeiras (quintais e toros de pau, quintais de pau violeta e pau brazil, toros de jacarandá, taboado ou pau de construção), couros e água ardente (em pipas). Mas encontramos muito outros artigos, com maior ou menor recorrência, tais como: chumbo, carvão, fechos, moios de sola, atanados (para tingir couro), barris de seco e molhado, sacas de café, cravo fino e grosso, sacas de arroz, pontas de marfim, barreiros de salsa, pranchas, achas de lenha, varais, aduelas, cocos, pipas de azeite de baleia, fardos de barba, sacas de gengibre, coussoeiras, rolos e fardos de tabaco, quintais de urzela, ancoretas, jetica seca (bata-doce), carrapatos, arroz graúdo, sacas de búzio, couro salgado, milheiros de coquilho, varas de parreira, cabos de nora, barris de ipecacuanha (planta para fins medicinais), volumes de goma, alqueides de farinha (em sacos ou alqueires, uma cesta ou recetáculo com uma medida padrão diferente consoante regiões e épocas), peças de loiça, cunhetes (pequena caixa de madeira) e caixas de doce, “embrulhos” vários, algumas “encomendas” e “miudezas”.

As madeiras podem ser identificadas genericamente como “pau” ou “pau de construção” (identificação em propósito da sua especificidade de utilização), e podem vir em quintais, toros ou taboado, o que indicia um tratamento pós abate. Outras vezes, especifica-se a qualidade da madeira e identifica-se o seu tipo: jacarandá, pau violeta ou pau-brasil.

Portos de origem sul-americana:

Todos, sem surpresa, no Brasil, encontramos as cidades de Pernambuco, Rio de Janeiro, Pará, Maranhão, Paraíba, Baía ou Santos.

Mercadorias do continente norte-americano:

Dos EUA encontramos, sobretudo, o bacalhau, mas também arroz, azeite, farinhas, milho ou aduela.

Portos de origem norte-americana:

Nos Estados Unidos, as cidades de Carolina, Filadélfia, Nova York, Havre de Grace, Boston, Fredericksburg, Richmond, Norfolk, Charleston, Providence, Savannah, Alexandria, Salem (bacalhau). Há também registos de embarcações provenientes da Terra Nova (bacalhau), atual Canadá e à época domínio do império inglês. Da zona do mar das Caraíbas, encontramos embarcações provenientes de Havana, império espanhol, atual Cuba.

Mercadorias do continente europeu:

As mais comuns dos portos ingleses: ferro, chumbo, carvão, peças de enxárcia, barris de munição, amarras, viradores. De Hamburgo: fardos de várias fazendas, garrafões, frascos, garrafas, aduelas. Da Holanda, queijos, manteiga, cevada e “mercadorias”. Da Noruega, domina o bacalhau, da Dinamarca e Suécia, o trigo, e da Letónia, a madeira.

Portos de origem europeia:

A identificação dos portos de origem encontra-se indicada, na maior parte, pelo nome da cidade portuária, embora por vezes, apenas seja mencionado a nação de origem. Os portos recenseados expõem a amplitude do trânsito marítimo continental, aportando em Lisboa navios de origens tão diversificadas como Londres, Liverpool, Plymouth, Newcastle, Hull, Halifax, Gloucester, Dartmouth, Greenock, Falmouth, Sunderland ou Bristol (Inglaterra), Bilbao, Barcelona, San Sebastian, Vigo, Ribadeo, Cádis, Cartagena, Alicante, Almeria (Espanha), Bordeaux, Audierne, Marselha, Havre, Lyon, Nantes, La Rochelle ou Dunkirk (França), Antuérpia (Bélgica), Dublin, Dingle, Waterford, Limerick ou Cork (Irlanda), Amsterdam, Vlaardingen, Antuérpia (atual Bélgica) (Países Baixos), Barletta, Palermo ou Génova (Itália), Hamburgo ou Danzig (sacro-império romano-germânico), Lubeck (Prússia), Riga e Libau (atual Letónia) e São Petersburgo (Rússia), Estocolmo (Suécia), Greipscoald (Dinamarca) ou Christiansand (Noruega). Gibraltar, a Sardenha e o império Otomano figuram também como locais de origem de embarcações.

Portos de origem em Portugal continental:

Setúbal, Porto, São Martinho, Alcácer, Algarve, Peniche, Caminha, Figueira da Foz, Ericeira, Vila do Conde, Porto Covo.

Mercadorias das ilhas atlânticas:

Da Madeira predominam os vinhos e as leguminosas como o feijão, fava, batata, milho, mas também madeiras, como a nogueira (paus de) ou o cedro (tábuas). Outros artigos e produtos que encontramos são: pipas de malvazia (uma casta de uvas brancas usadas no fabrico de vários vinhos licorosos de sabor intenso, doce e graduado), quartos de vinho doce, batata, junça (em sacas), sebo (em barris), trigo e peles de viado. Da ilha do Faial: toucinho, milho ou feijão. No Atlântico Sul, ilha de Santa Helena, num registo de 1814 foram assentes fardos de fazendas, lonas, caixas de chá, anis, arroz, pimenta, amarras de couro e fio de vela12.

Portos de origem atlântica:

Do arquipélago dos Açores, a origem é designada pelo nome das ilhas sendo São Miguel, Santa Maria, Terceira (Angra do Heroísmo), Faial, Graciosa e, a mais ocidental, Flores. Outras origens incluem a Madeira e as Canárias, e ainda, Santa Helena, no hemisfério sul.

Mercadorias do continente africano:

De Cabo Verde predominam as sacas de urzela (líquen usado na tinturaria), de enxofre, e de cana rosa (uma variedade de cana do açúcar), mas também “miudezas” de marfim. De Angola: gamelas (uma espécie de vasilha de madeira) com cera, pipas de goma, café, missangas, farinha, caixas e barricas de dentes de cavalo-marinho (designação dada na época ao hipopótamo) ou couros.

Portos de origem africana:

Genericamente identificados como Cabo Verde, Guiné ou Angola. Há também registo de embarcações vindas da Barbária (designação da costa mediterrânica de África) com trigo.

Mercadorias do continente asiático:

Importa distinguir as proveniências específicas, dada a extensão geográfica, bem como as geografias do Índico ocidental, baía de Bengala e extremo asiático, com entrepostos e parceiros comerciais distintos o que se reflete na tipologia de produtos e bens transacionados.

Da costa ocidental da Índia (de Goa e das ilhas Maurícias) predominam os tecidos (em volumes, fardos ou trouxas), e encontram-se também recenseadas “drogas”, pimenta (em sacas), incenso, canela, café, arroz, calumba (planta medicinal), loiça, pontas de marfim sortido ou rotim (uma fibra extraída de uma espécie da família das palmeiras, utilizada para o fabrico de móveis, cestas, bengalas, guarda-chuvas ou outros objetos). Do golfo de Bengala, encontram-se quase exclusivamente, e em quantidades colossais, volumes de fazendas, o que não exclui a possibilidade de haver outros produtos ou materiais. Já de Macau, os produtos e artigos são diferenciados, e embora não haja uma predominância explícita, os mais frequentes são o chá (em caixas), loiça (em balsas e caixas), canela, cobre branco, peças de seda, charão (verniz de laca), raízes, molhos de cetim e benjoim.

Portos de origem asiática

Macau, Goa e baía de Bengala (Índia), e ilhas Maurícias no Índico ocidental a este de Madagáscar.

Entradas dos navios portugueses dos portos da América, Ásia e ilhas no porto de Lisboa

Figura 1 Registo do navio Santa Rosa, proveniente de Baía, Brasil, com o mestre Manuel Gomes da Silva, que deu entrada em 17 de outubro de 1774. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/001, f. 101v 

Figura 2 Registo do navio Santíssimo Sacramento, proveniente de Goa, Índia, com o mestre António Moreira, que deu entrada em 19 de julho de 1786. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/012, f. 32 

Figura 3 Registo do bergantim União, proveniente de Pernambuco, Brasil, com o mestre Coutinho Lopes Palmeiro, que deu entrada em 4 de outubro de 1817. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/042, f. 89 

Figura 4 Registo do navio São Luís e Santa Maria Madalena, proveniente de Macau, com o mestre Vitorino Correia, que deu entrada em 31 de agosto de 1787. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/013, f. 47 

Figura 5 Folha de abertura do livro de registo de navios portugueses para o ano de 1800, na Mesa do Marco dos Navios. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/026, f. 1 

Figura 6 Folha de encerramento do livro de registo de navios portugueses para o ano de 1800, na Mesa do Marco dos Navios. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/026, f. 100v 

Movimento dos navios portugueses e estrangeiros no porto de Lisboa

Figura 7 Folha com o registo da entrada de navios para os dias 3 e 5 de março de 1834 (incompleto). AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 10v 

Figura 8 Folha com o registo da entrada de navios para os dias 17 e 18 de abril de 1834 (incompleto). AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 25v 

Figura 9 Folha com o registo da entrada de navios para os dias 30 de junho a 2 de julho de 1834 (incompleto). AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 41v 

Figura 10 Folha com o registo da entrada de navios para os dias 3 a 5 de agosto de 1834 (incompleto). AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 46v 

Entradas do Marco dos Navios

Figura 11 Folha de entrada para o livro de registos do ano 1783. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/015, fl. 1 

Figura 12 Registos (parcial) de 3 de fevereiro de 1769. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/001, fl. 4v 

Figura 13 Registos (parciais) de 27 e 28 de agosto de 1783. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/015, fl. 50 

Figura 14 Registos (parcial) de 29 de agosto de 1798. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/030, fl. 40 

Figura 15 Folha de encerramento do livro de registos do ano de 1811. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/044, fl. 44v 

Figura 16 Registos (parciais) de 12 e 17 de maio de 1815. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/048, fl. 40v 

Figura 17 Registos de 10, 13, 16, 17 e 18 de janeiro de 1834. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/068, fl. 2v 

Receita do Marco dos Navios

Figura 18 Receitas do Marco dos Navios nos dias 27 (parcial), 29 e 31 de janeiro de 1772. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/001, f. 4v 

Figura 19 Receitas do Marco dos Navios no dia 20 de agosto de 1800 (parcial). AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/029, f. 24v 

Figura 20 Folha de rosto do livro de receitas do Marco dos Navios para o ano de 1812. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/041, f. 1 

Figura 21 Receitas do Marco dos Navios nos dias 8 e 9 de janeiro de 1823 (parcial). AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/052, f. 1v 

Figura 22 Receitas do Marco dos Navios nos dias 23, 25 e 26 de agosto de 1834. AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/065, f. 50 

Índice de imagens

Figura 1 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/001, f. 101v.

Figura 2 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/012, f. 32.

Figura 3 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/042, f. 89.

Figura 4 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/013, f. 47.

Figura 5 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/026, f. 1.

Figura 6 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/026, f. 100v.

Figura 7 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 10v .

Figura 8 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 25v.

Figura 9 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 41v.

Figura 10 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002/01, f. 46v.

Figura 11 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/015, fl. 1.

Figura 12 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/001, fl. 4v.

Figura 13 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/015, fl. 50.

Figura 14 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/030, fl. 40.

Figura 15 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/044, fl. 44v.

Figura 16 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/048, fl. 40v.

Figura 17 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/068, fl. 2v.

Figura 18 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/001, f. 4v.

Figura 19 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/029, f. 24v.

Figura 20 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/041, f. 1.

Figura 21 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/052, f. 1v.

Figura 22 - AML, PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004/065, f. 50.

Referências Bibliográficas

Dominguez, R. da C. (2019). O Marco dos Navios e o seu contributo para o comércio e o sistema fiscal durante o Erário Régio (1761-1833): abordagens e desenvolvimentos. ComTextos, 2(4), 1-19. [ Links ]

1Da autoria do Marquês de Pombal, e também designado por Fazenda Real ou Tesouro Real, foi criado por alvará de 22 de dezembro de 1761, de D. José I, para centralizar a gestão da administração fiscal do reino de Portugal.

2PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001.

3PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/002.

4PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003.

5PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/004.

6De que é exemplo mais recente a publicação de Dominguez (2019).

7PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/001/019, p. 88-91.

8PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/025, p. 50-55.

9PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/039, p. 93v-94.

10PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/053, p. 65v-67.

11PT/AMLSB/CMLSBAH/IMPS/003/053, p. 71V-75.

12Muito provavelmente com origem anterior. Como apontamento de curiosidade, Napoleão foi exilado na ilha de Santa Helena de 1815 a 1821.

Recebido: 31 de Março de 2023; Aceito: 02 de Junho de 2023

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