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Cadernos do Arquivo Municipal

versión On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.20 Lisboa dic. 2023  Epub 30-Oct-2023

https://doi.org/10.48751/cam-2023-20325 

Dossier

Regulação do ofício de livreiro: vindicar, certificar e fiscalizar (1732-1770)

Regulating the bookbinders’ and the booksellers’ trade: vindication, certification and supervision (1732-1770)

1 Câmara Municipal de Lisboa, 1070-017 Lisboa,Portugal. adelaide.brochado@cm-lisboa.pt


Resumo

Com base na documentação conservada no Arquivo Municipal de Lisboa, analisa-se, para o período compreendido entre 1732 e 1770, a forma como a produção normativa moldou e estruturou a atividade dos oficiais do ofício de livreiro, com enfoque nas práticas de vindicar, certificar e fiscalizar, geradas por quem detinha a tutela ou era tutelado pelo dispositivo de teor regulamentar sustentado pelo aparelho administrativo camarário.

Palavras-chave: Ofício de livreiro; Regulamentação; Vindicação; Certificação; Fiscalização

Abstract

Based on the documentation preserved in the Lisbon Municipal Archive, we analyse, for the period between 1732 and 1770, the way in which the normative production shaped and structured the activity of the officials in the bookbinders’ and the booksellers’ trade, focusing on the practices of vindication, certification and supervision generated by those who had the tutelage or were tutored by the regulatory device supported by the municipal administrative structure.

Keywords: Bookbinders’ and booksellers’ trade; Regulation; Vindication; Certification; Supervision

Introdução

Em 1572, o Livro dos Regimentos dos officiaes mecanicos da mui excelente e sempre leal cidade de Lixboa reformados per ordenação do Illustrissimo Senado della pelo Licenciado Duarte Nunes de Liam1 materializava a reforma empreendida pelos poderes central e local em torno da regulação dos ofícios mecânicos, categoria da qual os livreiros faziam parte integrante2.

A coletânea de regulamentos, mandada redigir pelo Senado da Câmara de Lisboa ao desembargador Duarte Nunes Leão, coligia um conjunto de diplomas que estruturavam as atividades profissionais por ele abrangidas, mediante a consignação de linhas orientadoras para o exercício dos ofícios e a definição de um quadro de atores que, com papel de reguladores ou de regulados, passavam a deter um conjunto de competências legitimadas para intervir em matérias respeitantes ao trato a que estavam adstritos.

Para as práticas inerentes à “edição, encadernação e venda de livros e outros suportes impressos” (Fonseca, 2019, p. 13), as disposições regulamentares inclusas no regimento dado aos livreiros abrangiam ainda cominações fixadas, tanto para os que passavam a deter a responsabilidade de tutelar, como para os tutelados, e previam, no essencial, os mecanismos a acionar em situações de violabilidade do estatuído.

Nesta configuração os normativos promulgados “que regiam os trabalhos artesanais em Portugal desde a Idade Média” eram assumidos como uma compilação de leis consuetudinárias (Brandão, 2016, p. 10) e suportadas por um aparelho administrativo periférico que era, do ponto de vista jurisdicional, acometido para a “pluralidade, autonomia e autorregulação” (Subtil, 2023, pp.41-42).

Não obstante a intervenção da Coroa que detinha a potestas para legislar, a Câmara de Lisboa usufruía de autonomia, mercê de “um estatuto jurídico-administrativo especial” (Hespanha, 1984, p. 362)3 o que, no tocante ao governo económico da cidade, lhe consignava uma atuação autodeterminada, exceto em situações de contradição com a ordenação geral ou em casos de dúvida exarada em deliberações da Mesa do Despacho do Senado4.

As situações com pronunciação in dubio ocasionavam processos consultivos que requeriam despacho régio para que pudessem ter retorno aplicativo. É com enfoque nesses processos, registados no expediente da Chancelaria da Cidade, que analisamos a regulação do ofício de livreiro, uma vez que o fluxo continuado e cumulativo com que foram gerados, evidenciou, no tocante à matéria e à forma da dinâmica processual, uma prática reiterada de vindicar a reestruturação do diploma regulador de 1572.

Delimitámos temporalmente as práticas de reivindicação de reforço normativo espelhadas nas petições, requerimentos e representações dos juízes do ofício de livreiro5, entre dois momentos impactantes para a alteração do sustentáculo regulamentar, quer por meio da confirmação do dispositivo, quer por aditamento de disposições. A primeira ocorrência, em 1732, coincidente com a entrada em vigor de um novo regimento que consistia numa versão revista e aditada do regulamento inicial6 e a segunda, em 1770, convergente com a redação, pelo Senado da Câmara de Lisboa, do Regimento da Bandeira de São Miguel7 que, junto com a Carta de Lei de 23 de novembro de 1770, “promulgada com o objetivo específico e incisivo de regulamentar o provimento e a serventia dos ofícios” (Subtil, 1993, p. 188), viria a trazer contornos diferenciados para a configuração de cargos e de ofícios.

O período compreendido entre 1732 e 1770 não pode ser perspetivado como disruptivo, mas como uma linha de continuidade face ao tempo que o antecede, que é gradativa e na qual todos os momentos de produção regulamentar concorreram para a consolidação da passagem de um dispositivo de traços arcaicos para um dispositivo de pendor mais profissionalizante.

Nesse contexto, subsidiamos a nossa abordagem em fontes conservadas no Arquivo Municipal de Lisboa que precederam, no imediato, a data inicial estimada para análise, mas que consideramos essenciais para a compreensão do objeto, do âmbito de aplicação e dos fundamentos das práticas empreendidas no espetro cronológico que fixámos.

Conduzimo-nos, da mesma forma, para as práticas de certificação e de fiscalização do ofício de livreiro, alicerçadas por um processo normativo não estanque, na medida em que vai evoluindo fruto de vazios jurídicos detetados ou decorrente de contestações do incumprimento do enforme vigente.

Práticas de vindicar

A documentação, produzida e acumulada no âmbito das competências da Câmara de Lisboa, reúne um número significativo de representações de teor reivindicativo submetidas pelos juízes do ofício de livreiro que requeriam a revisão do quadro normativo que regulava o exercício da atividade de “edição, encadernação e venda de livros e outros suportes impressos” (Fonseca, 2019, p. 13)8.

A este respeito, comecemos por analisar a petição dos juízes do ofício de livreiro, registada no expediente da Câmara de Lisboa a 17 de outubro de 1732, na qual solicitavam que fosse pronunciada, na forma do estilo9, a aprovação da reforma do regimento que lhes havia sido dado em 1572.

O teor do requerimento encerrava, como argumento central, a necessidade de atualização do diploma inicial que, não obstante ter sido aditado em 1671 e em 1674, nas disposições estatutárias para os aprendizes do ofício e venda de livros por miúdo continuava a vigorar, na generalidade do clausulado, desde a data da sua promulgação, “que elles se governão athe o prezente com hum Regimento dado ao dito officio ha mais de noventa annos”10.

E quais eram as principais reivindicações dos magistrados que representavam os interesses dos que, de alguma forma, estavam adstritos à atividade livreira e que pretendiam o preenchimento casuístico dos hiatos jurídicos na “forma do estillo”11?

Reconhecemos o propósito de se conferir adequabilidade do normativo a um alegado novo contexto que se configurava circunstancialmente desconforme comparativamente com o que servira de enforme à produção do regulamento de 1572 e ao da sua revisão, em 1694, “o qual supposto fosse conveniente para tempos tão antigos, já hoje se acha quasi de todo inútil”12. Aferimos ainda a necessidade de fazer convergir o interesse dos que se dedicavam à atividade de livreiro com o bem comum “e evidente vtilidade da Republica”, que se traduzia na conciliação dos interesses dos livreiros com as necessidades identificadas pelos consumidores (Fonseca, 2019, p. 20).

No quadro seguinte (Quadro 1) sistematizamos a incidência dos parâmetros de mudança visados pelos juízes do ofício de livreiro que em 1732 foram responsáveis pela proposta de alteração do documento que moldava as práticas de todos os congéneres de profissão.

Quadro 1 Matriz da alteração do teor regulamentar proposto pelos juízes do ofício de livreiro (1732) 

Fonte: AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 62.

E que outros parâmetros constatados pelos juízes do ofício de livreiro serviram de fundamentação para reivindicarem, em diversos momentos, despacho favorável por parte do Senado da Câmara de Lisboa, para as matérias inclusas nas petições que lhes submetiam?

É possível constatar que o propósito perpetrado pelos magistrados que representavam os interesses de todos os que desempenhavam funções como livreiros ou dos que, embora ainda em fase de aprendizagem, previam vir a integrar a classe profissional, antecede no tempo a petição de 173213.

Para esta configuração apreciemos o âmbito e o conteúdo da Consulta da Câmara de Lisboa de 21 de maio de 172214, que incluía a deliberação dada em Mesa do Despacho da Vereação relativa à petição dos juízes do ofício de livreiro que, por determinação régia, lhe tinha sido remetida, “é Vossa Magestade servido mandar remetter a petição dos juizes e officiaes do officio de livreiro destas cidades”15. O protocolo inicial do registo integrava ainda a diretriz para que a matéria visada no processo consultivo fosse deferida, “propondo-se nos senados, se lhes deferisse”16.

Para identificação e entendimento da matéria consultada, analisemos a exposição interposta pelo Senado fundamentada nas competências que detinham relativamente à legitimidade para “fazerem regimento a todos os officios para boa governança e utilidade publica”17 e nos enformes jurídicos de que tais prerrogativas se revestiam, uma vez que, concluída a redação desses normativos, entravam em vigência na “forma de posturas que se guardam como leis municipais por ser assim permitido pela Ordenança do Reino”18.

Quanto ao objetivo da matéria consultada, sobressai a necessidade de serem dirimidos e embargados, na generalidade, todos os atos decorrentes da inobservância dos termos do disposto no Regimento do ofício de livreiro e na particularidade, o incumprimento pelo clausulado fixado no capítulo 4º do regimento de 1572 e na secção acrescentada ao capítulo 16º, em 1671.

Tudo indica que a intencionalidade expressada pelos juízes do ofício de livreiro que solicitavam ao Senado da Câmara de Lisboa, a 21 de maio de 1722, que pusesse termo às situações empreendidas por “delinquentes” e “transgressores” que incorriam na violabilidade do estipulado para a sua atividade, se devesse a uma tentativa de travar práticas que lesavam os interesses dos seus agremiados e que concorriam para que as prerrogativas que detinham no tocante ao regímen reconhecido de excecionalidade relativo ao trato de livros fosse posto em causa19.

E o que era especificamente posto em causa pela desregulação invocada pelos magistrados da atividade livreira? O capítulo 4º do diploma que, entre outras disposições, moldava a atividade dos livreiros e determinava que qualquer pessoa, natural do reino ou estrangeira não “pudesse usar do dito officio sem ser examinada”20, e os parágrafos aditados na revisão do capítulo 16º, em 1671, que fixavam e remetiam a exclusividade da venda de livros por miúdo apenas para os oficiais examinados do ofício.

Nas razões invocadas pelos juízes livreiros para que a tomada de conhecimento “de que muitas pessoas, assim naturaes como extrangeiras, mandavam vir partidas de livros de fóra e os vendiam pelo miudo, encadernados e por encadernar”21 desencadeasse medidas repressivas que anulassem essa prática concorrencial não legitimada, são também arroladas questões concernentes à qualidade dos livros disponibilizados no circuito comercial do reino, com alegada falta de qualidade “diminutos na encadernação e faltos de folhas”22 e com impacto negativo no trato, “atendendo-se ao gravíssimo prejuizo que de semelhantes vendas lhes resultava”23.

A exposição integrava, também, a denúncia de um caso em particular enquadrado nas circunstâncias mencionadas. Tratava-se de João Barbosa Machado que, não sendo oficial examinado do ofício, se dedicava à atividade de livreiro na cidade de Lisboa e que intentara na venda de livros por miúdo quando, licitamente, só lhe era permitida a venda “por junto ou por partidas”24. A prática do particular João Barbosa Machado constituía, por si só, matéria de facto para que a Câmara de Lisboa, a quem tocava o “o governo económico da cidade”25, lhe tivesse feito embargo, execução essa não acatada, tendo o transgressor agravado para o Desembargo do Paço e obtido pronunciação favorável.

Na Consulta de 21 de maio de 1722, o Senado contestava e suplicava despacho régio favorável para uma situação que poderia propiciar práticas semelhantes de ilicitude com base na invocação de questões de estilo, reforçando que a determinação promulgada pelo tribunal régio, o Desembargo do Paço26, ao ter “rejeitados seus embargos”27 constituía um “prejuizo irreparavel”28 passando a existir um sustentáculo jurisprudencial para que todos os que se dedicassem à atividade de livreiro, independentemente de não pertencerem ao ofício e de não terem sido examinados e logo certificados pela Câmara com licença para o exercício da profissão, pudessem vender livros “pelo miudo”29.

O teor da reivindicação do Senado da Câmara de Lisboa remete-nos para um quadro circunstanciado de conflitualidade jurisdicional em torno da regulação da atividade de livreiro. Enquanto a sentença pronunciada pelo Desembargo do Paço era favorável a João Barbosa Machado conferindo-lhe legitimidade para vender livros por miúdo, a deliberação do Senado era no sentido de repor a ordem normativa que havia sido transgredida, que lesava os interesses dos livreiros, representados em petição pelo juiz desse ofício e que eram, à data, “mais de quarenta, com lojas abertas, que estavam actualmente usando dos seus ofícios, de que são examinados30.

E na pronunciação do Desembargo do Paço, seriam lesados apenas os interesses dos livreiros ou estariam em causa outros interesses que por associação também poderiam ser afetados? Tudo indica que as competências jurisdicionais da Câmara de Lisboa se encontravam, nesta situação em concreto e noutras de enforme similar, subvertidas por não ser do foro “daquelle tribunal de semelhantes agravos, em negócios que tocam ao governo das cidades, por tocar privativamento aos senados”31. Por outro lado, o impacto far-se-ia sentir nos cofres da cidade, uma vez que poderia passar a ser permitido que se dedicassem à venda de livros, por miúdo, outros particulares, para além de João Barbosa Machado, “os que não eram examinados no ditto officio, tinham a regalia para estas vendas, sem sujeição de tributos ou de encargos”32.

Não obstante as razões invocadas pelas partes envolvidas, com sustentáculo em questões de estilo e de costume, prevalecia o despacho régio que, sendo favorável à Câmara de Lisboa e logo ao juiz do ofício de livreiro, em nome dos suplicantes, seus congéneres de profissão, seria resolvido a confirmar as disposições inclusas no dispositivo regulador, ou a determinar diretrizes que estipulassem limites jurisdicionais.

Vejamos de que forma poderiam ser promulgadas as determinações materializadas em resoluções régias destinadas a regular esse tipo de controvérsia, com recurso a uma situação que identificamos como padrão nas práticas administrativas da Câmara de Lisboa. Neste contexto, inserem-se as consultas produzidas em sessões da Mesa do Despacho sempre que eram exaradas dúvidas em matéria deliberativa, ou ainda por se tratar de assuntos que requeriam confirmação régia33.

Atentemos ao teor da consulta registada no expediente diário da Câmara de Lisboa a 9 de setembro de 176634 sobre as “antigas controversias que se teém movido entre os juizes do officio de livreiro e o juiz e irmãos da irmandade dos cegos”35 no tocante à venda de livros. Atendendo ao facto de representarem agremiações diferenciadas e pertencerem a irmandades distintas e tendo em conta que se ocupavam ambas da venda de livros, tanto dentro como fora das suas lojas, a Câmara de Lisboa reivindicava, para uma e para outra, a confirmação da tutela jurisdicional, a quem pertencia “a economia e regulamento dos mais corpos”36 e requeria despacho régio para a hipótese de a Irmandade do Menino Jesus dos Homens Cegos37 vir a formar “tambem regimento para a corporação”38.

A argumentação incluía ainda os procedimentos assegurados, em cumprimento do Decreto de 17 de janeiro de 176639, que haviam servido de sustentáculo à ponderação e que consistiam basicamente em ouvir ambas as corporações. Daí, decorreu a deliberação pronunciada no sentido de se encontrar um equilíbrio entre ambos os grémios não contrariando nem as prerrogativas acometidas ao grémio dos livreiros nem ao da Irmandade dos Cegos, a quem havia sido concedida “a liberdade de venderem livros pelas ruas”40 ainda quando os livreiros “obtiveram provisões exclusivas dellas”41. As disposições reguladoras submetidas para despacho régio redundaram, no que diz respeito à venda de livros, que aos livreiros ficasse a pertencer indistintamente a venda de todos os géneros de livros, novos e usados e privativamente a de todos os livros “de mais de quarto, chamados commummente de folio”42 e que aos cegos tocasse apenas o trato de livros do género de “quarto, e de ahi para baixo, com tanto que não sejam de primeira mão”43.

A consulta de 9 de setembro de 1766 viria a ser resolvida da seguinte forma: “Como parece; e poderão tambem os irmãos da irmandade dos cegos vender livros em folio, sendo usados”44 e estaria na base do assento da ordem do Senado de 23 de agosto de 177745, para que se “ponha apostilla”46 no compromisso da Irmandade dos Cegos e se declarasse que todos os irmãos que a ela estavam associados pudessem vender pelas ruas toda a qualidade de livros usados ainda que fossem de fólio e que no regimento dos livreiros se pusesse “outra apostilla”47, na qual se declarasse que podiam vender toda a qualidade de livros usados e que lhes ficava privativo “somente a venda dos novos”48.

As evidências que nos são dadas a percecionar na dinâmica processual e nos elementos de informação tomados no seu todo indiciam, da mesma forma, uma dinâmica entre teoria e prática. As determinações que eram produzidas na sequência de vazios normativos e que o costume por si só não resolvia tinham um retorno aplicativo, com o preenchimento dessa vacuidade, já enformada e moldada com pressupostos a observar, o que permitia uma nova base de preceituado para situações futuras.

As práticas de reivindicabilidade em torno da atividade de livreiro não se limitavam, na autoria, à emissão de petições dos juízes que representavam a classe profissional. Outros oficiais mecânicos, também reclamavam, com recurso e referência à configuração de práticas reguladas para outro oficialato que não pertencia à corporação a que estavam adstritos.

Sobre este assunto, para o período cronológico em análise (1732-1770), os registos acumulados no âmbito da articulação entre a Câmara de Lisboa e as corporações de oficiais mecânicos espelham, pelos conteúdos que integram, esse tipo de tendência procedimental. Veja-se, entre outras consultas produzidas nesse contexto, a petição dos juízes do ofício de bate folha, registada no expediente diário da Chancelaria da Cidade a 10 de dezembro de 176049, na qual solicitavam que, à semelhança da medida aplicada aos livreiros, também eles fossem sujeitos à formalização de uma adição regulamentar, que proibisse a venda de ouro fora das lojas dos oficiais examinados do ofício que representavam. Do processo tratado e corrido em sessão da Mesa de Vereação foram emitidos dois despachos favoráveis ao requerimento submetido, o primeiro emitido pelo desembargador Gaspar Ferreira Aranha, vereador que servia como presidente e o segundo produzido pelo pelouro da Almotaçaria e Ofícios50.

Decorreu da reivindicação de 10 de dezembro de 1760 a pronunciação de sentença cível51 do termo julgado, consentânea com os interesses representados pelos juízes e demais mestres do ofício de bate folha que, na essência, advogavam a proteção de direitos para os seus agremiados com base em pressupostos de excecionalidade e de exclusividade, por associação comparativa aos livreiros.

Esta prática de reivindicabilidade em torno do reforço das prerrogativas dos oficiais examinados do ofício viria, de igual forma, no caso arrolado para os oficiais de bate folha, a resultar no acrescento do seu regimento e na publicitação, por meio de edital, em locais públicos da cidade de Lisboa para que não fosse alegada ignorância relativamente ao cumprimento das disposições aditadas52.

Se compararmos o teor da representação interposta pelos juízes do ofício de bate folha com a matéria reivindicativa inclusa na petição dos juízes dos livreiros de 17 de outubro de 1722, verificamos que existe convergência no objetivo a prosseguir, “evitando-se assim não só o prejuizo do officio, mas do publico”53 e que, em ambos os casos, se impunha a necessidade de estatuir para que ficasse regulado ou reforçado o quadro de atributos de saber ser, saber ter e saber fazer, que implicava, para os oficiais examinados de cada ofício mecânico, um conjunto de obrigações antes de entrarem no ativo com qualificação reconhecida e certificada.

Práticas de certificação e fiscalização

Todos os que queriam ingressar na atividade de livreiro de forma reconhecida e certificada, a que obrigações estavam sujeitos?

Da matriz de obrigações a que estavam sujeitos é-nos evidenciado como requisito prévio o facto de terem “sangue limpo”54 e serem filhos de “Pays limpos”55, o que implicava que não fossem objeto do estigma que perdurava sobre recentes conversos, os cristãos-novos, não interessando “o tempo e as gerações que decorriam da conversão”, uma vez que a “Inquisição56 e os estatutos de limpeza velariam pela sua manutenção” (Barros & Tavim, 2013, p. 12).

A importância dada às questões de limpeza de sangue levava a que a obrigatoriedade fosse incluída nas disposições que integravam os regimentos57. No caso específico dos livreiros a versão reformada de 173258, que derrogava o regimento de 1572, mantinha e reforçava o ditame proibitivo ao fixar medidas cominativas para os mestres livreiros que aceitassem aprendizes sem que previamente averiguassem e declarassem aos magistrados do ofício que cada um dos candidatos ao período efetivo de aprendizagem era “bem procedido, e de Pays Limpos”59, de forma a evitar que “em semelhante trato, e o officio hajão pessoas menos descentes”60, estando associada esta diminuição de “decência” ao facto de, com base em diferentes adscrições religiosas, se encontrarem semanticamente e socialmente separados da “demais população do reino”, (Barros & Tavim, 2013, p. 13).

Neste incumprimento específico a pena a aplicar era idêntica à que estavam sujeitos todos os que não observassem o estatuído no capítulo 16º do Regimento61, que dispunha sobre o número limite de aprendizes que cada oficial do ofício pudesse tomar, não sendo permitido a admissão de mais do que um aprendiz enquanto o período de aprendizado, fixado em três anos, não terminasse62.

A cominação estipulada que obrigava ao pagamento de uma coima de 20000 réis, 50% a reverter para os cofres da Cidade e a restante percentagem para as despesas do ofício, evidenciava a necessidade de se regularem práticas reiteradas de acompanhamento, por parte de oficiais do ofício, “porquanto ha muitos que tomam tres e quatro aprendizes”63, o que ocasionava a falta de rigor necessário para cada um dos formandos e logo no “desdouro do ofício”64.

O que é possível aferir ainda deste clausulado produzido em 1732, em matéria de requisitos prévios ao percurso profissional que se encontrava alicerçado, basicamente em três etapas e que consistiam, na aprendizagem, certificação e entrada no ativo?

Mais uma vez, à semelhança das práticas de reivindicabilidade perpetradas pelos juízes livreiros enunciadas nos processos consultivos da Câmara de Lisboa de 21 de maio de 1722 e de 9 de setembro de 1766, também nesse aspeto em particular, convergiam na forma como os objetivos prosseguidos eram desencadeados, uma vez que os preceitos acrescentados na versão reformada do regimento, em 1732, haviam sido gerados na sequência da petição desses magistrados, que requeriam que o Senado da Câmara de Lisboa pusesse “o dito officio em termos que nelle não haja descaminhos, E delle vzem tão somente os que forem examinados”65 e para tornar possível a regulação dos oficiais e dos aprendizes, “para cuja observançia Se faz precizo novo Regimento”66.

As alegações expressas nas petições submetidas pelos juízes livreiros à Câmara de Lisboa são recorrentes no uso da premissa “somente os que forem examinados”67. E quem eram os examinados e de que forma se processava a examinação dos que pretendiam vir a desempenhar funções de livreiro?

Comecemos por analisar a documentação produzida que atestava e conferia legitimidade para que efetivassem esse intento, a carta de examinação que lhes era passada e assentada nos Livros de registo da Chancelaria da Cidade68 e que incluía, regra geral, elementos de informação relacionados com a data do exame, nome, filiação, naturalidade do examinado e identificação dos juízes examinadores que os davam como aptos para iniciar o percurso profissional69.

A “carta de exame seria levada para a Câmara Municipal para ser vista, confirmada e registrada sob juramento e assinatura do escrivão”. A partir desse momento, o artesão estava autorizado a exercer a sua profissão e a montar tenda para vender os seus produtos ou aceitar encargos (Correia, 1926, pp. 1-3).

Para o efeito a Câmara de Lisboa dispunha de um formato normalizado70 que devia ser observado, no ato da produção do certificado por parte do escrivão da Chancelaria da Cidade (Oliveira, 1943, vol. XI, p. 551).

No verso do documento registavam-se os direitos pagos à Chancelaria da Cidade a título de emolumentos do processo71, prática cuja regulação remete para a Resolução régia de 6 de março de 1621, que determinava que a Câmara de Lisboa pudesse “levar direitos de chancelaria de todos os despachos, cargos, officios que provê, papeis, cartas e sentenças que expedir”72 para “assim melhor acudir á despesa dos gastos publicos e forçosos de sua obrigação”73. Seguia-se-lhe, em anexo à consulta, sobre os termos de pagamento de emolumentos no ato de provimento dos documentos mencionados, uma lista de apontamentos dos direitos estipulados para pagamento na Chancelaria74.

Em 1732, nos termos do disposto no capítulo 9º do regimento acrescentado para o ofício de livreiro, os examinados pagavam, se fossem de nacionalidade portuguesa 300 réis e 600 réis caso fossem estrangeiros. Da quantia cobrada dois terços revertiam para as despesas da Bandeira de São Miguel a que os livreiros estavam anexos e um terço para os examinadores.

E a que contornos estava sujeita, a configuração do quadro normativo, para os que de forma lídima pudessem examinar os candidatos a livreiros?

Os mandatos como juiz examinador tinham duração de um ano podendo ser renovados decorridos três anos após cessação de funções. Eram eleitos, no mês de janeiro, numa das casas de um dos magistrados em cessação de atividade, processando-se na mesma data e local, por meio de votação dos oficiais do ofício de livreiro, o escrutínio para o cargo, também anual, de escrivão desse juízo75. Do ato eleitoral resultava a emissão de certidões que atestavam os resultados eleitorais, seguindo-se-lhe a confirmação e assento nos Livros de registo da Chancelaria da Cidade. Os recém-eleitos eram ainda chamados à Câmara, para “lhe ser dado o juramento dos santos Evangelhos”76 declarando, dessa forma solene que “bem E verdadeiramente”77 serviriam os cargos.

Com base numa amostra fixada para o período compreendido ente 1760-1769 identificamos alguns dos magistrados que prosseguiram essa tarefa (Quadro 2).

Quadro 2 Juízes examinadores do ofício de livreiro (1760-1769) 

Fonte: AML, Chancelaria da Cidade, Livros de registo da Chancelaria da Cidade (1760-1769).

Para o período estimado entre 1760 e 1769, os providos, mediante eleição, para a atividade de juiz examinador, estavam sujeitos a um conjunto de ditames que se impunham como condição sine qua non para que o lugar fosse ocupado “bem E verdadeiramente”78. E quais eram os traços dominantes do dispositivo normativo encetado para a estatuição de requisitos a que estavam obrigados?79

No quadro seguinte (Quadro 3) cotejamos o conjunto de obrigações adstritas ao mandato anual de juiz examinador que nos permite constatar a essência do conteúdo funcional fixado e aferir uma base de pré-requisitos considerados necessários para estabelecimento do perfil exigido.

Quadro 3 Competências para o mandato anual de juiz examinador (1700-1769) 

Fonte: AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 62-65v.

Das obrigações requeridas para o exame de candidatos à atividade de livreiro sobressai no tocante ao ato de considerar apto ou inapto o candidato, a exigência de o ajuizamento ser efetuado de acordo com critérios de qualidade. E em que moldes se processava, na prática, a constatação desses parâmetros?

Os examinados deviam executar, de forma hábil, um breviário “E todo o official que se quizer examinar primeiramente saberà fazer hum Breviario em Volume de Outavo dourado pelas folhas”80 e em seguida teriam de responder a questões colocadas relativamente à encadernação de um livro de Igreja que, por implicar onerosidade do material necessário para a obra de encadernação, “porque os Livros de Igreja grandes de pelle inteira soltados pello Lombo são muito custosos”81, constituía ação que remetia para o domínio teórico, “fazendo-lhe as preguntas necessarias da maneira que hão de Raspar o tal Livro, e Soltar pello Lombo, grudallo, cozello E emtabollallo”82.

O percurso cumulativo de aquisição de competências, que antecedia a examinação, consistia na aprendizagem monitorizada, obrigatoriamente, por um mestre livreiro. A demonstração prática do saber ter, saber fazer, acumulada ao longo de três anos, efetuava-se na casa de um dos examinadores que avaliaria se o examinado estava apto a fazer “obra conveniente, porque mereça ser aprovado”83.

Após aprovação, o examinado era dado como apto e reconhecido como livreiro “habil, E pertencente para por Loge do dito officio”.

No quadro seguinte (Quadro 4), indicamos as datas, os nomes e a naturalidade dos que foram examinados e considerados aptos para o exercício do ofício de livreiro, com base numa amostra fixada para o mesmo intervalo de tempo que a utilizada para a identificação dos juízes examinadores (1760-1769).

Quadro 4 Lista de aptos no exame para o ofício de livreiro (1760-1769) 

Fonte: AML, Chancelaria da Cidade, Livros de registo da Chancelaria da Cidade (1760-1770)

O que é possível aferir a partir da análise dos dados evidenciados no Quadro 4? Para o intervalo de tempo estimado para uma década (1760-1769), foram examinados vinte e quatro candidatos ao ofício de livreiro, numa média anual de três examinados, se excetuarmos o biénio atípico de 1768 a 176984, período para o qual os registos da Chancelaria da Cidade não integram cartas de examinação para o ofício de livreiro, embora reúnam para a mesma delimitação temporal cartas de examinação dos demais ofícios mecânicos.

A que se ficou a dever este vazio de assentos em 1768 e 1769? A inexistência de registos de examinados para o ofício de livreiro, na documentação produzida e acumulada no âmbito das competências da Câmara de Lisboa, não significa que durante esse espaço de tempo as funções de livreiro tivessem cessado, mas traduz um momento estanque quanto à entrada de novos ativos no trato de livreiro, que poderá ter ficado a dever-se a fatores de excecionalidade circunstancial de feição política e institucional.

Para o facto per si, consideramos como hipótese o impacto que a configuração reformista, no tocante à forma e ao teor das medidas empreendidas, nos sugere em matéria relacionada, ainda que por associação, à “edição, encadernação e venda de livros e outros suportes impressos” (Fonseca, 2019, p. 13).

Referenciamos, para esse contexto, “um alvará de 5 de abril de 1768” que “instituía a real Mesa Censória - subtraindo assim à esfera religiosa a tutela sobre a censura do livro da criação da Real Mesa Censória” (Paiva, 2000, p. 175) que poderia ter coagido os que intentavam ingressar na atividade a refrear o intento, uma vez que as oportunidades de receção para novos ativos eram também elas consideravelmente orientadas para a produção eclesiástica e consequente necessidade de encadernações de livros de Igreja85. A Igreja teria sido a primeira a adotar de forma célere “a imprensa como instrumento de aproximação aos fiéis, como demonstra o predomínio do livro religioso na produção impressa desde os primórdios” (Palma,2015, p. 185)86.

Tendo em conta o universo total é ainda possível constatar um número significativo de examinados naturais de Lisboa, 66,6%, sendo os restantes 33,4% de naturalidade de várias zonas do reino.

Apesar de na amostra compulsada tudo nos direcionar para a considerável probabilidade de os candidatos ao ofício de livreiro serem procedentes da capital do reino, ao tomarmos como referência espectros cronológicos que precedam e sucedam o período em análise, não podemos presumir essa tendência como um comportamento padrão. Assumimos, no entanto, que a capital do reino agregava condições propícias a indiciar-se como variável geográfica de traço dominante, por convergir com o espaço no qual ocorriam as práticas de examinação e de certificação perpetradas pelo quadro de oficialato que integrava o aparelho administrativo camarário e ainda, por poder favorecer a fixação da atividade profissional, uma vez que o espaço urbano congregava valências que privilegiavam o binómio oferta-procura na Lisboa setecentista e que passavam por reunir “condições histórico-sociológicas que favoreceram a expansão e a apropriação da cultura impressa” (Palma, 2015, p. 1).

Sendo considerados aptos, os examinados que ingressavam no ativo podiam “por Loge do dito officio”87. Ao optarem por estabelecer loja, sujeitavam-se anualmente a uma vistoria, perpetrada pelo juiz examinador que exercia funções no ano em que ocorria a visita ao estabelecimento, acompanhado pelo escrivão a seu cargo e por almotacés das execuções que, tal como os livreiros, tinham de ser reconhecidos como tendo sangue limpo, mandando para o efeito “em razão da autoridade do ofício de almotacé, jurisdição e privilégios que com ele se adquiriam” o Senado apurar “com exacta diligência, a qualidade e limpeza de sangue de cada um dos nomeados, quem foram seus pais” (Hespanha, 1984, p. 366). A eficácia do papel da fiscalização empreendida pelos almotacés era por vezes comprometida, porque quando faziam as correições e “em saindo da casinha88 logo se passava palavra, de modo que quando iam correndo, não achavam cousa em que se pudesse fazer diligéncia” (Oliveira, 1943, vol. IV, p. 24-25). Para obstar a essa probabilidade a Coroa determinou que fosse nomeado trimestralmente um juiz do crime ou do cível com o objetivo de mandar tirar devassas e para que “despachassem os feitos em câmara para lhes dar o castigo conforme as suas culpas” (Oliveira, 1943, vol. IV, pp. 24-25).

Não obstante o possível comprometimento, as correições deram azo a imposições cominativas89, nas situações em que os proprietários ou arrendatários das lojas de livreiros, eram identificados como transgressores por não observarem o normativo fixado para livreiros com loja estabelecida90.

E que locais eram os que se destinavam ao trato livreiro? Existia obrigatoriedade de fixação em alguma zona específica da cidade de Lisboa ou a loja podia ser aberta consoante a preferência de quem a pretendia abrir?

Tudo indica que a concentração das lojas de livreiros variou consoante o período cronológico em que nos circunscrevemos. Nas centúrias de seiscentos e grande parte de setecentos, encontravam-se situadas, entre outros pontos da cidade, na rua Nova91 “a mais extensa, a mais larga e a principal da cidade” e aí eram vendidos “livros portugueses, castelhanos, italianos e latinos, e também os alugavam aos estudantes pobres, porque o preço dos livros era então excessivo”92. Para além da rua Nova, os livreiros fixaram residência para o seu trato, entre 1732 e 1770, nas Portas de Santa Catarina, como no caso de Manuel Caetano Ribeiro, ou na Calçada do Colégio, como Cristóvão da Silva. Este último espaço, juntamente com outros núcleos, viria a conhecer, no século XVIII, maior confluência do comércio de livreiros e a suceder a tendência manifestada no século anterior para rua Nova (Fonseca, 2019, pp. 13-23)93.

Conclusão

Ao recensearmos, entre 1732 e 1770, a produção normativa com o objetivo de regular o ofício de livreiro, sobressai, em primeiro lugar, para a generalidade das medidas promulgadas pela Coroa e executadas pela Câmara de Lisboa, uma estreita e concertada articulação em prol do garante das disposições estatuídas e da beneficiação do sustentáculo jurisdicional da administração camarária.

De seguida, a matriz da reforma dos diplomas impactantes e estruturantes, espelhada nos processos consultivos, alicerçada nas práticas de vindicação dos juízes do ofício de livreiro, que em representação dos interesses da categoria profissional a que pertenciam, vindicavam reiteradamente um reforço regulamentar face a situações de vazio normativo ou exigiam a reposição da ordem perante práticas desreguladas que lesavam, por associação, produtores e consumidores de obras encadernadas.

Em terceira instância, a configuração, por complementaridade, de um conjunto de práticas de legitimação de livreiros, quanto ao acesso e à permanência no ativo, que envolviam tanto a tutela dos magistrados do ofício como a do oficialato encartado no Senado, com competências de controlo e de monitorização nesse domínio.

Em quarto lugar, assumindo-se como traço dominante e transversal a todos os procedimentos de teor regulamentar, o papel da Câmara de Lisboa enquanto entidade com prerrogativas para regular o exercício do ofício, embora condicionada, na sua autodeterminação, pelo poder régio que lhe consignava, confirmava e garantia a sua esfera de atuação.

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1 Arquivo Municipal de Lisboa (AML), Casa dos Vinte e Quatro, Livro dos regimentos dos oficiais mecânicos da cidade de Lisboa reformados por ordem do Senado.

2O documento reunia, no índice que precede o corpo de texto, um rol de cento e dezasseis ofícios ordenados alfabeticamente, estando o regimento do ofício de livreiro agregado na secção da letra L, listado com precedência de lagareiros, lagareiros de vinho, lapidários, latoeiros, latoeiros de folha e procedido de luveiros e ladrilhadores. AML, Livro dos regimentos dos oficiais mecânicos da cidade de Lisboa reformados por ordem do Senado, [Índice]. Sobre ofícios mecânicos veja-se Caetano, M. (1943). As corporações dos ofícios mecânicos: subsídios para a sua história (Vol. I). Imprensa Nacional.

3Sobre o estatuto jurídico-administrativo da Câmara de Lisboa veja-se também Fernandes, P. J. (1996). A organização municipal de Lisboa. In C. Oliveira (Dir.), História dos municípios e do poder local: Dos finais da Idade Média à União Europeia (p. 103). Círculo de Leitores.

4Tudo indica que a unidade orgânica, Mesa do Despacho, tenha tomado a intitulação a partir do uso reiterado, no espaço camarário, do recurso mobiliário, a mesa, em torno da qual a Vereação se reunia e deliberava e que para o efeito era envolta num pano de damasco franjado. AML, Chancelaria Régia, Livro 22º de consultas e decretos de D. João V, f. 35.

5Os juízes do ofício de livreiro eram magistrados eleitos anualmente e detinham, entre outras competências, tutela jurisdicional sobre o trato de livreiro. Presidiam ao exame dos candidatos à atividade e promoviam o desembargo de atos de correição a estabelecimentos de livreiros na cidade de Lisboa. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 62-73. Sobre outras magistraturas do foro municipal, para o final do Antigo Regime, veja-se Camarinhas, N. (2020). A administração da justiça na Lisboa de 1820 da documentação do Arquivo Municipal. Cadernos do Arquivo Municipal (14), 163-176.

6O regimento do ofício de livreiro incluso no Livro dos Regimentos dos officiaes mecanicos da mui excelente e sempre leal cidade de Lixboa reformados per ordenação do Illustrissimo Senado della pelo Licenciado Duarte Nunes de Liam foi rasurado, em 1732, de forma a indicar a cessação de vigência do diploma e consequente nulidade jurídica. Foi ainda, nessa altura, acrescido da seguinte anotação, na margem superior: “Este Regimento Se não observa por se fazer outro de novo que vai lançado no Livro 2º de acrescentamento do Regimento a folha 62”. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro dos regimentos dos oficiais mecânicos da cidade de Lisboa reformados pela ordenação do Senado, f. 118 a 121v.

7A nova regulação dos ofícios mecânicos empreendida e confirmada pelo Tribunal do Senado da Câmara em 1770 consignou o Regimento para a Bandeira do Arcanjo São Miguel com força de “Ley de inviolável observancia”. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 1º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 170v. Decorrido um ano, em 1771, regulava-se, por pauta, o posicionamento de cada uma das categorias dos embandeirados, conforme costume, nas procissões públicas, surgindo em terceiro lugar “S. Miguel - Sombreireiros e anexos”, sendo um desses anexos de oficiais mecânicos o dos livreiros. AML, Chancelaria da Cidade, Livro 1º dos Impostos que se começaram em 1653 a 1660, f. 125v.

8Sobre bibliografia produzida acerca da história do livro e outras fontes impressas em Portugal no Antigo Regime, veja-se Biblioteca Nacional (Ed.) (2003). Bibliografia da historia do livro em Portugal: Séculos XV a XIX. BN.

9Sobre fontes de direito no Antigo Regime (lei, costume e estilo) e questões suscitadas pela aplicabilidade dos ditames do direito subsidiário veja-se, entre outras opções passíveis de compulsão, Silva, N. J. E. G. (2000). História do Direito Português: Fontes de Direito (3ª ed. revista e atualizada, pp. 311-332). Fundação Calouste Gulbenkian e Cruz, G. B. da (1981). O direito subsidiário na história do Direito Português. In Obras Esparsas (Vol. 2, 2ª parte, pp. 286-295). Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

10AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 62.

11Ibidem.

12Ibidem.

13O recurso a este tipo de prática era transversal a grande parte do oficialato com regulação e jurisdição autónomas. Sobre a moldura municipal deste tipo de autonomias jurisdicionais e administrativas veja-se Subtil, J. (2023), pp. 61 e 80.

14AML, Chancelaria Régia, Livro 2º de registo de consultas e decretos de D. João V do Senado Ocidental, f. 15-15v.

15Idem, f. 15.

16Ibidem.

17Ibidem.

18Ibidem. Sobre questões relacionadas com as normas de carácter geral, definidas por mandado de um poder considerado competente para o impor e como tal acatado que nos remetem para o contexto da produção da lei em sentido amplo veja-se Caetano, M. (2000). História do Direito português (séculos XII - XVI); Subsídios para a História das fontes do Direito em Portugal no século XVI (4ª ed., p. 16). Verbo.

19Os privilégios concedidos aos oficiais mecânicos antecedem, no tempo, a reforma do regimento do ofício de livreiro em 1732: “forão os Senhores Reys que felismente tem Reynado neste Imperio de Portugal sempre inclinados a favoreserem esta parte da Republica”, consignando “os Previlegios com que forão servidos Coondecorallos”. AML, Casa dos vinte e Quatro, Livro 1º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 170.

20AML, Chancelaria Régia, Livro 2º de registo de consultas e decretos de D. João V do Senado Ocidental, f. 15.

21Ibidem.

22Ibidem.

23Ibidem.

24Idem, f. 15v.

25Ibidem.

26Sobre o Desembargo do Paço, tribunal superior da Coroa, veja-se Subtil, J. M. L. L. (2011). O Desembargo do Paço, 1750-1833, (pp. 199-209). EDIUAL.

27Ibidem.

28Ibidem.

29Idem, f. 15.

30Ibidem.

31Em 1770, as fontes conservadas no Arquivo Municipal de Lisboa evidenciam a reafirmação da prerrogativa do “governo económico” do Senado da Câmara de Lisboa acometida para a competência jurisdicional do trato, entre outros ofícios mecânicos o de livreiro “E foy o mesmo Supremo Tribunal servido confirmar os seguintes Capitulos que ficão Servindo de Regimento”. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 1º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 170v.

32AML, Chancelaria Régia, Livro 2º de registo de consultas e decretos de D. João V do Senado Ocidental, f. 15v.

33Sobre a prática consultiva que enformava o processo decisório de todo o aparelho administrativo polissinodal e jurisdicional veja-se Hespanha, A. M. (2019). Uma monarquia tradicional: Imagens e mecanismos da política no Portugal seiscentista, (p. 159).

34AML, Chancelaria Régia, Livro 6º de registo de consultas e decretos de D. José I, f. 179v.

35Ibidem.

36Ibidem.

37A corporação da Irmandade do Menino Jesus dos Homens Cegos, sediada na paróquia da Igreja de São Jorge, gozava do privilégio de poder vender “pela cidade e patriarcado em lojas rolantes”, “folhinhas e outros impressos”. AML, Chancelaria da Cidade, Livro 10º de registo de ordens do Senado, f. 160.

38AML, Chancelaria Régia, Livro 6º de registo de consultas e decretos de D. José I, f. 179v.

39AML, Chancelaria Régia, Livro 1º de registo de consultas de D. Maria I, f. 67. O Decreto de 17 de janeiro de 1766 estipulava que o Senado da Câmara “á vista do regimento dos livreiros e privilégios dos cegos, forme tambem regimento para a corporação destes”, procedendo de seguida a consulta para que fosse resolvido o que parecesse. Cópia trasladada em AML, Chancelaria Régia, Livro 1º de consultas e decretos de D. Maria I, f. 130.

40AML, Chancelaria Régia, Livro 6º de registo de consultas e decretos de D. José, f. 179v.

41Ibidem.

42Ibidem.

43Ibidem.

44Ibidem.

45AML, Chancelaria da Cidade, Livro 11º de registo das ordens do Senado, f. 88.

46Ibidem.

47Ibidem.

48Ibidem.

49AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 138-141.

50Sobre a configuração dos pelouros na Câmara de Lisboa, veja-se Câmara Municipal de Lisboa (Ed.). (1996). A evolução municipal de Lisboa: Pelouros e vereações. CML.

51Sentença cível proferida a 28 de outubro de 1760, por tocar jurisdicionalmente a pronunciação ao Senado da Câmara de Lisboa. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º do registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 138.

52Era prática habitual, por ordem do Senado da Câmara de Lisboa, a afixação de éditos em locais públicos da cidade, entre os quais na porta da Casa da Almotaçaria, para que o oficialato e os demais visados nas matérias publicitadas, não pudessem alegar desconhecimento das disposições ou uso em contrário. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 139v.

53AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º do registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 139v.

54A exigência de sangue limpo como condição sine qua non para o desempenho de cargos públicos interditava os que não reunissem esse atributo de serem encartados. Veja-se, a título de exemplo da aplicabilidade desta premissa o registo de 11 de fevereiro de 1773 da carta de provimento na propriedade do ofício de escrivão do julgado de Sacavém passada a José da Cruz Guerra, filho único e legítimo do anterior proprietário, António da Cruz Guerra, em virtude de nele concorrerem os “Requisitos necessarios de bom procedimento”, e por “mostrar ser de Limpo sangue bem procedido”. AML, Chancelaria da Cidade, Livro de registos da Chancelaria da Cidade (1770-1773), f. 2-2v. Os mesmos contornos, entre outras opções passíveis de arrolar, são evidenciados para os que exerciam atividades orientadas para a prestação de serviços em lojas abertas ao público, como no caso dos boticários e aprendizes de botica. AML, Chancelaria da Cidade, Livro 1º de registo de posturas, regimentos, taxas, privilégios e ofícios, f. 149v.

55A obrigatoriedade de ter “Pays limpos” abrangia todos os que quisessem vir a ter atividade profissional como oficiais mecânicos e não apenas os livreiros. Veja-se, entre outros exemplos passíveis de compulsar, o caso dos cerieiros, que tiveram “novo regimento acrescentado” em 1703, na sequência de uma petição dos juízes do seu ofício, que reivindicavam, entre outras premissas relacionadas com a regulamentação da sua atividade, a inclusão da obrigatoriedade para que “nenhum Mestre do dito ofício tomase aprendiz para ensinar sem primeiro constar da Limpeza de seu sangue”. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 36.

56Sobre censura inquisitorial veja-se Baião, A. (1918). A censura literária inquisitorial. Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa, (12), 473-560.

57Não obstante a importância dada às questões de limpeza de sangue configurava-se um regime de excecionalidade aplicável aos oficiais de saúde. Cotejamos, neste contexto, o Assento do Senado da Câmara de Lisboa de 19 de setembro de 1660, que trasladava o Alvará régio de 1650, que determinava, sem embargo de qualquer lei ou disposição em contrário, que a Mesa da Consciência e Ordens reconhecesse, como limpo, Diogo da Cunha, físico-mor do reino, de forma a que lidimamente pudesse continuar a exercer o cargo e a ficar habilitado para receber o Hábito de uma das seguintes ordens militares: Jesus Cristo, Santiago de Espada, São Bento de Avis. AML, Chancelaria da Cidade, Livro 4º de assentos do Senado, f. 137-137v.

58AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 62-65v.

59Idem, f. 65.

60Idem, f. 65v.

61Ibidem.

62O reforço do normativo no tocante à aprendizagem do ofício de livreiro continuaria a efetivar-se em períodos ulteriores a 1770 e constituía matéria de atenção sistemática por parte do poder político. Na sequência, também de petições de juízes do ofício de livreiro, inclusas em processos consultivos, eram promulgadas disposições que abrangiam, entre outras questões, as condições de acesso à atividade. Veja-se, entre outros exemplos passíveis de compulsar, o Aviso de 4 de fevereiro de 1780 sobre a admissão de aprendizes ao ofício de livreiro que, por determinação régia, não podia ser de idade inferior a dezoito anos. AML, Chancelaria Régia, Livro 4º de consultas e decretos de D. Maria I, f. 24-25v.

63AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos , f. 65.

64Ibidem.

65Idem, f. 62.

66Ibidem.

67Ibidem.

68Os livros de registo da Chancelaria da Cidade (séculos XVII-XVIII), produzidos e acumulados no âmbito das competências da Câmara de Lisboa, integram, para além do assento de cartas de provimento na propriedade ou na serventia de ofícios, cartas de examinação de ofícios, evidenciando elementos de informação atinentes aos processos de certificação de ofícios mecânicos.

69A excecionalidade evidenciada nas cartas de examinação surge-nos, por defeito, espelhada pela omissão da referência ao nome de um, ou de ambos os progenitores, ou por excesso, no caso de serem aditadas menções relativas à nacionalidade de examinados estrangeiros. AML, Chancelaria da Cidade, Livros de registo da Chancelaria da Cidade (1732-1770).

70O registo da minuta precede no tempo e sem alterações de substância, a versão reformada em 1732 do Regimento do ofício de livreiro, integrando o corpo de texto da consulta da Câmara de Lisboa de 21 de maio de 1722. AML, Chancelaria Régia, Livro 2º de consultas e decretos de D. João V, 18v.

71Aliás, prática já verificada no século XVII. Em 1625, o teor da Consulta da Câmara de Lisboa de 4 de fevereiro incluía a menção à obrigação de os examinados pagarem, pela emissão de cartas de examinação, 200 réis. AML, Chancelaria Régia, Livro de propostas e respostas e registo de consultas de D. Filipe III, f. 74.

72Ibidem.

73Idem, f. 75.

74Idem, f. 75v.

75Apesar do regimento estatuir o mês de janeiro para a realização de eleições tudo indica que, por questões de convergência cronológica com o fecho de cada ano, as mesmas poderiam ocorrer a 30 de dezembro. Veja-se, entre outros exemplos passíveis de compulsar, a ordem dos Senados da Câmara, expedida a 15 de dezembro de 1736, para “todos os annos darem feitas as Eleições de Juizes, e Escrivão, que tocar a cada hum dos ditos officios no ultimo dia de Dezembro”. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, doc. 22, f. 132v-133.

76AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 63.

77Ibidem. Os assentos de juramento dos juízes e escrivães eleitos integravam os registos inclusos nos livros de termos de juramentos. AML, Chancelaria da Cidade, Livros de termos de juramentos (1732-1770).

78AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 63.

79A regulação dos atos eleitorais conducentes à tomada de posse de juízes de ofícios mecânicos é reforçada em diversos momentos com ordens do Senado a impor penas para os que não comparecessem, com recurso a alegados impedimentos. As cominações fixadas incluíam o pagamento de multas à Cidade. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de registo dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 133-136v.

80AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 63v.

81Ibidem.

82Ibidem.

83Idem, f. 64.

84Outro biénio atípico, não por defeito, mas por excesso, é o de 1756-1757, período para qual os livros de registo da Chancelaria da Cidade evidenciam um aumento exponencial do assento de cartas de exame com salva, para o ofício de livreiro, que decorreu do requerimento dos oficiais dessa atividade, em virtude de terem perdido a primeira via durante o Terramoto de 1 de novembro de 1755. A mesma circunstancialidade aplica-se ao registo de cartas de propriedade com salva do ofício de livreiro da Cidade, como no caso, entre outros, da passada a Francisco da Silva a 9 de dezembro de 1756, porque o original havia sido destruído no incêndio que sucedeu ao terramoto. AML, Chancelaria da Cidade, Livros de registo da Chancelaria da Cidade (1756), f. 16-16v.

85Note-se que, no entanto, a ser comprovada esta probabilidade, ficaria por explicar a retoma da entrada no ativo em 1770, ano para o qual existem assentos na Chancelaria da Cidade de examinados para o ofício de livreiro, como, entre outros passíveis de compulsar, o registo, a 30 de agosto de 1770, da carta de examinação do ofício de livreiro passada a António José Carvalho, natural de Lisboa, freguesia de São Vicente de Fora. AML, Chancelaria da Cidade, Livros de registo da Chancelaria da Cidade (1770), f. 296v.

86Sobre a participação, a título particular, de livreiros e impressores, na publicação e circulação de livros sobre temas religiosos durante grande parte do Antigo Regime, na área ibérica, veja-se Bouza Álvarez, F. (2014). Costeadores de impresiones y mercado de ediciones religiosas en la alta Edad Moderna ibérica. In Cuadernos de História Moderna, Anejo XIII, pp. 29-48. DOI:10.5209/rev_CHMO.2014.46788

87AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 64.

88A designação “Casinha” é-nos evidenciada, nas consultas da Câmara de Lisboa de 5 de fevereiro e de 18 de março de 1634, com correspondência ao local, a casa, onde os almotacés efetuavam audiências. AML, Chancelaria Régia, Livro onde se lançam as consultas e cartas que se escrevem a Sua Magestade, f. 83 e AML, Chancelaria Régia, Livro de registo de consultas e respostas do tempo do governo de Castela, f. 114v. Aí, na porta da “casinha dos almotacés”, o Senado mandava afixar editais, para que não houvesse, para as matérias publicitadas, “falta nem escusa”. AML, Chancelaria da Cidade, Livro 3º de assentos, f. 158v.

89As imposições cominativas decorrentes de ações interpostas pelos almotacés das execuções encontram-se referenciadas nos registos produzidos e acumulados no âmbito das competências da Almotaçaria das execuções. AML, Almotaçaria, Livros de registo de execuções (1732-1770).

90Os livreiros que transgredissem os termos do disposto no regimento reformado de 1733, e que tivessem nas suas lojas obras com “engano, E falsidade” ou que não se “achassem feitas como devem” incorreriam na pena de pagamento à Cidade de 10 cruzados e seriam ainda, consoante a gravidade do incumprimento, levados à Câmara, para “se nella ver e mandar o que for justiça”. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 2º de acrescentamento dos regimentos dos oficiais mecânicos, f. 65v-66v.

91A regulamentação para a fixação de ofícios na rua Nova encontra-se espelhada no título 3º do Livro 3º de posturas da cidade de Lisboa que estabelecia, em 1552, que aí não tivessem “tenda officiais alguns mecanicos tirando liureiros, sirgueiros e Boticarios” por ”serem officios Limpos e que emnobrecem a dita Rua”. AML, Almotaçaria, Livro 2º da Casa da Almotaçaria, f. 8-8v.

92AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 1º dos impostos novos que começaram em 1653 a 1660, f. 102.

93Os locais para o comércio de livros na cidade de Lisboa encontram-se ainda evidenciados nos registos de livreiros que serviram na Casa dos Vinte e Quatro ou ainda que integraram o quadro de oficiais da Câmara de Lisboa. Em ambos os assentos desse teor, era anotado o endereço acometido ao trato. AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro das pessoas que têm servido na Casa dos Vinte e Quatro, f. 3v, 15, 26v, 43, 54v, 60v, 61, 75v e AML, Casa dos Vinte e Quatro, Livro 1º de lembranças das pessoas que foram aprovadas nos exames para os ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, f. 17, 22, 24-25, 28v-29, 31, 46, 54, 76.

Recebido: 31 de Maio de 2023; Aceito: 11 de Agosto de 2023

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