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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.27  Braga jun. 2015

https://doi.org/10.17231/comsoc.27(2015).2085 

NOTA INTRODUTÓRIA

Comunicação nos videojogos: nota editorial

Communication in videogames: editorial note

 

//

Nelson Zagalo*; Miguel Sicart**; Emmanoel Ferreira***

//

//*Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga nzagalo@ics.uminho.pt. //
//**Universidade de Copenhaga - Dinamarca miguel@itu.dk. //
//***Universidade Federal Fluminense - Brasil mmanoferreira@gmail.com. //

 

A história dos videojogos, pela sua génese e dependência tecnológicas, tem sido habitualmente traçada por comparação com a história da informática. Contudo, se nos distanciarmos do processo evolutivo e técnico do meio e atendermos aos momentos-chave do seu passado, facilmente encontraremos relações com os movimentos e tensões de ordem cultural, económica e social de cada época. Desde logo, o primeiro jogo a funcionar num computador digital, “Spacewar!” (1962), desenvolvido num DEC PDP-1, no Massachussets Institute of Technology (MIT), aponta para problemas específicos daquele período, nomeadamente a corrida às armas dos EUA e da URSS num contexto de Guerra Fria. Em “Spacewar!” simulava-se, num tubo de raios catódicos, um combate entre duas naves espaciais, o que para o diretor criativo da Atari, Paul Steed [1], “Era um reflexo da época. Existia toda uma paranóia com os russos, um medo dos comunistas atacarem. O jogo atingia assim diretamente o inconsciente coletivo, que dizia ‘temos medo, a guerra pode começar a qualquer momento’”. Longe de constituir um meio neutro, como é a opinião de muitos, os videojogos têm dialogado, implícita ou explicitamente, desde os seus primórdios, com as mais diversas esferas sociais.

Entre o primeiro videojogo desenvolvido na história, “Tennis for Two”, em 1958, e a última geração de consolas, a geração da Nintendo Wii U, Microsoft Xbox One, e Sony Playstation 4, passou-se mais de meio século. Neste período, centenas de consolas dedicadas aos jogos digitais, foram lançadas por centenas de empresas, sem contar com os computadores pessoais, que desde o seu início se prestaram, em grande medida, ao desenvolvimento e usufruto dos videojogos. Dos sprites a 8 bits de “Donkey Kong” na Atari 2600, em 1981, com gráficos e sons rudimentares, aos avançados gráficos 3D e som multicanal dos videojogos da atual geração, grandes mudanças foram operadas nos videojogos digitais, sobretudo no que se refere às suas capacidades expressivas, sejam estas textuais, visuais ou sonoras, ou ainda mais recentemente tangíveis. Através de narrativas cada vez mais elaboradas, os videojogos evoluíram no modo de construção e complexificação das suas mensagens, elevando a categoria dos seus textos para o mesmo patamar de relevância das suas componentes de jogo. Os videojogos abandonaram a sua raiz exclusivamente lúdica, passando a integrar discurso, com ou sem intenção, criando assim objetos de mediação: de puro entretenimento ou experiência estética; de consciencialização política e social; de divulgação de produtos e marcas; entre muitas outras abordagens.

Devido a estas transformações e à crescente importância do meio no cenário global, os videojogos começaram na última década a ser investigados minuciosamente, a partir de uma miríade de ângulos: psicologia, educação, antropologia, informática, economia, artes, etc. Assim como com as artes mais antigas — a literatura, a fotografia ou o cinema — os videojogos passaram a ser utilizados como meio de comunicação e expressão por diferentes áreas, incluindo, entre outras: a publicidade (“advergames”); o jornalismo (“newsgames”); a comunicação política (“serious Games” e “political games”). Deste modo, era urgente iniciar a abordagem do estudo dos videojogos pela comunicação, já que enquanto discurso e meio expressivo, muitas questões se levantavam às quais urgia procurar responder. Passamos a referir várias. Que novas possibilidades este meio em particular pode trazer ao campo da comunicação? Existem restrições ou diferenças no uso dos videojogos como meio de comunicação, em relação aos média mais antigos e já estabelecidos? Que papéis desempenham agora o emissor e o recetor no que toca à autoria? Como é que a narrativa se conjuga com a interatividade? Estas são apenas algumas das questões que os artigos publicados nesta edição da Comunicação e Sociedade pretendem discutir, senão para chegar a respostas finais e definitivas, pelo menos para proporcionar a sua reflexão.

A chamada de artigos para esta edição foi realizada em fóruns de discussão específicos das áreas das ciências dos videojogos e ciências da comunicação — como a GamesNetwork, a ECREA (Europa), a SOPCOM e SPCV (Portugal), e a Compós e SBGames (Brasil) — tendo apresentado uma boa aceitação, rececionando-se um grande número artigos, tendo sido seleccionados onze para publicação.

A edição do dossiê dedicado à Comunicação nos Videojogos está dividida em duas partes: a primeira, denominada de “Comunicação, Teoria dos Videojogos e Diálogos (Inter)Mediáticos”, sendo composta por seis artigos, que têm como eixo comum a relação entre os debates ocorridos no campo dos videojogos e da comunicação, nos seus aspectos intermediáticos (ou transmediáticos). A segunda parte, denominada “Comunicação, Expressividade e Narratividade nos Videojogos”, é composta por cinco artigos, que têm como eixo comum os debates no campo da narratologia e o caráter expressivo propiciado pelos videojogos.

A abrir a edição, Riccardo Fassone, investigador da Università degli Studi di Torino, retoma a teoria “play acts”, de Gregory Bateson, para tentar entender a função metacomunicativa presente nos videojogos. Ao analisar as características, especificidades e implicações da expressão “This is video game play”, o autor procura compreender como as regras, tomadas aqui como elemento essencial na composição dos videojogos, funcionam como elemento responsável pela metacomunicação contida na expressão. Por fim, o autor realiza uma análise do jogo “Papers, Please”, de Lucas Pope, refletindo sobre seu potencial comunicativo.

Em seguida, Heinrich Söbke e Thomas Bröker, investigadores da Bauhaus-Universität Weimar, refletem sobre os tipos de comunicação presentes nos videojogos, através da análise do jogo “Fliplife”. A partir da definição-base da comunicação, como um ato de fornecer informação de um emissor a um recetor, os autores procuram desenvolver uma categorização de tipos de comunicação nos videojogos, baseados em definições fundamentais, como a dimensão interativa dos videojogos, para assim refletir a essência dos papéis, outrora rígidos, de emissor/recetor.

Christophe Duret, investigador da Université de Sherbrooke, com base no conceito Procedural Rhetoric, um conceito conforme cunhado por Ian Bogost, propõe, no seu artigo, refletir sobre o jogo “Every Day the Same Dream” como sendo um Thesis Game, fazendo desde logo a referência ao conceito de Thesis Novel, conforme proposto por Suleiman (1983). Duret defende, desta forma, que o encontro da hermenêutica com as ciências cognitivas pode fornecer o aparato teórico para se descrever as estratégias utilizadas para a disseminação de uma mensagem persuasiva no contexto dos videojogos.

Dando continuidade à edição, Birgit Swoboda, da Universidade de Viena, analisa as formas próprias da comunicação textual, utilizadas em videojogos MMORPG. Para a autora, as formas de comunicação atualmente empregues no uso de diversas tecnologias e sistemas comunicacionais baseados em texto — como smileys, acrónimos e neo-logismos —, ao invés de serem uma deterioração da linguagem, posição levantada por muitos teóricos, servem antes como instâncias de criatividade, eficiência e marcadores “tribais”, além de servirem como estratégias de interação no discurso dentro do contexto dos videojogos.

Sercan Sengun, da Instanbul Bilgi University, com base na Teoria da Redução da Incerteza (IRT), de Berger, procura compreender como os avatares de certos tipos de videojogos, sobretudo os videojogos online — nos quais há possibilidade de conversação entre jogadores — se tornam fontes de informação sobre os próprios jogadores. Partindo do que para o autor é essencialmente um problema do campo da comunicação — a relação entre autenticidade e representação nos mundos virtuais, através da figura do avatar —, Sengun realiza uma reflexão sobre o self e avatar, com base nas teorias semióticas de Saussure e Lacan.

A finalizar a primeira parte, a investigadora brasileira, Suely Fragoso, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, traz uma reflexão sobre a experiência espacial nos videojogos, relacionando-a com outras instâncias mediáticas, como a literatura, a pintura, a fotografia, o cinema e a televisão. A partir da investigação sobre a imersão e a interatividade nos videojogos, a autora propõe, com base numa estrutura teórica formada por “três tipos de espaço”, pensar a espacialidade nos videojogos como uma composição dinâmica composta por diversos níveis de significação.

A segunda parte é iniciada pelos investigadores Carlos Magno Mendonça e Filipe Freitas, da Universidade Federal de Minas Gerais, que a partir do contexto da narratologia, procuram compreender a possibilidade de se pensar o jogo como texto-jogo, tomando por base teorias desenvolvidas por Iser e Dewey. Os autores analisam alguns jogos casuais independentes, como “Small Worlds”, “Grey”, “The Beggar” e “Dys4ia”, nos quais procuram distinguir o potencial estético pelo qual o meio pode ser reexaminado.

Em seguida, o investigador Antonio de la Maza, do Centro Universitario de Tecnologia y Arte Digital de Madrid, propõe, com base no conceito de mundos possíveis (Lenzen, 2004; Lewis, 1986), uma nova abordagem dos videojogos como mundos ludoficcionais, “um conjunto de mundos possíveis que gera um espaço de jogo baseado na relação entre regras e ficção”, nos quais a posição do personagem determina o seu mundo real e o seu próximo mundo possível. Como caso, o autor ocupa-se do videojogo “The Elder Scrolls V: Skyrim”, a fim de demonstrar as hipóteses dos mundos ludoficcionais.

Helyom Viana Telles e Lynn Alves, investigadores na Universidade do Estado da Bahia, tencionam pensar os jogos históricos como obras fronteiriças, isto é, obras em que as divisas que separaram a história da ficção se encontram em estado de esmaecimento. Para tanto, partem do questionamento do estatuto epistemológico da história como ciência e analisam os elementos audiovisuais presentes nos videojogos, a fim de entender como é que as narrativas dos jogos históricos trabalham a valorização e divulgação de conhecimento e imaginário histórico.

Dando continuidade à edição, Lilian França, da Universidade Federal de Sergipe, propõe-se analisar o newsgame, “De volta a 1964: sua vida em tempos de ditadura”, um jogo lançado pela revista Brasileira Superinteressante, em 2014, como forma de divulgar o período conhecido como ditadura militar no país. Com base nas teorias desenvolvidas por diversos autores das ciências dos videojogos, o texto procura entender de que forma os newsgames em geral, e “De volta a 1964...” em particular, podem empreender experiências de jogo e propiciar reflexões acerca de determinados factos, históricos ou atuais.

Por fim, e para fechar as duas partes dedicadas ao tema de capa do nº 27 de Comunicação e Sociedade, Elisa Barboza, investigadora da Universidade Federal de Juiz de Fora, analisa o teledisco como meio, e também a sua passagem da televisão para a Internet, assim como a sua ascensão, sobretudo nas plataformas online YouTube e Vimeo. A partir de uma historiografia do surgimento do teledisco e das suas relações com o cinema experimental e a videoarte, o artigo explora as experiências narrativas presentes nos telediscos interativos, em particular o caso dos produzidos para a banda Arcade Fire.

Na secção Vária, Moisés de Lemos Martins, da Universidade do Minho, apresenta um texto sobre a liberdade académica, no qual dá conta dos perigos que atormentam o pensamento académico atual, desde os rankings internacionais às plataformas da qualidade, em que o humano é reduzido a uma ficção numérica que o quantifica. Ainda neste secção, as investigadoras Anabela Santos, Carla Cerqueira e Rosa Cabecinhas, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, apresentam um trabalho de dissecação das representações de género nas newsmagazines portuguesas.

A publicação termina com a apresentação de uma recensão crítica da autoria de Artur Coelho, do Agrupamento de Escolas Venda do Pinheiro, sobre a obra “Videojogos em Portugal: História, Tecnologia e Arte” (2013) de N. Zagalo, editada pela FCA. Trata-se de um livro que explora a história da produção e criação de videojogos em Portugal, nos últimos 30 anos.

 

Nota

[1] No documentário “Rise of the Video Game” (2007) produzido pelo canal Discovery Channel.

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