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Cadernos do Arquivo Municipal

versión On-line ISSN 2183-3176

Cadernos do Arquivo Municipal vol.ser2 no.20 Lisboa dic. 2023  Epub 27-Dic-2023

https://doi.org/10.48751/cam-2023-20331 

Recensão

Fonseca, J. (2020). Os livreiros de Lisboa nos séculos XVI e XVII: Estratégias económicas, sociais e familiares. Edições Colibri

Maria Paula Marçal Lourenço1 
http://orcid.org/0000-0002-4710-5286

1 Departamento de História, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, 1649-004 Lisboa, Portugal.lourenco-maria@campus.ul.pt


Enquadrando-se no panorama historiográfico português dedicado à História do Livro, Jorge Fonseca conduz-nos, ao longo de 226 páginas, num estudo sério e de rigor metodológico acerca de Os livreiros de Lisboa nos séculos XVI e XVII: Estratégias económicas, sociais e familiares (Fonseca, 2020). Apresenta, desde logo, o mérito de enveredar por um tema que, apesar da relativa abundância documental, nem sempre tem suscitado a melhor das atenções por parte da comunidade histórica portuguesa, quer no plano micro ou no contexto mais lato da História da Cultura Moderna.

Propõe-se o autor estudar, nesta obra, a intervenção dos livreiros na produção do livro, a circulação deste, em Portugal e no estrangeiro, os locais de venda, a formação e a reprodução de empresas livreiras ao longo do tempo, assim como as estratégias de ascensão social e as escolhas matrimoniais.

Tendo escolhido como espaço geográfico e temporal de análise a cidade de Lisboa, entre meados dos século XVI e a primeira metade do século XVII, Jorge Fonseca conduz-nos a um mundo próprio das atividades livreiras, bem como à azáfama quotidiana das gentes ligadas a estas, tais como impressores, livreiros (por vezes o mesmo) até aos mais humildes, obreiros e criados, aos vendedores de pequenos folhetos nas ruas, aos tipógrafos, aos que subsidiavam as obras, sem esquecer produtores e importadores do papel, fundamentais para todo este trabalho de impressão e distribuição, ou ainda aos que propiciavam a encadernação final do livro. Dá-nos, assim, a conhecer o pioneirismo dos que se dedicaram, com muitos desafios, a esta imensa e nova tarefa de produção e circulação dos textos impressos, que permitiu, em Portugal e na Europa, o acesso ao livro numa dimensão que nunca fora possível em anteriores épocas.

Revisitando a bibliografia, não só a mais antiga, mas também a mais recente, sobre o tema, produzida em Portugal e no estrangeiro, utiliza, por outro lado, fontes primárias e secundárias cruciais para o estudo proposto. Desde os registos notariais da cidade de Lisboa, que estão, nesta matéria, em grande parte por estudar; os registos paroquiais: batismos, casamentos e óbitos respeitantes às freguesias cujas igrejas não foram destruídas, já que as de São Julião e Madalena desapareceram com o terramoto de 1755; os fundos da Inquisição: como as habilitações do Santo Ofício, sobretudo da Inquisição de Lisboa; os inventários dos testamentos de profissionais do livro, estantes no fundo documental proveniente da Irmandade de Santa Catarina dos Livreiros, que se conserva no Arquivo do Patriarcado de Lisboa; os registos de correspondência e de contabilidade dos países com os quais os livreiros da urbe lisboeta mantinham contactos comerciais, em especial, do Museu Plantin-Moretus, de Antuérpia.

O livro está dividido em seis capítulos seguidos das conclusões, notas biográficas, fontes e bibliografia. No primeiro capítulo, em que é contextualizado o espaço geográfico escolhido, na circunstância, a cidade de Lisboa, a urbe de maior dinamismo económico do Portugal quinhentista com preeminência política e cultural, o autor centra o seu estudo na atividade livreira numa capital em que fervilhavam as trocas, vendas e compras, a importação e a distribuição das especiarias africanas e asiáticas, dos tecidos e produtos de luxo da Índia, do ouro da Mina, da madeira e do açúcar do Brasil, para além do tráfico de escravos, na sua maioria africanos.

Sob a égide de D. Manuel I não só se iniciou, em 1501, a edificação do Paço da Ribeira e a criação do terreiro do Paço, este último intrinsecamente ligado ao primeiro, como a construção da Ribeira das Naus, tudo espaços de exaltação do poder do monarca com um objetivo muito claro: a presença, controlo e fiscalização de toda a azáfama comercial ribeirinha dia a dia, ano a ano, com a chegada e partida de naus e armadas para os diferentes portos de além-mar. É nesse contexto que a cidade é sujeita a uma renovação urbanística que dê resposta a uma múltipla e volumosa atividade comercial.

Como o troço e via pública mais importante da Lisboa manuelina, na rua Nova dos Mercadores, por onde “andava «toda a gente nobre» da cidade” (p. 16), concentravam-se os comerciantes de grosso, médio e pequeno trato, portugueses e estrangeiros, tais como mercadores de lojas de panos, sedas, boticários, sirgueiros, tosadores, luveiros, barbeiros, sapateiros, fanqueiros, calceteiros, alfaiates, cerieiros e mestres de muitos e variados artífices. Ora, sendo, no dizer de João Brandão, os ofícios de livreiro, dos que são “«limpos e que enobrecem a dita rua»” (p. 16), seria normal que aí existissem onze livreiros, entre os mais ricos, a maioria dos que havia em toda a cidade. Por isso, não será de estranhar que o grosso do comércio (e produção) livreiro da urbe lisboeta se congregasse neste eixo viário, a rua mais abastada e moderna da capital.

Como releva o autor, pelo menos desde o final do século XVI, a maioria e as mais importantes livrarias concentravam-se na parte oriental da rua Nova, junto ao Pelourinho Velho, e no início da rua dos Ourives da Prata, alargando-se, provavelmente, para ocidente, confluindo com o beco, que viria a chamar-se dos Seguros. Segundo Jorge Fonseca, essa realidade, atestada documentalmente, seria verificável até ao início do século XVIII (1703).

Um dos méritos indiscutíveis deste capítulo é o de elencar o número, a identificação onomástica, as freguesias, as rendas e os impostos pagos pelos livreiros da rua Nova, em 1565, o que inventariará, de igual forma, para outras ruas periféricas, na mesma data, como a Sé, ou, no extremo oposto, a colina de São Francisco e a Porta de Santa Catarina. Tal como é visível na figura 2 da página 18, os principais locais com livreiros na Lisboa dos séculos XVI e XVII eram, para além da rua Nova, a Porta do Ferro, o terreiro do Pelourinho Velho, a rua da Padaria, o pátio da Capela, o terreiro da Portagem Velha, o Rossio, o Colégio de Santo Antão-o-Novo e a Misericórdia. Para além disso, dezoito outros livreiros distribuíam-se pelo centro da cidade.

No que diz respeito ao instituto de ensino jesuíta, criado em 1553, normal seria a existência de lojas de livros, atendendo à procura estudantil e dos próprios professores. Também aí, na centúria seguinte, surgiu a rua dos Livros (ou rua Direita do Colégio), nome que se manteria até ao início do século XIX. A substituição da toponímia anterior, tanto nesta como na dos Livreiros da rua Nova, comprova a crescente relevância desta atividade editorial e da comercialização de livros na capital do reino.

Conclui o autor este capítulo inicial, indicando o conjunto das livrarias que funcionaram durante a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII, em que se destaca a primazia da rua Nova (31,3%), a par de outras sem localização (35,6%), o que aponta, em função da documentação consultada e disponível, para um número relevante de livrarias existentes na área central de Lisboa, de 115, no primeiro período cronológico escolhido, e de 97, no seguinte.

No segundo capítulo, de título “Estratégias económicas”, o mais vasto e aprofundado desta obra, o autor começa por estudar a atividade livreira, definindo três modelos de gente dedicada a esta arte: o livreiro, conceito diferente do dos nossos dias, já que este se ocupava do processo artesanal da encadernação dos livros e outros suportes impressos - impondo, naturalmente, uma formação específica, assegurada através de um prévio exame na respetiva corporação - e a venda de livros. Por seu turno, o mercador de livros, que não se submetia a tal prova, dedicava-se, exclusivamente, à comercialização de maior dimensão, quer com a importação de obras dos principais entrepostos estrangeiros, quer fornecendo livros a Portugal ou a outros destinos fora do país. Um terceiro grupo de mercadores era o de outros géneros que, de igual modo, vendiam livros. Tal como ocorria pela Europa fora, tanto livreiros como mercadores não se inibiam de vender outros bens.

Com base em fundos documentais e, sobretudo, da Inquisição de Lisboa ou ainda de bibliotecas privadas, o autor elenca não só as matérias das obras que se vendiam, editadas no reino, como as que vinham do estrangeiro.

Vendia-se, nesta época, nas livrarias da cidade, em maior número, obras sobre teologia e história sacra, filosofia, direito, astronomia, cosmografia, medicina, clássicos greco-latinos, história ultramarina, linguística, poesia e teatro, quer em latim, quer em línguas vernáculas como o português, o castelhano, o francês, o italiano e o alemão. O autor refere que a partir do estudo de alguns casos, como de um médico, de um farmacêutico, de dois praticantes de adivinhação, de dois membros do alto clero, de três professores universitários e de um mercador, político e diplomata, é possível afirmar que, na época em estudo, quem lia e, em consequência, possuía livros, era gente que detinha livros técnicos nas respetivas áreas de trabalho e a quem o gosto e hábito da leitura conduzia, naturalmente, à aquisição de obras sobre outras temáticas de natureza literária. Além da tipologia de livros existentes nas livrarias públicas e privadas, o autor refere os vários utensílios usados na encadernação dos livros.

Nesta Lisboa dos séculos XVI e XVII vendiam-se, de igual modo, livros usados, cuja compra e venda era frequente, tanto dos que os livreiros compravam em leilões de bibliotecas, como dos que eram vendidos pelos possuidores ou respetivos herdeiros. À venda encontravam-se, também, pequenas brochuras de poucas folhas relativas aos mais diversos temas, com especial incidência para a propaganda política, a revolta contra D. João IV, em 1641, as guerras da Restauração, entre outros. Por outro lado, não raro, existiam vendedores cegos de papéis impressos, de natureza diversa, sobretudo religiosa. Outro tipo de textos, que se vendiam em Lisboa e, em particular, na rua Nova, era a «literatura de cordel», assim chamada pelo facto de se expor esta mercadoria, em cordéis, nas pequeníssimas tendas dos seus possuidores.

Não obstante o número de livros impressos ser o de maior e mais fácil venda, chegando até às centenas de exemplares, os livros manuscritos não desapareceram, tendo o seu mercado próprio, dando origem, inclusive, a verdadeiras oficinas de copistas e outros vendedores itinerantes, que prestavam serviço a particulares, à Coroa, à Igreja e aos municípios. A este respeito, a investigação do autor revela o que outros historiadores têm vindo a sublinhar quanto à persistência do texto manuscrito no século XVI, o que incluiria, sobremaneira, as grandes obras da historiografia portuguesa, que tiveram de aguardar pelos séculos XVIII e XIX para serem impressas, assim como as próprias bibliotecas de reis e rainhas.

Se as lojas dos livreiros eram as responsáveis por fazer chegar às mãos dos leitores a grande maioria dos livros que circulavam em Lisboa e noutras cidades e vilas portuguesas, era também nesses locais que se vendiam os materiais, hoje vulgarmente encontrados em papelarias, como papel de escrita, cadernos, tinta, penas, pós de secagem, etc., assim como pergaminhos de utilidade vária. Outra temática abordada neste capítulo diz respeito à encadernação, sendo reutilizados os manuscritos escuros para a encadernação de livros impressos ou manuscritos, para reforço das respetivas lombadas, depois vendidas a peso aos livreiros. Na sua maioria, este tipo de manuscrito vinha do estrangeiro, em especial de França, e foi utilizado, por exemplo, na produção das chancelarias régias portuguesas. Os livreiros, que compravam esses manuscritos, utilizavam-nos em encadernações ou vendiam-nos a impressores, que neles imprimiam novos textos. Encontram-se, nesta circunstância, as Ordenações Manuelinas, obras de rara beleza e luxuosa riqueza artística, e de maior durabilidade física e temporal.

Para além destas livrarias públicas, existia a venda de livros entre particulares, que não detinham lojas montadas e que se configuravam como uma desleal concorrência ao livreiro tradicional. Do maior interesse é a referência, pelo autor, de como "eram postas a circular (...) pequenas produções literárias e políticas" (p. 41), em panfletos e brochuras, com impacto social e político, e que se vendiam, “de mão em mão, ao ritmo do interesse dos destinatários” (p. 41), pelas ruas, feiras e outros locais movimentados.

O preço dos livros, por sua vez, variava, fossem estes novos ou usados, consoante a quantidade necessária de papel para a sua impressão, a qualidade do mesmo, o número de páginas, ou a existência de gravuras. Por seu turno, os livros usados eram, naturalmente, mais baratos. Para além da venda, também se alugavam livros ou se possuíam, temporariamente, por empréstimo. Além do mais, quem não soubesse ler, poderia juntar-se em grupos nos quais eram lidos livros em voz alta.

Tratando-se de espaços de compra e venda de livros, as livrarias, eram, como os demais locais de comércio, lugares de encontro dos respetivos clientes, onde se juntavam, em convívio, os interessados por livros, os simples leitores, os autores ou os estudantes. Por outro lado, e ao contrário do que sucede hoje, as atividades de produção de livros e da sua comercialização estavam interligadas, já que os livreiros eram os clientes dos impressores, alimentando estes o seu negócio. Com frequência, os compradores intervinham, custeando, a jeito de mecenato, a impressão. Neste sentido, os vários casos estudados pelo autor revelam que, para além dos livreiros, outras instituições ou entidades particulares compravam, ao editor, os direitos de edição ou contribuíam, financeiramente, para a sua existência. Estavam neste caso, entre outros, os bispos, as dioceses, as ordens religiosas, as misericórdias, as confrarias, a coroa e as universidades.

Também era frequente que as atividades editorial e tipográfica, assim como a venda de livros, estivessem reunidas nas mesmas mãos. Por razões religiosas, e com frequência, os livreiros deslocavam-se a outros países para imprimirem obras que levantavam suspeita de heresia pela Inquisição de Lisboa.

Dentro da atividade literária, o autor investiga o modo como se fazia a circulação do livro, quer no plano da importação como no da exportação. Como importadores, os livreiros de Lisboa recebiam livros de grandes centros de produção como Lyon, Antuérpia, Veneza, de várias cidades do Sacro Império Romano-Germânico e de Castela. Na função de vendedores, além de fornecerem obras produzidas fora de Portugal e outras importadas, os mercadores de livros lisboetas distribuíam esses produtos por vários pontos do reino, por cidades castelhanas, pelos domínios do Ultramar português, bem como para os territórios castelhanos de além-mar onde existissem comunidades lusitanas. Destaque feito pelo autor às relações entre a célebre casa dos Plantin-Moretus, a reconhecida oficina em Antuérpia, e os clientes portugueses. A comunidade lusa, em que muitos eram cristãos-novos fugidos da Inquisição, teve uma importância significativa no comércio flamengo dessa cidade, sendo compradores privilegiados de obras desta casa editorial.

No âmbito da importação livreira, o autor realça a posição periférica de Lisboa e do reino na produção e comércio relativamente aos principais centros europeus do setor, demonstrada pela intensa importação de livros desses centros e na impressão, nesses locais, de muitas obras de autores portugueses. No que diz respeito à circulação interna dos livros, quer fossem importados, quer impressos em Portugal, Lisboa centralizava a sua distribuição, auxiliada por livreiros ambulantes, pelas cidades e vilas onde havia livrarias. O apoio dos monarcas, desde D. Manuel I até D. João IV, a esta produção e venda de livros, fica demonstrada por Jorge Fonseca ao identificar os livreiros ao serviço dos reis até ao reinado do Restaurador. Indica, por outro lado, a tipologia dos livros encomendados e encadernados pelos monarcas e pelas rainhas consortes, com destaque especial para D. Catarina de Áustria, no período em estudo. O mesmo sucedia com outros poderes da urbe lisboeta, como o arcebispo de Lisboa e o grémio municipal.

No capítulo três da obra, o autor estuda a relevância do associativismo religioso, em torno da Irmandade de Santa Catarina, revitalizada por D. João III e D. Catarina de Áustria, face à intervenção de um grupo dinâmico de livreiros, transferindo-a de Ribamar para o centro de Lisboa, promovendo, por outro lado, a edificação da respetiva igreja. Neste sentido, é possível detetar as importantes relações entre livreiros, quer recorrendo a colegas para serem testemunhas de contratos comerciais, quer para serem padrinhos de seus filhos, ou ainda para testemunharem casamentos ou serem testamenteiros.

O capítulo quatro aborda a relação entre os livreiros e a Inquisição, cuja documentação se configurou como primordial para a execução deste trabalho. Para além de denúncias de ordem pessoal, com detenções por suspeita de heresia, em regra luteranismo, os livreiros eram impedidos de imprimir certas obras consideradas heréticas, reprimindo-se, por outro lado, a difusão das que já haviam sido impressas. Para evitar tal realidade, foi ordenado aos livreiros que fizessem o inventário dos livros que possuíam nas suas lojas, entregando ao Santo Ofício os que fossem considerados heréticos. Para além das visitas inquisitoriais a livrarias, e da vigilância dos textos vendidos em feiras pelos livreiros cegos ou pelos vendedores de literatura de cordel, os oficiais da Inquisição controlavam a entrada dos livros heréticos, em particular os luteranos, por via marítima, com as visitas dos agentes inquisitoriais aos navios e a embarcações estrangeiras. No capítulo seguinte - cinco - intitulado “Negócios e estratégias familiares”, o autor descreve as estratégias de ascensão social perseguidas pelos livreiros, não só através da posse do estatuto de familiar do Santo Ofício, como do matrimónio com membros da pequena nobreza, convidando, igualmente, elementos dos Grandes e da alta hierarquia eclesiástica para serem padrinhos dos seus filhos. Estudando algumas das famílias com maior protagonismo económico, Jorge Fonseca descreve esses laços familiares como verdadeiras dinastias, passando o negócio livreiro de pais para filhos, genros, sobrinhos, etc., que asseguravam a sua subsistência e, como consequência, a perpetuação da família.

Por fim, no capítulo seis, dedicado aos níveis de riqueza e de estatuto socioprofissional, identificam-se vários graus de riqueza, desde os livreiros que possuíam escravos e intervinham no tráfico negreiro ou ao florescente comércio da ourivesaria. Os que eram estrangeiros, assim como os seus descendentes estabelecidos em Lisboa, poderiam ascender socialmente, alcançando o estatuto de livreiro do rei e da rainha, de outros membros da família real, da Casa de Bragança, das ordens militares, do arcebispo de Lisboa ou do município da urbe. Para além destas vias de promoção social, as estratégias matrimoniais bem-sucedidas surgiam com um casamento, do próprio ou de familiares, com um membro da pequena aristocracia, ou ainda com a posse do estatuto de familiar do Santo Ofício, como foi atrás referido.

Muitos dos livreiros de Lisboa nunca alcançaram essa preeminência económica e reconhecimento social, sendo, pelo contrário, bastante mais modestos. Com assimetrias económicas e de estatuto, a partir das fontes estudadas nesta obra, imperava a unidade entre os detentores da profissão de livreiro, para a qual em muito contribuía a Irmandade de Santa Catarina, na qual participavam em cargos, funções e atividades, funcionando como qualquer outra das corporações similares, criando laços de solidariedade mútua e de promoção social, de amizade, de religiosidade. Afirmando-se corporativamente, superavam as disparidades socioeconómicas da competição comercial. Fundamental era, a outro tempo, a reprodução social dos livreiros, quer assegurando a transmissão familiar dos negócios ou propiciando casamentos das suas filhas com livreiros, em regra, empregados dos pais, viabilizando-se, assim, a preservação do ofício e da loja.

Para além do capítulo sete, relativo às conclusões, surgem-nos no capítulo oito, as utilíssimas e minuciosas notas biográficas, isto é, uma longa lista alfabética e biográfica dos livreiros de Lisboa, do seu percurso doméstico, das relações familiares, do caminho de cada um como homens ligados à impressão e ao negócio dos livros, indicando, ainda, as obras produzidas e/ou vendidas pelos mesmos.

Como refere o autor, o tema não se esgota nesta sua obra, mas lança novas e bem fundamentadas conclusões sobre o mundo livreiro em Lisboa nos séculos XVI e XVII, passíveis de serem complementadas com outras investigações e estudos sobre esta matéria. De facto, o trabalho em apreço configura-se como um estudo incontornável para o conhecimento da atividade livreira na urbe lisboeta, podendo contribuir, metodologicamente, para a produção de obras análogas para as demais cidades do reino.

Referência bibliográfica

Fonseca, J. (2020). Os livreiros de Lisboa nos séculos XVI e XVII: Estratégias económicas, sociais e familiares. Edições Colibri. [ Links ]

Recebido: 08 de Novembro de 2023; Aceito: 17 de Novembro de 2023

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