SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29Alteridade e identidade em Tabu de Miguel GomesCinema transcultural em debate numa rede de conhecimento: significados pós-coloniais híbridos no cinema de resistência índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Comunicação e Sociedade

versión impresa ISSN 1645-2089versión On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.29  Braga jun. 2016

https://doi.org/10.17231/comsoc.29(2016).2424 

VÁRIA

A pós-memória como coragem cívica. Palavra de ordem: resistir, resistir, resistir

Postmemory as a form of civic courage. Watchword: resist, resist, resist

 

Sheila Khan*

*CICS - Universidade do Minho, Portugal.

sheilakhan31@gmail.com

 

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo reivindicar o dever de pós-memória para melhor pensar a solidão da memória e de tornar explícito o valor do documentário no espaço e tempo de uma reflexão possível de acolher e dar corpo às ausências que os estudos sobre colonialidade e pós-colonialidade em língua portuguesa ainda não vieram suprir. Partindo do desafio proposto pelo dossier temático sobre “Imaginários coloniais: propaganda, militância e “resistência” no cinema”, este ensaio pretende resistir a estas solidões e ausências a partir de dois documentários – o de Bruno Sena Martins, A hospitalidade ao fantasma: Memórias dos deficientes das forças armadas (2014), e o da autora deste texto, Portugal híbrido, Portugal europeu: Gentes do ‘sul’ mesmo aqui ao lado (2011).

Palavras-chave: Memória; pós-memória; resistência; solidão; coragem cívica.

 

ABSTRACT

This paper aims to claim the duty of postmemory, in order to think better about the loneliness of memory and to explicit the value of the documentary, as the space and time for a reflection able to welcome and embody those absences that the studies on coloniality and postcoloniality in Portuguese were still not able to satisfy. Taking the challenge posed by the thematic dossier on “Colonial imaginaries: propaganda, militancy and ‘resistance’ in cinema”, this essay intends to resist these lonelinesses and absences, moving from two documentaries – A hospitalidade ao fantasma: Memórias dos deficientes das forças armadas (2014), by Bruno Sena Martins, and Portugal híbrido, Portugal europeu: Gentes do ‘sul’ mesmo aqui ao lado (2011), by the author of this paper.

Keywords: Memory; postmemory; resistance; loneliness; civic courage.

 

 

Eu estou a dizer coisas que eu nunca contei,

Isto eu nunca contei!

Bruno Sena Martins, 2014[1]

No dia 21 de janeiro do corrente ano a crónica habitual do escritor António Lobo Antunes, na revista Visão, prende a minha atenção. Não por ser a crónica do escritor e cronista Lobo Antunes; é simplesmente pela humildade com que este revela a solidão das suas muitas memórias: a da guerra colonial, a dos que lá estiveram com ele – deste e daquele lado da barricada -, a dos silêncios colados à língua, a dos silêncios dos outros companheiros também eles colados às suas línguas e, finalmente, a solidão do presente. Como leitora e investigadora fico perplexa porque consigo sentir essa mesma solidão, não é estranho? Não cria uma certa perplexidade pensar que a minha geração, a geração “pós”-império, “pós”-colonização, a geração da pós-colonialidade multicultural portuguesa, fique assim especada a olhar e a pensar nesta crónica? Eu não sou um elemento representativo de uma geração, e certamente erro em insistir nesta ideia de um patamar solitário, pois devo reconhecer os esforços e tentativas de autores que procuram recuperar pelos seus trabalhos uma solidariedade entre aqueles que viveram determinadas experiências traumáticas e outros que desejam compreendê-las, ou pelo menos, dar um sentido de consistência e continuidade histórica entre gerações[2] (Antunes, 2015; Borland, 2009; Cabral, Souto & Elísio, 2016; Fuica, 2014), reivindicando, por conseguinte, vozes órfãs e silenciosas, palavras não ditas, imagens escondidas e que se tornam pela mão mágica da tecnologia imagens públicas, novas experiências de pensamento e de partilha para uma comunidade de memórias. Mas, será mesmo assim o suficiente? Será que já fizemos tudo para sossegar tantos silêncios? Num ensaio sobre memória, identidade e representação, António Sousa Ribeiro abre o lugar para uma reflexão, que merece uma leitura atenta no que diz respeito ao valor da memória e da pós-memória no estudo das experiências que marcaram dolorosamente a Humanidade. Referindo-se ao Holocausto, Sousa Ribeiro observa:

As questões que permanecem e permanecerão em aberto, as perguntas para as quais não haverá talvez nunca resposta satisfatória – e que, por isso, demarcam acerbamente os limites da teoria -, não são, pois da ordem da averiguação dos factos nem da simples interpretação histórica, mas sim da ordem da memória e da pós-memória, isto é, da ordem de uma relação com o passado estruturada a partir do envolvimento presente de sujeitos concretos. Ao interrogar-se, num ensaio fundamental de 1998, sobre “A quem pertence Auschwitz?”, Imre Kertész não hesita em dar logo de início uma resposta muito clara: pertence, não tanto à geração das vítimas, de cujas mãos cada vez mais debilitadas pela idade se vai pouco a pouco escapando, mas sim à geração seguinte e às que vierem depois... “enquanto essas gerações o reivindicarem” (...). (Ribeiro, 2010, p.14)

Inspiro-me na força desta reflexão de Sousa Ribeiro, e parto para o conceito de coragem cívica que a geração pós-‘império’, pós-guerra colonial e de libertação e pós-25 de abril deve exercer no sentido de abrir janelas de entendimento, de diálogo entre passado e presente. Na verdade, a par de um “dever de memória” (Levi, 2011), deve, necessariamente, coexistir um dever de pós-memória, que resgate, dignifique e estime todo o património de experiências e de narrativas daqueles homens e mulheres que nunca encontraram o seu ‘tempo’ de confiança de partilha. Vigiar e praticar este dever de pós-memória é ir ao encontro dos silêncios, criar a ‘hospitalidade’ prudente para acolher essas narrativas que sem esta reivindicação acabarão por esmorecer, cair no esquecimento, e desaparecer sem sequer deixarem um laivo testemunhal da sua existência.

Se o dever de memória é um ato ativo, ético, moral e comprometido com o tempo das experiências humanas traumáticas e magoadas do passado (Levi, 2011), por seu turno o dever de pós-memória é a relação salutar com esse passado, o caminho sem pudor de tocar e compreender que aquelas ‘feridas’ também são nossas; aquelas mágoas também farão parte das nossas biografias. À questão fundamental lançada pelo recentemente falecido Imre Kertész, outro sobrevivente de uma experiência concentracionária, “A quem pertence Auschwitz?” (Ribeiro, 2010, p. 14), poderíamos acrescentar outras questões que faltam fazer: “ a quem pertence a guerra colonial?”; “a quem pertence a guerra de libertação nacional das antigas ex-colónias de língua portuguesa?”; “a quem pertencem as memórias por dizer, as narrativas caladas?”. A estas questões tem o dever de pós-memória de procurar responder e de assumir sem medo o papel de curador da sobrevivência e manutenção dessas memórias como forma de um trabalho de consciência histórica (Khan, 2015) e de coragem cívica.

Nascida em 1971, a antropóloga Maria José Lobo Antunes, e autora do livro Regressos quase imperfeitos (2015), expressa bem numa entrevista esta necessidade de vigilância sobre um passado que, também, por legitimidade, por proximidade emotiva, familiar, e histórica, é nosso:

- Quais são as “memórias” de guerra? Desde quando ouviu falar da guerra em casa?

- Desde sempre. Não era da guerra, era de África, de a minha mãe, o meu pai e eu termos estado em Angola, era de eu ser bebé no meio de militares. As memórias que eu herdei são memórias de um passado distante que nunca me foi contado como uma coisa má, era tudo bom. (Gomes, 2015)

Mapeando as linhas fortes deste texto, este trabalho tem por objetivos, partindo de uma vigilância sobre os vários passados de que somos herdeiros, e reivindicando para tal o conceito de coragem cívica e de dever de pós-memória, por um lado, pensar criticamente esse passado no presente; e, por outro lado, de resistir à permanência da solidão da memória, com o ensejo de contextualizar, validar e de justificar o papel do documentário como uma ferramenta importante para a possibilidade de uma reflexão possível de acolher e dar corpo às ausências que os estudos sobre colonialidade e pós-colonialidade em língua portuguesa ainda não vieram suprir (Khan, 2015, 2016).

Este ensaio pretende responder, a partir de dois documentários – o de Bruno Sena Martins, A hospitalidade ao fantasma: Memórias dos deficientes das forças armadas (2014), e o da autora deste texto, Portugal híbrido, Portugal europeu: Gentes do ‘sul’ mesmo aqui ao lado (2011)[3] –, a duas questões relevantes: em primeiro lugar, em que medida o documentário rompe e imprime uma forma resistência no diz respeito à existência de um arcaico romantismo de pendor colonial e nostálgico? Em segundo lugar, será que a pós-memória pode contribuir para uma descolonização dos imaginários coloniais e assegurar uma certa ‘hospitalidade’ às memórias ainda em silêncio?

A ‘hospitalidade’ às memórias em silêncio: documentário I

Vivi e cresci rodeada de pessoas que saíram das muitas ex-colónias africanas. As memórias destas pessoas são as minhas memórias porque essa transmissão e partilha é factual e visível no modo como eu procuro compreender o que está para além dos silêncios. Apesar das memórias partilhadas, permanecia um rastro de alguma incompletude, de qualquer coisa que permanecia intacta ou omissa nas suas estórias. Ao ler a entrevista a Maria José Lobo Antunes (Gomes, 2015) sobre o seu estudo e as suas memórias tão próximas da sua investigação, não pude deixar de sentir empatia com o que ela sentia sobre a partilha das memórias dos seus pais e familiares. Sendo da mesma geração, sinto tal como ela que o que me contavam fervilhava de uma economia de palavras, ou como bem definiu a autora de “Regressos quase imperfeitos” (2015), estava perante “um mundo de contenção em que se pode adivinhar entre palavras, tudo o que não está lá”. Faltava sempre qualquer coisa, uma âncora, um alicerce, uma espécie de compromisso entre aquele que esteve lá em África, que de lá saiu e a geração que já cresceu em terras da metrópole. Esta minha reflexão não é autobiográfica é, antes de tudo, contextual, convocando a paisagem humana e emotiva que eu testemunhei, que eu fui espreitando nas muitas conversas que escutava entre familiares e entre os familiares e os amigos. Recordo-me de que nestes momentos mais íntimos da memória deles, que também é a minha, que estava “tudo” lá: a comida, a praia, o calor, as vidas entre a cidade do cimento e a periferia da cidade colonial, os vestidos, os cinemas, os gelados, os casamentos, os filhos, e depois a partida, a chegada a Portugal, e o recomeço de tudo, sem nunca vergarem perante a saudade da ‘casa’ que ficou para trás (Khan, 2009).

Depois, mais tarde veio ao de cima a guerra colonial. Mas ninguém falava da guerra, a guerra tornou-se numa ‘bruma’ familiar, numa memória opaca, que estava sempre entre nós e que ninguém via ou conseguia tocar; uma memória teimosa e incómoda da guerra: a memória de alguém tão próximo, a de um pesadelo noturno e constante sobre a perseguição feita por um leão, em pleno mato. A memória da guerra transformou-se num modo gracioso de brincar com a experiência traumática vinda do pânico, do medo, e de tudo isto resultava, para acalmar o pesadelo, uma comunhão de gargalhadas em torno do leão, que era, sem dúvida, e embora silenciosa, a metáfora viva da guerra colonial. Se a guerra colonial assumia a figura de um leão, também representava o lugar de uma espécie de testemunho em jeito pouco compreensível e estranho para quem nunca esteve ‘lá’, naquela ‘guerra’. O leão e o pesadelo, percebi eu anos mais tarde, era a morte transfigurada de jovens amigos que ficaram parados no tempo; jovens que interromperam as suas vidas por uma guerra – uma cilada da História - que não percebiam; uma guerra que levou toda uma geração para o concerto atroz e bárbaro de corpos estilhaçados, de suores frios e de momentos terríficos. Enfim, que arrebatou sem compaixão uma parte importante da vida e das vidas de tantos jovens, de homens e mulheres que já não podem falar, partilhar e descrever o horror da morte![4]

Quando leio a crónica do escritor Lobo Antunes sobre a guerra colonial, lá vem o leão que perseguia alguém muito próximo de mim, e são estas palavras do escritor que me emudecem, que trazem para o meu pensamento tanta estupefação perante os silêncios em torno das memórias sem hospitalidade:

Não consigo esquecer. Os outros também não e as coisas mais difíceis só falamos delas entre nós. Não as pus no papel sequer por uma questão de pudor e, sobretudo, por se tratar de uma carga só nossa, impossível de partilhar com quem não a viveu. De modo que Angola se tornou um segredo que nunca pus em nenhum livro, andei apenas à roda, quando muito um episódio aqui, outro ali, mas jamais me referi às vivências tenebrosas e horríveis que apenas com aqueles que as sofreram comigo, ao meu lado e eu ao seu lado, me consinto mencioná-las. E todavia o leitor não calcula quanto nos apetece relatar, dizer, soltar de nós. Iremos com elas para a terra e custa-me ir com elas para a terra sem dar testemunho, mas não posso. Quem iria entendê-las?. (Antunes, 2016, p. 9)

Num artigo sobre violência colonial e testemunho, Bruno Sena Martins (2015) reflete sobre a realidade da solidão da memória, um tema ainda está por dissecar não apenas pela própria mão da investigação, mas pela forma como encaramos estas memórias e os instrumentos ou opções que tomamos para delas nos aproximarmos como estudiosos e como uma geração com o dever de uma pós-memória. Se o cinema tem assumido um lugar de destaque para evocar um passado ainda por pensar e refletir, e de um certo modo para quebrar com alguns preconceitos sociais e culturais, assumo que não me parece ainda o suficiente para recuperar e resgatar de um lugar morto as experiências que estão sem destino e destinatários. No seu documentário A hospitalidade ao fantasma (2014), Bruno Sena Martins inicia um caminho de aproximação, que designei por um dever de pós-memória, isto é, o gesto de ir ao encontro das memórias do passado que não estão saradas e que necessitam, por um lado, de um sentido de compreensão e de humanismo; e, por outro lado, de uma vontade cúmplice escuta e de diálogo com ex-combatentes e deficientes das forças armadas. O húmus do documentário não se concentra na organização estética e fílmica das imagens, mas na possibilidade da criação de um lugar de confiança entre gerações, da construção de um patamar onde se acolhem não apenas testemunhos mas simultaneamente testemunhas que podem, ainda que naquele momento muito específico, dar voz e conforto às suas memórias e às suas vivências brutalmente marcadas por essas experiências da guerra.

Neste documentário são entrevistados muitos ex-combatentes cujas vidas foram esmagadas, destruídas e dilaceradas pela guerra colonial, e o mais comovente não é somente ver e escutar as suas vozes embargadas, o vigor incrível que o passado tem no seu presente. O mais dilacerante são as ausências de interlocutores que estes ex-combatentes expressam e ‘denunciam’ e que seriam importantes para que estes homens e ex-combatentes se sentissem escutados, respeitados e como testemunhas incontornáveis para melhor entendermos a arqueologia histórica do processo de esquecimento a que foram votados pela memória pública deste Portugal pós-colonial. Um dos entrevistados confessa: “Não sei explicar isso, talvez de uma forma defensiva, durante muito tempo eu esqueci a guerra e isso ficou arrumado num sótão muito alto, ou num porão muito baixo, durante muito tempo” (Martins, 2014, excerto de documentário).

Ao interpelar ao longo do documentário os vários ex-combatentes, Bruno Sena Martins cria com eles uma espécie de cordão humano, o enquadramento e o contexto certo para a fixação de um chão entre aqueles que partilham e que podem dar o seu testemunho e aquele que escuta e recolhe esses registos, para com eles poder criar e sentir um arquivo humano de experiências e de memórias. Para muitos daqueles ex-combatentes a guerra, como confessa um deles, “ainda não saiu ..., ainda não saiu daqui. Pronto, transformou o silêncio no meu maior inimigo” (Martins, 2014, excerto de documentário); mas a guerra sai e vai escoando neste trabalho documental ao permitir que estes homens possam “relatar, dizer” e “soltar” os seus silêncios.

Em que medida podemos falar e mencionar a palavra resistência para melhor explicar o passado? Acredito que o ato de resistir seja o mais profícuo para pensarmos neste passado tão marcado por tanto rumor e distanciamento e pautado pelo próprio percurso histórico da sociedade portuguesa que quis esquecer, colocar numa ‘prateleira’ da sua memória a vivência não só do Ultramar, mas também a da guerra colonial. Por outras palavras: resistência ao esquecimento, à amnésia da nossa História, ao distanciamento das nossas memórias. Convocando o pensamento de Eduardo Lourenço (2001), nós não sofremos apenas de um excesso de identidade, mas muitas vezes, e por razões tão fraudulentas à nossa própria identidade nacional, de excesso de amnésia, pela incapacidade de traduzirmos as nossas perdas numa simples palavra: luto. E nessa medida, esta ‘resistência’ tem de ser feita de uma outra forma, mais aproximativa, menos mediática e com um carácter mais discreto para aqueles que precisam de dar significado a um tempo que permanece sem explicação, sem uma inclusão justa e digna na historicidade da sociedade portuguesa.

Devo deixar uma nota de reconhecimento no que diz respeito ao valor que o cinema tem nestes processos de desconstrução, revisitação crítica e dialógica com o passado. No entanto, concedo-me o humilde direito de considerar que persiste ainda um certo timbre colonial e nostálgico, nomeadamente com o emergir da chamada literatura dos retornos, e, por outro lado, com o mediatismo associado aos filmes sobre esse passado colonial e imperial, refiro-me ao filme Tabu de Miguel Gomes, e mais recentemente, ao de Ivo Ferreira, Cartas da Guerra, baseado no livro de António Lobo Antunes, D’Este Viver Aqui Neste Papel Descrito (2005). E, o que vejo é, ainda, a procura de um certo pendor colonial e saudosista de olhar para o passado na forma como o cinema ficciona a realidade que este, certamente, pretende criticamente pensar, dissecar e interpretar. Penso que não temos de colocar de parte, de desmerecer ou mesmo desqualificar esta contribuição, mas alternativamente, escolher instrumentos de trabalho[5] com os quais seja plausível tratar, com maior realismo e fluidez, as memórias embargadas, para posteriormente, organizá-las de acordo com os critérios daquele que dá a conhecer e daquele que escuta, para que outras gerações possam, desse encontro feito de cumplicidade de memórias, ter uma visão estruturada, contextualizada e flexível no seu diálogo entre passado, presente e futuro.

Na minha opinião, o documentário é um momento de catarse, de criação de uma confiança emocional, histórica, de um compromisso de respeitabilidade e de cumplicidade; uma forma de organização de narrativas outrora dispersas em memórias escondidas e envergonhadas (Khan, 2011). Em A Hospitalidade ao fantasma, não temos apenas um investigador a fazer o seu trabalho, também não vemos vítimas nem heróis. Pelo contrário, escutamos sem ficções as vozes reais, as palavras que não se escondem em guiões, em romances, mas vidas “marcadas” pelas engrenagens perversas da História dos Homens. Vemos homens de ontem e de hoje, que querem e precisam de dar sossego aos seus medos, angústias, para que as suas memórias possam viver com a integridade que merecem. Para que as suas memórias assumam um sentido de pertença e de participação.

Gentes do ‘Sul’ mesmo aqui ao lado: documentário II

Gentes do ‘Sul’ mesmo aqui a lado (Khan, 2011), é um documentário que serviu de base de análise de uma realidade que eu quis conhecer, interrogar e que me acompanhou durante a minha formação como pessoa e como investigadora. Gentes do ‘Sul’ são os silêncios e ausências que sempre encontrei para perceber o que era este Portugal ‘pós’-colonial, este Portugal que recebeu na sequência da Revolução dos Cravos, após a descolonização da suas ex-colónias, milhares de pessoas que a História oficial achou por bem catalogar para os seus anais como retornados: gentes vindas do antigo Ultramar. Nesse vastíssimo contingente humano, vinham os chamados ‘retornados’, e os Outros, os africanos, todos aqueles que tinham renunciado à nacionalidade dos seus países e, como tal, optado pela nacionalidade portuguesa. Para mim, África sempre foi um lugar paradisíaco porque assim me inculcaram durante muitos anos, mas como revogar, refutar essa nostalgia sempre presente nos momentos de partilha doméstica das memórias dos meus familiares? Um bom caril é um prato indiscutível; uma boa música só pode mexer com os ritmos do nosso corpo, e as fotografias alimentam em nós a nostalgia de algo que não tivemos, mas lança a semente de uma certa convicção que nos leva a acreditar que aquilo que não vivemos também é nosso, porque faz parte do nosso acervo familiar. Alguns estudiosos dos estudos sobre a memória, especificamente, sobre os estudos sobre Holocausto chamariam a esta experiência indireta de um acontecimento de pós-memória (Hirsch, 2008): embora uma a pós-memória com os seus espaços de memória incompletos e intermitentes.

A um dado momento percebi que África e as narrativas de vida daqueles que decidi estudar estavam assinaladas por um critério muito presente: era preciso sobreviver, recomeçar as suas vidas. No fundo, era preciso esquecer, para começar de um suposto ponto de partida, que se iniciaria neste Portugal híbrido e europeu com Gentes do ‘Sul’ mesmo aqui ao lado. Portugal híbrido, Portugal europeu é um documentário onde procurei entender e criticamente refletir os efeitos do colonialismo português nas experiências e percursos humanos, culturais e sociais das pessoas que estiveram nas ex-colónias portuguesas, partindo de uma reunião polifónica com pessoas que vieram de Moçambique, com investigadores, pensadores, escritores, jornalistas e que comigo pensaram a pós-colonialidade portuguesa a partir dos seguintes tópicos: a) narrativas de vida e de identidade no tempo colonial; b) o encontro entre a realidade humana da experiência ultramarina e a realidade da metrópole sócio-cultural, política e económica do pós-25 de abril; c) a consciência histórica de Portugal mediante as suas Outras-gentes e o modo como Portugal se tem representado a si mesmo (Ribeiro, 2012), ora como nação que celebra a sua epopeia lusotropicalista, ora como nação europeia; e por último, d) os vários retratos da pós-colonialidade portuguesa.

Este documentário foi um itinerário em que fui desconstruindo muitos dos meus ‘mitos’, e durante a sua concretização, fui quebrando muitos dos silêncios e muros de esquecimento voluntário com que estas pessoas ‘sobreviventes’ da experiência colonial e ultramarina foram reforçando nas suas versões de vida e de identidade na sociedade portuguesa pós-colonial. É curioso encontrar um elo comum entre os ex-combatentes da guerra colonial e estas pessoas vindas do Ultramar: é que em momento algum eu escutei durante o meu documentário que essas suas memórias se sentiam acompanhadas, acolhidas e tratadas como autoridades de memória (Ribeiro, 2010). Estas pessoas eram e são hoje os rostos vivos e irrefutáveis de um percurso historicamente entrelaçado entre países, pessoas, culturas e identidades; mas também são as vozes silenciosas e esquecidas, mesmo aqui ao lado. Estas pessoas e de uma “forma defensiva” (Martins, 2014, 2015), arrumaram nos seus sótãos e porões da memória o que sentiram com a sua partida de Moçambique, a perceção que tiveram de Portugal – a grande metrópole colonial – e o que pensam das suas vidas neste Portugal que se nomeia multicultural e europeu. Convido uma das minhas entrevistadas a falar da sua memória e identidade. Pergunto:

- “Hoje, quando olhas para atrás o que sentes?” ao que ela responde:

- “Essa pergunta é muito complexa. Eu ainda continuo com uma costela bem forte de África, mas também, não me posso esquecer que tenho 56 anos a viver debaixo da bandeira portuguesa. E, então, sinto-me com as duas nacionalidades”.

- “Alguma vez te sentiste uma imigrante em Portugal?”

- “Em algumas ocasiões sim, porque fui quase obrigada a abandonar o país onde eu nasci”. (excerto de documentário, Khan, 2011)

A seguir a este momento da nossa conversa, a entrevistada comove-se, essa outra pessoa com quem sempre convivi, uma pessoa com uma vida em Portugal estável, sem grandes problemas profissionais e materiais, revela-se como assaltada pelas suas memórias, memórias que também elas quis esquecer, ou como na crónica de Lobo Antunes, memórias que ela não quis relatar, dizer e soltar, porque o país da sua outra nacionalidade – a nacionalidade portuguesa - não quis ou não conseguia perceber e, portanto, foi ao longo da sua vida no tecido português pós-colonial sonegando, disfarçando essas memórias perante a necessidade de sobrevivência e da construção de uma vida familiar estável. Prosseguindo com a nossa entrevista:

- “Isso é uma coisa que, ainda hoje, te magoa?”

- “Eu sempre quando falo nisso vêm-me sempre as lágrimas aos olhos. Eu acho que nunca deveríamos ter abandonado a nossa terra”. (excerto de documentário, Khan, 2011)

Este documentário não foi apenas um vetor de que me servi para corresponder às necessidades de realização do meu projeto de investigação (Khan, 2015). Gradualmente e com um sentimento de responsabilidade ética, entendi a relevância do meu estudo, como espaço não só de partilha e de confiança, acima de tudo, como uma forma de dar e de reivindicar visibilidade e forma, ao que tem sido tratado como ausente e apagado das nossas memórias públicas e que, definitivamente, tem estado presente como uma força motriz deste arquivo de imagens, de vozes, de testemunhos e de testemunhas. Quando regresso ao Portugal híbrido, Portugal europeu, sinto que no meu papel de investigadora compilei não somente uma história com várias vozes, com diferentes percursos biográficos e culturais; acredito que fui mais longe ao descobrir que, apesar de ter tocado uma ponta do iceberg, foi no entanto um passo em frente para entender que para muitos destes entrevistados falar sobre as suas experiências representou um momento único, inesperado, um momento em que foi possível transformar os seus silêncios, os seus medos e mágoas escondidos num testemunho importante e válido para perceber o que é hoje este Portugal pós-colonial. Como observa Bruno Sena Martins num artigo sobre violência colonial e testemunho:

A solidão das testemunhas, (...), resulta do modo como o silenciamento da Guerra produz como “extraordinárias” as experiências – afinal tão comuns – daqueles cujas biografias ficaram marcadas pelo irremediável da guerra. Mais do que a confiabilidade, o que aqui avulta é, pois, a falta de interlocutores que validem as violências impostas pela Guerra. A possibilidade de partilha do trauma e da violência é assim, um elemento essencial para a ressignificação do sujeito isolado pelo excesso de memória. (Martins, 2015, p. 113)

De facto, é esta possibilidade do testemunho que concretiza e materializa as vivências destas pessoas num manancial que devemos compilar, guardar e tratar com justiça e paciência perante o exercício de pensar o que é hoje a pós-colonialidade portuguesa. Mas, não menos secundária deveria ser a presença de um espaço público preparado para a testemunha e para o seu testemunho, capaz de escutar e de serenamente preparar o ‘chão’ para um trabalho de interpretação lúcida destas memórias como elementos de pertença da historicidade seja portuguesa, seja moçambicana. Como salienta António Sousa Ribeiro no seu estudo sobre memória, identidade e tradução: “não se trata apenas da hostilidade do meio envolvente, trata-se também de uma outra questão não menos importante, o facto de que a experiência vivida dificilmente se deixa articular de imediato. É necessário um trabalho, necessariamente longo e difícil, de reconquista da possibilidade de expressão da memória” (Ribeiro, 2010, p. 16).

Protege-te delas, das recordações,

dos seus ócios, das suas conspirações;

usa cores morosas, tons mais-que-perfeitos:

o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.

Manuel António Pina (2011, p. 31) Como se desenha uma casa

 

Em jeito de conclusão: percorrendo caminhos entre memórias e pós-memórias

O conceito de pós-memória tem assumido um lugar predominante nas questões em torno dos estudos sobre o Holocausto, sobre as várias ditaduras na América Latina e, em Portugal, tem vindo a ocupar a atenção dos investigadores no que concerne os trabalhos relacionados com a guerra colonial (Ribeiro, 2012), e a perceção dessa guerra pelas gerações mais jovens, nomeadamente, estudos concentrados nas vivências dos filhos de ex-combatentes da guerra colonial (Ribeiro & Ribeiro, 2013). Marianne Hirsch introduziu o conceito de pós-memória definindo-o do seguinte modo: “‘Pós-memória’ aponta para a relação da segunda-geração com experiências marcantes, muitas vezes traumáticas, que são anteriores ao seu nascimento, mas que, não obstante, lhe foram transmitidas de modo tão profundo que parecem constituir memórias em si mesmas” (Hirsch, 2008, p. 103). Eu não discordo desta definição, no entanto, não posso defendê-la na sua totalidade sem antes observar que nem todas as experiências marcantes e traumatizantes são uma pós-memória, o monopólio da pós-memória não deve ser reivindicado apenas nesta ótica tão pessimista e negativa da partilha das memórias “traumáticas”. A pós-memória também assume outras abordagens mais romanticizadas e nostálgicas. Dizê-lo assim pode parecer espúrio, mas a verdade é que a minha geração cresce com o lado mais exótico e saudosista de África, onde os imaginários estão todos decalcados na partilha que os nossos mais próximos, familiares e amigos, procuraram transmitir. Isto não é tudo, a pós-memória está para além destes dois lados extremistas, a pós-memória é também o lugar ativo de uma reivindicação de memórias quer da parte daqueles que desejam partilhar e “soltar” as suas experiências mais errantes e escondidas, quer da parte daqueles que, como eu e Bruno Sena Martins, procuraram pacientemente escutar, compilar e construir como um arquivo visual, histórico, com um certo compromisso ético e moral.

Nesse sentido, a pós-memória não pode assumir-se como uma etapa, uma ‘conquista’ de partilha de memórias que resulte de uma forma passiva e espontânea entre gerações. A pós-memória não pode ser pensada como algo que está a priori garantido pela co-existência de uma diversidade infinita de experiências humanas. Na minha opinião, a pós-memória só existe e permanecerá viva e ativa se reivindicar para si um dever de pós-memória sobre as memórias silenciosas dos que procuraram os seus interlocutores. A pós-memória só existe efetivamente num trabalho conjunto de comunhão de memórias, na criação de um espaço onde é possível criar laços de confiança, de responsabilidade moral e cívica, de curiosidade, de vontade de resgatar silêncios e de quebrar silêncios; e de resistir salutarmente ao esquecimento. De um outro modo, cairemos sempre num buraco pejado de muitas solidões: daqueles que não falam e não relatam e, que por isso, permanecerão desprovidos de um sentido de participação e de legitimidade histórica e moral; e daqueles que permanecerão sem o sentido de pertença a uma memória que também é a deles: que lhes dará o conteúdo e a essência para melhor pensarem com quietude e justiça os lugares certos do passado, presente e futuro. Por isso, a palavra de ordem deve ser: resistir, resistir, resistir.

 

Videografia

Martins, B. S. (2014, 11 june). A hospitalidade ao fantasma: Memórias dos deficientes das forças armadas. [Video file]. Retrieved from https://www.youtube.com/watch?v=aF5vWj5T5uY        [ Links ]

Khan, S. P. (2011). Portugal híbrido, Portugal europeu: Gentes do ‘sul’ mesmo aqui ao lado. Portugal.         [ Links ]

 

Referências Bibliográficas

Antunes, A. L. (2005). D’este viver aqui neste papel descrito. Lisboa: Editora Dom Quixote.         [ Links ]

Antunes, A. L. (2016, 21 de janeiro). Crónicas de António Lobo Antunes. Revista Visão, p. 9.         [ Links ]

Borland, I. A. (2009). The memories of others: Ana Menéndez and Alberto Rey. Review: Literature and Arts of the Americas, 42(1), 11-20.         [ Links ]

Cabral, I.; Souto, M. & Elísio, F. (Eds.) (2016). Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do homem. Lisboa: Editora da Rosa de Porcelana.         [ Links ]

Fuica, B. T. (2014). Memory or postmemory? Documentaries directed by Uruguay’s second generation. Memory Studies, 8(3), 298–312.doi:10.1177/1750698014563873.         [ Links ]

Gomes, C. (2015, 18 de outubro). Entrevista – Cada soldado tem a sua guerra. Público.         [ Links ]

Hirsch, M. (2008). The generation of postmemory. Poetics Today, 29(1), 103-28.         [ Links ]

Kertész, I. (2002). Eine gedankenlänge stille, während das erschießungskommando neu lädt. Essays, Reinbek, Rowohlt.         [ Links ]

Khan, S. (2009). Imigrantes africanos moçambicanos. Narrativa de imigração e de identidade e estratégias de aculturação em Portugal e na Inglaterra. Lisboa: Editora Colibri.         [ Links ]

Khan, S. (2015). Portugal a lápis de cor. A sul de uma pós-colonialidade. Coimbra: Almedina.         [ Links ]

Khan, S. (2016, no prelo). As cores da investigação em Portugal: África, identidade e memória. Revista Configurações, 17.         [ Links ]

Levi, P. (2011). O dever de memória. Lisboa: Cotovia.         [ Links ] Lourenço, E. (2001). O labirinto da saudade. Lisboa: Gradiva.         [ Links ]

Martins, B. S. (2015). Violência colonial e testemunho: Para uma memória pós-abissal. Revista Crítica em Ciências Sociais, 106, 105-126.         [ Links ]

Ribeiro, A. S. (2012). The children of the colonial war: post-memory and representations. In I. C. Gil & A. Lima (Org.), Plots of War. Modern Narratives of Conflict (pp. 11-23). Berlin: De Gruyter.         [ Links ]

Ribeiro, R. (2012). A Europa na identidade nacional. Porto: Edições Afrontamento.         [ Links ]

Ribeiro, António S. & Ribeiro, Margarida C. (2013). Os netos que Salazar não teve: Guerra colonial e memória de segunda geração. Revista Abril – Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana, 6, 25-36.         [ Links ]

Ribeiro, A. S. (2010). Memória, identidade e representação: Os limites da teoria e a construção do testemunho. Revista Crítica em Ciências Sociais, 88, 9-21.         [ Links ]

 

 

Nota biográfica

Sheila Khan é socióloga, é atualmente investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.UMinho). Doutorada em Estudos Étnicos e Culturais pela Universidade de Warwick. Tem, no seu percurso académico, centrado a sua atenção nos estudos pós-coloniais, com especial enfoque nas relações entre Moçambique e Portugal, incluindo a questão dos imigrantes moçambicanos em Portugal. De entre os temas que tem trabalhado inclui-se a história e a literatura moçambicana e portuguesa contemporâneas, narrativas de vida e de identidade a partir do Sul global, autoridades de memória e de pós-memória. É de destacar o seu recente livro, Portugal a Lápis de Cor: A Sul de uma pós-colonialidade (Almedina, 2015).

E-mail: sheilakhan31@gmail.com

Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga

 

* Submetido: 21-02-2016

* Aceite: 18-04-2016

 

Notas

[1]Excerto do documentário realizado pelo antropólogo Bruno Sena Martins, A hospitalidade ao fantasma: Memórias dos deficientes das forças armadas (2014), no âmbito do projeto de investigação Vidas Marcadas pela História: a Guerra Colonial Portuguesa e os Deficientes das Forças Armadas..

[2]Gostaria de salientar o trabalho de Maria José Lobo Antunes, que resulta da sua tese de doutoramento sobre os antigos combatentes da guerra colonial, nomeadamente o seu estudo com o BART 3835, o Batalhão de Artilharia onde o seu pai, o escritor António Lobo Antunes, acompanhou como médico. Deste estudo resultou o livro Regressos quase perfeitos (Ed. Tinta-da-China, 2015). Mais recentemente, o trabalho minucioso e de uma preciosidade em termos históricos, a compilação das cartas de amor entre o líder africano Amílcar Cabral e Maria Helena (namorada e primeira esposa de Amílcar Cabral), organizado este volume por Iva Cabral, filha de Amílcar Cabral e historiadora, Márcia Souto e Filinto Elísio pela editora Rosa de Porcelana (2016).

[3]O documentário Portugal híbrido, Portugal europeu, foi pensado como instrumento de recolha de dados, de análise e de reflexão para o meu projeto de pós-doutoramento, e do qual resultou o livro Portugal a lápis de cor: A sul de uma pós-colonialidade (2015).

[4]Não obstante retratando a experiência do Holocausto, um dos sobreviventes de uma campo de extermínio, David Rousset, faz em O universo concentracionário (2016), essa declaração de cumplicidade e de ternura perante aqueles que não conseguiram passar a barreira das mortes horríficas da vivência concentracionária.

[5]Embora não tenha este artigo a preocupação de pensar em outros registos e ferramentas de memória, o estudo de cartas de guerra (Antunes, 2005) ou as cartas de amor entre Amílcar Cabral e Maria Helena (Cabral et al., 2016), são valiosos dados para analisarmos este passado ainda tão imprescindível para pensarmos a nossa historicidade, quer do lado português quer do lado africano.

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons