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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.37  Braga jun. 2020

https://doi.org/10.17231/comsoc.37(2020).2407 

ARTIGOS TEMÁTICOS

Crianças, telas digitais e família: práticas de mediação dos pais e gênero

 

Children, digital screens and family: parental mediation practices and gender

 

 

//

Carolina Duek*

http://orcid.org/0000-0002-3103-0363

Marina Moguillansky**

http://orcid.org/0000-0002-8873-1136

//

//*CONICET, Universidade de Buenos Aires, Argentina, duekcarolina@gmail.com. //
//**CONICET, Universidade Nacional de San Martín, Argentina, mmoguillansky@gmail.com. //

 

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo explorar as características de gênero da parentalidade digital e da mediação parental através de um estudo qualitativo desenvolvido com famílias e crianças na Argentina. Recentemente, diversas tipologias foram elaboradas para entender melhor a mediação dos pais em relação às telas digitais. Estudos quantitativos correlacionaram diferentes estilos de mediação parental com variáveis ??sociodemográficas e também avaliaram a sua eficácia na prevenção de vários riscos online. Neste artigo, usamos dados qualitativos de um estudo que recorreu à técnica de tecnobiografias para construir uma abordagem aprofundada das práticas e representações das crianças com várias vozes envolvidas (pais, professores, autoridades da escola). Como mostramos, diferentes tipos de mediação parental estão associados a mães ou pais, seguindo ideologias e estereótipos de gênero mais amplos. Através de dados provenientes de famílias diferentes, construímos a hipótese de que existe uma divisão de gênero na parentalidade digital.

Palavras-chave: mediação parental; Argentina; telas digitais; crianças.

 

ABSTRACT

The objective of this article is to explore the gendered characteristics of digital parenting and parental mediation through a qualitative study developed with families and children in Argentina. Diverse typologies have recently been elaborated to better understand parental mediation of digital screens. Quantitative studies have correlated different styles of parental mediation with sociodemographic variables and have also assessed their effectiveness in preventing several online risks. In this paper we use qualitative data from a research developed using the technique of technobiographies to construct an in-depth approach to children’s practices and representations with multiple voices involved (parents, teachers, school authorities). As we show, different types of parental mediation are associated to mothers or fathers, following more broader gender ideologies and stereotypes. With insights from different families, we built research questions that state that there is a gendered division of digital parenting.

Keywords: parental mediation; Argentina; digital screens; children.

 

 

Introdução

As relações entre pais e filhos mudaram nos últimos anos. O surgimento e a difusão de diversas telas digitais conectadas à internet – como tablets, notebooks, consolas de jogos e smartphones – apresentam novos desafios para os pais contemporâneos. A adoção precoce da mídia digital em idades cada vez menores constitui o ponto de partida deste artigo. As relações entre crianças e mídia foram problematizadas nas últimas décadas: nos anos 80, a televisão foi o alvo principal dos pesquisadores, já que apresentava novas demandas e questões de pesquisa que precisavam ser respondidas, sem existir ainda um marco teórico definido. A televisão era “um problema a ser resolvido” (Duek, 2011, p. 75) e as estratégias usadas para construir uma abordagem sobre seus usos e apropriações foram, no início, intuitivas e organizadas num contexto marcado pelo medo e o desconhecimento. A formulação do conceito de mediação parental surgiu como uma possível resposta às demandas sociais: o que fazer em relação às crianças e a televisão? Quais serão as consequências da exposição à televisão? Estas questões criaram um novo campo de pesquisa e desenvolvimento teórico que muda de forma constante com o surgimento de novos dispositivos e demandas.

Nesse sentido, diversas tipologias tentam ordenar e classificar as múltiplas interações que os pais desenvolvem com a intenção de moderar o encontro de crianças com os conteúdos da mídia. A preocupação dos adultos se reflete em artigos e matérias na mídia que visam propor estratégias globais para criar uma abordagem sobre as relações entre crianças e mídia. Essas tentativas ampliam a preocupação, mas suas propostas, como são gerais e não representativas das particularidades e situações variadas que crianças de todo o mundo passam, são meros sintomas de problemas contemporâneos que aparecem na relação adulto-filho. Listas, dicas, recomendações e tutoriais do YouTube surgem em diferentes aplicativos e páginas com diretrizes para os pais, como uma tentativa de responder às preocupações sociais relacionadas à paternidade. Em suma, a mediação parental é um conceito que surgiu e se desenvolveu ao longo dos anos para responder à necessidade de conhecimento teórico e prático que contribua para a compreensão do relacionamento complexo entre as crianças e seu ambiente em geral, e com os ecrãs digitais em particular.

Nesse contexto, propomos uma abordagem específica a esse assunto através de uma perspectiva qualitativa. Neste artigo, usamos um conjunto de entrevistas biográficas e grupos focais com crianças de oito a 11 anos de idade, de famílias urbanas de classe média, em diferentes cidades e regiões da Argentina. O projeto de pesquisa em que esses dados foram coletados teve o título: “Infância, gênero e TIC: um estudo das ‘tecnobiografias de crianças na Argentina’”. O objetivo geral do projeto foi identificar trajetórias de gênero na relação com dispositivos, mídia e tecnologia. Um dos objetivos específicos foi explorar as relações entre gênero, controle parental e negociações no nível familiar. E esse é o aspecto principal que pretendemos analisar neste artigo: as diversas maneiras pelas quais as famílias estabelecem diferentes conjuntos de regras, negociações e supervisão para crianças e dispositivos digitais, e o papel que o gênero desempenha nesse processo. Com este material qualitativo, propomos examinar as práticas de supervisão, controle e mediação que os pais desenvolvem diariamente com respeito ao uso de dispositivos conectados à internet por seus filhos.

Mediação parental na era da internet

Uma definição geral e reconhecida da mediação parental será estabelecida no início desta secção: “a noção de mediação parental indica as diversas práticas que os pais adotam para gerenciar e regular o envolvimento de seus filhos com a mídia” (Mascheroni, Ponte & Jorge, 2018, p. 9). A literatura sobre mediação parental foi inicialmente desenvolvida com foco nas atividades que os pais realizavam para modelar o consumo de televisão dos filhos (Austin, 1993; Banks & Gupta, 1980; Nathanson, 2001, 2002; Pereira, 1998; Warren, 2005). Uma escala foi proposta para medir diferentes estilos de mediação: instrutiva, restritiva e coviewing (Valkenburg, Krcmar, Peeters & Marseille, 1999). Valkenburg et al. (1999) e Natansohn (1999) definem essas três mediações e explicam seus princípios. A mediação ativa atribui um papel importante ao diálogo entre pais e filhos; a mediação restritiva envolve a comunicação entre pais e filhos, sob a forma de configurações de regras e acompanhamentos sobre o respeito às regras; co-visualização é exatamente o que o nome afirma: um tipo de mediação que pressupõe que pais e filhos sejam expostos simultaneamente ao conteúdo da mídia. Esta literatura observou que os pais tinham um papel ativo na regulação da exposição e das experiências de seus filhos com a televisão. Adicionalmente, “pressupõe que as interações interpessoais sobre a mídia que ocorrem entre pais e filhos desempenham um papel na socialização das crianças na sociedade” (Clark, 2011, p. 325). A socialização é um dos aspectos principais a serem levados em consideração ao abordar a mediação dos pais: os ecrãs seduzem as crianças e “conquistaram um espaço geográfico, social, relacional e temporal nas famílias, oferecendo-lhes possibilidades versáteis de entretenimento interativo e personalizado” (Ponte, Simões, Batista & Castro, 2019, p. 40). Embora nos agregados familiares a unidade de análise sejam as famílias, o contato social com os outros aparece inevitavelmente nas formas em que as regras, limites e preocupações são abordadas pelos pais. Ninguém quer que seus filhos sejam excluídos por causa de regras muito restritivas em casa, mas, ao mesmo tempo, ninguém quer permitir acesso irrestrito à conexão e ao conteúdo da mídia.

Os limites das teorias das três modalidades da mediação parental estão relacionados a duas dimensões: em primeiro lugar, as estratégias que os pais usam estão diretamente ligadas ao gênero, idade dos filhos, mas também ao estilo dos pais e ao contexto socioeconômico (Ponte et al., 2019). A segunda limitação foi examinada por Clark (2011), que propõe que as teorias da mediação parental sejam revistas tendo em conta as novas modalidades da era digital. Em relação à mediação parental sobre as atividades online, Livingstone e Helsper (2008) utilizaram uma pesquisa para examinar as estratégias dos pais e sua correlação com uma série de riscos, observando de maneira interessante que o co-uso não foi eficaz na redução dos riscos online. Como o cyberbullying se tornou uma questão de interesse público, Mesch (2009) explorou o efeito de atividades online específicas e o papel da mediação dos pais na moderação do risco de sofrer bullying, novamente descobrindo que a maioria das atividades dos pais não é eficaz.

Trabalhos recentes revelaram novas demandas de pesquisa: a individualização das telas digitais com tablets, smartphones, notebooks e consolas de jogos foi incluída pela rede europeia “EU kids online” em uma nova classificação das estratégias de mediação parental (Pasquier, Simoes & Kredens, 2012). Foram definidas cinco estratégias de mediação parental: 1) mediação ativa do uso da internet (diálogos sobre o uso e o conteúdo); 2) mediação ativa sobre segurança da internet (recomendações de uso seguro e responsável); 3) mediação restritiva (limites de tempo, conteúdo e atividades online); 4) mediação técnica (uso de software para filtrar ou restringir acesso a conteúdo), e 5) supervisão e monitoramento (verificar atividades das crianças durante e após seu uso).

Diferentes estilos de mediação parental estão correlacionados com características sociodemográficas dos pais e também com suas habilidades digitais (Kirwill, Garmendia, Garitaonandia & Martínez Fernández, 2009). Um estudo recente afirma que pais e filhos “estão fazendo escolhas sobre mídia e parentalidade com base em seus valores e prioridades individuais, mas também que essas decisões são modeladas significativamente por seus arranjos familiares específicos” (Mostmans, 2016, p. 493). No mesmo sentido, estudos qualitativos mostraram que a parentalidade digital faz parte dos estilos gerais de parentalidade e dos padrões de relacionamento nas famílias (Rosen, Cheever & Carrier, 2008). Nikken e Schols (2015) concluem seu estudo afirmando que os pais “têm uma visão ampla sobre o papel da mídia para as crianças que vai além do paradigma de risco-benefício” (p. 3432).

A mediação parental é um assunto relevante e contemporâneo, mas também precisa ser constantemente redefinido como resultado das mudanças que a tecnologia traz nas práticas sociais. Livingstone & Byrne (2018) reconhecem que, embora a mediação parental seja uma tarefa que exige dos pais um certo nível de intervenção nas atividades online de seus filhos, “os pais estão se sentindo desafiados – especialmente porque seus filhos usam dispositivos móveis que são difíceis para os pais supervisionarem e serviços tecnologicamente complexos que os pais podem não entender” (p. 20). Eles acrescentam “seja o que for esperado normativamente dos pais, há limites práticos para o que eles podem fazer” (p. 20). Em suma, os pais são desafiados, as crianças são expostas e há uma tensão constante em relação ao que elas podem ou devem fazer com o tempo de tela (Blum-Ross & Livingstone, 2018). De acordo com “EU kids online”, “as meninas recebem mais de todos os tipos de mediação parental, exceto a mediação técnica” (Livingstone,
Kalmus & Talves, 2014, p. 196). Considerando a estreita relação entre estratégias de mediação parental e o contexto em que essas práticas são desenvolvidas, o vínculo entre mediação parental e gênero também foi examinado e demonstrou ser altamente relevante. A parentalidade digital parece ser principalmente uma tarefa das mães ou de outras cuidadoras femininas (Valcke, Bontea, de Wevera & Rotsa, 2010) e a distribuição de tarefas diárias em casa em relação ao cuidado das crianças tende a ser atribuída às mulheres como resultado da distribuição cultural (e a reprodução) dos papéis de gênero em casa (Benítez Larghi & Duek, 2019).

O vazio que este artigo tenta preencher é a falta de pesquisas sustentadas sobre mediação parental e gênero na Argentina. Nesse sentido, produzimos dados qualitativos para ter uma primeira abordagem aprofundada do tópico. Atualmente, a Argentina é o país latino-americano com a maior taxa de conectividade à internet em residências (63,8%). Com uma população de 44,27 milhões de habitantes (INDEC, 2017), a conectividade com redes 4G passou de cinco milhões de utilizadores em 2015 para 29 milhões em dezembro de 2018 e os dois principais problemas do país são taxas e velocidade (Giudici, 2018). Atualmente 80,1% da população tem acesso à internet em média 4 horas e 11 minutos por dia (SINCA, 2017). Seis em cada dez habitantes (62% da população) usam smartphone e, embora não haja dados oficiais, as crianças têm acesso a eles aos 10 anos de idade (a média foi construída com dados da presente pesquisa). Essas informações implicam duas dimensões: há altos níveis de conectividade na Argentina e existe uma preocupação específica que aparece quando as crianças têm acesso a seus próprios dispositivos.

Como já mencionamos, a relação entre mediação parental e gênero não foi ainda analisada em profundidade na Argentina. Não há pesquisas qualitativas que tenham como objetivo entender como as estratégias de mediação dos pais são construídas e implementadas em relação ao gênero. Ainda sabemos muito pouco sobre as táticas que as crianças exibem em relação às estratégias de controle dos pais e como elas são afetadas pelo gênero. Essa é precisamente a área vacante que este artigo tenta preencher com dados e análises.

Metodologia

Para examinar as características generizadas da paternidade digital e da mediação parental, exploramos como diferentes tipos de mediação parental (conforme definidos por Pasquier et al., 2012) estão associados a um gênero específico (feminino/masculino), seguindo o sistema heteronormativo de gênero de atribuição de papéis. Essa divisão do trabalho está relacionada com ideologias de gênero e estereótipos sobre as características de mulheres e homens (Benítez Larghi & Duek, 2019). Portanto, diferentes intervenções em relação aos dispositivos digitais são vistas como próprias ou típicas das mães e outras como responsabilidades dos pais. Com base em pesquisas anteriores, pretendemos aprofundar na parentalidade digital como trabalho gênerizado.

Os dados utilizados para explorar estas perguntas de pesquisa provêm de um extenso trabalho de campo que combinou diferentes ferramentas e abordagens metodológicas para compor tecnobiografias. As tecnobiografias são construídas rastreando o percurso dos sujeitos com dispositivos e tecnologias “em vários momentos e em vários locais ao longo de suas histórias” (Ching & Vigdor, 2005, p. 4). Uma tecnobiografia é resultado de várias entrevistas com informantes-chave que envolvem o cotidiano dos sujeitos. Nesta pesquisa partimos da realização de grupos focais com crianças em escolas, entrevistas individuais com crianças e seus pais, professores e autoridades das escolas que frequentavam. O objetivo da tecnobiografia não é a confecção de um inventário de dispositivos, mas a compreensão, em seu próprio contexto particular, dos significados em torno de práticas e representações construídas na e através da tecnologia.

A estratégia metodológica do projeto consistiu na realização de 24 grupos focais com cinco a seis crianças, que tiveram lugar entre março e novembro de 2017 (aproximadamente 130 crianças) separados em grupos de meninos e meninas em escolas de seis regiões diferentes do país. Em cada região[1], uma escola pública e uma escola particular foram selecionadas, e em cada escola organizámos dois grupos focais: um com meninas e outro com meninos. A conversa durante os grupos focais foi guiada por um pesquisador (enquanto outro anotou) e abordou questões sobre usos típicos de dispositivos eletrônicos, representações sobre práticas de gênero, percepções da mediação parental (por exemplo, quais regras e supervisão de suas práticas as crianças reconhecem); medos, percepção de riscos e práticas de proteção online. No final de cada grupo focal, pedimos às crianças que desenhassem a si mesmas e a seus colegas, enquanto faziam coisas típicas com dispositivos eletrônicos.

Após cada grupo focal, escolhemos um menino ou menina de cada um dos grupos para realizar entrevistas individuais (totalizando 24). A seleção desses meninos e meninas foi feita de acordo com o que aprendemos sobre eles durante as interações nos grupos focais e seguindo os critérios teóricos: tentamos incluir diferentes situações familiares e selecionar crianças com pelo menos um irmão ou irmã. Essas crianças foram entrevistadas individualmente com os pais em suas casas. Essas entrevistas seguiram um roteiro de perguntas abertas sobre as rotinas familiares e pessoais e os usos de dispositivos eletrônicos. As entrevistas com os pais incluíram perguntas sobre a disponibilidade de dispositivos eletrônicos em casa, escolhas de compra e questões de uso individual ou compartilhado; arranjos familiares em atividades diárias; regras familiares sobre o uso de dispositivos eletrônicos; e também, perguntas específicas sobre mediação parental (estratégias típicas empregadas para controlar riscos online, medos e desejos sobre a relação que as crianças estabelecem com dispositivos eletrônicos, experiências problemáticas pessoais, etc.). As entrevistas individuais com crianças abordaram suas rotinas na escola, em casa e outros locais (como clubes ou centros esportivos); suas relações com amigos e colegas; usos típicos de dispositivos eletrônicos; percepções sobre regras e normas quanto aos usos desejados; experiências e medos sobre riscos online e estratégias de proteção empregadas; e também perguntas específicas sobre seus pontos de vista a respeito do papel de mães e pais na mediação. Também perguntámos especificamente em ambos os tipos de entrevistas sobre a história dos pais e das crianças em relação às tecnologias, telas digitais, redes sociais e dispositivos específicos (primeiros contatos, aquisição de dispositivos, experiências formativas, preferências atuais, etc.).

O trabalho de campo foi desenvolvido em 2017 e os dados foram processados ??entre 2018 e 2019. Entrevistas e grupos focais foram gravados, transcritos e posteriormente codificados no ATLAS.ti por uma equipe de seis pesquisadores. Durante a codificação, combinamos duas estratégias: um sistema axial de códigos foi usado para capturar respostas diferentes para perguntas iguais, assim permitindo comparar estratégias típicas em dimensões de interesse, usando um livro de códigos compartilhado. Além disso, usamos uma estratégia de codificação de baixo para cima, permitindo que cada pesquisador criasse códigos específicos quando necessário, a fim de capturar as singularidades de diferentes arranjos familiares e aspectos emergentes do trabalho de campo[2]. Com as entrevistas codificadas, selecionamos as principais dimensões para construir uma tecnobiografia para cada uma das crianças. Essas tecnobiografias são construídas com uma combinação das diversas perspectivas de pessoas envolvidas na vida da criança-pais, professores, colegas e as próprias crianças.

O resultado foi um extenso trabalho de campo que na Argentina nunca tinha sido feito. De todos os dados disponíveis, selecionámos dez tecnobiografias para aprofundar o conhecimento sobre as estratégias de mediação parentais em famílias urbanas de classe média.

Parentalidade digital generizada e mediação parental

A parentalidade digital envolve uma série de atividades que incluem a compra e a configuração de dispositivos, como smartphones, tablets, computadores e consolas de jogos; o estabelecimento de regras de uso; a supervisão do cumprimento dessas regras; resolver problemas e monitorar as atividades online das crianças. A mediação parental refere-se mais especificamente, como já mencionámos, a interações que ocorrem entre pais e filhos em relação às atividades online das crianças em dispositivos digitais.

Durante as observações e entrevistas de nossa pesquisa, descobrimos que as atividades envolvidas na mediação parental estão generizadas de maneiras complexas: há certas tarefas consideradas típicas dos pais e outras que são consideradas como domínio das mães. Como veremos, essa divisão de trabalho por gênero envolvida na criação digital está intimamente relacionada a estereótipos e ideologias de gênero mais amplos e difundidos (Talves & Kalmus, 2015) que apareceram claramente no trabalho de campo. A mãe de Maria diz:

Entrevistador (E): Seu marido acompanha as atividades online de seus filhos?
Mãe de Maria (MM): Não, como ele sabe que estou nisso, ele me pergunta às vezes, mas eu estou no comando.
E: Você acha que é uma atividade específica das mães?
MM: Sim, sim. E meus amigos têm a mesma divisão. É algo mais do domínio das mães. Os homens sabem que estamos de olho nas telas das crianças.
E: Você quer dizer que eles estão mais relaxados com a supervisão?
MM: Eles são mais relaxados em geral, você vê…

Em relação à aquisição de dispositivos tecnológicos, os depoimentos indicam que geralmente é uma decisão conjunta dos adultos[3] – quase sempre a pedido de seus filhos – mas na qual os pais são os que executam a compra, decidindo sobre o modelo, marca e preço dos dispositivos. A família de Roberto (44 anos, engenheiro) e Clara (42 anos, pesquisador científico) mora na cidade de La Plata em uma casa de classe média; eles são pais de Agustín (11) e Emília (cinco). Como eles comentam na entrevista, foi Roberto quem ficou encarregado de comprar smartphones, notebooks e consolas de videogame. Clara diz que:

meu filho Agustín vai com o pai e eles podem entrar na loja de eletrônicos, às vezes só para olhar. Nem louca eu estaria disposta a fazer isso. Depois, é claro que gosto das coisas que eles compram, mas se tenho alguém que me procura, escolhe e compra as coisas eletrônicas, é muito melhor.

Em relação à compra de dispositivos digitais, observamos que, às vezes, existem dúvidas ou desacordos entre os adultos e geralmente, nesse caso, é o pai quem decide em última instância. Leticia (46, bibliotecária da escola) é casada com Federico (47, dono de uma barraca de comida) e eles são os pais de Eugenia (16), Alejandra (11) e Martina (seis). A mãe lembra que teve uma longa discussão com Federico, porque quando eles estavam pensando em comprar um computador para sua casa, ela queria um computador de mesa, mas ele insistiu em comprar um notebook. “Finalmente compramos o notebook, porque ele queria que tivéssemos o mais novo”, diz ela, lamentando a decisão, pois considera que o computador deve permanecer em um local fixo e não ser levado para o quarto, onde costumam usá-lo as meninas, assistindo filmes e séries. Essas tensões mostram, como Morley (1992) identificou no seu texto clássico sobre práticas em torno da TV na sala de estar, que não estamos analisando dimensões triviais, mas as maneiras pelas quais o poder é distribuído e exercido em cada família e também as configurações de gênero que moldam as decisões nas famílias. Não se trata da televisão, nem dos computadores de mesa ou dos notebooks: trata-se de como o gênero conforma práticas e condiciona a tomada de decisões.

Em relação às dimensões específicas da mediação parental, também encontramos uma generização das tarefas que cada família realiza, o que resulta em uma divisão generizada do trabalho. A mediação ativa do uso da internet, que consiste principalmente na discussão de usos e conteúdos com as crianças, é realizada por ambos pais mais com certa prevalência das mães. Quase todas as mães entrevistadas nesta pesquisa declaram que costumam conversar com os filhos, enquanto os pais parecem estar disponíveis para conversar com eles apenas em situações especialmente complicadas. As conversas evocadas pelas mães foram sobretudo relacionadas a questões de segurança, o que nos leva ao segundo tipo de mediação parental: mediação ativa em relação à segurança na internet.

As conversas mais frequentes são sobre contatos com estranhos pelas redes sociais ou pelas janelas de chat dos videogames; sobre conteúdo violento e jogos manipulativos; e sobre o compartilhamento de informações particulares ou imagens pessoais. Analía (42, contabilista) é casada com Esteban (44, advogado), e são os pais de Gerónimo (11), Rodrigo (nove) e Juana (seis). Ela indica ter conversado com as crianças sobre redes sociais, sobre os perigos de encontrar conteúdo violento ou sexual online e sobre a idade adequada para cada tipo de atividade online. Analía pede que seus filhos lhe digam com quem estão jogando ou conversando online e explicou os motivos pelos quais considera que algumas redes sociais não são apropriadas para eles. Negociações, explicações e incluso lidar com as birras das crianças são sempre percebidas como tarefas no “território das mães”. E o que é particular sobre isso é que nenhum dos entrevistados questionou essa divisão. Esta é uma das principais conclusões da pesquisa sobre gênero e mediação parental.

A prevalência das mães como interlocutoras também é confirmada pelas crianças entrevistadas, pois a maioria diz que costuma conversar com as mães sempre que tiver dúvidas ou se sentir desconfortável com o conteúdo online. Por exemplo, Belén (nove) diz durante um grupo focal: “geralmente é minha mãe que me ajuda e me supervisiona quando estou usando meu tablet ou computador, porque ela passa mais tempo comigo”. Isso coincide com os achados prévios para diferentes países da União Europeia (Ponte, 2018). A mediação ativa da segurança da internet geralmente é uma tarefa realizada pelas mães. Elas estão mais presentes em casa e passam mais tempo com as crianças; e são escolhidas por eles como interlocutoras quando as crianças acham algo perturbador online ou se surge um problema nos grupos de chat. Esses problemas foram mencionados constantemente durante o nosso trabalho de campo, pois as crianças participam de muitos grupos de chat: discussões agressivas, provocações e fotos ou vídeos inadequados foram as principais preocupações de mães e filhos.

Embora as mães sejam os principais referentes a falar sobre atividades online e segurança na internet, quando há um problema grave, os pais entram em cena. A partir de nossas observações e entrevistas, foi possível entender que as questões cotidianas são tratadas pelas mães, que também passam mais tempo com as crianças e tendem a compartilhar suas preocupações com outras mães enquanto esperam pelos filhos na saída da escola ou do clube. Mas se acontece algo extraordinário, como pode ser uma situação de bullying ou algo perigoso, tanto as crianças quanto as mães pensam que são os pais que devem agir. Durante um grupo focal com meninas de 11 anos, elas contaram a seguinte história que pode exemplificar o papel do pai: “uma vez uma garota estava conversando com alguém que ela não conhecia, e eles marcaram um encontro…a mãe descobriu isso, e então o pai foi secretamente para o lugar onde iam se encontrar”.

Em alguns casos, também observamos que as crianças sentem e expressam que os pais (e não as mães) são a pessoa certa quando precisam ser defendidos. Joaquín (11), por exemplo, diz que, se alguma vez experimentasse bullying, ele preferiria “conversar com meu pai, porque ele tem uma personalidade mais forte, ele iria conversar com as autoridades, me dá mais segurança do que minha mãe “é interessante notar como Joaquín descreve seus pais: a mãe é uma presença constante, enquanto o pai é mais uma exceção quando são necessários “reforços”, pois ele considera que a mãe não tem força simbólica ou física suficiente.

Em relação às mediações restritivas, notamos que estão presentes em todas as famílias incluídas neste estudo. Toda família estabelece algumas regras, prazos ou locais onde aparelhos digitais não são permitidos. O exemplo mais claro é o tempo do jantar em família. Para quase todas as famílias, este é um tempo e espaço em que telefones e tablets são proibidos. Outrossim, as regras da família sobre tecnologias digitais geralmente são definidas por ambos os pais, geralmente com participação limitada dos filhos (e esse é o caso só quando eles têm pelo menos sete ou oito anos de idade). Essas regras geralmente consistem em acordos mais ou menos explícitos sobre horários, prazos e espaços nos quais as crianças podem usar tablet, TV, computador, smartphone ou PlayStation. Muitas vezes, as crianças podem usar tablet ou celular apenas após concluir as tarefas escolares. Outra condição é que eles não briguem com seus irmãos ou irmãs.

Também é comum, entre as famílias do estudo, definir um limite de tempo para o uso dos aparelhos digitais; e alguns conteúdos ou aplicativos são proibidos, existindo ampla coincidência entre as diferentes famílias. Os esquemas de permissão geralmente têm modulações, condições e exceções frequentes; a maioria dos pais reconhece que é difícil para eles seguir as regras. Por exemplo, Ricardo, pai de Matías e Clara, de oito e seis anos, diz:

nossas regras são geralmente muito flexíveis. Depende do nosso humor e da energia que temos para sustentá-los. A regra é que eles podem usar o computador por um certo tempo à noite. Mas talvez um dia está chuvoso e então tudo bem, vá ao computador e adeus às regras.

A mediação restritiva inclui dois aspectos diferentes: primeiro, as regras são discutidas, negociadas e estabelecidas (mesmo quando tenham exceções frequentes). Depois disso, uma vez estabelecidas as regras, elas devem ser implementadas. E é aqui que o gênero aparece modelando as interações: mais uma vez, são principalmente as mães as responsáveis ??por supervisionar o tempo de uso e outras regras restritivas relacionadas aos ecrãs digitais. Aqui, novamente, o fator decisivo é que as mulheres passam mais tempo com os filhos e assumem a tarefa sem discussões nem reclamações. Martina (10 anos) disse, durante um grupo focal, que “as mães estão mais conscientes do que está acontecendo conosco, porque os pais geralmente estão trabalhando”.

Uma exceção significativa existe frente ao domínio feminino que achamos em quase todos os tipos de mediação parental: a mediação técnica é percebida como tarefa masculina, principalmente por causa das habilidades digitais necessárias, pois envolve a instalação de filtros ou o monitoramento de aplicativos que enviam mensagens aos pais quando determinadas atividades são executadas nos dispositivos. Por exemplo, Laura, 42 anos e mãe de três filhos com 11, oito e três anos, diz:

meu marido estava pesquisando sobre os controles, aqueles que existem para limitar um pouco o conteúdo, porque você nunca sabe muito bem o que lhes aparece de repente (…) eu não tenho muita ideia de tecnologia, então não sei como aplicar essas coisas, como usá-las.

Laura reconhece que não sabe muito sobre tecnologia, mas ao mesmo tempo, ela é responsável por supervisionar a conectividade de seus filhos. Ela não se coloca em um lugar de conhecimento, senão que se pensa como quem monitora: ela pode visualizar as atividades online, mas reconhece suas limitações. É interessante notar que, embora ela esteja plenamente consciente do que não pode fazer, não aparece a ideia de delegar a tarefa ao marido. Ela aceita a divisão do trabalho, mesmo sabendo que, se algo acontecer, ela poderá não perceber nem saber como agir ou reagir.

Finalmente, a supervisão é uma tarefa das mães, embora os pais às vezes sejam informados, principalmente se as mães encontram algo com que se preocupar. Entre as famílias observadas neste estudo, relevamos que as atividades de supervisão podem incluir alguns ou todos dos seguintes itens: possuir senhas dos smartphones, tablets e notebooks; ter conhecimento das senhas das crianças nas redes sociais; fazer revisões aleatórias do registro de chat e navegação; supervisionar a lista de contatos; guardar os telefones das crianças no quarto dos pais (para evitar o uso durante a noite) e verificar que tipos de jogos, plataformas ou aplicativos as crianças usam. É interessante notar que muitas das mulheres entrevistadas declaram que a supervisão e o controle das atividades online das crianças é algo próprio delas, como se fossem atividades exclusivamente femininas. Carola (39, cosmetologista) explica que “essa coisa de supervisionar, verificar o que fazem, é minha”. Em uma linha diferente, Eugenia (41) diz que “eles – os pais – sabem que nós cuidamos disso, então eles o abandonam… há uma divisão do trabalho”. Confiança e privacidade são duas dimensões que atravessam a parentalidade digital e a mediação parental: por um lado, os pais confiam nas mães para supervisionar e controlar as atividades online dos filhos. Por outro lado, as mães estão constantemente tentando alcançar um equilíbrio entre cuidado – controle exaustivo do que as crianças fazem – e confiança em relação aos filhos.

Conclusões

As famílias contemporâneas estão conectadas digitalmente e as telas desempenham um papel central tanto no entretenimento como nas atividades formativas das crianças. À medida que a mídia e os dispositivos aparecem, a necessidade de controlar, supervisionar e regular a exposição exige novos conceitos e intervenções. Seguindo a classificação da mediação parental em cinco estratégias (Pasquier et al., 2012), neste trabalho exploramos as rotinas de dez famílias urbanas. Achamos que todas as famílias se envolvem, em certa medida, nos cinco estilos de mediação dos pais, embora em combinações específicas e com intensidades diferentes. Algumas famílias têm regulamentos mais restritivos, baseando sua mediação parental no controle e supervisão. Esse tipo de abordagem tem o risco de diminuir a autonomia das crianças e seu direito à privacidade. Outras famílias, ao mesmo tempo em que utilizam algumas restrições, investem mais tempo na criação de capacidades críticas nos filhos, por meio do diálogo e de experiências formativas conjuntas. Ainda precisamos uma maior elaboração tendente a construir uma possível tipologia que nos permita diferenciar melhor os estilos parentais digitais.

Neste estudo mostramos como a parentalidade digital é generizada, seguindo representações culturais mais amplas baseadas no sistema heteronormativo de atribuição de papéis; e que essa generização é amplamenteaceitada como algo natural e incontestável (Benítez Larghi & Duek, 2019). A segunda questão de pesquisa nos leva a afirmar que a mediação parental – como atividade específica dentro da parentalidade digital – envolve uma divisão de trabalho de gênero entre mães e pais. Primeiro, mostramos que a aquisição de dispositivos tecnológicos é uma tarefa masculina, tanto em adultos quanto em crianças. Segundo, examinamos os cinco tipos de mediação dos pais em termos de papéis de gênero e descobrimos que as mulheres são responsáveis ??pela maioria das atividades envolvidas na mediação dos pais: as mães estão fazendo mediação ativa da internet (conversando, orientando, discutindo); mediação ativa sobre questões de segurança online; mediação restritiva e monitoramento (quatro de cinco atividades). O domínio dos pais é principalmente na mediação técnica e eles também têm um papel no estabelecimento de regras, um aspecto central das mediações restritivas. Exceções a esse esquema apareceram quando havia um problema “maior” a ser resolvido e as crianças declararam que chamavam seus pais (não suas mães), mostrando como valorizavam sua força literal e simbólica.

Analisamos em profundidade o significado para os pais e filhos da distribuição de papéis percebida que ficou muito clara durante nosso trabalho de campo. As mães cumpriam o papel de estabelecer diálogos, supervisionar e acompanhar o que seus filhos fazem online enquanto os pais participavam apenas do estágio de pré-conexão das negociações e em casos específicos em que mães e filhos exigiam sua presença ou em aspectos de mediação técnica. Foi surpreendente que, embora muitas mães tenham declarado não ter uma grande experiência em tecnologia e dispositivos, elas assumiram o controle total das atividades online de seus filhos. Nenhum dos entrevistados reclamou da distribuição de tarefas em seus domicílios. A distribuição de tarefas parecia quase “natural”: a carga de trabalho era claramente desigualmente distribuída.

A mediação parental pode ser definida, em nossos dados, como uma tarefa desenvolvida pelas mães com um “contato de emergência” em mãos que são os pais. Uma possível explicação para isso pode ser que as atividades online entrem no esquema familiar em continuidade com as tarefas escolares e os acompanhamentos. E essa tarefa é historicamente assumida pelas mães e não pelos pais (Duek, 2014). Reuniões escolares, autorizações de viagens de campo e compras de material escolar são uma tarefa geralmente cumprida por mães e crianças. As atividades online entraram na mesma estrutura na divisão de tarefas familiares nos lares.

Na perspectiva das crianças, as mães são as adultas sempre presentes e conscientes de suas atividades diárias. Eles reconhecem que suas mães estão reforçando as regras sobre o uso de ecrãs digitais em casa, tomando decisões diariamente sobre tempo e limites. As mães são percebidas como referências principais para falar sobre atividades online e são as primeiras a serem contatadas se algo desagradável acontecer, mas se for algo muito sério, a figura paterna aparece. Os pais parecem ser responsáveis ??pela aquisição de telas digitais (mesmo quando geralmente são pagas com dinheiro da família), e essas compras são até indicadas pelos filhos como “um presente de meu pai”.

A naturalização da distribuição do trabalho nos domicílios permite concluir que é essencial desnaturalizar essas construções sociais que são reproduzidas através das gerações. Há uma necessidade teórica e prática de tornar visíveis as estruturas invisíveis que operam sob essas práticas. As questões que surgem são tão evidentes que só podem ser explicadas por sua naturalização: por que é “normal” para as crianças que suas mães ocupam os espaços de supervisão em casa? Por que eles consideram seus pais indispensáveis ??em um grande problema, mas não em suas vidas diárias? Por que as mães não se queixam maciçamente de seu papel? Por que os pais optam por não participar ativamente? A resposta é simples e complexa: a distribuição do trabalho nas famílias é estabelecida em um vínculo direto com a distribuição social do trabalho, representação de gênero, expectativas e poder. Por isso, para entender como a distribuição da mão-de-obra infantil e as atividades online devem ser analisadas, como demonstraram os depoimentos apresentados, em uma dupla direção: o primeiro é a decisão de quem está encarregado dessa tarefa, o segundo é o porquê ele/ela é o único. A parte simples da resposta está relacionada às construções históricas de gênero que localizam as mães como sujeitos-chave responsáveis ??nas tarefas diárias, tarefas e atividades que as crianças realizam, devem realizar, devem e não devem fazer. O papel histórico dos pais-provedores que chegam a suas casas e devem poder descansar após um dia de trabalho (Morley, 1992) ainda é válido na maneira como os trabalhos são distribuídos. Não estamos dizendo que as mães não trabalham nem que elas não têm direito a descansar em casa. Estamos sinalizando que a representação social dos papéis está diretamente relacionada aos papéis históricos de gênero que as famílias construíram ao longo dos séculos XIX e XX.

A tecnologia chegou à sociedade para ficar. A mediação parental surge não apenas da distribuição de papéis, mas também da dimensão de gênero da tecnologia. Gil-Juárez, Vitores e Feliu (2015) afirmam que contextos tecnológicos contribuem para a reprodução de papéis e atividades de gênero por meio da diferenciação de atividades online para meninos e meninas. Isso também é válido para as funções de supervisão e dos pais em relação à conectividade. A tecnologia não é neutra em termos de gênero e, com essa afirmação em mente, a necessidade de construir novos conhecimentos sobre como as crianças e os pais negociam, distribuem e apropriam tecnologias, dispositivos, papéis, tarefas, não apenas no tempo presente, mas no futuro, naquele campo desconhecido em que atitudes e suposições atuais evoluirão, consolidarão e cristalizarão. Intervir no presente significa moldar um novo futuro possível. A desnaturalização dos papéis de gênero e a distribuição de trabalho nas famílias em relação às atividades online das crianças serão, sem dúvida, um primeiro passo importante para construir novas representações de gênero, mas também as maneiras pelas quais as famílias se vinculam e enfrentam tecnologias e práticas digitais.

 

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Nota biográfica

Carolina Duek é doutorada em Ciências Sociais (Universidade de Buenos Aires), mestre em Comunicação e Cultura (Universidade de Buenos Aires) e atualmente ocupa o cargo de pesquisadora adjunta no Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. Ela foi professora visitante na Universidade Católica de Louvain-La-Neuve (Bélgica), Campinas (Brasil), Universidade do Valle (Cali, Colômbia). Foi professora na New York University em Buenos Aires e atualmente leciona comunicação na Universidade de Buenos Aires.

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3103-0363

Email: duekcarolina@gmail.com

Morada: Universidad de Buenos Aires, Viamonte 430, Buenos Aires, Argentina

Marina Moguillansky é doutorada em Ciências Sociais (Universidade de Buenos Aires), mestre em Sociologia Cultural (Universidade Nacional de San Martín) e atualmente é pesquisadora adjunta no Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. Foi Professora Visitante da Universidade Degli Studii di Pisa (Itália), Universidade Federal da Integração Latinoamericana (UNILA), Universidade de Harvard e Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

ORCID: http://orcid.org/0000-0002-8873-1136

Email: mmoguillansky@gmail.com

Morada: UNSAM Campus Miguelete, 25 de Mayo y Francia. C.P.: 1650. San Martín, Provincia de Buenos Aires, Argentina

 

* Submissão: 20/12/2019

* Aceitação: 19/04/2020

 

Agradecimentos

Este trabalho é financiado pelo projeto PIO FLACSO CONICET 09.

 

 

Tradução

Marina Moguillansky

Revisão do Inglês

Flavia Pires

 

 

Notas

[1] Região Metropolitana e Buenos Aires, Centro, Nordeste, Noroeste, Cuyo e Patagônia.

[2] Esses novos códigos foram partilhados com a restante equipa de codificação e aplicados em ondas de codificação sucessivas.

[3] Por exemplo, a mãe de Faustino (11) lembra que, depois de muito tempo a pedir um telemóvel, quando estava prestes a completar nove anos, reuniu toda a família e anunciou que queria apenas um telemóvel como presente de aniversário.

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