SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.ser2 issue19Araújo, A. C. (2022). Resistência patriótica e Revolução Liberal (1808-1820). Imprensa da Universidade de Coimbra.Días, M. (Coord). (2021). Monarquías ibéricas, poderes y territorios, instituciones, nobleza y dinámica política (siglo XVIII). Silex. author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Cadernos do Arquivo Municipal

On-line version ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.19 Lisboa June 2023  Epub July 30, 2023

https://doi.org/10.48751/cam-2023-19314 

Recensão

Stumpf, R., & Monteiro, N. G. (Coords.). (2022). 1822 - Das Américas Portuguesas ao Brasil. Casa das Letras.

Aurora Almada e Santosi 
http://orcid.org/0000-0002-5753-7015

iIN2PAST, Instituto de História Contemporânea, Universidade Nova de Lisboa, 1099-085 Lisboa, Portugal. aurorasantos@fcsh.unl.pt


O segundo centenário da independência do Brasil foi assinalado com inúmeras iniciativas, às quais o mundo académico não foi alheio. Roberta Stumpf e Nuno Gonçalo Monteiro reuniram em livro as contribuições de oito investigadores, que abordam o processo que conduziu ao fim do domínio português sobre o Brasil segundo perspetivas política, económica, artística e social. No livro 1822 - Das Américas Portuguesas ao Brasil, os coordenadores afirmam que os autores selecionados propõem “olhares renovados sobre múltiplos temas, alguns pouco conhecidos, outros já muito bem estudados” (p. 13).

Embora seja indicado na introdução que a separação entre Portugal e o Brasil se inseria num grande ciclo de história global, os oito capítulos do livro adotam uma cronologia mais próxima do acontecimento, tomando como ponto de partida a ida da família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1807. Esta opção é evidente logo no início da publicação quando Roberta Stumpf se centra na instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro, nas alterações que o acontecimento introduziu na sociedade brasileira e na reconfiguração administrativa, entretanto verificada no Brasil, que, em 1815, deixou de ser uma colónia para integrar um reino unido, juntamente com Portugal e Algarves. Ao detalhar o sistema colonial que durante séculos protegeu os interesses mercantis portugueses, o capítulo de Jorge M. Pedreira aborda a primeira medida do príncipe regente D. João ao chegar à Bahia, permitindo a abertura dos portos brasileiros ao comércio com potências estrangeiras, o que conduziu a que, ainda antes da independência do Brasil, tivesse ocorrido uma progressiva desintegração das relações comerciais com Portugal.

Com a análise das repercussões no Brasil do movimento revolucionário iniciado no Porto em agosto de 1820, Andréa Slemian explora como o projeto de independência, que inicialmente não reunia o consenso, acabou por unificar os diferentes territórios brasileiros e se impor devido a divergências com medidas adotadas pelas Cortes Constituintes que não possibilitavam a autonomia na gestão dos assuntos locais e nem reconheciam a igualdade política sob um regime de monarquia constitucional centrado em Lisboa. Abarcando sensivelmente o mesmo período de três anos que se seguiu à revolução de 1820 em Portugal, Isabel Lustosa descreve o papel da imprensa periódica brasileira - que teve um grande crescimento com a presença da corte no Rio de Janeiro - na difusão do discurso de defesa do projeto independentista.

Aproximadamente a meio do livro, Isabel Corrêa da Silva reflete sobre o comportamento da Casa de Bragança na revolução em Portugal e na independência do Brasil, indicando que conseguiu estreitar laços com as grandes casas reinantes europeias, sobreviver como dinastia real numa América quase totalmente republicana e reinventar-se como uma monarquia liberal em dois continentes. No capítulo de Alain El Youssef encontramos as transformações que afetaram o tráfico transatlântico de africanos e a escravatura no Brasil no momento da independência, com o autor a indicar a existência de duas fases: uma entre 1808 e 1820 que obedeceu a lógicas do Antigo Regime tardio, e outra, de 1820 a 1831, em que prevaleceram conceitos introduzidos pelo Liberalismo e pelo Constitucionalismo, conduzindo à expansão do comércio de escravos na primeira metade do século XIX.

Ao referir que a produção artística entre o fim do Antigo Regime e o começo do Liberalismo não deixou pinturas de história de grandes dimensões e esculturas monumentais, Miguel Figueira de Faria detalha como a imagem real foi retratada em obras sobre a partida da corte para o Brasil, a chegada ao Rio de Janeiro, a ausência da família real do reino, a receção de D. Leopoldina de Áustria, a aclamação de D. João VI, o regresso da rainha Carlota Joaquina a Portugal e a aclamação de D. Pedro como imperador. Numa perspetiva mais social, no último capítulo Nuno Gonçalo Monteiro traça as trajetórias de indivíduos pertencentes aos patamares mais elevados da sociedade brasileira, ressaltando como viveram o processo de independência, que conduziu ao surgimento da diferenciação entre aqueles que no Brasil passaram a ser considerados portugueses e os que foram identificados a partir de então como brasileiros.

No seu conjunto, os capítulos que compõem o livro apresentam-nos uma dimensão que podemos qualificar como “local” da independência brasileira, uma vez que se centram quase exclusivamente em acontecimentos no Brasil e em Portugal. Pouco ou nada é referido relativamente às repercussões da independência brasileira em outras partes da monarquia portuguesa, como eram os casos de Angola e de Cabo Verde. De igual modo, a vertente regional também não foi objeto de consideração, por estarem ausentes tentativas de comparação entre o processo independentista brasileiro e os desenvolvimentos ocorridos em outros territórios do continente americano. A mesma afirmação poderá ser feita quanto à dimensão internacional, pois, além de algumas referências à Grã-Bretanha, França ou Áustria, a forma como a independência brasileira foi entendida por outros países não foi equacionada ao longo da obra.

1822 - Das Américas Portuguesas ao Brasil apresenta a independência brasileira como tendo decorrido num período de grandes transformações e de aceleração das mudanças, mas fazem-se muito poucas incursões no período que se sucedeu. Praticamente somente Jorge M. Pedreira e Alain El Youssef vão além do ano de 1822, estendendo a análise ao início da década de 1830, ao abordarem as tentativas portuguesas para conseguir um regime especial para o comércio com o Brasil e a refundação da escravatura nos primeiros tempos de independência. Em consequência, o livro não permite compreender se - e de que forma - as transformações e a aceleração das mudanças continuaram após a separação entre Portugal e o Brasil.

De referir ainda que a publicação se centra principalmente nas elites, quer se trate da Casa de Bragança, de membros da nobreza, magistrados, jornalistas, militares ou eclesiásticos. As informações sobre como as classes populares participaram no processo de independência do Brasil são quase inexistentes, com a exceção da referência a alguns cativos que solicitaram a libertação à Assembleia Nacional Constituinte ou uma breve passagem quanto aos escravos que lutaram pela independência. A introdução de mais dados, ou mesmo de um capítulo, sobre o envolvimento das camadas populares da sociedade brasileira na independência (incluindo as mulheres) teria enriquecido a obra, demonstrando a pluralidade de intervenientes no processo.

Apesar de o livro pouco referir sobre os projetos alternativos à independência ou os conflitos que afetaram o Brasil no momento da separação, a sua leitura não deixa de enriquecer os nossos conhecimentos sobre o surgimento do novo reino. Fornece um ponto de partida para futuros estudos e sobretudo para que se façam análises comparativas abarcando outros territórios americanos e outros países que, na época, desempenhavam um papel relevante na política internacional.

Referência bibliográfica

Stumpf, R., & Monteiro, N. G. (Coords.). (2022). 1822 - Das Américas Portuguesas ao Brasil. Casa das Letras. [ Links ]

Recebido: 01 de Junho de 2023; Aceito: 02 de Junho de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons