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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.28  Braga dez. 2015

https://doi.org/10.17231/comsoc.28(2015).2271 

DIÁSPORA, DINÂMICAS DE MOBILIDADE E MEDIA

E-migrante: espaços tecnológicos, geográficos, sociais. Novos atores e espaços de participação política?

E-migrant: technological, geographical and social spaces. New actors and spaces for political participation?

 

Mauricio Nihil Olivera*

*Universidade da Répública, Uruguai.

mauricio.nihil@fic.edu.uy

 

RESUMO

Esse artigo fundamenta-se nos resultados da pesquisa intitulada “Estudo dos movimentos migratórios recentes da Espanha ao Uruguai. Novos espaços tecnológicos, geográficos e sociais de vinculação cidadã” (Olivera et al., 2014) e, a partir conceito proposto de “e-migrante”, analisamos se a introdução das TIC possibilita renovar as formas tradicionais de participação política e a tomada de decisões públicas. Buscamos identificar as formas e redes de comunicação à distância utilizadas pelos espanhóis imigrantes e suas formas de vinculação (política, social e cultural) no Uruguai e problematizá-las na linha das ciências sociais e da pesquisa crítica da Sociedade de Informação. Sustentamos que as formas de vinculação dos novos imigrantes espanhóis no Uruguai se situam em relação dialética e são resultado de um processo social que depende também das decisões e das significações adotadas pelos sujeitos. Essas decisões e subjetivações não são determinadas pelas estruturas, mas tampouco são totalmente contingentes. Movem-se num espaço de possíveis configurações e são ressignificadas em situações concretas.

Palavras-chave: Espaço tecnológico; geográfico e social; e-migrante; Uruguai; participação cidadã.

 

ABSTRACT

This article is based on the results provided by the research project named “A study of recent migratory movement from Spain to Uruguay. New technological, geographical and social spaces for citizen vincluation” (Olivera et al., 2014) and, by using the concept of “e-migrant”, it analyses if the introduction of ICTs enables the renewal of the traditional forms of political participation and public decision-making. Having the concept of e-migration as a starting point, the article aims at identifying what are the forms and the type of communication networks used by the new Spanish migrants as well as the way they connect and communicate (politically, socially and culturally) in Uruguay. It also aims at problematizing these issues under the light of the Social Sciences theories, following the critical investigative line of research about the “Information Society”. The authors argue that the ways new Spanish migrants connect to each other in Uruguay are dialectic relationships and are also a result of a social process that depends on the decisions and on the significances given by individuals. These decisions and subjectivities are not determined solely by the structures that are inherent to their condition as migrants, neither are they totally contingent to this condition; they move in a space of possible configurations in order to be re-signified in concrete situations.

Keywords: Technological, geographical and social space; e-migrant; Uruguay; information and communication technologies; citizen participation.

 

Introdução

A conjunção das tecnologias de informação e comunicação (TIC), as novas dinâmicas das práticas sociais e comunicativas e o desejo e interesse de participação do coletivo espanhol nos processos de governabilidade, podem gerar novos espaços de colaboração e intercâmbio que renovem as formas tradicionais de participação política e decisões públicas? É possível pensar na co-definição de uma engenharia participativa na qual os usos, as práticas e as regulações permitam adotar, adaptar e enriquecer um novo exercício: uma e-democracia? Existe a possibilidade de propor um espaço de inovação dentro do qual poderiam transitar novos modos de relação entre Estados e cidadãos?

Tal como dissemos noutros estudos (Olivera et al., 2014) as perguntas formuladas levam-nos a observar se a emergência e desenvolvimento das TIC podem implicar alterações importantes na construção de um novo pacto e uma nova ordem político-social (em relação às conceções mais clássicas sobre a política e a tomada de decisões públicas), demarcados na configuração de um novo espaço Tecnológico, Geográfico e Social (TGS). Para isso, observamos particularmente, as práticas sociais e tecnológicas do coletivo migrante espanhol no Uruguai. Pensamos esse coletivo como agregado de novos atores que, estando ligados, interatuam e fazem intersetar lógicas e temporalidades diversas (e-migrantes) em novas figuras sociais. Estas, por sua vez, condensam as relações com o espaço, o tempo e o lugar, gerando, ao mesmo tempo, fenómenos de integração e exclusão, de desterritorialização e relocalização.

A seguir, desenvolvemos o conceito proposto de e-migrante na configuração de um novo espaço tecnológico, geográfico e social (Olivera & Vancea, 2013; Olivera, 2011; 2013a, 2013b, 2013c). Posteriormente, descrevemos a metodologia e os resultados do estudo apresentado - “Os movimentos migratórios recentes da Espanha ao Uruguai...”, realizado pela Fundação Polo Mercosul e financiado pela Direção Geral de Migrações da Espanha. Por fim, no item “discussão”, discorremos sobre algumas limitações e objeções conceituais.

E-migrantes: uma nova configuração do espaço tecnológico, geográfico e social

Seguindo a linha de pesquisa crítica sobre a sociedade da informação (Becerra, 2003; Gaëtan, 2003; Mattelart, 2003, 2007; Tremblay, 2003; Webster, 2006), o objetivo desse ponto é apresentar uma reflexão teórica do que denominamos “espaços tecnológicos, geográficos e sociais” (a partir daqui, designados como TGS). Referimo-nos a novos espaços através dos quais circula a e-migração, na qual as TIC são apenas uma das várias dimensões. O marco teórico sugerido a partir do conceito e-migração é uma tentativa de repensar a criação de unidades significativas de análise para a pesquisa na área da comunicação e das políticas públicas no campo da migração internacional.

Atualmente, as cidades são atravessadas e configuradas por espaços TGS — espaços em que as pessoas de múltiplas origens geográficas, ideológicas e culturais coexistem e geram cenários individuais e/ou coletivos (Olivera, 2014). A atenção às profundas transformações nas formas de entender a relação espaço/tempo implica, também, entender as profundas mudanças no que respeita à experiência humana (Cruz, 2007). Os termos “geográfico” e “social” correspondem a conceitos que temos do mundo, utilizados na vida quotidiana e nas práticas científicas para orientar, demarcar, diferenciar e reduzir a complexidade, durante o processo de atribuição de sentidos a diferentes fenómenos. Há uma conexão dialética entre ambos: o social já não existe sem uma dimensão geográfica e não há uma construção geográfica sem uma dimensão social.

O que denominamos “tecnológico” atravessa o geográfico e o social, permitindo novas lógicas e formas de produção, circulação e apropriação da informação num contexto de mudança tecnológica contínua e rápida. Atualmente, as TIC permitem a vários atores sociais a criação de novas práticas e lógicas de participação configuradas por novas e múltiplas relações entre o espaço-tempo-lugar. Tais inovações tecnológicas estão na origem de outras lógicas e estratégias de colaboração, participação e intercâmbio entre os atores sociais. Os espaços TGS estão, assim, mediados por práticas socioculturais e por dimensões como a distância, o território e a(s) identidade(s).

Os espaços TGS são nós, espaços nos quais confluem parte das conexões de outros espaços reais ou abstratos que partilham das mesmas características. Estes, por sua vez, também são nós que conformam uma rede. A rede pode ser definida como “um conjunto de nós interconectados. Um nó é o ponto no qual uma curva se cruza consigo mesma. O que um nó é, concretamente, vai depender do tipo de redes a que estamos nos referindo” (Castells, 2004, p. 56). Esses espaços TGS são um lugar chave para a observação das novas tecnosociabilidades, das relações que surgem e se difundem entre os atores sociais, assim como das suas práticas tecnológicas através das quais são expressos significados e valores identitários. A internet cumpre uma função primordial, pois é a ferramenta que facilita tais relações. Nos espaços TGS, circula a relação complexa entre as distâncias, os territórios e as identidades - orientadoras das práticas dos atores sociais. O problema metodológico consiste em observar e analisar a constituição dessas práticas na relação tecnológica, geográfica e social em jogo no espaço da internet. Os espaços TGS permitem reconfigurar os fluxos conetivos e coletivos num contexto de mudança tecnológica. Por exemplo, atualmente, os telefones celulares permitem a conetividade em todo o mundo, através das comunicações por satélite. Tais inovações tecnológicas geram lógicas e estratégias de colaboração, participação e intercâmbio entre os atores, estabelecendo novos espaços transnacionais que nos obrigam a rever conceitos tradicionais como os de “migrante”, “imigrante”, “integração”, “assimilação”, etc., nas sociedades de destino e no próprio campo da pesquisa sobre migração internacional. Se é certo que os processos transnacionais já existiam muito antes do século XX (Portes et al., 1999; Schnapper, 2001; Vertovec, 1999), o advento da revolução digital marcou o início de uma nova etapa de mudanças qualitativas (Beck, 2006; Castells, 2004; Nedelcu, 2009; Vertovec, 2009).

Neste novo espaço TGS, as TIC e a internet têm um papel importante. O e-migrante, pensado como um nómada ligado a um dispositivo como o telefone celular, constrói relações transnacionais. Seguindo esta linha de pensamento, De Kerckhove (2005) argumenta que a globalização atinge todos, inclusive os que não têm um telefone celular ou internet (Olivera, 2011). Outros autores concordam com a existência de novas extraterritorialidades físicas ou virtuais. Nestes espaços, as TIC poderiam dar lugar a um processo de tecnosociabilidade que afetaria os migrantes de maneira privilegiada no desenvolvimento de novos modos de interação cultural, política e social e de novas formas de comunicação transnacional, global e virtual (Bernal, 2004; Cruz, 2003; Graham & Marvin, 2001; Rheingold, 1996). Dana Diminescu (2008, p. 567), responsável pelo projeto de pesquisa “Las diásporas en Internet: e-Diáspora Atlas”, também entende que os espaços virtuais poderiam estar a gerar um “desenvolvimento de redes, de atividades, de estilos de vida e ideologias que formam um enlace entre o país de origem e de acolhida e que representa a mobilidade”.

Alguns investigadores argumentam que a mobilidade crescente que atravessa os atuais estilos de vida - “estar juntos à distância” - poria em questionamento os limites da territorialidade como categoria para pensar em múltiplas identidades culturais, as práticas sociais transnacionais, assim como a pertença cosmopolita (Beck, 2003, 2006; Beck & Grande, 2010; Beck & Sznaider, 2006; Benhabib, 2004; Chang, 2010; Georgiou, 2010; Maharaj, 2010). Argumento que sugere que o aparecimento de novas formas de socialização e identificação ainda incipientes, no cenário mediático mundial, iniciaria com o processo de desterritorialização (Olivera, 2013c).

As práticas sociais transnacionais podem ser evidenciadas na intensidade crescente dos intercâmbios globais, das atividades e de um sistema de comunicação onipresente que permite aos migrantes se conectar a mundos múltiplos, geograficamente distantes e culturalmente diferentes aos seus (Nedelcu, 2009; Vertovec, 2009). Estas novas práticas e lógicas sociais de participação, colaboração e intercâmbio entre estes atores reconfiguram as relações entre o espaço-tempo-lugar, o público e o privado.

Em suma, por essas novas configurações, transitam espaços tecnológicos, geográficos e sociais, através dos quais os e-migrantes superam os limites de espaço e tempo graças à intervenção das TIC e da internet. O termo “e-migrante” permite, então, articular dialeticamente a relação entre o migrante e sua integração nas múltiplas dimensões espaciais tecnológicas, geográficas e sociais que caraterizam a Sociedade da Informação. Graças às TIC, os processos migratórios atuais incorporam dimensões tecnológicas no espaço geográfico e social entre os países de destino e origem. Por outro lado, se analisamos a migração como um processo de contínuo movimento que se abre em interações, conectividades, virtualidades, convergências e ubiquidades, a ideia de “sair” de ou “entrar” num espaço social virtual parece, nestes termos, discutível (Olivera, 2013a, 2013b, 2013c)

Por exemplo, os novos e-migrantes espanhóis no Uruguai que participam nas plataformas virtuais “Marea Granate”[1] e “Alianza”[2] são um claro exemplo de como os espaços TGS permitem visibilizar a palavra dos “muitos outros”, reconfigurar e lutar pelo espaço público utilizando as redes para gerar “ruído” e distorções no discurso do global. Constroem grupos que, sendo virtuais no seu nascimento, podem acabar por se territorializar, passando da conexão ao encontro e do encontro à ação. Para alguns autores (Kroes, 2000; Finquelievich, 2000; Molina, 2001), o uso alternativo das tecnologias e redes informáticas na reconstrução da esfera pública passa por profundas mudanças nos mapas mentais, nas linguagens e desenhos das políticas públicas. Todas estas dimensões são mediadas pelas reconfigurações TGS.

Neste sentido, a perspetiva e-migrante abre outras vias para o estudo da migração internacional na era digital. É uma alternativa para obter uma nova leitura das ações que se estabelecem nesses espaços e para ampliar a visão para além dos países de origem e de acolhimento, re-articulando dicotomias como: insider/outsider, nómada/sedentário, nacional/transnacional, virtual/presencial, online/ offline, etc. Observar a migração internacional a partir de uma perspetiva e-migrante também permite entender as negociações identitárias e as tensões em sistemas socioculturais distintos ou diversos.

O conceito de e-emigrante é capaz de capturar as diferenças sociais geradas pelo novo espaço-tempo-lugar abertos pelas TIC e a internet, interpretando uma nova estruturação do espaço social a partir das tecnologias. Obriga-nos a observar, também, de que maneira as TIC podem transformar (ou transformam) o sentido da distância geográfica, da cidadania, do espaço público e da identidade e/ou dos laços sociais. Além disso, permite analisar o significado das práticas transnacionais em relação à integração social, à participação política, económica e cultural; às representações sociais e políticas; às redes sociais e laborais; ao marco do conhecimento tecnológico (usos e aplicações); à subjetividade, ao projeto e à ordem social, à capacidade de agência, ao imaginário social, etc. O conceito proposto de e-migrante permite projetar um espaço de inovação no interior do qual poderiam transitar novos modos de relação entre Estados e cidadãos. Muitos e-migrantes, como o coletivo “Marea Granate” e “Alianza” exigem reconhecimento a partir do direito à participação (intervenção nas decisões que afetam a sua qualidade de vida e a prestação de contas à administração), e do direito à expressão (vinculada à participação cidadã nos meios de comunicação para serem reconhecidos, mas não representados). Com tais demandas buscam novos modos de exercer politicamente os seus direitos com fidelidades mais móveis e coletividades mais abertas.

Metodologia

O projeto de investigação “Estudo dos movimentos migratórios recentes de Espanha a Uruguai” implicou o desenho estratégico de triangulação metodológica que considera diferentes perspetivas de um mesmo objeto de estudo (Danolo, 2009). As técnicas metodológicas são justificadas com base nos objetivos específicos definidos na pesquisa: 1) Estabelecer uma estimativa quantitativa e um mapa da mobilidade recente dos migrantes espanhóis no Uruguai; 2) Elaborar uma tipologia sociodemográfica dos espanhóis residentes no Uruguai, e 3) Identificar as formas e redes de comunicação à distância utilizadas pelos espanhóis migrantes. Por uma questão de espaço, este artigo analisa somente os resultados do objetivo 3.

De modo a atingirmos objetivos 1 e 2, utilizaram-se técnicas quantitativas (questionário autoadministrado, realizado via web, com migrantes espanhóis que chegaram ao Uruguai a partir de 2008); análise estatística dos micro dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística do Uruguai - INE- do Censo Nacional realizado em 2011 e análise estatística, com base nos dados disponibilizados na web pelo Instituto Nacional de Estatística da Espanha. A análise do objetivo 3 realizou-se com base nas técnicas qualitativas. Foram constituídos três grupos de discussão e uma oficina de trabalho com migrantes espanhóis que chegaram ao Uruguai a partir de 2008. Nos grupos de discussão estiveram presentes representantes da administração espanhola e dos coletivos que compõem as associações espanholas no Uruguai.

O universo estatístico da população migrante espanhola que observamos no Uruguai está conformado pelo seguinte estrato da população: a) entre 25 e 45 anos de idade (PEA); b) de ambos sexos; c) nascidos na Espanha (foram excluídos os que têm nacionalidade espanhola); d) que migraram de 2008 em diante -sem ter em conta seu registro de inscrição como migrante na embaixada espanhola-; e) viviam na capital do Uruguai (Montevidéu); e f) eram usuários das TIC.

Recolha de dados: grupos de discussão

O objetivo dos grupos de discussão foi o de reconstruir as relações sociais subjacentes à medição concreta, apontando para o desentranhamento de processos e construções narrativas identitárias. Esta técnica permitiu uma aproximação ao comportamento do coletivo e às suas motivações. Além disso, com esta metodologia qualitativa, acedemos ao tipo de discurso sustentado pelo coletivo espanhol migrante em torno das ideias de “gestão migratória” e “práticas das TIC”. Procuramos destacar, a partir das TIC, as dimensões cultural e comunicacional que demarcam sua vida social, assim como analisar, a partir de suas opiniões e contradições, o alcance e a maneira como a intervenção das tecnologias adquire um papel significativo (ou não) nas suas relações sociais, políticas e laborais. Na base das suas construções e projetos migratórios, dedicamos um interesse especial aos usos que os e-migrantes (como migrantes conectados) fazem das TIC e às interconexões que mantêm entre os países de destino e origem. No grupo de discussão questionamos sobre se a intervenção das TIC havia “mudado” — e como — as suas práticas sociais comunicativas. Insistimos também no tipo de informação que buscavam no país de origem, assim como nos meios de comunicação consultados. Optamos por procurar os integrantes dos grupos de discussão a partir dos facilitadores das plataformas virtuais de migrantes espanhóis: “Marea Granate” e “Alianza”. Houve uma maior predisposição de integrantes de “Marea Granate” do que da “Alianza” para a participação nos grupos de discussão. Contudo, esta escolha não gerou os resultados esperados. Apenas duas ou três pessoas, de um total de doze que participaram dos grupos de discussão faziam parte do primeiro coletivo – “Marea Granate”. Por este motivo, resolvemos procurar os participantes em diferentes plataformas virtuais e através do “passa a palavra”. Esta nova escolha, embora tenha permitido reunir um grupo mais eclético, dificultou a criação de um rápido ambiente de descontração e de confiança entre os participantes. O entrevistador atuou como moderador do grupo, com a intenção expressa de participar o menos possível no debate e introduzir os tópicos previstos quando considerasse haver informação suficiente. As pessoas que integraram o grupo eram desconhecidas do entrevistador.

O grupo de espanhóis no Uruguai foi constituído durante o mês de junho de 2014, num total de doze pessoas em três encontros distintos em decorrência das dificuldades de agenda. A precariedade laboral dos integrantes e, em alguns casos, os diferentes horários de trabalho, foram determinantes no momento de organizar os grupos de discussão. Dentro dos critérios de seleção da amostra, foram consideradas os seguintes:

1. Chegados ao Uruguai entre 2008 e 2014;

2. Com idades entre os 25 e 45 anos de idade (População Economicamente Ativa- PEA)

3. Usuários das TIC;

4. Mantendo um equilíbrio de género;

A escolha do tempo de chegada ao Uruguai deve-se ao ponto de inflexão da crise europeia e ao começo do fenómeno migratório espanhol, tal como é possível comprovar nos registros do INE espanhol. A faixa etária corresponde a pessoas em idade laboral (População Economicamente Ativa). O uso das TIC era uma questão chave para nosso estudo, já que buscávamos observar o tipo de ligação que os migrantes mantinham entre o país de destino e o país de origem. Também era importante observarmos o fenómeno a partir da perspetiva de género e verificar se essa perspetiva era geradora de diferenças significativas.

A seguir, são detalhados os dados dos participantes dos grupos de discussão (Tabela 1, abaixo):

 

 

A partir das respostas dos migrantes que preencheram o questionário, da análise dos dados obtidos das bases de dados do INE espanhol e uruguaio e do estudo dos grupos de discussão, foi possível estabelecer o perfil dos novos espanhóis no Uruguai.

Resultados

O estudo identifica estarem a ser geradas redes de comunicação à distância, de configuração reticular, significativa em número e em grau de participação dos atores sociais e-migrantes - sem implicarem, no momento, em alterações essenciais — ou seja, aqueles que dispõem de recursos tecnológicos (96% da mostra observada possui um smartphone) para gerar novas lógicas e estratégias de vinculação colaborativas e participativas, e de intercâmbio. Estas lógicas de vinculação são observadas, conforme já foi mencionado, no novo fluxo de migrantes espanhóis no Uruguai que integram as plataformas virtuais “Marea Granate” ou “Alianza de Jóvenes Espanhóis y Descendientes en Uruguay”. A partir das TIC e da internet, estes coletivos estão a conseguir maior participação, cooperação e intercâmbio horizontal entre os seus membros para ajudar e/ou denunciar as difíceis condições de vida das pessoas emigrantes (onde tramitar a homologação dos títulos, o que ocorre com a previdência social quando se vive no Uruguai, como votar, o que acontece com as contribuições da previdência social na Espanha, os cuidados na hora de alugar um apartamento, etc.). Estas plataformas têm interesses diferentes, mas um mesmo objetivo: a vinculação.

No caso da plataforma “Alianza”, observamos o desejo de geração de espaços de vinculação e participação com os migrantes espanhóis recentes e os jovens descendentes de espanhóis uruguaios na perspetiva de ajudá-los em sua integração social:

Somos o resultado de uma iniciativa jovem, um grupo consolidado de jovens espanhóis e descendentes que residimos no Uruguai. A associação fomenta unir os jovens espanhóis e descendentes em atividades relacionadas com a juventude. Para isso, criamos e descobrimos espaços de participação na coletividade, incentivando sua integração à mesma. (Alianza, 2011)

Na plataforma “Marea Granate”, há uma participação ativa na discussão das políticas económicas e dos seus resultados em Espanha:

A corrupção, fomentada por um sistema sem escrúpulos, tanto em nível nacional como em nível global, roubou nosso espaço e a inexistente democracia, nossa voz. Uma minoria doente de cobiça toma as decisões que nos pertencem em seu próprio e exclusivo benefício. Denunciamos o papel atual da Troika (UE, BCE e FMI[3]) e o voto rogado[4]. (Marea Granate, 2013)

O facto de os migrantes espanhóis, cidadãos dos regimes democráticos, analisarem e criticarem - a partir de um país de acolhimento e à distância - as consequências das políticas económicas no momento de conseguir os objetivos estipulados, e, inclusive, duvidarem da sua capacidade para os alcançar, faz parte também do jogo democrático que transcende os limites do território geográfico. A revolução tecnológica digital e a globalização permitiram outro tipo de participação democrática que não estava contemplada pelo nacionalismo metodológico. Os novos atores baseiam-se na expressão individual das pessoas, mas não são individualistas, no sentido neoliberal. Têm como finalidade criar espaços baseados na amizade, interesses, práticas e zonas partilhadas; e os seus intercâmbios estão sujeitos a um estatuto comum.

Este objetivo reflete-se no “Manifesto” do website dos espanhóis que integram o “Marea Granate”, no qual explicam ser horizontal a forma de organização dos seus membros, realizada em assembleia (virtual e presencial) com um alcance local e global:

Somos um movimento horizontal que se reúne regularmente em assembleias tanto presenciais como virtuais, em nível local e global. Fomentamos novas formas de participação, auto-organização e defesa dos direitos que vão mais além das fronteiras. Para isso, estamos tecendo uma rede de cooperação internacional, unindo-nos a outras iniciativas com o objetivo de construir um futuro justo e sem precariedade.(Marea Granate, 2013)

A plataforma “Alianza” também expõe una forma de organização aberta, em comissões, com pretensões de alcance local e internacional:

A ALIANZA é um espaço de participação aberto para os jovens que foca as suas atividades nos aspetos educativos, culturais, sociais e de desenvolvimento humano. Perseguimos a eficácia e eficiência em nossa organização, propondo um modelo de funcionamento com comissões e coordenadores, em que as tarefas e as responsabilidades são distribuídas entre os diferentes grupos de trabalho. Mantemos interesse pela cultura espanhola e pelo dia-a-dia da Espanha. (Alianza, 2011)

A maior parte dos participantes nos grupos de discussão menciona ter contactado os membros de uma ou das duas plataformas a partir da Espanha ou do Uruguai. Ambas as plataformas consolidaram-se como uma forte referência em termos de informação e/ ou participação coletiva, processo através do qual o online (o contato mediado pela internet) deu lugar ao offline (o contato presencial, não mediado pela internet) e vice-versa. Estas plataformas transformaram-se numa dobradiça virtual e presencial entre a Espanha e o Uruguai. As atividades realizadas por estes coletivos produzem, transmitem e recebem formas simbólicas (fenómenos significativos, enunciados, textos, rituais, etc.) de “lá” e “daqui” num espaço TGS que não pertence a nenhum dos dois países nem às indústrias mediáticas, mas que se constrói no interstício dos territórios pelos próprios atores e-migrantes. As formas simbólicas que (des)configuram imaginários sociais, ideias, notícias, imagens, que ajudam a construir e constituir representações sociais em relação a si mesmos, deslocalizam-se e relocalizam-se num nó virtual.

Os meios de comunicação massivos tradicionais (jornais, TV, rádio) tinham um papel preponderante nas construções mentais, nas representações sociais e em todas as formas simbólicas colocadas em circulação. No entanto, tal como depreendemos dos excertos das entrevistas, tais configurações e construções mentais parecem ter-se deslocado para as redes sociais (novas formas culturais geradas pela internet) frente à perda de legitimidade informativa dos meios de massa tradicionais. Uma perda de legitimidade que também se manifesta nas instituições e administrações estatais espanholas. Estes deslocamentos podem gerar, dentro das organizações governamentais, fragmentação na informação, na estruturação dos significados e das formas simbólicas que eram produzidas e transmitidas para alcançar a coesão social, já que, atualmente, nem todos estariam a aceder à mesma informação ao mesmo tempo através dos meios massivos de comunicação, nem através das administrações governamentais espanholas. Primeiro, porque os meios massivos perderam legitimidade e porque os próprios entrevistados asseguram ver e consultar cada vez menos a televisão e os jornais. E, em segundo lugar, porque as estratégias comunicacionais para aceder a estes novos atores e-migrantes, ao que parece, deveriam ser construídas em consonância com as novas formas de transmissão e circulação que se desenvolveram a partir das TIC e da internet. Por outras palavras, tais deslocamentos podem representar um importante inconveniente para a administração estatal no momento de canalizar a informação para os cidadãos e-migrantes. Estes, embora deslocalizados, continuam interessados no que ocorre na Espanha e desejam manifestamente participar nos processos de decisão política (votações) e/ ou de ajudar a cidadania e-migrante com informação de qualidade para o percurso migratório.

As TIC podem desempenhar um papel importante na vinculação das partes interessadas, ajudando a melhorar a mediação e a comunicação entre os cidadãos e-migrantes e a administração estatal. As práticas sociais comunicativas dos migrantes espanhóis recentes que intervêm na plataforma “Marea Granate” e “Alianza” começaram a materializar um processo que forma parte agenda do Conselho Europeu de 2009: fortalecer a e-democracia. O Conselho Europeu, baseado em trabalhos anteriores de instituições internacionais (as Nações Unidas, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico -OCDE- e a União Europeia), recomendava aos Estados membros, entre outros pontos, considerar:

- O uso das oportunidades que a e-democracia oferece para fortalecer a democracia, as instituições democráticas e os processos democráticos;

-A Implementação da e-democracia como apoio e fortalecimento da democracia, das instituições democráticas e dos processos democráticos por meio das TIC, de forma vinculada com o compromisso e a retomada da participação dos cidadãos na democracia (Recomendación CM / Rec, 2009, p. 4).

As recomendações do Conselho Europeu de 2009 têm a intenção final de promover uma e-democracia a partir das atividades nas redes sociais, explorando assim as ideias desenvolvidas pela sociedade civil no campo da democracia eletrónica:

As autoridades públicas e assembleias representativas deveriam buscar ativamente vínculos com as atividades das redes sociais que se ocupam de questões políticas e se baseiam nas ideias e nos debates celebrados nestes novos espaços democráticos de participação e deliberação. (Recomendação CM / Rec, 2009, p. 11)

No entanto, os espaços colaborativos entre a administração e os cidadãos não parecem avançar, associar-se e ou fortalecer-se na linha das recomendações sobre e-democracia feitas pelo Conselho Europeu. Tal como assinalam alguns autores (Chen et al., 2007; Layne & Lee, 2001), até o momento, a ideia de e-democracia tem sido aplicada não para questionar o que vem sendo feito nem a forma de fazê-lo, mas apenas para incorporar a dimensão das TIC, isto é, para realizar o mesmo que se fazia, embora de forma mais eficiente. Por outras palavras, a e-democracia utiliza as TIC para as aplicar no campo da gestão das políticas públicas sem incluir propriamente estratégias ou explorar outras alternativas na tomada de decisões para a gestão de políticas que incorporem a cidadania, nem assumir o pluralismo e a diversidade de ideias, na lógica de uma conceção aberta, tal como propõem as recomendações do Conselho Europeu de 2009.

Na América Latina, o governo eletrónico é também um desafio importante para a região. Em setembro de 2014, a Agência de Governo Eletrónico e Sociedade da Informação e Conhecimento (Agesic) do Uruguai organizou o sétimo encontro nacional do governo eletrônico com a participação do México, Argentina, Colômbia, Chile e Uruguai. A preocupação de todos os países participantes centrava-se nos seguintes pontos: a) gerir a tecnologia para que chegue a todos os cidadãos, b) gerar uma inclusão integral no território, c) conseguir um portal de serviços do Estado que seja um suporte multicanal de atenção às pessoas, d) gerar interoperabilidade entre os organismos da administração estatal, e e) incorporar os cidadãos ao serviço prestado pelo governo.

Entendemos, no entanto, que o debate não deveria ser apenas técnico, pois não se trata de adaptar a e-democracia a uma forma residual de política democrática. O problema substancial reside em esclarecer se as mudanças tecnológicas tenderiam a ser incorporadas pelas autoridades públicas para promoverem e se associarem às atividades nas redes sociais para, assim, explorar a e-democracia. Por exemplo, incorporando os debates, intercâmbios, discussões e propostas participativas geradas nas múltiplas plataformas cidadãs criadas pelos atores migrantes pertencentes a regimes democráticos latino-americanos e europeus. Por outras palavras, podemos assumir que a intervenção das TIC não modificará as formas de atuar das instituições representativas e das administrações públicas? Vários autores (Abramson & Morin, 2003; Bimber, 1999; Gronlund, 2002; Margetts, 2009) demonstraram a partir de vários exemplos como as TIC melhoraram as relações entre os cidadãos e as administrações.

No entanto, há vozes a destacar que a relação das TIC e as políticas e/ou serviços públicos não mudará as lógicas tecnocráticas e verticais consolidadas no século XX. Pelo contrário, o seu uso poderia reforçar o controlo e a autoridade das elites institucionais em vez de reforçar a capacidade de intervenção cidadã (Hindman, 2009). Um exemplo disso são as políticas de controlo do movimento de pessoas desenvolvidas pela União Europeia, tais como o registro digitalizado massivo de imigrantes no Sistema de Informação de Schengen (SIS), o Eurodac e o European Identification System (VIS). Estes sistemas pretendem visualizar o fluxo de migrantes, identificar as categorias de risco e fragilizar sua situação jurídica (Boltanski & Chiapello, 2002).

Em síntese, a revolução digital desempenharia um duplo papel: por um lado, de reforço da capacidade de grandes instituições e organizações para controlar e vigiar as sociedades; e, por outro, de impulso às novas capacidades dos indivíduos e grupos para desenvolverem um pensamento crítico, coordenar, inovar e propor alternativas concretas.

Insistimos que o problema não seria, então, a forma como a tecnologia ajudaria (ou não) a boa implementação de políticas públicas, ampliando a participação dos e-migrantes, mas a maneira através da qual as políticas públicas incorporariam de modo eficiente os mecanismos de participação para assegurar as condições de intervenção dos diversos e novos atores, conseguindo soluções mais eficientes, legitimadas e aceitas pelos cidadãos. As TIC são uma ferramenta importante, mas insuficiente se não houver uma real vontade e interesse das administrações governamentais em promover uma participação cidadã em todos os níveis, de forma coletiva, de (re)conhecimento da diferença, de intercâmbio de opiniões entre pessoas, de debate que antecedem os consensos e dissensos entre as distintas vozes e visões do que queremos como sociedade (Nieto, 2010).

Advertimos que estas ideias não pretendem legitimar um processo de “democracia direta”, um processo no qual os novos atores, a partir de suas casas, em frente ao computador, tomem decisões que incidam na vida pública. Tampouco atribuímos ao poder das TIC a renovação do “político”, nem a superação das “velhas” formas de representação pela expressão direta dos cidadãos a partir da emissão de suas opiniões nas plataformas. Como aponta Martín-Barbero (2007, p. 19), isso comportaria cair na armadilha idealizadora do imediatismo e da transparência das “redes cibernéticas” que dinamita os próprios fundamentos do “público”— entendidos como processos de deliberação e de crítica. Uma armadilha perigosa, já que fortaleceria a crença de que os indivíduos podem comunicar-se prescindindo de toda mediação social e aumentaria a desconfiança nas pessoas que nos representam.

Por último, cabe ressaltar que, na co-definição dessa engenheira participativa, o desenho dos instrumentos está atravessado por dimensões simbólicas que afetam estas ações e que são determinantes na construção e transmissão de certas visões de projeto e de ordem social (Díaz-Tendero, 2010). Partindo desse princípio, as políticas públicas e suas ações são entendidas como espaços onde se pode construir espaços de cidadania, uma vez que os grupos que participam da sua elaboração ganham, ao fazê-lo, uma forma de existência social ou cotas de visibilidade (Duchesne & Muller, 2003). O verdadeiro problema é, então, saber se a política pública se faz ou não em conjunto com os cidadãos num “novo espaço tecnológico, geográfico e social” (Olivera, 2011; Olivera & Vancea, 2013a, 2013b; Olivera 2013a; 2013b; Olivera et al., 2014).

Os espaços TGS podem transformar o processo de formação, elaboração, decisão, implementação e avaliação das políticas públicas, a partir da presença e intervenção de novos atores, como os e-migrantes. Estes atores intervêm, incorporando outras maneiras de relação — fora dos mecanismos tradicionais de participação política - e utilizando diversos recursos que agilizam e influem sobre as formas de participação e intercâmbio. Como aponta Subirats (2013, p. 69), estamos a vivenciar “momentos de agregação coletiva em rede”, sem interlocutores estáveis e definidos. A força destes atores não está na quantidade de gente que representam, mas na sua capacidade de “interconectar” e marcar a agenda pública, a partir da pressão cidadã dentro e fora do espaço virtual. O desafio será, então, entender de que maneira os espaços TGS, que conformam os e-migrantes, podem afetar a intermediação e interação das instituições políticas com os cidadãos e a profundidade das mudanças que gerariam nos papéis e modos de nos relacionarmos. O desafio da gestão governamental, no marco da crescente complexidade comunicacional, é entender os novos modos de relação e processos de referencialidade que são tecidos nesses espaços TGS. Para compreendê-los, parece imprescindível ter em conta uma perspetiva plural e pensar nos eixos estruturais da identidade cultural, da interconexão global e da política multidimensional.

Em suma, como explica Castells (2004), o que a revolução tecnológica introduz nas nossas sociedades não é tanto uma quantidade inusitada de novas máquinas, mas um novo modo de relação entre os processos simbólicos - que constituem o cultural — e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços. Os espaços TGS não fazem referência somente às TIC, mas aos novos modos de perceção e linguagens, ou seja, a novas tecnosociabilidades.

Discussão de resultados

As formas tradicionais de participação política e de tomada de decisões públicas no estudo das migrações atuais podem requerer um enfoque diferente para entender os novos modos de relação entre Estados e cidadãos. Uma perspetiva que permita escapar das metodologias estabelecidas, das formas de definir o objeto de estudo e da formulação das perguntas de pesquisa para voltar a revisar os conceitos e as ferramentas de análise do fenômeno migratório dentro da Sociedade da Informação e no marco dos novos espaços TGS.

Os novos atores e-migrantes que transitam por esses espaços TGS incorporaram uma maior complexidade no momento de analisar e compreender o que ocorre com as práticas de participação e envolvimento sociopolíticos e de exercício e construção da cidadania. Estes atores intervêm, ocupam, medeiam, irrompem, renovam, questionam e subvertem as formas tradicionais de participação política e as tomadas de decisão das administrações públicas, reclamando reconhecimento e não representação do coletivo migrante.

Os e-migrantes constroem redes humanas, cívicas e ciberdemocráticas que circulam em novos espaços comuns que rompem os limites e as fronteiras da cidadania (interno-externo, local-global, público-privado), apontando para novas agendas culturais de organização, sociabilidade e intercâmbio de informação (online-offline) num espaço geográfico identitário e de participação (política, cultural, social, etc.) virtual e presencial. Estes novos atores, talvez produto da experiência do 15M em Espanha (vários atores participaram deste movimento), abordam a informação, a comunicação, a cultura e a política com maior rigor e sistematicidade.

À participação cidadã de Marea Granate” e “Alianza” implica aprofundar a significação e representatividade das mediações e das distâncias, das práticas culturais e sociais, dos marcos cognitivos de reflexividade e imaginação política.

Por outras palavras, como explica Sierra (2006), na medida que a ciberdemocracia projeta um novo cenário ou espaço público, ou seja, uma nova conceção do espaço e da mediação com a participação ativa da cidadania, as políticas públicas devem tratar de responder com inteligência a esta nova realidade emergente. É necessário questionar, além disso, a própria noção de cidadania e o marco jurídico de participação no Estado social de direito no contexto de evolução do estado-nação ao estado móvel que prefigura o capitalismo cognitivo.

Vale assinalar que o mapa identitário, reticular, configurado nos espaços TGS, não coincide com o território político-administrativo, com o chamado nacionalismo metodológico. Nestes novos mapas cabem madrilenos, catalães, sevilhanos, bascos, etc., sem se fragmentarem em associações ou entidades por autonomias, tal como ocorreu com as migrações do passado. Nesta cartografia, observamos una rutura geracional, as velhas e as novas migrações de espanhóis no Uruguai não se entendem. Os seus interesses, práticas sociais e subjetividades são diferentes. Os espaços TGS, como a plataforma de Marea Granate” e “Alianza”, envolvem pessoas de diversas regiões da Espanha. “Marea Granate” e “Alianzasão a soma de identidades que convivem com os seus patrimónios existentes ou vigentes. Para entender estes novos espaços na sua essência mais profunda, devemos compreender que construir cidadania é desconstrui-la no seu significado; é subverter as suas presunções e o seu sentido, violentar a tranquilidade do termo, as suas rotinas diárias e contaminá-lo com as suas próprias instabilidades.

O conceito de e-migrante abre, então, uma série de perguntas: Que tipo de participação requer a nossa democracia? Podemos falar de e-cidadania como novo conceito e prática social? Como pensar o uso das TIC para potenciar processos de envolvimento e participação cidadãos? É possível formar competências e capacidades para o uso cidadão das TIC? Que papéis desempenham as plataformas sociais geradas a partir do paradigma da criação e circulação de conteúdos onde o público usuário pode se envolver ativamente no processo?

O desafio das políticas públicas é veicular, canalizar as mediações e a comunicação para o desenvolvimento da cidadania ativa através dos novos espaços TGS. É tratar de avaliar e definir a participação, apostando numa democracia radical e pluralista. Talvez, como indica Sierra (2006), seja necessário transcender a definição da cultura como recurso que as políticas internacionais de desenvolvimento imprimem na gestão, armazenamento, distribuição e organização do acesso aos bens simbólicos, segundo as condições de circulação e valorização transnacionais do capitalismo. É preciso renovar as formas tradicionais de participação política e isso exige reformular radicalmente os preceitos da democracia representativa, descentralizando os sistemas de informação e decisão públicas, para além dos modelos de extensão e organização baseados na racionalidade eficiente do paradigma informacional.

Em resumo, os problemas técnicos de acesso, circulação ou transmissão rápida e segura da informação através da internet são substanciais. Porém, mais urgente é pensar sobre a adequação da rede a um espaço TGS cidadão. A rutura dos limites internos e externos da cidade, dos territórios, a integração e a ligação entre âmbitos públicos e privados não somente apontam para novas agendas culturais de organização e tecnosociabilidade, mas também para a constituição de outro espaço de identidade e participação política, através das diversas formas eletrónicas de interação e intercâmbio de informação.

 

Tradução (do espanhol) por Denise Cogo

 

 

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Nota biográfica

Mauricio Nihil Olivera é professor titular na Universidade da Répública, Uruguai. Os seus interesses de investigação estão relacionados com as novas realidades comunicativas, os espaços de intermediação cidadã e as suas formas de organização e vinculaçao, no quadro da sociedade de informação, a partir da intervenção da Internet e das tecnologias de informação e comunicação.

E-mail: mauricio.nihil@fic.edu.uy

Universidade da República, Instituto de Comunicação, Calle José Leguizamón 3666, Montevideo, Uruguay.

 

* Submetido: 18-06-2015

* Aceite: 21-07-2015

 

Notas

[1] “Marea Granate” é um coletivo transnacional e apartidário formado por emigrantes do Estado espanhol e simpatizantes, cujo objetivo é lutar contra as causas e os causadores da crise económica e social que nos obriga a emigrar”. Esta apresentação de Marea pode ser consultada em http://mareagranate.org/. “Marea Granate Uruguai” nasce em 7 de abril de 2013, após uma manifestação para o ato “No Nos Vamos Nos Echan”, convocada por Juventud Sin Futuro em todas partes do mundo. No seu website lê-se: “Não viemos a Montevidéu: expulsaram-nos da Espanha, e nosso objetivo é apoiar as assembleias, nós, coletivos e marés que lutam para que o 1% não saia impune. Temos duas linhas principais de trabalho: a) evitar que toda a informação sobre Espanha, que chegue ao Uruguay, chegue através dos canais de propaganda do governo; e b) nos apoiar mutuamente para que a experiência migratória seja a mais fluída possível. Encontramo-nos a cada dois domingos em assembleias abertas que anunciamos no grupo do Facebook e pelo Twitter: esperamos todos com os braços abertos e o mate pronto”.

[2] É um espaço de participação aberto aos jovens que orienta as suas atividades para aspetos educativos, culturais, sociais e de desenvolvimento humano, destacando que são um meio para o desenvolvimento e consecução de projetos jovens. Consideram-se apolíticos e afirmam representar a juventude hispano-uruguaia integralmente em nível nacional, regional e internacional. A apresentação de “Alianza” está disponível em: http://www.linkedin.com/groups/ALIANZA-J%C3%B3venes-Espa%C3%B1oles-Descendientes-Uruguay-4240829/about.

[3] União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional.

[4] O plenário do Senado aprovou recentemente a reforma da Lei Eleitoral que, entre outras coisas, limitou o voto dos espanhóis residentes no exterior, determinando que os inscritos no Censo de Residentes Ausentes (CERA) já não pudessem votar nas eleições municipais de maio de 2015. Além disso, para estes espanhóis inscritos no CERA, ficou estabelecido o chamado “voto rogado” para o restante dos processos eleitorais, ou seja, para emitir o voto devem se inscrever expressamente no censo e o voto passa a ser presencial e não por correio, como vinha sendo até então (ver http://elpais.com/diario/2011/01/20/espana/1295478005_850215.html.A mudança gerou polémica porque não ficou muito clara. As embaixadas não explicaram bem o procedimento e muitos espanhóis não puderam votar.

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