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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.24  Braga dez. 2013

https://doi.org/10.17231/comsoc.24(2013).1788 

VÁRIA

A Identidade cultural Portuguesa: do colonialismo ao pós-colonialismo: memórias sociais, imagens e representações identitárias

 

Portuguese cultural identity: from colonialism to post-colonialism: Social memories, images and representations of identity

 

 

Maria Manuel Baptista*

*Departamento e Línguas e Culturas, Universidade de Aveiro, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho, Portugal.

mbaptista@ua.pt

 

 

RESUMO

A presente reflexão pretende analisar as relações entre memória e identidade de portugueses colonialistas em África, tal como foram sendo representadas no cinema português até ao final do século XX. Escolhemos cinco dos que nos pareceram os exemplos mais ilustrativos (três longas-metragens de ficção e duas comédias) que representam de forma diversa o modo como osportugueses se foram representando identitariamente, enquanto ‘agentes civilizadores’ de povos africanos. Com efeito, podemos considerar que a identidade cultural do português em África, tal como ela é representada no cinema português durante o século XX, passa por três momentos distintos: uma primeira fase, que designaremos por ‘A invenção de um Império’, uma segunda fase,que intitulamos ‘Um colonialismo à portuguesa’, e um último momento que, genericamente, designarmos com a expressão ’Exilados de sítio nenhum’. Na parte final deste estudo discutiremos a possibilidade de compreensão das memórias e identidades coloniais e pós-coloniais, a partir de uma gama muito diversa de modalidades relacionais entre o Eu e o Outro, as quais exigem a contínua (re)construção de memórias e identidades, num quadro de exercício de liberdade individual e coletiva: uma tarefa de Sísifo, infinita por natureza.

Palavras-chave: Identidade; cinema; colonialismo; descolonização; pós-colonialismo.

 

ABSTRACT

This reflection aims to analyse the relation between the memory and identity of the colonial Portuguese in Africa, according to how they were represented in Portuguese cinema until the end of the 20th century. We chose five examples, which we considered most illustrative (three feature-length fictional films and two comedies), which demonstrate the diverse ways in which the Portuguese were represented in terms of identity, as ‘civilising agents’ for the African people. Thus, we can consider that the cultural identity of the Portuguese in Africa, as portrayed in Portuguese cinema in the 20th century, had three distinct phases: we designated the first as ‘The invention of an Empire’, the second as ‘a Portuguese colonialism’, and a final stage, which is entitled with the expression ‘Exiled from nowhere’. In the final part of this study, we discuss the possibility of understanding colonial and post-colonial identities and memories, from a wide range of modalities related to Myself and the Other, which require the continuation of a (re)construction of memories and identities, in a framework of exercising individual and collection liberty: a work of Sísifo, infinite by nature.

Keywords: Identity, cinema, colonialism, decolonization, post-colonialism.

 

 

1. Introdução

Longe de ser um repositório estático de informações, a memória é um dos elementos fundamentais na constituição das identidades, quer individuais quer coletivas. Poderíamos mesmo dizer que ambas se alimentam (e retro-alimentam) uma da outra, convocando-se ciclicamente em tarefas de reconstrução de sentido (Candau, 1996).

Um tal trabalho constitui, em última análise, uma tarefa de Sísifo, à semelhança do que acontece com a constituição do sujeito autónomo e de comunidades livres e autodeterminadas (Martins, 1996). Mas a memória trabalha não só com a identidade própria como também com a identidade do Outro, que lhe éconsubstancial, mediando, regulando, pesando e, frequentemente, legitimando e estabilizando (também retroativamente) as relações de força que se estabelecem entre os sujeitos e os povos. São múltiplas as produções culturais que expressam, em linguagens e registos que lhe são próprios, essas relações, quer de forma direta quer indireta. Por vezes questionam-nas, outras vezes, fundamentam-nas e naturalizam-nas, seja esse ou não o seu propósito (Cabecinhas, 2007).

Uma das mais impressionantes tarefas de manipulação da identidade e da memória próprias (e imediatamente da identidade e da memória do Outro) foi o processo de colonização que os Europeus levaram a cabo em diversas partes do mundo e, de forma mais intensa, nos finais dos séculos XIX e XX em África.

A presente reflexão dedica-se precisamente a analisar as relações entre memória e identidade dos portugueses colonialistas em África, tal como foram sendo representadas no cinema português até ao final do século XX. Escolhemos cinco dos que nos pareceram os exemplos mais ilustrativos (três longas-metragens de ficção e duas comédias) do modo como os portugueses se foram representando identitariamente, enquanto ‘agentes civilizadores’ de povos africanos. E embora a análise da importância do cinema, enquanto construtor e mobilizador de imagens, identidades e memórias (individuais e coletivas) não caiba aqui, não podemos deixar de sublinhar a fecundidade de uma área de trabalho que, em Portugal, se encontra a dar os seus primeiros passos, enquanto objeto deinvestigação na área dos Estudos Culturais, e mais especificamente, intersectando-se com o domíniodos estudos pós-coloniais portugueses[1]. Assim, no presente contexto, entenderemos o cinema como «(…) um dispositivo de enunciação (…), um aparelho em ato de simulação» (Martins, 1990:127).

A presença colonizadora do português em África, no século XX, interessa-nos de sobremaneira, em duas vertentes: compreender de que modo a identidade cultural portuguesa se transforma ao longo deste século, especificamente nos portugueses que se dirigem a África para aí se estabelecerem, mas também, por outro lado, o modo como de novo terão de se reinventar, nas suas identidades, memórias,auto e heterorrepresentações, no momento em que terão de retornar, após a Revolução do 25 de Abril de 1974 à ‘Metrópole’.

Mas, como a identidade é sempre relacional, pois é só em função do Outro que se constrói e define (Hegel, s/d) não podemos deixar de compreender e discutir a imagem e a representação do Outro africano, que será ora ‘indígena’, ora ‘preto’, ora ‘mestiço’, ou ainda ‘assimilado’ cf. (Cunha, 1994), em face do qual se definirá o português no Império Colonial, em primeiro lugar, território quedepois passará a designar-se por Províncias Ultramarinas.

Com efeito, podemos considerar, do ponto de vista da questão que nos interessa, que a identidade cultural do português em África, durante o século XX, passa por três momentos distintos:

- Uma primeira fase, que designaremos por ‘A invenção de um Império’, até meados dos anos 50, onde destacamos como pontode viragem para a fase seguinte a revisão da Constituição Portuguesa em 51, que altera o estatuto político das Colónias e o Luso-tropicalismo de Gilberto Freyre que, desde 1953, começa a difundir-se um pouco por todo o Império Português, usado com o objetivo de legitimar o colonialismo português;

- Uma segunda fase, que designaremos por ‘Um colonialismo à portuguesa’, que se inicia em meados dos anos 50 e terminará com a Revolução dos Cravos em 25 de Abril de 1974 e subsequente descolonização, obrigando os portugueses em África a um retorno, em massa, à Metrópole;

- Uma terceira fase que, iniciando-se no momento em que Portugal recebe, por ponte aérea, em poucos meses, meio milhão de‘retornados’ das ‘ex-colónias’, e não afinal das ‘ex-províncias ultramarinas’, até ao momento presente em que os discursos, as memórias e as representações do que foi o português em África e o que viveu depois como ‘retornado’, têm começado a surgir em grande quantidade, diversidade e até profundidade. A esta fase atribuiremos a designação genérica de ’Exilados de sítio nenhum’.

1.1 A invenção de um Império

Desde o Ultimatum Inglês de 1890 que os portugueses tomam consciência generalizada da importância dos seus territórios em África, na Índia e na Ásia, tornando-se bastante claro que um ataque a qualquer uma destas possessões, cujo domínio consideram estar assegurado por um direito histórico, assume uma feição de ataque à sua própria identidade cultural.

Mas o fato é que, conforme refere Valentim Alexandre (Alexandre, 1979) o ‘Império Português’em África nunca existiu até ao século XIX, pois não se conseguiu mais do que ocupações territorialmente muito circunscritas na costa africana, destinadas essencialmente a manter umaatividade comercial com os nativos. No contexto dessa troca comercial ganha peso assinalável o comércio de escravos para o Brasil (até meados do século XIX), depois ainda para o sul dos EstadosUnidos da América, Cuba e, finalmente, para S. Tomé e Príncipe (na segunda metade do século XIX).Deste modo, o que havia a menos no tão proclamado Império Colonial Português era precisamente um Império, que só desde a Conferência de Berlim passou a ter uma existência, primeiro cartográfica(muito para além do que alguma vez os portugueses haviam ocupado, nem sequer imaginariamente) e depois no terreno, senão como verdadeira ocupação populacional portuguesa, pelo menos, procurando instalar uma incipiente administração e uma ténue presença militar, capaz de garantir minimamente oslimites fronteiriços, acordados pelo tratado.

Neste contexto, a imagem que os portugueses constroem de si mesmos em África acaba por se cristalizar na do ‘Aventureiro Colonizador’, cuja função consiste essencialmente em promover uma política de ‘civilização’ dos indígenas. Até ao final da 1ª República em 1926 não teremos outra perceção que não seja aquela que radica na convicção da mais absoluta legitimidade de ocuparmos o que nos pertence (depois da espoliação do Ultimatum) e, dentro das possibilidades financeiras e demográficas do país, levar a ‘civilização’ e o ‘progresso’ aos pretos. O número de brancos na África portuguesa é diminuto e composto essencialmente por militares, que procuram pacificar as populações indígenas, funcionários administrativos e degredados por crimes cometidos na Metrópole. No imaginário português da época, África é terra de selvagens, de populações de incivilizados que podemchegar a praticar a antropofagia, terra de clima difícil e doenças desconhecidas. Enfim, uma terra de degredo e expatriação.

A partir do início da Ditadura Militar (1926) e da sedimentação do Estado Novo em Portugal(1933), estando já as fronteiras das nossas possessões em África suficientemente estabilizadas e as populações globalmente pacificadas, entrámos numa segunda fase de construção, sobretudo ideológica e imaginária, do Império. Esta segunda fase durará, em nosso entender, até meados da década de 50, quando as críticas e as pressões internacionais, de pendor anticolonial, se começam a fazer sentir em Portugal.

O português em África deixa de se ver como um ‘Aventureiro Colonizador’ para se representar como um ‘Herói Colonial’, onde, a figura de Galvão Teles pode ser vista como um exemplo ilustrativo, inscrevendo-se numa mais vasta aventura do povo português, iniciada já no século XV, com os Descobrimentos.

É ainda, neste período seminal do Estado Novo que se produz uma imagem complementar e muito nítida do negro a civilizar, tornando-o ‘assimilado’, e do português branco, representado como ‘génio civilizador’, cuja ação concreta será enquadrada e legitimada por um conjunto de documentos legais produzidos pelo Estado Novo, onde se destacam o «Estatuto Político, Social e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique» (1926, só revogado em 1954 com o «Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique»), o «Ato Colonial» (de 1930 e sórevogado em 51) e a «Carta Orgânica do Império Colonial Português» (1933).

Do ponto de vista do imaginário do império representado ‘como centro’ (Ribeiro, 2004), este é o período mais denso, no que respeita à construção de autorrepresentações identitárias dos portugueses.Uma imagem bastante completa pode ser encontrada nas atas de um ciclo de Conferências de «Alta Cultura Colonial», promovidas em 1936 pelo Ministro das Colónias da época (Colónias, 1936) e que procurou fazer um balanço ‘científico’ das diversas áreas do nosso conhecimento sobre o Ultramar, tendo dirigido convites específicos àqueles que lhe pareciam os mais profundos conhecedores da realidade do Império Colonial Português, para que produzissem conferências nas suas áreas de especialidade. Obviamente que os selecionados, para assim cartografarem os conhecimentos produzidos em Portugal, à época, sobre a sua própria realidade colonial encontram-se completamente mergulhados numa ideologia imperial, e até mesmo imperialista, salvo raras e honrosas exceções, que apresenta feições diversas, mas que, globalmente, permite pouco espaço para uma qualquer contraimagem que ponha em causa a representação do ‘branco, herói civilizador em África’, em oposição ao ‘negro selvagem animista’ e até antropófago.

A representação identitária dos portugueses, que é em nosso entender complementar (o‘Aventureiro Colonizador’ que se transforma em ‘Herói Colonial’,) encontra-se particularmente bem expressa, no muito aclamado filme Chaimite (Canto, 1953).

Chaimite é um filme realizado por Jorge Brum do Canto, que estreou em Lisboa em Abril de1953. O argumento do filme situa-se em 1894, altura em que os Vátuas atacavam com frequência os colonos portugueses. A resposta portuguesa não se fez esperar e o filme recorda as campanhas em Marracuene, Magul, Cooela, e Manjacaze, conduzidas por António Enes, Caldas Xavier, Ayres Ornelas, Eduardo Costa, Paiva Couceiro e Freire de Andrade, numa primeira fase, e depois Mouzinhode Albuquerque cuja maior façanha foi capturar o grande chefe negro Gungunhana, em 1897 trazidopara Portugal e exposto publicamente, para gáudio dos portugueses.

Em paralelo com a ‘Grande História’ temos ainda a ‘pequena’ história de um conjunto de colonos portugueses que vive em Lourenço Marques e, entre os quais, se desenrola um romance, que envolve dois soldados apaixonados pela mesma rapariga.

Este filme, rodado em boa parte em Moçambique, tem ainda a curiosidade de incluir o próprio realizador, num dos papéis principais – Paiva Couceiro. Refira-se ainda o facto de ser o segundo grande filme português de ficção sobre África, depois de O Feitiço do Império (1940) e de ter sido visionado entre 1953 e 1969 em 203 exibições, «distribuídas pelo continente (175), Madeira (2) Açores (149), São Tomé e Príncipe (1), Angola (7), Moçambique (3) e Canadá (1)» (Seabra,2000:264). Em 1961, Manuel Gama considerava que, em termos de ‘cinema ultramarino’, em Portugal, o deserto era total, excetuando Chaimite, que considerava «obra digna e estimável, única pedra clara neste desolado mausoléu de oportunidades perdidas. É menos do que pouco, convenhamos. Não é nada!» (Gama, 1961).

Sob o ponto de vista que nos importa nesta abordagem, as memórias e as identidades culturais dos portugueses em África no século XX, este filme mostra-nos o modo como os portugueses reconstroem Portugal e a memória que dele têm em África: homens e mulheres vestem comominhotos, mas agora num clima tropical, constroem em pleno mato ou nas cidades coloniais, as suas ‘casas portuguesas’ (com beiral, flores no alpendre, um copo de vinho na mesa…), apresentando-secomo um povo essencialmente agrícola e rural, trabalhador e honesto, que se ‘pega à terra’, edificando aldeias, vilas e cidades, que replicam, o mais fielmente possível, a Metrópole.

Por seu turno, a identidade do colono branco remete de forma reiterada para uma identidade portuguesa de valorosos e corajosos guerreiros, sempre em menor número e em território hostil, mas revelando maior convicção e amor à Pátria. A estrutura da narrativa das vitórias portuguesas em África coincide exatamente com a do Milagre de Ourique, modelo português para todas as vitóriasfuturas (Lourenço, 1978), desenhando o português com os traços do ‘Herói-colonizador’.

Particularmente significativo é ainda que o filme conduza à filiação das campanhas em África na linha dos Descobrimentos, nos termos de uma representação do português como ‘Aventureiro-colonizador’, tendo os atuais portugueses-colonos o mesmo objetivo dos marinheiros de Quinhentos – conquistar mais almas para a cristandade, concretizando a tendência civilizadora dos portugueses e mesmo o seu génio[2].

Mas, Chaimite não esquece também a importância das mulheres portuguesas na colonização; para além de serem mais bonitas, atrativas, recatadas e sérias do que as estrangeiras, elas são indispensáveis, porque são corajosas e resistentes, dão ânimo e acompanham valorosamente os maridos, como é óbvio, em tarefas de retaguarda: assistência, enfermagem, ensino, etc.

Já quanto aos negros, eles são apresentados como selvagens (chega-se mesmo a agitar de forma subtil o fantasma da antropofagia nas cenas iniciais do filme), incivilizados, sem rosto e sem nome, exceto os que trabalham mais diretamente com os portugueses e lhes são fiéis, tornando-se ‘assimilados’ ao renegarem a sua própria cultura, para viverem como uma ‘espécie’ de portugueses). Em suma, de forma geral os negros quando não são ‘assimilados’, são traidores silenciosos e perigosos espiões.

Podemos assim distinguir dois tipos de negros: os traidores e vendidos ao estrangeiro (aos franceses e ingleses que só têm interesse em usurpar-nos as nossas possessões no ultramar) ou ‘assimilados’, dóceis e civilizados, quando trabalham para os portugueses, obviamente sempre emtarefas menores e ainda assim, permanecendo, ao longo do filme, quase sempre calados e sem nome.

Do nosso ponto de vista, a cena do filme que constitui simultaneamente o desenlace de toda a ação e melhor condensa o modelo relacional branco/preto nesta época é precisamente a do aprisionamento de Gungunhana; os brancos começam por executar a sangue frio dois correligionários do chefe negro, num gesto que simboliza o domínio total, frio e racional do branco sobre o negro. Deseguida, o grande chefe Gungunhana é submetido, preso e humilhado, confessando tudo.

Bénard da Costa sublinha, a propósito desta cena do filme que «o ator indígena chamado a representar Gungunhana esmaga com um olhar, onde passam séculos de humilhação recalcada, o retórico ator teatral que fez o papel de Mouzinho (Jacinto Ramos)» (Costa, 1991:111). Mas, e apesarda crueldade, aqui vista como valentia e domínio sobre os inimigos por parte do ‘Herói-colonizador’ Mouzinho da Silveira, os portugueses são também representados como humanos e piedosos, acabando o militar português, nessa mesma cena, por abraçar a mãe do traidor, pois que afinal esta mulher sofre e não é responsável pelos atos do filho.

Por fim, sublinhe-se o nível de baixa interação entre brancos e negros; estes carregam e servem o branco, são interrogados a estalo[3] e podem matar os brancos de forma traiçoeira. Já os brancos têm o papel de gerir, organizar e velar pela segurança da comunidade branca, num clima de constante solidariedade intra-étnica. Refira-se que há apenas um momento de cumplicidade entre brancos e pretos, que ocorre entre duas mulheres,na cozinha, e a propósito de um prato de arroz doce que a portuguesa faz para o Natal. Ainda assim, a personagem negra, criada da casa e que aparece constantemente no filme, nunca abre a boca, nem se chega a saber sequer como se chama.

Trata-se, como tentámos descrevê-lo até aqui, de um modelo de relação entre brancos e negros quepoderíamos designar como ‘paternalista-agressivo’, mesmo se os seus principais mentores não têm disso consciência, numa espécie de colonialismo ingénuo que sempre foi apanágio do português (Lourenço, 1976b).

Em suma, Chaimite apresenta-nos uma identidade do português em África com a configuraçãode um colono guerreiro, aventureiro e herói, cuja obra se encontra na linha de desenvolvimento dosDescobrimentos. Já a identidade negra remete para a representação de um selvagem (uma vezes bom,outras mau), mas sempre uma criatura inferior, ou, no melhor dos casos, exótica[4].

O filme termina com o cliché da fundação de uma aldeia por parte de um casal português, símbolo da fecundidade, progresso e desenvolvimento civilizacional do português em África.

Apesar deste filme ter sido realizado em 53 (mas situando a ação nos primórdios da efetiva colonização portuguesa em África), será na transição para a década de 50 que encontraremos a possibilidade de penetração de uma contraimagem do Império e com ela dos portugueses que aí sevão instalando. Podemos referir, entre outros, o romance de José Augusto França, Natureza Morta(1949), onde o português nos aparece desenhado também já ele com traços de brutalidade incivilizada, numa espécie de contágio com a imagem que sempre atribui ao outro, o negro. Um outro exemplo também comummente apontado é o livro de Castro Soromenho Terra Morta (escrito igualmente em 1949) e que coloca o embate entre as identidades negra e mestiça, por um lado, e a branca e ocidentalpor outro, como o lugar do desencontro e do desenraizamento, muito diferente da autorrepresentação identitária oficial dos portugueses imperialistas e dos fazedores do império.

Podemos igualmente detetar alguns aspetos desta contraimagem, que se começa a desenhar natransição da década de 40 para os anos 50, e que acabará por ganhar corpo na fase seguinte, cuja face mais visível encontraremos nos movimentos africanos de oposição ao domínio português e mais tardena guerra colonial que surgirá na década de 60, num dos raros filmes portugueses de ficção que aborda o império e os portugueses nele, intitulado O Costa de África (Mendes, 1954).

Este filme pode ser lido, no contexto da presente reflexão, como uma peça de importância assinalável, pois teve uma grande repercussão em Portugal, ao tornar-se um importante êxito de bilheteira. Trata-se de uma comédia picaresca, com atores muito populares como Vasco Santana, LauraAlves e Ribeirinho, com origem numa peça teatral que, desde 1953, se apresentava nos palcos de Lisboa, tendo percorrido o país sempre com grande popularidade e aceitação do público.

Nas palavras de Manuel Cintra Ferreira «a comédia popular idiotizou-se (ainda mais!) com um Costa de África de João Mendes» (Ferreira, 2002:298).

No argumento do filme («memória das nossas ‘cicatrizes corporais’» (Martins, 2011:133), como todo o cinema o é), recheado de trocadilhos e piadas ligeiras, o ‘Costa de África’, um português emÁfrica que vem numa viagem de negócios à Europa, é retratado como um indivíduo já contagiado pela ‘brutalidade e incivilidade’ africanas. Tendo enriquecido em África, revela-nos o modo como osportugueses da Metrópole representam os colonos portugueses, olhando os que o servem como negros(‘bijagós’), mesmo quando são brancos, espécie de adultos infantilizados, sem qualquer vida, desejo ou vontade, objeto de violência, para melhor o obedecerem. O ‘Costa de África’ tem, como objetivo último, levar de Portugal uma mulher com quem casar (seja ela quem for), para continuar a obra de civilização portuguesa em terras africanas. Em última análise, a mulher branca que com ele levará, acaba por ser nivelada à condição de domesticada (assimilada?) ou escrava, pois termina por ser transportada numa jaula para o barco onde viajará com o Costa, de regresso a África, tal como se setratasse de negros-servos ou da própria natureza africana (dos animais, por exemplo); tudo sob o olhardominante e divertido do Costa e ao seu serviço.

Tal é o ‘génio imperialista e civilizador’ deste português de passagem pela Metrópole!

A imagem completa-se com a representação de uma criatura de modos pouco polidos, apesar de afetivo, que, na sua passagem pela Metrópole, ainda tem tempo de conhecer e ficar deslumbrado com as obras que o Estado Novo desenvolveu na cidade de Lisboa, tornando-a uma cidade moderna, um momento do filme em que a propaganda ao regime é absolutamente evidente.

Assim, a imagem do português colono (ou colonialista, pois até este momento não se vislumbram grandes diferenças, uma vez que partindo ‘colono-emigrante’ se parece ter tornado um verdadeirocolonialista) começa a surgir nos meados dos anos 50 um tanto matizada e oferecendo prismas diversos de leitura, sobretudo em representações mais populares, não mediadas já pela mística doImpério e que põem a nu, de um modo burlesco e em tom de comédia, o lado mais brutal do portuguêscolonial, que não passa pela tarefa de ‘civilizar pretos’, sem ele próprio se tornar também um pouco‘selvagem’.

Por seu turno, e no que respeita ao discurso oficial ou às autorrepresentações identitárias destes portugueses, o que encontrámos são imagens sempre ligadas à celebração do Império, mas nesta época de transição para um outro período do colonialismo português que se começa a desenhar apartir de meados dos anos 50, já não remetendo para o ‘herói-colonial’, uma espécie de herói-aventureiro colonizador, mas para ‘colonos emigrantes’, sempre em pequeno número, que só podeminstalar-se em África com autorização do Estado, para que não surja aí uma emigração portuguesa depobres, que mude a representação identitária do branco em África, correndo o risco de se apresentar como mais um miserável entre miseráveis.

Deste modo, o ‘colono-emigrante’ mantém sempre a sua condição de superioridade económica,social e religiosa face ao negro, condição essencial para que seja possível continuar a aportuguesar África, merecendo o respeito e até a veneração dos nativos pelos brancos e recolhendo a sua boa vontade e inclinação para a assimilação.

Em suma, a superioridade identitária dos brancos é-lhes assegurada pela existência de um negroque se confunde, frequentemente, com a paisagem africana, da qual parece não se distinguir: sem história, sem língua, sem instituições políticas, sem ciência e sem técnica, os negros confundem-secom a admirável natureza e geografia africanas, plantas e animais, a maior parte das vezes inofensivos ou apenas exóticos.

A superioridade branca-portuguesa-europeia vive da negação e da submissão do Outro, emúltima análise de qualquer Outro, à condição de ‘bijagós’, como sintomaticamente refere O Costa deÁfrica, tornando-o absolutamente invisível. Mas como é o outro quem humaniza a nossa condiçãoidentitária, o resultado desta total invisibilidade é, em determinados momentos, o recuo até à barbárie e mesmo à selvajaria incivilizada.

1.2 Um colonialismo à portuguesa

Se até meados dos anos 50 do século XX assistimos ao que designamos por um período decivilização e assimilação dos colonizados, a partir desta altura o quadro internacional em que os colonialismos europeus em África se desenvolvem, vai modificar-se e o Estado Português será objeto de fortes pressões internacionais. Especialmente com a entrada de Adriano Moreira para o governo, em 1959 e em 1961 já como Ministro do Ultramar, abre-se um novo ciclo na representação identitária do Negro, que começa a ter cada vez mais voz e rosto, forjando uma identidade de resiliência e revolta contra o branco colonizador, e também do Colonialista europeu que não mais surgirá comoo colonizador aventureiro ou herói, mas progressivamente como o colono-imigrante, pobre entre os pobres, num Império que é cada vez mais insustentável.

Com efeito, de colónias do Império Português, passam estes territórios a ser designados por Províncias Ultramarinas, ao mesmo tempo que deixa de se falar em ‘assimilação’ para se preferir o conceito de ‘integração’. O Estado Novo aceita algumas tentativas tímidas de promover uma pequena elite social e cultural mestiça em África, embora limitando aí a possibilidade de criação de Universidades ou Escolas Superiores, de modo a que não se criasse um movimento nacionalista africano com reivindicações independentistas (como, de resto, estava a acontecer há já mais de duasdécadas e mais proximamente, no ex-Congo Belga).

Trata-se realmente de um tempo de crise da consciência colonialista europeia, que preocupa o Estado Novo, mas não o abala num primeiro momento. Pelo contrário, há um movimento de reforço da colonização e ocupação efetiva das províncias africanas por parte da população branca portuguesa.

O início da Guerra, que nunca será admitida como tal, mas sempre batizada pelas autoridades da Metrópole como ‘ações de pacificação’, fará dos portugueses que vão para África ‘emigrantes-colonos’, mas ainda e apesar de tudo, de nível social mais elevado do que os que vão para França nos anos 60. A política continua a ser a mesma: a emigração branca para África é bem-vinda, mas controlada, para que se não crie uma multidão de pobres brancos, em tudo iguais aos negros, comprometendo as relações sociais e económicas estabelecidas e sedimentadas de há longo tempo.

Ainda assim, a condição económica destes ‘emigrantes-colonos’ é, à chegada a África, maisbaixa do que os seus antecessores ‘colonos-emigrantes’. O seu papel é ambíguo e alguns juntar-se-ão mesmo aos movimentos independentistas, tendo a sua identidade cultural portuguesa sido, em alguns casos, renegada e recalcada. Uma elite negra e mestiça está, entretanto, criada e, sobretudo nosseminários protestantes, que o regime do Estado Novo suportava mal, o sentimento nacionalista é umainevitabilidade.

Porém até 1974 a ficção de um Império Português subsiste e até se reforça com a utilização hábil do luso-tropicalismo do sociólogo brasileiro (Freyre, 2002 (1953)) que, datando embora a sua formulação de 1953 e tendo sido recebida pelo Estado Novo com indiferença, é agora integrada numdiscurso destinado a justificar a nossa obstinação como nação colonizadora, já completamente fora dos tempos imperiais europeus.

O luso-tropicalismo passa então a apontar uma identidade para o português, colonizador, agora muito mais suave, pois está já imbuído de um multiculturalismo e multirracialismo de que o Brasil constituiria exemplo sem par e absoluta caução (Lourenço, 1976a).

Mas se este é o discurso oficial, que penetra muito bem na mentalidade do ‘emigrante-colono’, que se vê, essencialmente, como um promotor de civilização, progresso e desenvolvimento junto de povos mais atrasados, a guerra em África terá uma outra consequência inusitada: pela primeira vez milhares de portugueses (militares) são enviados para uma realidade que desconhecem e da qual em breve passam a dar notícia para as famílias na Metrópole[5].

É o começo do fim da ficção. Para os portugueses da Metrópole, África e a guerra passam a surgir com os contornos de uma realidade horrenda, onde se perdem vidas e recursos, por uma causa que cada vez menos portugueses vêem como sua.

As descrições que estes militares enviam de África e dos africanos em nada coincidem com aperceção dos ‘emigrantes-colonos’ dos anos 60 e 70, os quais se representavam como ‘naturalmente’ africanos, ‘naturalmente’ brancos, ‘naturalmente’ pertencentes a uma classe média ou média alta, ‘naturalmente’ servidos por negros e mestiços (Cabecinhas, 2007).

De resto, militares portugueses em guerra e ‘emigrantes-colonos’ brancos tinham pouco em comum e as representações mútuas, naquela época, são esclarecedoras: os militares abominavam a vida de leviandade e superficialidade que os brancos em África levavam, enquanto eles próprios davam a vida por essa vida (Lourenço, 1992); os ‘emigrantes-colonos’ brancos nem sequer tinham anoção clara de que uma dura guerra se desenrolava muito perto, na qual a manutenção das suas vidas eidentidades estavam implicadas (sabiam vagamente que havia conflitos e escaramuças ‘lá longe’ e ‘pouco importantes’ – cf., entre outros, (Fonseca, 2009)).

Quanto aos negros, a sua identidade permanece invisível ou quase transparente numa sociedade debrancos oriundos da Europa, que se representa ‘naturalmente africana’.

Ora é precisamente a invisibilidade dos negros em África no contexto do sistema colonial emcontraste com a identidade branca que exerce o seu poder através de alguns negros que coloca ao seuserviço, que constitui o objeto do filme Deixem-me ao menos subir às Palmeiras…(Barbosa, 1972). Trata-se do primeiro filme rodado e produzido inteiramente em África (Moçambique), envolvendoafricanos e brancos colonialistas. Considerado o primeiro filme anticolonialista anterior à Revolução do 25 de Abril, foi totalmente censurado pelo regime do Estado Novo e só veio a ser exibido já em 1975.

A história, baseada no conto tradicional africano ‘Dina’, (publicado em 1964 por Luís Bernardo Honwana em Nós Matamos o Cão Tinhoso) situa-se numa fazenda moçambicana, onde os negros são violentamente obrigados a trabalhar de sol a sol, sob o comando de um capataz negro, ao serviço docolonialista branco. Entretanto, na casa do branco, senhor das terras, tudo é calmo e tranquilo. Aí vive-se uma paz e um bem-estar paradisíacos ao som da música clássica que a filha toca num piano,vincando a mudança do mundo negro para o mundo branco, quer dizer a passagem do inferno para o céu. Mais do que isso, o que parece estar subjacente às imagens é que a felicidade de uns só é possível pela condição sub-humana em que vive a maioria negra.

O filme, que se desenrola em runga e inglês, mostra precisamente a desumanidade e crueldade do trabalho nas machambas e culmina com a violação de Maria, filha de um dos trabalhadores maisidosos, Madala. A violação levada a cabo pelo bárbaro capataz decorre sob o olhar impotente do pai e dos outros trabalhadores. Por um momento a revolta parece ser possível e alturas há do filme em que ela surge, mas logo aparece o branco para garantir, com o poder das armas de fogo, que a ordem colonial é restabelecida e que os negros voltam ao trabalho. Para apaziguar a fúria muda do velho Madala, o capataz oferece-lhe uma garrafa de vinho. A raiva é silenciada e o crime fica impune. Morto por exaustão, o filme termina com o enterro do velho e a infinita tristeza de Maria, que simboliza a melancolia e a raiva de toda uma população sujeita à dominação e à injustiça.

Nas palavras de Luís de Pina, «Deixem-me ao Menos Subir às Palmeiras… é, à partida, um filme pobre, humilde, direto, quase documental, com uma ficção muito singela, à moda de conto tradicional, sobre a condição do indígena, tão manietado pelo sistema que lhe fica apenas, para o seu espaço deliberdade, a hipótese de subir às palmeiras. (…) Mas essa é precisamente, pela ausência total deretórica, a força humana do filme»[6].

Trata-se, enfim, de um primeiro momento onde a ferida que todo o colonialismo se esforça por esconder é abertamente exposta naquilo que consiste a sua intrínseca e incontornável violência. E se a literatura é mais precoce neste processo de denúncia da identidade negada e humilhada do negro na sua própria terra, será o cinema que a tornará insuportavelmente visível. Daí que, apesar do seu realizador se ter convencido de que o filme poderia vir a passar as malhas da censura[7], a película só pôde, naturalmente, vir a ser visionada numa sociedade já pós-colonial e com possibilidades de olhar de frente para si mesma e para o lado recalcado da sua identidade de português, branco e colonialista em África.

Já um outro filme, também da década de 70, e curiosamente produzido no mesmo estúdio moçambicano que o anterior (Estúdios Somar), lança uma nova forma de olhar a identidade cultural dos portugueses em África (e dos Outros significativos que o rodeiam, como brasileiros, negros e chineses). Referimo-nos ao filme O Zé do Burro, realizado em 1971 (e exibido em 1972), por Eurico Ferreira (Ferreira, 1971). Trata-se de uma comédia, um tanto devedora do género ‘revista à portuguesa’, mas que na sua desconcertante simplicidade retórica e visual expõe, de forma para nósclara, uma representação da identidade cultural dos portugueses em África bastante diferente daquela que detetámos no período anterior.

O argumento relata a história de um português ribatejano, mais concretamente encarnado por José Bandeira, que ainda em Portugal teria comprado um excelente terreno no Norte de Moçambique, por um preço muito baixo. Viaja então com o seu burro até África, procurando chegar à almejada casa, queafinal era um barracão velho implantado num deserto árido, porque os locais negros simplesmente se recusavam a trabalhá-lo. Com a sua tenacidade, humildade e trabalho consegue conquistar tudo e todos, chegando mesmo a sobreviver aos ataques de um comunista chinês que se encontrava nas redondezas (e que o Zé do burro acaba também por conquistar). O filme termina com a fundação de uma aldeia e o casamento do próspero ribatejano com uma portuguesa, que já vivia em Moçambique.

Compreende-se que, globalmente, tenha sido considerado ‘um filme execrável’. Nas palavras do realizador Lopes Barbosa[8]: «passando ao lado das imperfeições técnicas e do artificialismo burlescodo tema, o filme era uma autêntica lástima» [9], até porque a memória que trabalha este personagem nãoé mais a da ‘Grande História’ (de Portugal ou de África), mas situa-se a um nível que pouco se distingue da do burro (este que é um verdadeiro alter-ego do Zé, personagem principal que também é teimosa, simples, afável e doce, ignorante e sem maldade). Trata-se, portanto, da memória de umPortugal ‘imemorial’, inconsciente e telúrico, de um Portugal ‘profundo’, analfabeto, humilde, de baixa extração sociocultural, mas amigo de todos, começando até pelos animais (o burro) e as crianças.

Será esta memória de um Portugal rural e atrasado, em oposição com o português em África, já demasiado urbanizado e contaminado pelos prazeres da grande urbe, sem memória da culturaprofunda, tradicional e autêntica dos portugueses (de resto, tão perdidos na cidade como as duas personagens brasileiras que também surgem no filme), que permitirá refundar, agora noutros termos, a identidade portuguesa em África.

De uma forma um tanto inesperada, e até desconfortável, como vimos nas palavras de LopesBarbosa, a identidade cultural portuguesa, representada através do português ribatejano que chega aLourenço Marques, transforma-o num objeto agora exótico, característica que aos olhos europeussempre coube inteiramente ao negro. Note-se que esta inversão muito curiosa foi, em nossa opinião, favorecida pelo facto de o filme ter sido totalmente rodado em Moçambique e da responsabilidade de uma produtora local (Somar Filmes). Interrogamo-nos se uma tal veleidade, se um tal golpe de asa,seria possível em realizadores metropolitanos. A própria alusão irónica que em determinado momentoaparece no filme aos desbravadores portugueses da selva africana do início do século, só nos parece serpossível por se tratar de um filme produzido em Moçambique.

De qualquer modo, o português que nos surge nesta película é ingénuo, simples e até ridículo, fraquezas que constituirão precisamente as suas forças, pois acompanham os valores da persistência,do trabalho da terra, da persuasão pelo exemplo, da vida simples e despojada. Em suma, o português nas colónias abandona agora a força e persuade apenas pelo vigor do exemplo, embora fique explícitoque nem todos os portugueses sabem colonizar, para isso, é necessário seguir o instinto e ter a pureza ea ingenuidade do Portugal profundo, saloio e instintivo.

Quanto ao papel dos negros neste filme, verificamos que eles surgem já com um rosto e umaidentidade mais definidos, mas continuam a ser de dois tipos: os bons, que colaboram no desenvolvimento da terra africana, e os maus, vendidos ao estrangeiro, que agora não são ingleses ou franceses, mas comunistas chineses que promovem a guerra, enquanto os portugueses querem a paz. No final, os maus, apesar de não compreenderem a especificidade do colonialismo português (o chinês chega a pensar que o segredo do sucesso do Zé junto dos negros é o burro, decidindo, por isso roubá-lo), são convertidos ao lado bom (português), sem que seja necessário mais do que o exemplo.

Por seu turno, a figura do Zé leva os brancos à conclusão de que afinal os negros não são preguiçosos, mas têm apenas de ter à sua disposição os modelos corretos e serem bem conduzidos.

Estamos agora perante um modelo de relação colonial que podemos designar por ‘paternalista-cooperante’, a qual se caracteriza essencialmente pelo facto de a persuasão, pelo exemplo, substituir o uso da força.

O filme termina, como sempre, com o português a fundar uma aldeia em que a cultura portuguesa e a africana convivem sem qualquer dificuldade (numa alusão ao multiculturalismo de Freyre (Freyre, 2010 (1940)), que até inclui os chineses belicosos derrotados), embora não se misturando: os pretos casam com pretos e o Zé do burro com uma branca portuguesa. De resto aquestão da mistura, do hibridismo e dos mulatos não é tratada em nenhum dos filmes de ficção quetivemos oportunidade de visionar, pelo menos até à Revolução do 25 de Abril de 1974.

1.3 Exilados de sítio nenhum

Será a realidade a encarregar-se de se impor violentamente com a eclosão do 25 e Abril de 1974 e de uma descolonização inevitável, arrancando de um dia para o outro milhares de portugueses a umespaço, a um tempo, a uma sociedade e a uma representação identitária de si que só podia fazer sentidonum contexto estruturalmente colonial, mesmo com toda a leitura luso-tropical que conseguiu absorver.

De resto, o luso-tropicalismo será um dos obstáculos importantes à redefinição identitária destes portugueses regressados à Metrópole, agora designados por retornados. Diga-se, porém, em abono da verdade, que muitos deles ‘regressavam’ a uma terra que literalmente não conheciam e onde nunca tinham estado. Mas mesmo os que regressavam a uma terra onde ainda tinham raízes familiares (uma grande maioria) e na qual ainda se recordavam ter vivido, regressavam a uma terra outra, agora um país revolucionário que lhes é totalmente desconhecido. Uns e outros regressam a um sítio onde, verdadeiramente, nunca tinham estado.

Mais do que ‘retornados’, identidade que por muitos anos sentirão, amargamente, colada à pele, sentir-se-ão exilados de uma pátria africana, que também nunca lhes pertenceu ou até nunca existiu. São exilados de sítio nenhum!

Profundamente traumático este momento de alteração identitária, de ‘emigrantes-colonos’ brancos a ‘retornados-colonialistas’, agora numa nação revolucionária, não pode este acontecimento deixar de suscitar ainda hoje uma memória traumática (Valensi, 1992), que começa no presente a ser exposta,tratada, pensada e contada das mais diversas formas, como se só no presente, passadas mais de trêsdécadas, fosse possível expor a ferida que na época foi recoberta com a recusa, a denegação, a ocultação e o pudor em reconhecer o ato de violência e domínio de que também eles foram agentes ativos em África,para iniciar um momento de reconciliação com as suas/nossas memórias através do testemunho, do exorcismo e até da efabulação.

É precisamente no contexto de um exercício de revistação de memórias traumáticas e da construção de novas identidades, para ex-colonizadores e ex-colonizados, que recolham os múltiplos e contraditórios fragmentos das memórias dos portugueses em África, que nos surge A Tempestade da Terra (Silva, 1997), filme realizado por Fernando d’Almeida e Silva, e que conta com a excelente interpretação na personagem principal (Lena) de Maria de Medeiros.

O filme, feito de inúmeros flashback trabalha magistralmente a questão das memórias e das identidades, situando-se a narração a partir de uma Lisboa para onde, em 1975, ‘retornaram’ muitos portugueses brancos que se encontravam em África. A partir do desaparecimento de Lena desfilam-se as vidas passadas em Moçambique de uma adolescente que, nos anos 50, tinha um pequeno amigo negro (Ningo[10]), criado da sua família. A trama da história devolve o espectador aos anos dourados de Moçambique, depois aos tempos da guerra colonial e, finalmente, à independência do país. Lena transformar-se-á numa adulta revoltada contra o poder branco, mas não convencida da revolução moçambicana. O pai, engenheiro bem-sucedido e benevolente com os negros, torna-se um colonialistaconvicto aquando do início da guerra colonial. Depois, retornado a Portugal, acaba por morrer. A mãede Lena, sempre terrivelmente colonialista, acaba sozinha num pequeno apartamento dos subúrbios de Lisboa, não terminando o filme sem pedir desculpa a Ningo a quem solicita ajuda para localizar a filha desaparecida. Outros personagens há de identidades não tão flutuantes, quer entre os que aderiram ao regime e ao sistema repressivo da PIDE e nunca mais dele saíram (Jorge), quer de entre os que sejuntam à revolução africana (Geraldo) e que também, apesar de tudo e de todas as dificuldades do caminho, não mudam de posição.

Este filme representa, em nossa opinião, um excelente exercício sobre a memória, ou melhor sobre as memórias que todos os envolvidos na trama carregam (brancos e negros, retornados e africanos de países de língua oficial portuguesa). Trata-se ainda de um ensaio de reconstrução das identidades, que oscilam constantemente ao longo de todo o filme.

Na verdade, a memória dos fins dos anos 50 em Lourenço Marques, onde os brancos viviam uma vida burguesa e festiva, apoiada numa organização social e económica estruturada no domínio donegro, é instabilizada e posta em causa no seu monoteísmo, pela memória da resistência, resiliência e revolta negra do início da guerra, bem como pela memória da perseguição da oposição ao regime, que foi também feita por portugueses brancos.

Mas este reconstruir de memórias contraditórias e equívocas passa ainda pela recordação do regresso branco à metrópole no pós 25 de Abril e das contradições de dois países em plena revoluçãocomo eram Portugal e Moçambique (estes que, por exemplo, acabam por prender Lena à porta de umcinema de Maputo, acusando-a de prostituição).

Em síntese, as identidades das personagens são apresentadas neste filme como sendo denatureza dialética (Barata-Moura, 1977:67-70) e muito instável, quer a dos negros, quer a dos brancos (há bons e maus em ambos os lados), variando com as circunstâncias históricas, em diálogo com as determinantes pessoais.

Repare-se, por exemplo como os brancos passam de uma posição dominadora, (mais ou menos violenta) a dominada (depois do 25 de Abril, quer na grande como na pequena História) com laivos de arrependimento. Entretanto, os negros vivem uma revolta silenciada, quando são infantilizados, dentro do modelo colonial paternalista (não podem estudar, levam palmatoadas e castigos diversos, são humilhados, etc.), dando provas de uma grande resiliência, mas sem ressentimentosinsuperáveis para com o branco. De qualquer modo, os brancos acabam neste filme entre arrependidose mortos.

Registe-se ainda que em A Tempestade da Terra o grau de interação entre brancos e negros é já muito elevado, revelando uma forte e constante afetividade (de sentido negativo e positivo), no âmbito de uma diversidade de modelos relacionais, que podem ir desde o domínio paternalista até à solidariedade e complementaridade (quer na cena inicial na África dos anos 50, quer no final do filme no Portugal pós-colonial).

A última cena de África que o filme nos apresenta é o olhar sobre os bens e as casas destruídasdos portugueses que tiveram de fugir de Lourenço Marques, expressando aqui as memórias dos brancos retornados, que em Lisboa se sentirão desenraizados, vivendo do remorso e da saudade, ou mesmo morrendo desses ou de outros males.

Por fim, sublinhe-se que o filme ensaia ainda um retorno simbólico à província (Serra daEstrela), mas que já não pode funcionar e acaba de forma trágica. O sentimento final é de profunda nostalgia…são exilados de sítio nenhum aqueles que voltam a olhar o Tejo de onde partiram ascaravelas quinhentistas, com uma tristeza que só pode ser dita pela música dos Madrededeus e a voz deTeresa Salgueiro, ao evocar tão trágico fim.

2. Portugueses em África no século XX: memórias, identidades e o seu avesso

Em síntese, da análise dos cinco filmes que escolhemos para estudarmos os diferentes modos pelos quais o cinema português foi dando conta do modo de abordar as identidades e memórias dos portugueses em África, durante o século XX, podemos concluir que Chaimite, O Costa de África, O Zé do Burro, Deixem-me ao Menos Subir às Palmeiras…[11]colocam a pequena história e a memóriados sujeitos e dos grupos sistematicamente ao serviço da memória e da História de Portugal e dos portugueses.

Pelo contrário, no filme que analisámos realizado já depois do 25 de Abril, A Tempestade da Terra, a Grande História, a História e a Memória nacionais fazem-se de pequenas múltiplas histórias/identidades e de memórias muito diversas (Ricoeur, 2000). É um filme que procura abrir a possibilidade de uma reflexão pós-colonial.

Verificámos também ao longo deste estudo que, para que o branco fale e seja o único lugar deenunciação no contexto da relação colonial, é preciso que o negro se cale, não tenha rosto, identidadeou memória. O branco está no tempo (continua uma grande História pátria, a História de Portugal). Já onegro não tem tempo nem está no processo histórico, porque não é civilizado. Por isso está fora emesmo antes da própria História[12], como uma imensa mole coletiva que apenas existe no espaço,fundindo-se na paisagem, mas que ainda assim, para que possa minimamente existir aos olhos dobranco, tem de ser objeto de conquista e ordenação. Disciplina dos corpos e das vontades, apropriação do tempo, do espaço, do desejo, das memórias e das identidades, tal é o mecanismo que constitui o exercício de poder, como bem nos explicou Foucault (Foucault, 1975, Martins, 2002), mas tambémHegel na bem conhecida dialética do Escravo e do Senhor (Hegel, s/d).

A este movimento, que o próprio cinema sinaliza e problematiza, por vezes, de um modo muitoindireto, corresponde a passagem de um modelo relacional de paternalista-agressivo a um outro que podemos designar por paternalista-cooperante (até por ação da Guerra Colonial, das pressõesinternacionais para a descolonização e ainda das teses do luso-tropicalismo). Mas, simultaneamente,não podemos deixar de sinalizar a fissura identitária que cria e a dúvida que instala no seio de um sistema colonial que, durante décadas, e praticamente até ao fim, procurou funcionar sem sombra de mácula ou má consciência. Já quanto às questões da identidade, quer dos bancos quer dos negros, elas fundam-se precisamente em conteúdos e dinâmicas da memória muito precisos. Verificámos, por exemplo que, nos primórdios da efetiva colonização africana dos portugueses a identidade do negro é,no melhor dos casos, objeto de um olhar curioso do branco que o transforma em exótico (Sanches e Serrão, 2002). Porém, nas décadas finais da colonização podemos já verificar que o branco europeutoma consciência da sua própria exoticidade em África, num espelho que acaba por virar para si próprio.

Finalmente este estudo revelou-nos a possibilidade de representarmos a realidade colonial e pós-colonial a partir de uma grande diversidade de modalidades relacionais entre o Eu e o Outro. No último filme que analisámos, constatámos que é já possível sustentar e manter um discurso da multiplicidade, e até da equivocidade, fundado nas relações que se construíram a partir das vidas e dos quotidianos das pessoas concretas que participaram direta ou indiretamente na experiência colonial europeia (Sherzer, 1996) e portuguesa, e que em parte conseguiram implodir com a identificaçãoimediata dos sujeitos às categorias estereotipadas de branco e negro.

A Tempestade da Terra conduz-nos inevitavelmente à ideia de que, dentro de um sistema que codifica rigidamente as identidades e manipula infinitamente as memórias (Estado Novo colonial) é sempre possível construir outros olhares (tensionais e contraditórios, implicando também eles identidades moventes e dialéticas), que subvertem a hegemonia do olhar do colonizador, acionando, por exemplo, categorias como a idade, a geração, o género, a educação, o tempo histórico, a história de cada vida, as opções políticas, entre outras dimensões da vida concreta dos indivíduos.

Em suma, um percurso através do cinema português do século XX, que nos conduziu do monoteísmo da identidade e da memória oficiais até ao difícil e instável pluralismo das lutas que os indivíduos, grupos e sociedades mantêm para sustentar a possibilidade da abertura à multiplicidade e ao pluralismo do trabalho das memórias e das identidades (Martins, 1996).

Tarefa de Sísifo, infinita por natureza, que será tanto mais humana quanto fizer parte de um infatigável e rigoroso exercício de liberdade individual e coletiva.

 

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Filmografia

Chaimite 1953, filme. Realizado por Jorge Brum do Canto.

Chikwembo! Sortilégio Africano, 1953, filme. Realizado por Carlos Marques.

O Costa de África, 1954, filme. Realizado por Costa Portugal.

O Zé do Burro 1971, filme. Realizado por Eurico Ferreira.

Deixem-me ao Menos Subir às Palmeiras… 1972, filme. Realizado por Lopes Barbosa.

A Tempestade da Terra 1997, filme. Realizado por Fernando d’Almeida e Silva.

 

 

Notas

[1] Um estudo que inaugura entre nós esta área de investigação do Cinema a partir dos Estudos Culturais e do Pós-Colonialismo é (Vieira, 2011). Um outro estudo recente, com interesse, mas que não adota a perspetiva referida é o de (Seabra, 2011).

[2] O que, de resto, o regime ideológico do Estado Nove repete sem cessar (cf, entre muitos outros (Vieira, 1933)).

[3] De resto, ao longo do filme, três tipos de personagens são objeto de estaladas: os pretos e os estrangeiros (por parte dos ‘heróis-coloniais’ portugueses) e uma mulher jovem esbofeteada por uma tia (uma portuguesa, que é afinal uma das primeiras ‘aventureiras-coloniais’).

[4] Conceções muito filiadas na representação do outro, e muito particularmente do negro, que vem já da filosofia alemã do século das Luzes (para um maior aprofundamento cf. (Sanches e Serrão, 2002).

[5] Cf. entre muitos outros (Antunes, 2005)

[6] Cf. http://www.buala.org/pt/afroscreen/deixem-me-ao-menos-subir-as-palmeiras-um-filme-da-frente-de-guerrilha

[7] Ibidem.

[8] Lopes Barbosa foi o realizador (em 1972) do filme Deixem-me ao Menos Subir às Palmeiras…

[9] Pelo meio vão sendo apresentados alguns grupos folclóricos de nativos das cidades de Chibuto, Chidenguele, Charatuane, Vila Luísa e grupos como ‘Marinheiros de Malange’ e ‘Venha Ver’ de Inhambane (http://www.buala.org/pt/afroscreen/deixem-me-ao-menos-subir-as-palmeiras-um-filme-da-frente-de-guerrilha)

[10] Repare-se como neste filme o negro tem nome e não é português, nem infantilizante ou humilhante como é comum noutros filmes portugueses que representam negros com nomes como ‘Sabonete’ (Chikwebo! Sortilégio Africano (Marques, 1953)) ou ‘Bijagós’ (O Costa de África(Mendes, 1954)), revelando uma mudança de atitude em relação à identidade do negro.

[11] Sublinhe-se que não consideramos aqui Deixem-me ao Menos Subir às Palmeiras…um filme pós-colonial pois em nosso entender participa ainda totalmente das lógicas identitárias e do trabalho de memória típica do colonialismo.

[12] No entanto, em Deixem-me ao Menos Subir às Palmeiras… o negro é representado como quase pronto a fazer História e a assumir-se como sujeito e autor do seu próprio destino.

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