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Comunicação e Sociedade

Print version ISSN 1645-2089On-line version ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.29  Braga June 2016

https://doi.org/10.17231/comsoc.29(2016).2414 

ARTIGOS TEMÁTICOS

Imagens de África? Filmes e documentários portugueses relativos às antigas colónias africanas (primeira metade do século XX)

Images of Africa? Portuguese films and documentaries related to the former colonies in Africa (first half of the 20th century)

 

Patrícia Ferraz de Matos*

*Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa.

patricia_matos@ics.ul.pt

 

RESUMO

Este artigo analisa filmes e documentários, realizados em Portugal, que tiveram como pano de fundo as ex-colónias africanas ou nelas foram inspirados. Durante o Estado Novo, a defesa de uma boa imagem do “império” e da política colonial levou a proibir filmes que incluíssem maus-tratos a indivíduos de origem africana, ilustrassem a luta entre o “branco” (colono) e o “negro” (colonizado), retratassem os movimentos de luta pela ascensão dos negros nos EUA ou exaltassem aspetos pacifistas ou antimilitaristas. Muitos documentários destacam as potencialidades (naturais e humanas) de África. Alguns são dedicados à criação de estruturas de ensino e evangelização dos africanos, ou procuram retratar os seus “usos e costumes”. Outros evidenciam a força de trabalho do africano na construção de um futuro prometedor. Tal trabalho é orientado pelo “branco”, i.e., é ao saber técnico deste que se junta a força do africano. Os africanos são representados como exemplos de um conjunto uno (todos são denominados “indígenas”), mas entre eles procuram-se evidenciar características distintivas. As imagens que denotam modernização, em cidades como Luanda ou Lourenço Marques, ofuscam os “colonizados”. Estes filmes têm amiúde um carácter mais de propaganda do que informação, ou etnográfico, e têm como objetivo transmitir uma consciência colonial.

Palavras-chave: Filmes; colónias portuguesas; Estado Novo; propaganda colonial; representações; África.

 

ABSTRACT

This paper analyses films and documentaries produced in Portugal based or inspired on the former African colonies. During the Estado Novo, the creation of a positive image of the “empire” and of the colonial policy led to the prohibition of films that depicted physical abuse of African-origin individuals, the struggle between “white” (colonisers) and “black” (colonised), movements that fought for the ascension of the Afro-American population in the U.S.A. or exalted pacifist or antimilitarist concepts. Many documentaries emphasise Africa’s potential (natural and human). Some deal with the creation of structures that would allow the education and evangelization of the African people, while others try to portray its “uses and customs”. Others show evidence of the African people’s work strength in the construction of a promising future. That work is always guided by the “white”, that is, the technical knowledge of the “white” is added to the strength of the African. Africans are represented as examples of a unified whole (they are all called “indígenas”), but there is an attempt to identify distinctive characteristics between them. Images that denote an idea of modernization, in cities such as Luanda or Lourenço Marques, overshadow the “colonised”. These films are often a tool of propaganda rather than a means of information, or an ethnographical document, and their objective is to convey a colonial conscience.

Keywords: Films; Portuguese colonies; Estado Novo; colonial propaganda; representations; Africa.

 

 

Este texto[1] pretende apresentar uma análise efetuada aos filmes e documentários que visionei no Arquivo Nacional das Imagens em Movimento[2] (ANIM), um departamento da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, com sede no Freixial, mais propriamente em Bucelas, a poucos quilómetros de Lisboa. Esta documentação, produzida na primeira metade do século XX, em Portugal, teve como pano de fundo as ex-colónias africanas ou nelas foi inspirada. O meu objetivo inicial foi o de tentar perceber quais eram as imagens das colónias e dos seus habitantes aí transmitidas e em que contextos surgiam. Esta análise não pretende destacar os elementos estéticos ou técnicos, mas a mensagem geral, assim como o conteúdo em termos das representações coloniais, dos papéis sociais associados aos então nativos africanos e a forma como determinadas imagens os discriminavam ou marginalizavam[3].

Considero que os filmes constituem um material muito relevante, pois envolvem o espectador em processos heurísticos e de criação de significado muito diferentes da escrita verbal, mas cuja análise pode ser tanto ou mais proveitosa. Os filmes são um meio privilegiado de construção da perceção do real que reúne texto, imagem em movimento e som. Embora a sua maioria não tenha sido ainda devidamente analisada, têm vindo a destacar-se, contudo, alguns exemplos (Piçarra, 2015; Seabra, 2000). Os filmes servem para concretizar o desejo de registar o que se vê, mas também do que se quer dar a ver. Ou seja, é porque fragmentam o real e escolhem uma realidade em detrimento de outras que eles se tornam um material favorito e são importantes tanto pelo que mostram como, ou mais ainda, pelo que ocultam.

Como em 1929[4] foi instituída a censura, os filmes realizados a partir de 1932 são visados pela Inspeção-Geral de Espetáculos. No seu início existe uma sigla que os identifica e é comprovativa de que foram visados. A defesa de uma boa imagem do “império” e da política colonial levou a proibir filmes que incluíssem maus-tratos a indivíduos de origem africana, ilustrassem a luta entre o “branco” (colono) e o “negro” (colonizado), ilustrassem a segregação racial nos EUA, retratassem os movimentos de luta pela ascensão dos indivíduos de origem africana nos EUA ou exaltassem aspetos pacifistas ou antimilitaristas, sendo estes cortados ou simplesmente recusados (Geada, 1977).

Para enfatizar a natureza construída dos filmes podemos destacar factos como: a posição do realizador; o efeito sobre o que está a filmar; as técnicas de edição; os meios de produção; as entidades patrocinadoras; o mercado ou as expectativas quanto à sua receção; a censura (Matos, 2013, p. 82). Tal como as fotografias, os filmes permitiam ao espectador visualizar a “realidade” das colónias sem ter de se deslocar. Porém, as suas imagens são construídas a partir do momento em que se pega na câmara, se foca um campo de imagem, se coloca uma banda sonora (muitas vezes o hino nacional português), se reduz o espectro cromático e se põe uma legenda. Como referiram Marcus Banks e Howard Morphy (1997, p. 1), podemos fazer uma distinção entre o estudo das formas culturais visuais e a utilização do meio visual para descrever e analisar a cultura. Esta é a diferença, ou nos termos de Sol Worth, entre usar um meio e estudar o modo como um meio é usado (Worth, 1981, p. 190).

Estudar e analisar os filmes é assim também uma forma de analisar a história de uma sociedade e da humanidade. Marc Ferro, um historiador que se tem dedicado ao estudo das ligações entre a história e o cinema[5], analisou este “como agente da história”, tomando como ponto de partida o cinema soviético e o filme antinazi americano de 1939 a 1943. Segundo Marc Ferro (1987), o cinema é muitas vezes “uma contra-análise da sociedade”, ou seja, embora possa não existir essa pretensão à partida, um filme acaba por trazer-nos elementos para analisar o contexto da sociedade em que foi produzido, e vale tanto pelo que é mostrado, como por o que é ofuscado. Por outro lado, pode ser um “agente da história”, ao procurar influenciar o seu público, enviar-lhe uma mensagem, constituindo-se como um filme ideológico ou de propaganda, tornando-se assim uma fonte importante. Do mesmo modo, a realização dos filmes parece estar diretamente ligada com a história de Portugal e com os aspetos sociais relativos às representações coloniais.

A produção[6] de filmes num país de pequenos recursos exigiu um grande esforço. Todavia, estava a investir-se no novo “instrumento difusor de ideias”, como afirmou António Lopes Ribeiro (1933), cujo alcance podia superar os jornais e a telefonia. Assim, além de registar a memória de factos e acontecimentos importantes, o cinema podia servir como propaganda. Encarando-o como meio de propaganda (Ferro, 1931, 1950), o Estado Novo, por meio de pessoas como António Ferro, organizou estruturas de produção cinematográfica e criou em 1935, pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), o “cinema ambulante”. A partir daí, o cinema passou a depender do SPN[7], dirigido por António Ferro. Quando, a partir de 1944, o SPN se passou a designar Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI) continuou a desenvolver atividades protetoras do cinema e instituiu prémios oficiais. António Ferro contou com Lopes Ribeiro [8] (1908-1995), um “modernista” defensor do salazarismo, e Leitão de Barros (1896-1967), decorador oficial do regime em vários eventos. Tal como as exposições, os filmes eram publicitados como formas cómodas e económicas de viajar (O Planalto, 1931, n.º 43, p. 12). O documentário teve, assim, uma presença significativa nas agendas culturais e científicas de diferentes instituições[9].

No âmbito das primeiras experiências, podemos destacar a de Ernesto de Albuquerque, em 1909[10], com A Cultura do Cacau, em São Tomé e Príncipe, e a de Manuel Antunes Amor no Extremo Oriente (Matos-Cruz & Antunes, 1997, p. 59), mais propriamente em Macau (desde 1924) e em Goa (desde 1930) (Pimentel, 2002, pp. 24-25). Ainda durante esta fase, em 1929, Augusto Seara, com funções nos Serviços Cinematográficos do Exército, realizou o documentário Por Terras de Ébano sobre aspetos “etnográficos” e “paisagísticos” da Guiné e de São Tomé e Príncipe[11]. Em 1930, António Antunes da Mata e o operador José César de Sá estiveram envolvidos na “Missão cinematográfica a Angola” (Ribeiro, 1973, p. 21) e realizaram vários documentários[12], tendo alguns deles sido posteriormente distribuídos e explorados comercialmente. Uma outra equipa, designada por Brigada Cinematográfica Portuguesa, liderada por Fernandes Tomaz, teve como destino Moçambique, passando também por São Tomé e Príncipe; a equipa realizou documentários[13] e elaborou uma montagem, intitulada A Colónia de Moçambique, projetada na Exposição Colonial Internacional de Paris em 1931 (Pimentel, 2002, p. 27). De notar que uma parte, embora pequena, dos documentários produzidos nesta fase, foi apresentada em algumas exposições internacionais, do final dos anos 20 e início dos anos 30, que contaram com a participação de Portugal (Pimentel, 2002, pp. 26-27). Na minha pesquisa sobre esta fase não encontrei documentários sobre Cabo Verde nem sobre Timor. Mais tarde, no sentido de realizar filmes documentais e de propaganda sobre a colonização, foi criada pelo ministro das Colónias, Francisco Vieira Machado, uma Missão Cinegráfica às Colónias de África (MCCA), em abril de 1937, com o apoio da Agência Geral das Colónias (AGC), que tinha na altura à sua frente Júlio Cayolla.[14]

A MCCA[15] foi, até ao seu surgimento, a digressão mais detalhada e exaustiva de uma equipa nacional [16]. Passou pela Madeira, Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, entre os meses de fevereiro e outubro de 1938. Como resultado, foram rodados vários documentários lançados até 1946. A missão[17] pretendeu fazer um filme documental de grande metragem e documentários mais pequenos de cada uma das colónias africanas; neles buscava-se um retrato da selva, dos animais, dos “batuques”, mas também de uma África “civilizada”, com cidades grandes e em desenvolvimento.

Viagens às colónias africanas

No âmbito das viagens às colónias africanas podemos destacar alguns documentários. O I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (1936), de Manuel Alves San-Payo, foi uma iniciativa do periódico O Mundo Português sobre o “Cruzeiro de Férias”, organizado pela AGC a Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe e Angola, e nele podemos ver os “nativos” a fazerem a animação dos eventos sociais dos colonos com os denominados “batuques” ou “danças típicas”. A Viagem de Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa, de Lopes Ribeiro, foi realizado em 1944 sobre a viagem de Gonçalves Cerejeira, a bordo do “Serpa Pinto”, para a inauguração da Catedral de Lourenço Marques (atual Maputo). O cardeal passou pela Madeira (Funchal), São Tomé e Príncipe e Angola (Luanda e Lobito) e visitou vários locais de Moçambique.

Viagem do Chefe de Estado às Colónias de Angola e São Tomé e Príncipe[18] (1939), de Lopes Ribeiro, tratou da visita de Óscar Carmona a Angola, São Tomé e Príncipe e Madeira, desde o embarque a 11 de julho de 1938. O presidente visitou várias roças (Esperança, Sundy, Rio de Ouro, Monte Café, Água Izé, entre outras). Do visionamento do filme fica-se com a sensação de que tudo estava preparado pelos colonos para receber Carmona – ruas enfeitadas, cerimónias, saudações e manifestações de “carinho e respeito” (locutor). Os sobas e os africanos de nível social mais elevado, como o rei do Congo, D. Pedro V, também foram saudar Carmona, representando, segundo o filme, “aqueles que há 400 anos e para sempre aceitaram e lealmente servem a soberania de Portugal”. O entusiasmo em receber Carmona é materializado em faixas, colocadas nas ruas, dando a entender que os nativos queriam a manutenção da presença portuguesa em África. Em “Cabinda” havia letreiros com os dizeres: “Não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas colónias”.

Por outro lado, a presença do elemento religioso é muito forte. O documentário salienta a construção de capelas e igrejas, assim como a assistência a missas por parte dos nativos africanos. Mostra-se a “Capela de Nossa Senhora da Nazaré” e “A missa campal na fortaleza de S. Miguel” (Angola) à qual os nativos, vestidos e calçados na sua maioria, assistem, embora separados dos brancos, tendo uma corda à sua frente que serve de marco que não deve ser ultrapassado. É interessante o facto de esta barreira ser construída propositadamente para separar os colonos dos nativos logo num espaço onde, à partida, não são esperadas distinções. Segundo o locutor, os nativos pareciam reconhecer os “benefícios da nossa ação civilizadora” e, por isso, andaram milhares de quilómetros a cavalo, a pé, dos “confins do Cuamato e do Cuanhama” para participarem no “desfile de indígenas da província da Huíla”.

Reuniam-se assim bons motivos para a visita de Carmona repetida no ano seguinte e registada em A Segunda Viagem Triunfal (1939), de Paulo de Brito Aranha, divulgado pelo SPN. Carmona foi acompanhado pelo ministro das Colónias aos espaços portugueses da África Oriental, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola (Luanda) e também à União Sul-Africana. Neste documentário destaca-se o “Cortejo Alegórico” em honra do Chefe de Estado em Lourenço Marques. Nele desfilam carros alegóricos com as figuras do Adamastor, de Bartolomeu Dias e com as naus de Vasco da Gama; já o carro das missões religiosas vem ladeado por missionárias e o da “Ocupação” traz a figura de Mouzinho de Albuquerque. Outras viaturas ilustram os bens produzidos na colónia destacando os lucros alcançados. E no final avista-se um desfile alusivo à evolução dos transportes “desde a velha machimba ao avião moderno”. Carmona visitou ainda a África do Sul cuja panorâmica, diferente da que se via na mesma altura nas colónias portuguesas, era ilustrativa do maior desenvolvimento e riqueza daquela região.

Incentivo à colonização “branca” em África

O incentivo à “colonização branca”[19] de África é tratado no documentário No País das Laurentinas (Colonos) (1934), de Ismael da Costa, e no filme de ficção Feitiço do Império (1940), de Lopes Ribeiro. O documentário é dedicado aos “velhos colonos”, mas também aos “novos”, e mostra exemplos dos primeiros, cujas características são a “saúde de ferro”, a “alegria”, a “lucidez”, o sucesso na vida e no trabalho[20]; decorre em Moçambique, desenrolando-se a maioria das cenas na Associação dos Velhos Colonos. A certa altura, o filme mostra “As ‘Laurentinas’” - raparigas europeias com fatos iguais apelidadas de “Marias de Portugal” e “nossas fiéis e (…) formosas aliadas”; são representadas por mulheres jovens vestidas com trajes típicos do folclore português. Depois, a legenda leva-nos para “Taj Mahal, o Rajah e a sua côrte”. Surgem-nos então jovens com vestuário e alguns traços fisionómicos orientais e, finalmente, “um grupo de moreninhas”, com traços orientais, e as “porcelanas da China”, que são as chinesas. A câmara parece querer mostrar, numa busca incessante, a diversidade dos “tipos” de beleza feminina do “império”. Porém, entre estes não estão as africanas. O ideal de beleza representado contempla apenas as europeias e as asiáticas. Nesta película o destaque vai sobretudo para a beleza feminina, uma beleza que é exotizada e valorizada pela sua diversidade, quer se trate de europeias ou de orientais.

Do mesmo modo, mas no campo da ficção, Feitiço do Império [21] é um apelo ao fascínio de África e do “império”, representado pelo exotismo do africano que anuncia o filme em cartaz (Figura 1). Foi estreado em 1940 no Éden (Lisboa), tendo estado presentes os chefes de Estado e de governo; o argumento foi escrito por Lopes Ribeiro, inspirado no livro de título homónimo que ganhou o concurso promovido pela AGC (Júnior, 1940). O seu objetivo foi mostrar o “império colonial português” como algo fascinante e estimular a emigração dos portugueses para África ao invés da América (EUA e Brasil). Além disso, evidenciava a unidade do “mundo português” numa altura em que as colónias estavam a ser ameaçadas por outras potências. O filme desenrola-se pelos EUA, Lisboa e África (Guiné, Angola e Moçambique), mas tem passagens pela Madeira, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Neste filme, documentário e ficção misturam-se, uma vez que parte das suas imagens tiveram origem no trabalho da MCCA. Nele é retratada a história de Francisco Morais (FM), emigrante português nos EUA que não esquece o amor à sua terra natal. Contudo, o mesmo não acontece com o seu filho Luís Morais (LM), que pretende naturalizar-se americano. Antes de o fazer, o pai convence-o a experimentar uma caçada em Angola. Nessa viagem o rapaz acaba por visitar Lisboa, Guiné, São Tomé e Príncipe e Moçambique; no final, o “portuguesismo” e o “feitiço do império” acabam por influenciá-lo no sentido de se afeiçoar ao “império português”.

 

 

Nesta película, os nativos surgem associados a várias tarefas e mundos: como empregados dos colonos (Figura 2), a entregar recados, a transportar malas, nos trabalhos domésticos, nas roças ou nas fábricas, mas também como executantes de rituais ou danças, ensaiando ataques de guerra ou representando batalhas. O tio de LM vive em Angola e tem um empregado, chamado Brás, que faz recados e é um exemplo dos africanos que são empregados dos colonos, podem ser já assimilados, mostram por eles lealdade e são capazes até de dar a vida pelo patrão. Brás protegia LM e o seu amigo Vitorino refere-se a ele como “um preto dedicado”.

 

 

No conjunto dos “pretos” são feitas distinções: há os “pretos calcinhas” (que andam vestidos) e os “pretos do mato”. Feitiço do Império tem também uma dimensão documental com danças nativas, folclore “guerreiro”, fainas e rituais ou “aldeias gentílicas”. O seu impacto foi grande junto do público, mas para quem já conhecia a África, longe de Luanda e Lourenço Marques, como verifiquei em várias entrevistas realizadas a indivíduos que colaboraram com a administração colonial portuguesa, o filme é fantasista e demasiado romântico.

Exposições e outros eventos realizados na metrópole

Com as grandes exposições, e a partir de elementos apelativos, foi criada uma memória que podia ser fixa em fotografias, postais e nos próprios filmes. Nesses filmes é focada a presença dos africanos que nelas participam, representados nus ou com vestes, associados a produtos animais, como plumagens, peles, pelos e ossos. Tais filmes serviam para anunciar a exposição, para a revisitar, ou para permitir aos que não a tinham visitado um contacto com a mesma, sendo que alguns têm imagens dos documentários realizados em África. Sobre as exposições realizadas fora de Portugal podemos referir os documentários Portugal na Exposição de Paris de 1937 (1942) e Portugal na Exposição de Bruxelas (1958), ambos realizados por Lopes Ribeiro. Sobre a Exposição Industrial de Lisboa (1932) existem dois filmes: Guiné, Aldeia Indígena em Lisboa (1932) e África em Lisboa - Os Indígenas da Guiné na Grande Exposição Industrial Portuguesa (1932), de Salazar Diniz e Raul Reis.

Começando pelo primeiro, compreendemos que o espaço destinado aos guineenses que vieram para a exposição foi uma aldeia improvisada composta por 8 choças onde estiveram: 1 príncipe, 1 princesa, 4 régulos, 1 “impedido”[22] e mais 39 indivíduos, assim como galinhas, pombos, porcos, cabras, um burro e uma vaca leiteira. Os guineenses apresentam-se quase sempre vestidos e com uma indumentária mais elaborada do que aqueles que surgem nos documentários feitos nas colónias. Estes indivíduos tinham influência muçulmana, o que se pode constatar numa das cenas que ilustra a oração da manhã. A câmara apresenta-nos uma sequência de atividades realizadas pelos guineenses, sendo estas apresentadas como se, na realidade, fossem cenas quotidianas dos “negros da Guiné” (legenda). Foi dada ênfase à cerimónia de “condecoração dos régulos com a medalha de Serviços Distintos no Ultramar”. Por sua vez, a apresentação das guineenses é feita com legendas como: “raparigas novas de característica beleza, inveja de muitas brancas”; “uma princesa de olhos negros, cheios de fé…”; ou “beldades negras”. Os guineenses são apenas designados por régulos, príncipes ou tocadores, ou seja, segundo o seu estatuto social e o papel que desempenham na comunidade.

No documentário África em Lisboa… surge, no início, o mapa da Guiné como se tivéssemos acabado de chegar à Aldeia Nova de Sam Corlá. Porém, essa aldeia estava situada no Parque Eduardo VII. Nela, as jovens têm uma atitude cuidada e a câmara destaca o arranjo dos seus cabelos. Na cena com a legenda “a fina flor da Guiné, cujos olhos mentem por não ter fé” são filmadas raparigas de frente e de perfil e o modo como são observadas parece intimidá-las, deixando-as com uma postura pouco descontraída. Algumas mulheres moem, peneiram e cozinham o arroz, “seu principal alimento” (legenda), lavam e secam as roupas, bordam à máquina de costura, tecem e cosem tecidos; outras servem iguarias em bandejas e têm por detrás um homem que as supervisiona.

O documentário I Exposição Colonial Portuguesa - Porto 1934 (1935), de Aníbal Contreiras, não regista as imagens do que veio a ser a exposição, mas sim do Porto, de Portugal e da zona do Palácio de Cristal, que serviam para cativar os potenciais visitantes. Os africanos que participam no documentário são os mesmos que surgem noutros filmes, nomeadamente, no já referido África em Lisboa... (1932) e em I Companhia de Infantaria Indígena de Angola em Lisboa (1933). Sobre esta exposição existe ainda o documentário Moçambique, Ritmos Guerreiros em Cantos e Danças[23](1934) de Aníbal Contreiras. Ao contrário do que indicia este título, o filme não decorre em África, mas na exposição colonial do Porto. Os africanos surgem representados em esculturas e pinturas, nos dioramas com figuras à escala natural e nas “aldeias indígenas”. Os que participam na exposição executam tarefas e recebem pequenas ofertas dos visitantes. O elemento religioso é predominante. No interior do palácio vemos a cruz e vários dioramas com missionários[24]. Apesar de tratar-se de uma exposição colonial, o tempo dedicado aos indivíduos vindos das colónias é menor do que o dedicado à população da metrópole, sendo dada maior ênfase aos pavilhões e aos grupos folclóricos de Portugal.

Ainda na década de 30 destaco Exposição Histórica da Ocupação (1937), sobre o evento ocorrido no Parque Eduardo VII, sem a participação de indivíduos vindos das colónias, uma vez que evocou essencialmente os heróis das guerras de ocupação. O documentário, realizado por Lopes Ribeiro, com um texto de Manuel Múrias, então diretor do Arquivo Histórico Colonial (AHC), ocupa-se essencialmente das várias salas da exposição e do seu conteúdo: retratos (desenhados por Eduardo Malta) dos heróis portugueses nas guerras de ocupação, esculturas do infante D. Henrique e de Vasco da Gama, publicações de Serpa Pinto, Capelo e Ivens e objetos utilizados nas guerras. São também evocados heróis de outras batalhas, desde o século XVII, e a imagem da cruz está sempre presente. A película dá destaque ao episódio da vitória dos portugueses sobre Gungunhana, imperador dos vátuas, a 28 de dezembro de 1895. É feita referência aos soldados que acompanharam Mouzinho de Albuquerque na jornada de Chaimite, exaltando-se a grandeza destes homens. Gungunhana, o chefe “indígena”, acabou por ser vencido e humilhado perante todos e, por isso, podiam ver-se ali os seus “despojos”: arma, fotos, chapéu, retratos de dez das suas legítimas mulheres e uma taça de prata.

Sobre a Exposição do Mundo Português foram realizados dois documentários de título homónimo, um de Fernando Carneiro Mendes (1940) e outro de Lopes Ribeiro (1941). O primeiro mostra o interior de cada pavilhão e as “aldeias indígenas” no Jardim do Ultramar[25] em Lisboa, anexo à exposição. No início a câmara foca-se num desenho a cores com um conjunto de mulheres, cuja proveniência é possível perceber através da sua indumentária individual. Na linha da frente surge uma minhota, uma indiana e uma madeirense. Na linha de trás aparece uma macaense, uma timorense e um pouco mais atrás uma africana. Esta disposição remete-nos para uma apresentação da diversidade dos “tipos” humanos do império que, ao mesmo tempo, denuncia a menor importância da africana no conjunto da imagem. No conjunto da secção colonial da exposição os africanos surgem associados ao mundo da natureza – próximos de minerais, fauna e flora - e a sua corporalidade é associada à força e a destreza física.

No segundo documentário destaco o “Pavilhão da Colonização”, onde se exalta o esforço português de dilatação da fé durante cinco séculos, a instituição das capitanias e a fundação da Fortaleza da Mina. Várias maquetas reconstituem episódios como o da receção dos portugueses na corte do rei do Congo, o combate de Chaimite, o ensino, as missões, serviços sanitários, transportes aéreos, terrestres e marítimos, estradas, vias de comunicação e transmissão. A objetiva destaca cartazes gigantes onde estão representados os nativos de Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Índia, Macau e Timor.

Na secção colonial da exposição estiveram indivíduos trazidos dos espaços ultramarinos. A sua vida foi aí reconstruída com materiais usados nas colónias, de tal forma que eles podiam ser vistos a amassar farinha, martelar, tecer, tocar instrumentos musicais e dançar. Entre os elementos de carácter religioso destacam-se: a faixa com a legenda “Portugal foi sempre cristão” (“Pavilhão da Fundação”) e a “Capela da Fé” erguida no centro colonial, onde todos os dias os participantes na exposição, “propositadamente vindos dos quatro cantos do império” (locutor), iam à celebração da missa. À saída da missa, desfilavam vestidos, alinhados, procurando dar a ideia de que existia uma ordem no “império”, na qual todos participavam, colaboravam e eram felizes. São ainda do âmbito religioso os dioramas que salientam a obra das missões. No geral, as populações representadas na exposição surgem em dois mundos separados: no corpo principal estão os portugueses da metrópole e no então Jardim do Ultramar estão os povos desde Cabo Verde até Timor. Este sugestivo arranjo denuncia também a anulação da existência cultural das pessoas que vieram de fora, todas tratadas por “indígenas”. O filme dedica-lhes pouco tempo, o que sugere o seu escasso poder político e social.

A presença de pessoas originárias dos espaços ultramarinos foi solicitada para outros eventos realizados na metrópole[26]. Um deles foi a homenagem aos “soldados indígenas”, retratada no filme I Companhia de Infantaria Indígena... (1933), que revelou ser um “preito de justiça ao soldado negro das colónias portuguesas” (locutor), na qual participaram o ministro das Colónias (Armindo Monteiro) e o chefe do governo (Oliveira Salazar). Os africanos estão presentes na maior parte do filme, onde se afirma ser esta “a tropa negra incorporada na parada militar comemorativa do ‘28 de maio’”. Mostra um desfile de militares, a maioria da metrópole, uma banda de música da qual fazem parte alguns africanos, uma estátua alusiva à Grande Guerra e exercícios militares.

Outro evento a destacar foram as comemorações centenárias retratadas em As Festas do Duplo Centenário (1940), de Lopes Ribeiro, das quais fez parte um cortejo (Cortejo do Mundo Português) sobre Portugal e a sua história, apresentado especificamente no documentário O Cortejo do Mundo Português (1940) de F. Carneiro Mendes. No primeiro documentário (incompleto) estão registadas as comemorações da fundação e da restauração da nacionalidade (1140 e 1640), cujas festas decorreram em Lisboa, Guimarães, Porto, Braga, Alentejo e Algarve (Sagres). No “Grande Cortejo do Trabalho no Porto” participa um carro colonial denominado “Agricultura Colonial”. Os nativos africanos surgem apenas no Cortejo do Mundo Português, realizado em Lisboa, como símbolos das conquistas portuguesas.

Posteriormente, por ocasião das festas centenárias de 1947, celebrativas dos oito séculos da tomada de Lisboa aos mouros, foi realizado um cortejo na Praça do Império, organizado por Leitão de Barros, do qual existem dois documentários: O Cortejo Histórico de Lisboa[27](1947), de Lopes Ribeiro, e O Cortejo Histórico com a Representação de Todas as Colónias Portuguesas em Carros Alegóricos (1947), de Manuel Luís Vieira. Nele desfilam os elementos considerados representativos e mais importantes da história de Portugal, como é o caso do infante D. Henrique e do Adamastor, ambos ladeados por africanos. Vêem-se carros representativos de cada uma das colónias, ao lado ou em cima dos quais seguem representantes dos seus habitantes. Os carros são puxados por parelhas de bois e conduzidos por habitantes da metrópole. Em geral, os indivíduos aqui representados são vistos como uma prova do sucesso da colonização, que faz parte do “império” e da nação.

Documentários realizados nas colónias

Muitos dos documentários realizados nas colónias[28] destacam as potencialidades da terra africana em termos naturais e humanos. Alguns são dedicados à criação de estruturas que possibilitariam o ensino e a evangelização dos africanos e outros procuram retratar os seus “usos e costumes”. É o caso de Costumes Primitivos dos Indígenas em Moçambique (1929), realizado pela Brigada Cinematográfica Portuguesa e produzido pela AGC. Captadas em Moçambique (Angónia, Inhambane e Tete), as imagens mostram alguns moçambicanos a desempenhar tarefas, como: pilar cereais; fazer fogo roçando dois paus, evidenciando a precariedade de meios; preparar comida em panelas feitas a partir de cabaças; trabalhar nas roças, em barro, cestaria, tecelagem, confeção e bijutaria; trabalhar o algodão e procurar o ouro. Vêem-se ainda danças “indígenas” de Moçambique e danças “guerreiras” de mulheres de Angónia e de Inhambane. Numa película totalmente dedicada aos africanos, há ainda lugar para dar conta da poligamia entre alguns deles ao mostrar um régulo com as suas várias esposas.

O documentário Acção Colonizadora dos Portugueses (1932), de Antunes da Mata, captou imagens em Angola. No início surge a legenda: “Aldeãos de Portugal têm sido instalados em Angola com o auxílio do Estado. Terras irrigadas, sementes, casas e dinheiro, lhes foram fornecidos”. Como se isso não fosse suficientemente atrativo, mostra-se o que a colonização também pode servir ao branco - o trabalho dos africanos. Uma cena seguinte mostra-os a trabalhar num rio com vista a construírem uma barragem ou uma ponte. Porém, é reforçada também a ideia de que a colonização dava apoio aos africanos, ao estimular a produção de alimentos por eles próprios, por exemplo. Tudo parecia correr bem e uma legenda posterior revela mesmo que “o soba (chefe da tribo) manifesta o seu contentamento ao ‘Maniputo’ (autoridade portuguesa)”. Por outro lado, estava a investir-se na saúde não só dos colonos como dos nativos. O filme mostra o “Hospital Central de Luanda, construído no século passado”, apresentado como “um dos melhores de África”, e o “hospital para indígenas”, apresentado como “um dos melhores da Costa Ocidental”, de nome “Hospital da Caridade”. Contudo, é notório que este último era bem mais pequeno do que o primeiro, embora o número de nativos fosse muito superior ao de colonos. Apesar das desigualdades, apresenta-se aqui um mundo onde tudo parece funcionar e estar no lugar.

O documentário Angola Uma Nova Lusitânia (1944), de Lopes Ribeiro, salienta as potencialidades económicas e socioculturais das colónias, a partir do material aí rodado pela MCCA e previamente projetado na Exposição de Construções nas Colónias no Instituto Superior Técnico. O filme exalta a missão colonizadora e evangelizadora de Portugal e procura transmitir a ideia de que se nos anos 40 os nativos estavam em paz, aos portugueses o deviam. Para a ilustrar surge o rei do Congo a receber Carmona juntamente com a rainha e alguns soldados nativos. Quem dá voz ao filme diz que cada um dos “indígenas”, que “até andam de bicicleta por S. Salvador”, é “um testemunho vivo da nossa ação civilizadora”. E continua: “assim procedemos em todos os continentes fundindo a Europa com a Ásia, a África e a América, misturando os produtos do solo e a alma das gentes, tornando tudo igualmente português”. Numa igreja assiste-se ao acompanhamento dos nativos por um organista africano. O locutor destaca que “todos sabem ler”, “estão a cantar em latim” e “só o esforço paciente e abnegado dos missionários poderia conseguir tal milagre”.

O documentário Gentes que Nós Civilizámos (apontamentos etnográficos de Angola) (1944), de Lopes Ribeiro, realizado durante a MCCA e propriedade da AGC, foca aspetos da “missão” dos portugueses, essencialmente entre os angolanos. Aqui procura-se dar conta de um tesouro - o humano -, mas revela-se ao mesmo tempo que dele se conhecia muito pouco. A câmara dá atenção especial às mulheres, filmadas de frente e de perfil, segundo uma forma de representação que nesta altura se encontra em fotografias inspiradas nas sugestões provenientes da “antropologia física” (Matos, 2014b). Uma das expressões utilizadas para as descrever é: “não importa a cor, a mulher é sempre mulher gostando de alindar”. Os africanos são ainda diferenciados segundo os seus grupos e as suas práticas, vistas de acordo com os modelos ocidentais e observadas com preconceito. Na província de Malange, é-nos apresentado um conjunto de mulheres que dança ao som dos “batuques”. Segundo o locutor, estas danças são “um pouco à maneira das danças de roda tradicionais das romarias portuguesas”, ou seja, o fenómeno é comparado com outro que conhece da sua sociedade, mas nem um nem outro é contextualizado. No âmbito da MCCA destaco ainda o documentário As Ilhas Crioulas de Cabo Verde (1945), de Lopes Ribeiro. A sua música de fundo não é o hino nacional, ou a música que é usualmente classificada como “clássica”, mas a tipicamente cabo-verdiana, como o são as mornas. A musicalidade cabo-verdiana é reconhecida como diferente do “batuque”, característico de outros povos africanos, e descrita aqui como tendo uma “expressão lânguida”. A evangelização portuguesa parecia ser bem-sucedida, de modo que é referida a “fé profunda da boa gente crioula”. O investimento colonial estava a ser feito não só a nível da evangelização, mas também do ensino. Segundo o locutor, eram “perto de 400 os estudantes que no liceu da colónia” tentavam aperfeiçoar os seus conhecimentos”, sendo a maioria brancos e mestiços, e alguns (poucos) iam “com sacrifício” para as escolas superiores da metrópole.

O documentário O Ensino em Angola [29](1950), de Ricardo Malheiro, salientou o ensino liceal, técnico, religioso e particular. Foi rodado em: Luanda (Liceu Salvador Correia de Sá, Escola Industrial); Huíla; Moçâmedes; Tchivinguiro (Escola Agropecuária); Benguela (Colónia de Férias); Bié (Instituto Liceal e Técnico); Nova Lisboa; Sá da Bandeira (Liceu, Escola Industrial) e Escola do Magistério Rudimental. Aos “indígenas” é dirigido um “ensino especial (...) confiado às missões católicas” (locutor). Vemos o padre Freire, numa missão na Huíla, a ensinar as páginas da Bíblia e o padre Carlos Estermann (missionário e etnógrafo) a cumprir funções idênticas. Os nativos (crianças, jovens e adultos) surgem ainda na “escola do magistério rudimentar Teófilo Duarte” e nas escolas industriais da Huíla e de Luanda, onde podiam aprender carpintaria, serralharia e outros ofícios.

Por fim, o documentário Acção Missionária em Angola[30](1951), de Lemos Pereira e João Silva, pertencente à Agência Geral do Ultramar (AGU), evidencia o espírito de sacrifício dos missionários, descritos como “heróis e santos”. Estes últimos, são apresentados como obreiros de cubatas nos matagais que “logo os indígenas procuravam destruir lançando-lhes fogo”. O missionário é também o responsável por: afastar os nativos “de uma via primitiva para deles fazer homens úteis”; e “moldar bons operários, homens saudáveis”, que frequentavam as aulas onde se selecionavam “vocações preparando-se para enfrentar a vida” (locutor). Embora as missões procurassem ensinar as “letras” a um nível básico, segundo o filme, a “grande oportunidade” dada ao “jovem indígena” que mais se aplicasse era entrar no seminário católico.

Encenação das guerras de ocupação

Num momento em que o regime já se encontrava numa posição de desconforto em termos internacionais, são lembrados e evocados os heróis do “império” e as proezas na ocupação de África com o filme Chaimite (1953), de Jorge Brum do Canto[31]. Trata-se de um filme épico, de ação, semelhante a um western americano, com uma banda sonora forte preparada por Joly Braga dos Santos, e a que foi atribuído o Grande Prémio do SNI. A ação retrata: os ataques das hordas vátuas à população de Lourenço Marques em outubro de 1894; campanhas africanas com António Enes e os seus associados; tentativas de Caldas Xavier, Aires Ornelas, Eduardo Costa, Paiva Couceiro, Freire Andrade e, mais tarde, Galhardo e Mouzinho para libertar Moçambique; e várias etapas da guerra. As tropas portuguesas ficaram alarmadas quando souberam que os nativos revoltosos eram 6500 e os portugueses eram apenas 200 e poucos. Ao longo do filme, alguns nativos aparecem ao lado dos colonos, enquanto outros estão do lado dos revoltosos. São informantes, desempenham tarefas serviçais relativamente aos colonos ou são espiões. À exceção dos líderes, nunca têm um estatuto social elevado. O filme mostra o teor religioso e católico que se queria associar à nação portuguesa. Uma das quadras mais importantes para os católicos - o Natal - foi sacrificada por causa de um ataque ocorrido durante a noite da consoada de 1894.

Como os nativos não eram católicos, considerava-se que não respeitavam a “religião”, não tinham um Deus e, portanto, andavam perdidos e desorientados no mundo. Esta apreciação parece estranha numa altura em que ocorria a descolonização do pós-guerra, uma situação que embora não verificada ainda em Portugal, já indiciava um processo de reformulação das ideias em relação ao ultramar. A identidade dos nativos nunca é revelada; excluindo Mambaza e Mauáua e os seus líderes, como Gungunhana, são designados por “pretos” ou “indígenas”.

Depois de encontrado, o “fugitivo” é mandado prender por Mouzinho, que dá ordens para atar as suas mãos (Figura 3). O episódio descrito é representativo, de certa forma, da humilhação sofrida por muitos africanos. Destaca-se ainda o facto de o filme reproduzir alguns dialetos. Por exemplo, a personagem “António” fala sempre em landim com os nativos; pelo menos, até à batalha de Marracuene, após a qual se entra em confronto direto com os vátuas e se passa a utilizar o ngoni entre as duas fações (Seabra, 2000, p. 244). O filme procurava ainda transmitir aos portugueses a ideia de que, depois de pacificada, a África era uma terra próspera e fértil - trabalhá-la seria um sinónimo de felicidade e riqueza.

 

 

Conclusão

Os filmes que tratei neste texto têm um carácter mais de propaganda (do regime e das colónias) do que propriamente de informação, ou “turístico-geográfico”, segundo a expressão de Luís de Pina (1977), ou ainda etnográfico. O seu objetivo é transmitir uma consciência colonial e, tal como outros da época, têm um tom apologético. A “sétima arte” foi, assim, utilizada como uma “arma” de defesa do regime e da sua política colonial. No processo de divulgação de África procurou-se transmitir uma consciência nacional num Portugal uno e indiviso. No caso dos filmes sonoros, a existência de uma orquestração sonora, de um fundo musical (música épica que legitima e encena o poder de algumas personalidades), ou de uma intervenção “folclórica” ou “ritual” por parte dos nativos, reforça essa mensagem.

Alguns documentários evidenciam a força de trabalho do africano e são reveladores de que este está a ter um papel importante na construção de um futuro prometedor em África. Porém, tal trabalho é sempre orientado pelo “branco” da metrópole, ou seja, é ao saber técnico daquele que se junta a força do africano. Por sua vez, as imagens que denotam um desenvolvimento ao nível da modernização das colónias em cidades, como Luanda, Lobito, Lourenço Marques e Beira, ofuscam, de facto, as populações que estavam sob o domínio da administração colonial portuguesa e o seu modo de vida muito diferente daquele que era mostrado. Já nos documentários realizados nas exposições a câmara procura normalmente buscar o “exótico”, o diferente e o pitoresco. Esse modo de representação pretende captar o “Portugal de Além-mar” e as suas gentes, com os seus “usos e costumes”, o trabalho “civilizador” que estava a ser desenvolvido, ou o papel das missões.

Normalmente, os africanos que vêm para as exposições são régulos, príncipes ou princesas nas suas comunidades de origem, ou jovens cuidadosamente selecionados. Vários estão vestidos e calçados, combinando a sua indumentária com as dos restantes elementos do grupo, e raramente aparecem desnudados, como acontece nos documentários feitos nas colónias. Mas, à semelhança do que acontecia nestes, a sua identidade é representada a partir do papel ou do estatuto social que têm na sua comunidade e não do seu nome. Os africanos são colocados em aldeias improvisadas construídas com a colaboração deles próprios, verificando-se ao mesmo tempo um processo de imposição e de destituição de identidade. O modo como eles encaram as câmaras, viram as costas ou sorriem parece ser ensaiado, mas muitas vezes aparecem com uma atitude fastidiosa. Notei também um certo prazer voyeurístico de quem regista as imagens, o que no fundo evidencia as relações de poder aqui em causa. Tal como aconteceu em situações que analisei em outros trabalhos, os africanos são representados como exemplos de um conjunto uno (todos são denominados “indígenas”), mas entre eles, ao mesmo tempo, procuram-se encontrar características distintas (Matos, 2013). É o que acontece, por exemplo, em Feitiço do Império (1940) em que uns surgem com um estatuto supostamente distante da “civilização” portuguesa e outros são representados como estando mais próximos dos assimilados, ou como já tendo adquirido esse estatuto.

Tentando responder à questão que coloquei no título deste artigo (“Imagens de África?”), posso dizer que as imagens por mim visionadas não foram só de África em sentido estrito; foram imagens da “África” que se pretendeu encenar para mostrar aos habitantes da metrópole e aos visitantes de algumas das grandes exposições em que Portugal participou, imagens da “África” que se encenou na própria metrópole e imagens da própria metrópole. Por outro lado, entre os filmes e os documentários encontrei relações muito próximas (quem realiza documentários realiza ficção e existem partes de documentários que são utilizadas para outros filmes). Como referiu Paulo Monteiro (2003) a propósito de uma análise sobre a relação entre a ficção e o real no caso do cinema, o “real” que é utilizado na ficção pode ao mesmo tempo não deixar de ser ficção e podem existir diversos sentidos do “real”, sendo que todo o filme tem um pouco de ficção. No caso da minha análise, podemos falar das imagens que se criavam “cá” de “lá”, porque tudo era encenado, e podemos falar das imagens que se criavam “lá” para serem vistas “cá”, sendo que a câmara focava essencialmente os aspetos positivos, considerados dignos de registo, ou cuja amostra na altura não era considerada problemática.

A partir de meados dos anos 50, a fundamentação de uma sociedade luso-tropical e a ideia de que o Brasil era o exemplo vivo e positivo desse “modo português de estar no mundo”[32] talvez tenham sido o motivo para uma maior produção de filmes sobre este país. São disso exemplo A Gloriosa Viagem ao Brasil (1957), A Viagem Presidencial ao Brasil (1957) e Comunidade Luso-Brasileira (1958), todos realizados por Lopes Ribeiro. No final da década de 50 procura-se mostrar um Portugal multirracial, uma mudança que pode ver-se em Nossos irmãos, os Africanos (1963) e Catembe (1965). Este último filme, que procurou documentar o quotidiano de Lourenço Marques, foi alvo do maior número de cortes por parte da censura na história do cinema português e a sua exibição foi proibida durante o Estado Novo. Nos anos 60 e até 1974 continuam a surgir trabalhos que focam o “ultramar”. Mas a partir daí, apesar da censura, começa-se a introduzir alguma crítica social relativamente à política colonial, ou a evocar aspetos como o trabalho forçado. Tal era feito de forma subtil, porque com a censura os cortes podiam ser mais de cem. Esta tendência, aliás, de um certo “ajuste de contas”, que denuncia práticas discriminatórias, vai prolongar-se até aos anos 80.

 

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Nota biográfica

Patrícia Ferraz de Matos é Investigadora de Pós-Doutoramento no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa (UL) onde colabora no Curso de Doutoramento em Antropologia. Licenciou-se em Antropologia (1997) na Universidade de Coimbra. A sua tese de mestrado sobre representações raciais - “As ‘Côres’ do Império” (2004) - foi laureada com o Prémio Victor de Sá de História Contemporânea 2005 e publicada pela Imprensa de Ciências Sociais (Lisboa, 2006 [1.ª edição], 2012 [2.ª edição]) e pela Berghahn Books (Oxford & Nova Iorque, 2013). Doutorou-se em Antropologia Social e Cultural, no ICS-UL, com uma tese sobre Mendes Correia e a Escola de Antropologia do Porto (2012). Foi distinguida com o Prémio ERICS (ICS/ CGD) na categoria de artigo científico (2014).

E-mail: patricia_matos@ics.ul.pt

Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa, Av. Prof. Aníbal Bettencourt 9, 1600-189 Lisboa, Portugal

 

* Submetido: 31-01-2016

* Aceite: 26-04-2016

 

Notas

[1] Uma versão anterior a este texto foi apresentada no V Congresso de Estudos Africanos no Mundo Ibérico - África: compreender trajetos, olhar o futuro - no painel “Representações sociais e formas de arte”, que fez parte da secção “Patrimónios Culturais” e decorreu no dia 6 de maio de 2006 na Universidade da Beira Interior. Trabalho realizado com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BM/2194/2000) e do Instituto de Ciências Sociais (UID/SOC/50012/2013).

[2] Para mais pormenores sobre estes e outros filmes, ver Matos (2013).

[3] Os filmes visionados são de curta, média e longa-metragem. Regra geral, um filme com duração igual ou superior a 50 minutos é considerado uma longa-metragem; um filme de 10, 15 ou 20 minutos é uma curta-metragem e os filmes cuja duração se encontra entre os de longa e os de curta duração são as médias metragens.

[4] A censura ao cinema já existia antes do Estado Novo. Lauro António refere que a primeira indicação de tal censura é de 1919 e faz alusão a um decreto de 1917 que regulamentava a exibição de “fitas” (1978, p. 25).

[5] No âmbito desta temática, publicou Analyse de Films, Analyse de Sociétés (1976) e Cinéma et Histoire (1977).

[6] Entre as produtoras, podemos referir a Invicta Film, montada com técnicas francesas, e a Tobis Portuguesa, instalada em 1933 por alemães com o sistema Tobis Klang Film e que teve o primeiro estúdio equipado para o filme sonoro. Outros centros de produção foram o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), a Sociedade Portuguesa de Atualidades Cinematográficas (SPAC) e a Agência Geral das Colónias (AGC), através das Missões Cinegráficas.

[7] O “Secretariado” produziu documentários entre os quais os dois filmes das viagens presidenciais a África, o da Exposição do Mundo Português e o da viagem do cardeal Cerejeira a África. A partir de 1935 começa a campanha do cinema ambulante. De 1937 a 1947 os cinemas ambulantes realizaram “2.235 espetáculos, a que assistiram 2.304.570 pessoas, tendo falado (a abrir muitas das sessões realizadas) 1.585 oradores das localidades que se associaram com entusiasmo a esta iniciativa” e em “1946, durante seis meses, o Cinema Ambulante do SNI percorreu o Arquipélago dos Açores, realizando 116 espetáculos, a que assistiram 230.700 pessoas, tendo falado 70 oradores”. O SNI cedia programas “a todas as entidades da província” como “sindicatos, hospitais, quartéis, escolas, fábricas, juntas de freguesia” (Secretariado Nacional de Informação, 1948).

[8] L. Ribeiro encenou ficção política com A Revolução de Maio (1937) e colonial com Feitiço do Império (1940); elaborou documentários sobre importantes obras do regime a nível mediático: exposições, visitas do chefe de Estado às colónias e outros eventos. Portugal na Exposição de Paris de 1937 (1942) e O Cortejo Histórico de Lisboa (1947), produzido pela Câmara Municipal de Lisboa e organizado para a comemoração do VIII Centenário da Tomada de Lisboa, retratam momentos captados por um realizador informado do que se fazia fora do país e que contactou na União Soviética com realizadores familiarizados com a propaganda, como Serguei Eisenstein e Dziga Vertov (Matos-Cruz & Antunes, 1997).

[9] Segundo o relatório da AGC de 1933-34 (Lencastre, 1934, pp. 21-2) realizaram-se durante esses anos sessões de propaganda colonial em várias cidades do país. Além disso, emprestaram-se filmes a Liceus, Colégios e Grémios particulares e à Sociedade de Geografia de Lisboa para a “Semana das Colónias”. Foram também enviados para o Rio de Janeiro aquando da “quinzena portuguesa” organizada pelo jornal O Século.

[10] Pimentel (2002, pp. 23, 30) indica 1908, mas em todas as fontes por mim consultadas a data assinalada é 1909.

[11] No âmbito dos Serviços Cinematográficos do Exército foram realizados por Augusto Seara também os documentários: Guiné: Aspetos Industriais e Agricultura (1929) e São Tomé Agrícola e Industrial (1929).

[12] São disso exemplo as seguintes películas (cujos títulos e datas foram confirmados na página eletrónica da Cinemateca Portuguesa [www.cinemateca.pt] consultada em abril de 2016): A Pesca da Baleia (1929); Estradas e Paisagens de Angola (1929); Aspectos do Rio Quanza: Quedas do Lucala (1930); Quedas do Dala: Angola (1930); Planalto de Huíla (1931); Fazenda Açucareira “Tentativa” (1932); Acção Colonizadora dos Portugueses (1932); De Lisboa a Luanda (1932); O Deserto de Angola (1932); e De Lisboa a São Tomé (1933).

[13] Por exemplo: Costumes Primitivos dos Indígenas de Moçambique (1929); Festejos em Lourenço Marques pela Passagem dos Territórios do Niassa para a Posse do Estado (1929); e A Cidade de Lourenço Marques (1929).

[14] A MCCA foi, de facto, uma iniciativa do Ministério das Colónias, com o apoio da AGC. Porém, foi precedida pela iniciativa estatal de 1928 que teve em vista produzir filmes sobre as colónias africanas. No sentido de promover a faceta colonial do país (nunca até então mostrada através do cinema, mas que veio a ser projetada na Exposição Ibero-Americana de Sevilha [1929], na Exposição Internacional e Colonial, Marítima e de Arte Flamenga de Antuérpia [1930] e na Exposição Colonial Internacional de Paris [1931]), o Agente Geral das Colónias e comissário da Exposição de Sevilha, Armando Cortesão, encomendou, por indicação do ministro das Colónias, Armindo Monteiro, filmes sobre os territórios africanos a três equipas: a dos Serviços Cartográficos do Exército, a que se juntou Augusto Seara; a da Missão Cinegráfica a Angola, composta por César de Sá e António Antunes da Mata; e a da Brigada Cinematográfica Portuguesa, liderada por Fernandes Tomaz. Além do financiamento da AGC, a produção dos filmes beneficiou do apoio de empresas privadas e da administração local.

[15] Na senda de Guido Convents – um autor que considera no trabalho “À la Recherche des Images Oubliès” o filme A Cultura do Cacau (1909) como o primeiro filme de propaganda colonial -, também Joana Pimentel (2002, p. 23) o classifica como tal, igualando-o a Feitiço do Império (1940). Contudo, apesar de anteriormente ao período do Estado Novo (1933-1974) já existir o interesse em registar elementos das colónias e as suas potencialidades, nomeadamente através da própria Agência Geral das Colónias, criada em 1924, considero que este e outros casos que lhe sucederam, integrados em missões específicas e lembrados pela autora (Pimentel, 2002), não se inserem num movimento que possa ser igualado ao promovido pela MCCA.

[16] Dessa equipa faziam parte: Carlos Selvagem, pseudónimo do major Carlos Afonso dos Santos, chefe; Lopes Ribeiro, diretor artístico; Brito Aranha, diretor técnico; e Isy Goldberger, diretor de fotografia. Os locutores foram Lopes Ribeiro, Pedro Moutinho, Elmano Cunha e Costa e Manuel Ribeiro (Matos-Cruz & Antunes, 1997).

[17] O primeiro trabalho foi produzido no continente com Exposição Histórica da Ocupação (1937), de Lopes Ribeiro. Para além deste destaco: Viagem de Sua Excelência o Presidente da República a Angola (1939); Guiné, Berço do Império (1940); Aspetos de Moçambique (assinalado em 1941, mas com estreia provável sete anos depois); São Tomé e Príncipe (1941); Angola, uma Nova Lusitânia (1944); Gentes que Nós Civilizámos (1944); As Ilhas Crioulas de Cabo Verde (1945); e Guiné Portuguesa (1946).

[18] Filme também conhecido por Viagem de Sua Excelência o Presidente da República a Angola (1939).

[19] Em outros filmes, cujo assunto não versa o “império”, o tema das colónias também pode surgir. É o que acontece em Cantiga da Rua (1949), de Henrique Campos, no qual se assiste a uma conversa sobre as colónias e onde se transmite a ideia que alguns portugueses tinham de que lá se trabalhava muito, que o trabalho era “duro para o lombo”, enquanto outros achavam que os “brancos” em África não faziam nada, nem tinham de fazer, porque os “pretos” trabalhavam para eles; em África quem era “bom para trabalhar” era o “preto”: “- O capataz grita e o preto toca a trabalhar desalmadamente”, enquanto o dono da roça vê todos os outros a trabalhar. Nota: as expressões entre aspas foram são as utilizadas no próprio filme.

[20] A deslocação pelos distintos espaços do império colonial português foi estimulada através da propaganda colonial e de medidas promovidas pelo governo. Sobre este assunto, ver Matos (2016).

[21] É uma das oito longas-metragens de ficção realizadas por Lopes Ribeiro entre 1934 e 1959. Durante muitos anos, o paradeiro deste filme permaneceu desconhecido. Recentemente, encontrou-se o negativo de nitrato, mas só dizia respeito à banda da imagem e estava incompleto. Desapareceu ainda a primeira das suas quinze bobinas constituída por 400 metros (15 minutos) de filme. Por essa razão, Matos-Cruz e Antunes (1997) decidiram publicar a planificação e os seus diálogos de acordo com o manuscrito original. Todas as legendas que registei foram tiradas a partir do próprio filme. Posteriormente, verifiquei no guião que as legendas e alguns dados não coincidiam, mas talvez digam respeito a dados alterados e não concretizados no filme.

[22] “Regular” ao serviço privativo dos régulos, correspondente aos impedidos militares da metrópole.

[23] Trata-se de um filme muito incompleto, com cortes e que termina de forma abrupta.

[24] Num está um padre virado para um altar, ladeado por dois rapazes de joelhos, evocando não só os missionários que morreram ao serviço da colonização e da dilatação da fé, mas também aqueles que ainda estavam a realizar o trabalho de “salvação das almas”; noutro uma missionária cura africanos enfermos e outra ensina uma menina a costurar e a bordar; num outro, surge um padre a supervisionar o trabalho manual de um africano.

[25] Tem atualmente a designação de Jardim Botânico Tropical.

[26] Sobre a exibição de seres humanos em exposições e eventos promovidos pelos portugueses, ver Matos, 2014a.

[27] Neste filme podemos ver Eva Perón (esposa do presidente da República da Argentina) na tribuna de honra onde estava o chefe de Estado (Óscar Carmona) e o presidente do Conselho (Oliveira Salazar).

[28] Consultei o arquivo fotográfico da Cinemateca Portuguesa, mas é rara a existência de fotografias dos documentários; os motivos maioritariamente fotografados são a equipa de filmagem e os percursos da viagem.

[29] Filme da AGC patrocinado pela Repartição Central dos Serviços de Instrução Pública de Angola.

[30] Inclui cenas do filme O Ensino em Angola com os nativos a saírem da igreja e os padres Freire e Estermann.

[31] Para a sua conceção foram feitas várias pesquisas, incluindo a consulta de documentos e relatórios, e realizadas entrevistas. Vassalo Pandayo foi o seu conselheiro histórico e militar. A produção esteve a cargo da Cinematografia Nacional (Cinal), criada em 1950, e da qual Brum do Canto era um dos elementos fundadores. A estreia foi a 4 de abril de 1953 no Monumental com a presença de algumas personalidades políticas. Foi divulgado na imprensa em locais de influência portuguesa - continente, Madeira, Açores, Angola, Moçambique e Brasil (Seabra, 2000).

[32] Expressão introduzida por Adriano Moreira no início dos anos 50 do século XX (Neto, 1995, p. 124) e que veio a ser incorporada no discurso oficial do Estado Novo a partir dessa data.

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