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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.31  Braga jun. 2017

https://doi.org/10.17231/comsoc.31(2017).2626 

LEITURAS

Alves, L. F. (Ed.) (2016). Fotografias em obras de Eduardo Souto de Moura. Matosinhos: Scopio Editions.

 

Alves, L. F. (Ed.) (2016). Fotografias em obras de Eduardo Souto de Moura. Matosinhos: Scopio Editions.

 

 

Anabela Veloso Rodrigues*

*Universidade do Minho, Portugal.

ana.rodg@gmail.com

 

 

Publicado em junho de 2016 pela Scopio Editions, o livro de Luís Ferreira Alves, Fotografias em Obras de Eduardo Souto de Moura, insere-se na categoria de Fotografia de Arquitetura.

Como coleção de Livro de Autor, esta publicação surge pela editora para divulgação e promoção da fotografia documental e artística no âmbito da Arquitetura, Cidade e Território, tendo sido proposto aos autores, neste caso a Luís Ferreira Alves, o desafio de criar uma obra que pudesse despertar, naqueles que a vão receber, a observação interpretativa sobre a Fotografia de Arquitetura, e, por conseguinte, sobre a convergência entre estas duas práticas e a ligação afetiva entre os fotógrafos e os arquitetos.

Confluem nesta obra a fotografia e a arquitetura, declarando-se à viva imagem a cumplicidade entre um fotógrafo e um arquiteto.

Luís Ferreira Alves nasceu em 1938 em Valadares, Vila Nova de Gaia, e vive atualmente no Porto. Entre as suas várias paixões como a vela e o cinema, desde cedo se dedicou à fotografia. Embora a nível amador, possivelmente com uma abordagem mais sociológica, revelava já no seu trabalho uma sensibilidade especial para o entendimento de uma obra de arquitetura, do seu conceito no tempo, da sua existência no espaço, da relação do arquiteto com a obra, e do desafio de transformar qualquer elemento fisicamente móvel em algo estático, em modo de observador, mas sentido como se estivéssemos a viver presencialmente cada pormenor.

É com Pedro Ramalho, arquiteto e autor de trabalhos vários no âmbito da habitação, equipamentos e urbanismo, e com notável participação no Processo SAAL-Arquitetura e Participação 1974-1976, que surge Luís Ferreira Alves no contexto da arquitetura portuguesa, mais concretamente no contexto da fotografia de arquitetura.

Amigos de longa data, Pedro Ramalho propõe a Luís Ferreira Alves o registo fotográfico de algum do seu trabalho, com o intuito de o apresentar num Seminário organizado pela Escola Superior de Belas Artes do Porto. A premissa era a apresentação de um conjunto de diaporamas numa perspetiva menos formal e que impelisse para uma viagem fílmica de sentidos.

Luís Ferreira Alves, um apaixonado pelo cinema, e com passagem pelo Cineclube do Porto como seccionista e cofundador, seria o timoneiro da viagem, cujo resultado se revelou num sucesso e, por conseguinte, num conjunto de encomendas por parte de outros arquitetos. Luís Ferreira Alves ultrapassa assim a linha do amadorismo para uma prática profissional, colaborando com vários arquitetos ao longo de várias décadas.

É desta relação entre arquitetos, arquitetura e fotografia que surge o livro de Luís Ferreira Alves, Fotografias em Obras de Eduardo Souto de Moura.

Apresentado sob um suporte denso, sólido e rigoroso, o livro revela um interior harmónico, pleno de afetos e sobretudo de deleite proporcionado pelos nossos sentidos face a uma obra de arte. É nesta base que o livro nos introduz numa viagem exploratória em obras de Eduardo Souto de Moura.

Neste sentido, Luís Ferreira Alves reforça que “este é um livro de fotografia em arquitetura. Este não é um livro de arquitetura. Este é um livro de fotografia gerada na arquitetura de Eduardo Souto de Moura” (Alves, 2016, p. 7). Esta revelação atesta a veracidade da sua cumplicidade, da sua forma de estar com a arquitetura e seu autor, não se ausentando das suas referências (alimento nas suas obras) e do entendimento de si próprio com a arquitetura e a fotografia. É quase como que uma revelação do autor.

Se quisermos estabelecer etapas nesta viagem (neste livro), poderemos situá-las em três planos. Num primeiro plano, o reconhecimento de um autor, com testemunho dos seus pares e a sua devoção à fotografia em arquitetura; um segundo plano, o da viagem pela obra de Eduardo Souto de Moura; e um terceiro plano, a confirmação de uma relação entre a arquitetura e fotografia.

Tratando-se o livro de um documento visual com uma linguagem e uma gramática muito própria, este poderá ser considerado como uma declaração escrita através de imagens, como se de uma narrativa se tratasse. A referida publicação é a confirmação da existência e comunhão da obra fotográfica com a obra arquitetónica e, assim, da cumplicidade entre os dois autores.

Apresentam-se as primeiras páginas. As honras da casa são palavras do autor do livro que, em tom de desabafo, se transformam numa confissão emocional do processo de busca, da análise e seleção das melhores fotografias como tributo ao arquiteto. De mãos dadas com o texto, uma primeira imagem urbana. Em primeiro plano, um muro de betão com um painel publicitário com a inscrição Why not? (Alves, 2016, p. 6). Em segundo plano, o edifício Burgo, no Porto. Porque não agora o momento de celebração da fotografia em arquitetura?

Seguem-se as homenagens. Palavras emotivas dos seus pares, os arquitetos, a partilha de memórias conjuntas, atos sinónimos deste vínculo de cumplicidade que perdura ao longo de décadas.

Este vínculo desenvolve-se numa base do sentido da perceção e, por conseguinte, da forma como fotógrafo e arquiteto abordam e recebem, em fase de anteprojeto, a impressão do local onde vai nascer a obra. Seja ela arquitetónica ou fotográfica, e embora alicerçadas sob materiais distintos, ambas concorrem para o objetivo único, o da construção da obra.

Outros antecederam Luís Ferreira Alves, como é o caso de Teófilo Rego (1914 -1993), também este fotógrafo envolvido com a arquitetura e que colaborou com vários arquitetos do Porto, tendo, embora em época diferente, contribuído para a democratização da arquitetura e da fotografia através do seu trabalho. Outros nomes se apresentam. Mário Novais (1899-1967) e Horácio Novais (1910-1988), estes em Lisboa, ambos trabalhando também sob a égide da encomenda dos arquitetos; e Orlando Ribeiro (1911-1997) com uma abordagem mais geográfica da arquitetura, e que através da sua fotografia permitia aos arquitetos uma visão geográfica do território.

Para além destes, mas a nível internacional, outros nomes se destacam, nomeadamente Walker Evans (1903-1975), escritor e que acabou por se dedicar à fotografia, documentando com uma profunda emoção e algum distanciamento a poesia do ambiente da cidade nos Estados Unidos da América; Lucien Hervé (1910-2007) que durante 16 anos documentou as obras de Le Corbusier; Eugène Atget (1857-1927) que, para além de ter colaborado com vários arquitetos, se destacou por se afastar do ser humano para se dedicar ao registo das ruas vazias de Paris. Por último, Gabriele Basílico (1944-2013) que, apesar de arquiteto, trabalhou a arquitetura através da câmara fotográfica.

Ao longo da história da fotografia, e neste caso da Fotografia de Arquitetura, são vários os exemplos desta consolidação de parcerias entre fotógrafos e arquitetos e do reconhecimento destes como agentes centrais na arquitetura.

Avançamos nesta viagem. Chegamos à obra de Eduardo Souto de Moura, arquiteto portuense, nascido em 1952, tendo recebido ao longo da sua carreira diversos prémios dos quais se destaca o Prémio Pritzker, em 2011.

A série de fotografias apresentadas neste livro é a celebração da fotografia e da arquitetura, que se transforma numa melodia visual.

Imagem a imagem, surge a meditação, o apelo à análise, pois a fotografia não é só sobre a obra em si, mas também sobre a experiência sensorial que nos envolve ao percorrê-la.

As fotografias de Luís Ferreira Alves têm esse dom. Levam-nos à experiência do espaço sem lá estarmos e, para que isso aconteça, é necessário dominar um conjunto de ferramentas de forma a proporcionar ao leitor-observador uma aprazível e prolongada experiência ao folhear este livro.

O sentido de humor está sempre presente, mesmo que oculto da luz, matéria fundamental para as suas fotografias. A composição também lá está, por vezes gráfica. Entre o preto e o branco, a presença da cor é o que prevalece. A perspetiva é a história. Aquela que manifesta distâncias, nos dá pontos de referência, nos apresenta os acontecimentos, nos situa e nos coloca em posição de observador e, por sua vez, no lugar do fotógrafo. Através das suas fotografias, sentimo-nos próximos de sentir o cheiro dos locais e a textura dos materiais.

Estes registos visuais, pontuados com a presença textual dos momentos de partilha e discussão resultante de conversas com o arquiteto, ou simplesmente por mero acaso, conduzem-nos a outras referências. Ou porque desconhecemos, ou porque estão esquecidas, reacendem-se pelo texto, permitindo-nos refletir sobre essas associações, como é o caso das estações do Metro, que Luís Ferreira Alves denomina como “Catedrais submersas” (Alves, 2016, p. 72), e que nos encaminham para uma abordagem concetual mais poética da obra.

Também Jacques Tati se denuncia aqui neste périplo pelas fotografias, remetendo-nos para o filme Playtime, através de uma sequência de reflexos da agitada cidade refletida no envidraçado do edifício e, por conseguinte, da impossibilidade de a viver (a cidade) ou de a tocar (a obra) (Alves, 2016, p. 92).

Este conjunto de registos textuais emotivos abrigam também um elogio à sobriedade do crematório em Kortrijk, na Bélgica (Alves, 2016, p. 184), subtilmente repousando na paisagem e sublimemente descrito fotograficamente. Depois, a manifestação de arrebatamento pela casa na Senhora Da Hora (Alves, 2016, p. 220).

Percorrem-se as fotografias. Presente está a maturidade do autor, abrindo espaço à análise.

É uma prática visual. Fotografia a fotografia o autor adota a mesma metodologia, com base na descoberta de cada espaço, de cada pormenor. Estuda a obra, compreende e situa a sua história, habita-a, furta-se a interferências, absorve os elementos que a compõem. Percorre o espaço avançando cautelosamente em função da luz natural ou artificial. Elege perspetivas e ângulos, planos próximos e mais afastados, simula a composição, atento aos pormenores artificiais e naturais, posiciona-se e regista-a fotograficamente não seguindo na direção de fotografar impulsivamente. Por fim, verifica o resultado. Em suma, é um processo de contemplação da obra, do princípio ao fim.

É à luz desta prática que Luís Ferreira Alves nos introduz na última fase desta viagem, convidando o leitor-observador a ensaiar uma série de procedimentos na abordagem à fotografia em arquitetura.

O exercício de complementar a arquitetura com a fotografia com base no princípio da encomenda e, com isso, a convergência destas duas práticas, culmina no objetivo de dar a conhecer a obra arquitetónica, com tudo o que este processo implica.

A exploração da obra através da máquina fotográfica, como prolongamento do projeto, foi desde sempre um desafio colocado aos fotógrafos. Shulman (1910-2009) ou Hedrich e Blessing (1929) que comunicaram por meio da fotografia a arquitetura de Albert Kahn (1860-1940), de Frank Lloyd Wright (1867-1959), de Ludwig Mies Van Der Rohe (1886-1969), de Eliel (1873-1950) and Eero Saarinen (1910-1961), de Raphael Soriano (1904-1988), de Minoru Yamasaki (1912-1986), de Pierre Koenig (1925-2004), elevando as obras a um estado de contemplação que até hoje perdura.

A tarefa não terá sido fácil. Não é certamente, nem nunca será, pois, aquando do encontro de diferentes práticas, neste caso a fotografia e a arquitetura, afloram, pelo meio, imperativos, necessidades e vontades de uns e de outros.

Poderemos até considerá-lo como um processo doloroso, pois o atingimento da perfeição e da ligação à obra poderá perder-se em qualquer momento.

Luís Ferreira Alves parece imune a este acontecimento. O ato fotográfico permite-lhe a observação antecipada sobre a obra arquitetónica e o seu mestre.

Mas sempre sobre fotografia…

 

 

Nota biográfica

Anabela Veloso Rodrigues é professora, formadora e tradutora de língua inglesa, estendendo a sua atividade à Comunicação e Apoio Linguístico num gabinete de Arquitetura.

Licenciada em ensino de Português e Inglês, pela Universidade do Minho, encontra-se atualmente a frequentar o Mestrado em Comunicação, Arte e Cultura na mesma Universidade, estando em curso a preparação da sua Dissertação sob o tema Fotografia de Arquitetura, um Estudo de Caso do fotógrafo Luís Ferreira Alves.

E-mail: ana.rodg@gmail.com

Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal

 

* Submetido: 18-10-2016

* Aceite: 23-01-2017

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