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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.39  Braga jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.17231/comsoc.39(2021).2797 

Artigos Temáticos

Análise de Sentimentos: Da Psicométrica à Psicopolítica

1iCentro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, Portugal


Resumo:

Os dados sobre nossas emoções, os chamados emotional data, constituem hoje uma valiosa commodity coletada e comercializada por plataformas de comunicação digital. Entre os maiores interessados em obtê-la estão corporações financeiras e políticas que, entre outros usos, baseiam suas decisões em informações sobre os afetos dos usuários das redes. Existem diferentes formas de se gerar emotional data, e uma delas é a análise de sentimentos. Este artigo aborda algumas características dessa ferramenta, investigando o seu funcionamento e os saberes psicométricos que a constituem. A análise de sentimentos é entendida não apenas como uma ferramenta de detecção de afetos, mas também de produção emocional, uma técnica que opera instrumentalizando as emoções para uma capitalização alheia ao indivíduo. É dessa maneira que é possível delineá-la - para além de um instrumento psicométrico - como um aparato psicopolítico. Neste sentido, conceitos como “sociedade de controle” (Deleuze, 1992), “sociedade confessional” (Bauman, 2012/2014), além da própria noção de “psicopolítica” (Han, 2014/2014b), são úteis para compreendermos aspectos da produção emocional assentes nas novas tecnologias da comunicação. Este artigo, portanto, pretende contribuir para o entendimento de um fator importante, mas ainda algo negligenciado nos estudos sobre big data e vigilância: o monitoramento e a produção de afetos como forma de controle subjetivo.

Palavras-chave: emoções; análise de sentimentos; psicopolítica; big data; vigilância

Abstract:

The data about our affects, the so-called emotional data, constitute nowadays a valuable commodity, collected and marketed by digital communication platforms. Among the interested in obtaining it are financial and political corporations that base their decisions on information about network user’s affects. There are different ways to generate emotional data, one of which is the sentiment analysis. This article addresses some characteristics of this tool, clarifying its operation and the psychometric knowledges that constitute it. Sentiment analysis is understood not only as a tool for detecting affects, but also for emotional production. It is in this sense that it is possible to outline it - beyond a psychometric instrument - as a psychopolitical apparatus, a technique that operates by instrumentalizing emotions for a capitalization beyond the individual. In this sense, concepts such as “control society” (Deleuze, 1992), “confessional society” (Bauman, 2012/2014), and the very notion of “psychopolitics” (Han, 2014/2014b), are useful to understand aspects of emotional production based on new communication technologies. This article, therefore, aims to contribute to the understanding of an important factor which is still somewhat neglected in studies on big data and surveillance: the monitoring and production of affects as a form of subjective control.

Keywords: emotions; sentiment analysis; psychopolitics; big data; surveillance

De que forma a análise de sentimentos detecta e classifica as emoções dos usuários das novas tecnologias da comunicação? Para além disso: de que maneira ela colabora também para a produção desses afetos? Introduzir uma resposta a estes problemas é o principal objetivo deste artigo. Sendo uma das ferramentas de vigilância emocional mais desenvolvidas e aplicadas no presente, a análise de sentimentos se constitui como um objeto de pesquisa complexo, que pode ser desdobrado em inúmeras investigações úteis para melhor compreender, entre outros temas, os processos de formação das subjetividades contemporâneas. O foco deste texto é, dessa forma, o tema da vigilância, do controle e da produção dos afetos através de uma apreciação teórico-crítica do problema.

O método desenvolvido para o estudo foi a análise atenta e relativamente exaustiva dos próprios mecanismos técnicos que constituem a análise de sentimentos, bem como das taxonomias que são utilizadas por essa ferramenta em seus processos de classificação afetiva. Este conjunto de informações foi obtido, sobretudo, em artigos publicados no âmbito das ciências da computação, geralmente escritos pelos próprios desenvolvedores dos algoritmos da análise de sentimentos. Ao perscrutar essas elaborações técnicas, tivemos em mente duas perguntas básicas: quais os saberes envolvidos na detecção das emoções? De que forma eles podem trazer consequências relacionadas com a produção afetiva?

Ao longo do estudo, esses saberes tecnoafetivos caros aos criadores de algoritmos, bem como suas aplicações práticas, puderam ser compreendidos de maneira renovada sob a luz de uma série de conceitos, tais como “sociedade de controle” (Deleuze, 1992) e “sociedade confessional” (Bauman, 2012/2014). Os agenciamentos entre os conhecimentos técnicos e as considerações conceituais permitiram concluir que, de fato, a análise de sentimentos não se constitui apenas como uma ferramenta psicométrica - de detecção, identificação ou mensuração de emoções -, mas também como um aparato psicopolítico, que possibilita o controle e a produção dos afetos através de duas estratégias: da sua inscrição no design das plataformas de comunicação e da utilização de procedimentos algorítmicos-semióticos de direcionamento de conteúdo (microtargeting).

“Você Não Está Sozinho. Quer Conversar?”

Alguém que com certa frequência posta comentários aborrecidos sobre a própria vida no Twitter poderia, de uma hora para a outra, ser surpreendido com uma mensagem como “você não está sozinho. quer conversar?” na tela de seu computador ou smartphone. Se atendesse à empática e misteriosa convocação, seria então direcionado a um chat privado, no qual poderia trocar mensagens com um voluntário, treinado para dialogar com sujeitos em situações-limite e demovê-los de seus afetos potencialmente suicidas.

Em linhas gerais, este é o método de abordagem do Code of Hope, um programa implementado em 2019 pelo Twitter espanhol em parceria com a Teléfono de la Esperanza, uma organização não governamental que se apresenta como especializada em intervir em “situações de crises emocionais” (https://www.telefonodelaesperanza.org). Um vídeo publicitário divulgado pelas duas organizações explica um pouco melhor o “código da esperança”:

jovens com depressão constantemente postam sinais de seus estados emocionais antes de tomarem atitudes desesperadas. Sinais que os seres humanos mal podem notar. Mas se os humanos não os notam, quem poderia fazê-lo? Code of Hope - a inteligência artificial que detecta comportamentos suicidas. (Reason Why, 2019, 00:00:33)

De acordo com o vídeo, ao se analisar uma base de dados composta por postagens de usuários que de fato cometeram suicídio, um padrão emocional foi identificado. Isso tornou possível a criação de um algoritmo que detecta este mesmo padrão em perfis ativos, para que, em seguida, seus usuários sejam objeto de intervenção afetiva. Segundo o que foi divulgado, mesmo após iniciarem o diálogo com os voluntários, os usuários do Twitter continuam tendo suas postagens monitoradas pelo algoritmo, que passa a “reportar alterações emocionais”. Se não for detectada uma melhora significativa nos afetos rastreados pela plataforma, o Code of Hope aciona então a Teléfono de la Esperanza, para que assim a organização não governamental tome outras medidas, presumivelmente mais invasivas.

A vigilância emocional sobre os usuários do Twitter poderia, no senso comum, ser entendida como bem intencionada. Afinal, a rede social estaria trabalhando para proteger os internautas solitários, em sofrimento psíquico, prestes a cometerem um ato definitivo contra as suas próprias vidas. Mas este julgamento moral apressado ofusca uma inquietante questão: porque uma empresa de comunicação, como o Twitter, se dotou a si própria da capacidade de monitorar e regular as nossas emoções? Sem nenhum constrangimento em divulgar a existência do algoritmo que vigia aquilo sentimos, Code of Hope foi, pelo contrário, utilizado com funções de marketing. A iniciativa foi inclusive premiada no “El Sol”, um festival ibero-americano de publicidade (Marques, 2019). Aceitou-se com naturalidade o fato de que o Twitter desenvolveu um sistema para detectar emoções que, pelo menos outrora, tendíamos a considerar como absolutamente pessoais e subjetivas - e, também por isso, de interesse exclusivamente íntimo. Nenhum analista estranhou, ainda, o fato de que a empresa implementou uma série de procedimentos para modificar as emoções de seus usuários, e até mesmo para monitorar se essas modificações se concretizavam ou não.

O imperativo moral que nos obriga a demonstrar sensibilidade aos sofrimentos alheios pode ter minimizado esse conjunto de reflexões críticas - o Twitter estava cuidando de seus usuários, e era essa a ideia que a empresa queria destacar. Mas a naturalidade com que se recebeu a iniciativa também pode ter a ver com uma noção, cada vez mais disseminada entre especialistas, de que monitorar as emoções dos usuários faz parte do trabalho corriqueiro desempenhado pelas redes sociais. Para quem acompanha as tendências da área, nesse sentido, o que o Twitter realizou não foi surpreendente. Episódios mais polêmicos, porque mais facilmente questionáveis do ponto de vista ético, foram protagonizados pelo Facebook, por exemplo, alguns anos antes. Em um deles, ocorrido em maio de 2017, um jornalista do The Australian publicou detalhes de um documento vazado, no qual representantes do Facebook australiano afirmavam, a um potencial anunciante, que a rede social seria capaz de identificar perfis de adolescentes que se sentiam “inseguros”, “imprestáveis” e “precisando de um impulso na confiança” (Levin, 2017, para. 1). De acordo com o documento, o Facebook teria condições de monitorar, em tempo real, postagens de fotos e textos para identificar quando os jovens estariam se sentindo “estressados”, “derrotados”, “sobrecarregados”, “ansiosos”, “nervosos”, “burros”, “idiotas”, “inúteis” e “um fracasso” - exatamente nestes termos (Levin, 2017, para. 2). Esses estados emocionais precários estavam disponíveis em “dados internos”, não acessíveis ao público geral. O documento não deixava claro como esses dados sigilosos poderiam ser explorados de forma prática pelos anunciantes. Mas o fato de eles terem sido oferecidos por dois altos executivos do Facebook a uma grande instituição bancária não deixa muito espaço para a imaginação.

Os dados sobre as emoções - emotional data, no jargão tecnocrático - têm mesmo se tornado uma relevante commodity no universo da comunicação digital1. No limite, essa comodificação das emoções2, como aponta o sociólogo Luke Stark (2018), já teria delineado os contornos de um grande negócio, explorado por inúmeras empresas e outras organizações.

O Facebook não é, de maneira alguma, o único ator digital dedicando-se ao rastreamento das emoções como parte de um esforço maior em coletar dados comportamentais e psíquicos de seus usuários. Exemplificadas com um grande número de tendências convergentes entre o design de interação homem-computador, a psicologia aplicada, a ciência de dados e a publicidade, a extração, coleta e análise de dados relativos às emoções humanas está se tornando um negócio cada vez maior. (Stark, 2018, p. 208)

O valor dessa commodity reside no fato de que a pretensa precisão numérica do emotional data viabiliza informar, por exemplo, decisões estratégicas de empresas ou partidos políticos. Trata-se, portanto, de uma espécie de capital emocional que, para ser gerado, depende de ferramentas tecnológicas que vêm sendo rapidamente desenvolvidas pelos saberes especializados. Essas ferramentas esforçam-se para capturar e mensurar a expressão das emoções individuais, formando conjuntos de metadados sobre a psique coletiva. A identificação de expressões faciais em fotografias compartilhadas online; o registro de informações sobre nosso sono, pressão sanguínea, movimentos e humor realizados por sensores e aplicativos de saúde em smartphones - a vigilância emocional torna-se cada vez mais extensiva na medida em que os aparelhos aos quais nos conectamos diariamente, e às vezes 24 horas por dia, são equipados com essas e outras técnicas de captação e classificação de emotional data.

De acordo com o cientista da computação Bing Liu (2012), entre essas técnicas, a chamada análise de sentimentos (sentiment analysis) é uma das que vem recebendo mais atenção por parte dos desenvolvedores.

Desde o início dos anos 2000, a análise de sentimentos cresceu a ponto de se tornar uma das áreas mais ativas no campo do processamento de linguagem natural. É também amplamente estudada em mineração de dados, mineração web e mineração textual. Na verdade, ela se alastrou das ciências da computação às ciências administrativas e sociais, devido à sua relevância para os negócios e para a sociedade como um todo. Nos anos mais recentes, atividades industriais em torno da análise de sentimentos também prosperaram. Numerosas startups surgiram. Muitas grandes empresas implementaram suas próprias ferramentas internas. Os sistemas de análises de sentimentos encontraram aplicações em quase todos os domínios sociais e empresariais. (Liu, 2012, p. 5)

Apenas nos Estados Unidos, e só até o ano de 2012, existiam cerca de 60 startups dedicadas à análise de sentimentos, e gigantes como Google, Microsoft e Hewllet-Packard já haviam criado divisões próprias para o seu desenvolvimento e aplicação (Liu, 2012, p. 9). Sua expansão e desenvolvimento técnico aconteceram na medida em que a cultura do big data - o processamento de dados em gigantesca escala - foi se disseminando, sendo consensualmente compreendida como relevante para a tomada de decisões empresariais e políticas.

Como afirma um de seus pesquisadores entusiastas, a monitorização exaustiva dos afetos veiculados na internet pode gerar “informação muito valiosa”, tanto para empresas que podem “promover melhor” os seus produtos, quanto para organizações políticas3 interessadas em “clarificar sua estratégia” (Gomes, 2012, p. 10). Segundo ele, na competitiva paisagem da web,

ter conhecimento do que os clientes pensam sobre a organização ou do que acontece diariamente na internet é um desafio que todos têm na luta pela sua sobrevivência no mercado. Tendo em conta que a tomada de decisão é um processo que resulta da prévia investigação e análise de dados, é essencial obter informação qualitativa que contenha alto valor acrescentado, de forma a criar diferenciação. Esta situação só é possível se existir uma monitorização constante da realidade, a qual terá sempre de ser feita recorrendo a processos automatizados, uma vez que a quantidade de dados gerados [online] é, a cada segundo, gigantesca. É desta forma que o Text Mining (TM), em particular a Análise de Sentimentos (AS), ganhou nos últimos anos grande interesse, uma vez que permite de uma forma automatizada tratar e analisar grandes volumes de dados não estruturados e, daí, gerar conhecimento. (Gomes, 2012, p. 10)

De um modo geral, a análise de sentimentos se refere a uma série de procedimentos computacionais utilizados para identificar estados afetivos presentes em textos. Esses bancos de dados textuais podem ser formados, por exemplo, por conjuntos de postagens em redes sociais, fóruns e blogs, comentários em portais de notícias, resenhas em sites especializados em cinema, gastronomia, turismo, entre outros. Em qualquer situação digital em que o usuário é instigado a expressar-se de maneira emocional por meio de textos, a análise de sentimentos encontra um campo promissor para o exercício da vigilância dos afetos.

O primeiro procedimento operacional realizado pela análise de sentimentos é justamente a coleta dos dados a serem analisados em sua valência emocional, e o componente que faz a captura dos textos é comumente chamado de “crawler” (Malheiros, 2014, p. 64). Empresas como o Twitter e o Facebook oferecem o serviço de crawler, vendendo as postagens feitas em suas redes sociais e realizando, inclusive, uma pré-triagem dos textos de acordo com os interesses do comprador. Após esta etapa, geralmente os textos capturados passam por um estágio de “limpeza” automatizada, em que as mensagens são reformatadas, variações e erros de grafia são normalizados, e outras padronizações são aplicadas para torná-los legíveis pelo próximo componente, costumeiramente chamado de “classificador de sentimentos”.

Etapa essencial da análise, o classificador de sentimentos pode funcionar baseado em aprendizagem de máquina supervisionada ou, então, com base em léxicons. No primeiro caso, parte-se de uma base de dados composta por textos que já foram rotulados (geralmente por seres humanos) de acordo com os estados emocionais neles aparentes - e, então, o que a máquina faz é simplesmente categorizar as novas mensagens com base nesta rotulação inicial. Por sua vez, o classificador de sentimentos fundamentado em léxicons parte de uma base de dados semelhante a um dicionário, no qual diferentes palavras estão rotuladas de acordo com o seu teor emocional. Neste índice linguístico-afetivo, xingamentos e verbos como “odiar” ou “chorar” são geralmente atribuídos a emoções entendidas como negativas, palavras como “fascinante” ou verbos como “amar” e “adorar” como positivas e assim por diante. Detectando nas mensagens a aparição dessas palavras indexadas, o classificador faz cálculos para definir a quais emoções elas remetem.

Superficialmente, essas são as etapas técnicas que permitem esquadrinhar, em larga escala, as emoções de usuários das mais variadas plataformas digitais. A partir dos resultados de uma análise de sentimentos hipotética, se uma porcentagem X de usuários de uma rede social apresenta a emoção “tristeza” em relação a determinado tópico, uma empresa interessada pode direcionar a este nicho anúncios específicos, que prometam, de alguma forma, solucionar o problema por meio do consumo de seus produtos. Do mesmo modo, se uma porcentagem Y de usuários demonstra a emoção “alegria” em relação a um acontecimento público, os interessados podem direcionar a eles mensagens publicitárias que vinculem este afeto às realizações de um determinado partido político, por exemplo. O microtargeting - o direcionamento microscópico das mensagens publicitárias, possível através de algoritmos - é a técnica que mais perfeitamente complementa a análise de sentimentos. A combinação das duas permite direcionar, modular e capitalizar as emoções. É possível, inclusive, tentar modificá-las por meio não só de anúncios, mas também pela contratação de digital influencers ou dos chamados opinion spammers - espécies de operadores emocionais não declarados, que emitindo mensagens carregadas de afetos, buscam influenciar as emoções de seus “amigos”, “seguidores” ou leitores circunstanciais.

Uma Psicométrica

É evidente que a análise de sentimentos, enquanto ferramenta de detecção emocional, apresenta limitações técnicas. Observadores apontam, por exemplo, para uma certa dificuldade algorítmica em se avaliar emocionalmente textos de caráter irônico, sarcástico ou semanticamente ambíguos (Deng et al., 2017; Ferrara & Yang, 2015). Outros estudos também acusam níveis de acurácia reduzidos em alguns programas de classificação afetiva (Islam & Zibran, 2017; Khoo & Johnkhan, 2018). Estes e outros problemas operacionais têm sido objeto de estudo por parte dos desenvolvedores de algoritmos, que têm trabalhado para superá-los ou minimizá-los (Bosco et al., 2013; Hernández-Farías et al., 2015). É então plausível imaginar que os procedimentos técnicos da análise de sentimentos tendam a ser sofisticados com o tempo, ganhando em precisão e incluindo outros fatores para fundamentar a classificação emocional dos dados coletados. No entanto, para se compreender o fenômeno, é interessante atentarmos não apenas para suas características técnicas, mas também para a taxonomia emocional utilizada nas análises - ou seja, para as categorias em que os nossos afetos são enquadrados, as formas como os interessados nas nossas emoções as classificam em suas tabelas e gráficos.

Nesse sentido, parece ser possível inventar e aplicar os mais variados esquemas classificatórios, de acordo, certamente, com as finalidades de cada operação de análise de sentimentos. Muitos desses esquemas são livremente inspirados em saberes acadêmicos, produzidos originalmente no campo da psicologia. Um deles, chamado POMS-ex (Bollen et al., 2011), utilizado para a análise de sentimentos em postagens no Twitter, é baseado em uma escala emocional intitulada Profile of Mood States (Perfil dos Estados de Humor), que foi desenvolvida na década de 1970 por pesquisadores norte-americanos (McNair et al., 1971). Sua adaptação para a vigilância emocional na rede social enquadra as emoções dos usuários em seis categorias: tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão. Igualmente utilizada no Twitter, por sua vez, a PANAS-t (Gonçalves et al., 2012) está baseada na Positive Affect Negative Affect Scale (Escala de Afeto Positivo Afeto Negativo), criada na década de 1980 também por pesquisadores dos EUA (Watson & Clark, 1994). Esta classifica as postagens em 11 categorias emocionais: jovialidade, autoconfiança, serenidade, surpresa, medo, tristeza, culpa, hostilidade, timidez, fadiga e atenção. Já no caso do Code of Hope, o algoritmo anti-suicídio, a escala é potencialmente mais minuciosa, adotando para a classificação as 32 emoções descritas pelo psicólogo evolucionista Robert Plutchik, no ano de 1980 (Plutchik, 1980).

É curioso notar que, no caso destes três exemplos, aparentemente os desenvolvedores realizaram adaptações na taxonomia emocional e nas escalas originais sem se preocuparem com os contextos metodológicos e teóricos em que elas foram desenvolvidas. As emoções escalonadas pelo POMS-ex e pelo PANAS-t, por exemplo, foram originalmente concebidas para serem detectadas por meio de extensos questionários aplicados individualmente, e não por meio da análise massiva de pequenos textos como os do Twitter. As 32 emoções propostas por Plutchik (1980), de forma semelhante, se inserem em uma elaborada teoria psicoevolucionária dos afetos, que certamente é desconsiderada na aplicação esquemática feita pela análise de sentimentos. Isso para não mencionar os ruídos que as diferenças culturais, históricas e linguísticas podem provocar ao se realizar essas transposições que, à primeira vista, nos parecem pouco refletidas.

No entanto, seria um erro pensar nestes abismos conceituais e metodológicos como descuidos intelectuais por parte dos desenvolvedores. Isso porque os contextos epistemológicos originais em que essas escalas emocionais foram desenvolvidas, na realidade, não interessam aos criadores de algoritmos. Ora, a finalidade da análise de sentimentos não é criar uma representação teoricamente consistente da vida emocional de um grupo de pessoas, e sim fornecer aos poderes financeiros e políticos informações úteis, que lhes permitam tomar decisões. O objetivo da vigilância emocional contemporânea é gerar metadados com os quais seja possível estabelecer correlações e definir tomadas estratégicas de posições - no vocabulário dos especialistas, gerar actionable results, resultados cuja finalidade última seja a ação. Como escreve Mark Andrejevic (2011), “a análise de sentimentos está além do objetivo de representar ou estabelecer modelos acerca de uma população. A meta não é descrever, mas provocar afetos e efeitos - estimular o boca a boca, promover engajamento e, em alguns casos, impedi-lo” (p. 616). A ferramenta seria, assim, participante de uma concepção comum nos dias de hoje, segundo a qual “os contextos qualitativos são crescentemente desnecessários; correlações descontextualizadas que emergem de dados ‘crus’ são suficientes para produzir resultados operacionalizáveis” (Stark, 2018, p. 216).

A análise de sentimentos, dessa forma, não necessariamente se ocupa de descrições minuciosas de emoções, e nem de considerações ao nível de uma ecologia subjetiva individual. A singularidade daquilo que sentimos, o conteúdo idiossincrático dos nossos afetos, não está entre os objetos primordiais de suas medições. Também, por isso, geralmente não há razão para que as emoções digitalmente monitoradas sejam enquadradas em marcadores muito específicos, ou que a taxonomia emocional seja composta por categorias numerosas e complexamente descritas. Na realidade, grande parte das operações de análise de sentimentos classifica nossos afetos em um esquema numérico ternário: emoções negativas (-1), neutras (0) ou positivas (1). Em inúmeros casos, à razão prática da intelligentsia marqueteira, interessa apenas saber a polaridade de uma emoção em relação a um determinado produto, seja ele um item de consumo diário ou uma figura política em disputa eleitoral. A ordenação um pouco grosseira das nossas emoções já parece ser suficiente para a eficácia do monitoramento e do controle afetivo4.

É com essa característica pragmática que a análise de sentimentos se estabelece como uma das técnicas psicométricas mais celebradas na contemporaneidade. Tradicionalmente, a psicometria é definida como um ramo da psicologia que se dedica à constituição de mecanismos de medição da subjetividade e também à sua aplicação. As origens desse campo parecem remeter ao fim do século XIX, sobretudo às pesquisas de Francis Galton e de James McKeen Cattell. Desde cedo, a psicometria aproximou-se das ciências matemáticas, sobretudo da estatística. Há, aliás, quem a defina não tanto como um ramo da psicologia, e sim da própria estatística (Pasquali, 2017). O avanço desse tipo de saber, um híbrido psico-matemático, dotou os pesquisadores da capacidade de representar diversos elementos subjetivos, incluindo as emoções, por meio de números. Mas como vimos, com a análise de sentimentos, a versão computacional da psicometria caminha para uma atrofia de sua qualidade representativa em detrimento de uma finalidade prática específica: informar as decisões dos poderes organizados em uma sociedade neoliberal, na qual os interesses do capital e da política convergem para o controle das subjetividades.

Neste cenário, o projeto psicométrico da análise de sentimentos não se ocupa tanto em desvendar a verdade do sujeito - antes, seu interesse é produzir subjetividades de acordo com as categorias por ela estabelecidas. Como observa Luke Stark (2018),

a falta de uma capacidade descritiva acurada não significa que as técnicas psicológicas aplicadas em sistemas digitais careçam de um poder padronizante, prescritivo ou até mesmo proscritivo; é precisamente a natureza artificial e performativa desses modelos “descritivos” que produz esses efeitos. (p. 222)

Em outras palavras, mesmo que um indivíduo não concorde com a redutora taxonomia emocional da análise de sentimentos, duvide de seus métodos mais ou menos frágeis, ou se mantenha cético em relação aos resultados obtidos pela técnica - ainda assim, a aplicação prática desses mesmos resultados agirá sobre ele de forma produtiva.

Essa produção subjetiva contemporânea não acontece apenas por meio das táticas semióticas, utilizadas nas mensagens que nos assaltam com a precisão do microtargeting. O próprio design das plataformas encoraja a produção de emoções específicas, porque são capitalizáveis. Nesse sentido, o que se espera é que os afetos dos usuários tenham uma qualidade cristalina, legível, facilmente identificável, que sejam localizáveis em um diagrama emocional o mais polarizado possível. Um afeto autêntico, esquivo, irredutível a uma negatividade ou a uma positividade - este não é tão útil para os interessados em capitalizar sobre as nossas emoções. Como uma organização política, por exemplo, poderia se beneficiar de um afeto ambíguo, singular, que não obedeça a uma lógica polarizável? Talvez seja por isso que as redes sociais incentivem os usuários a se emocionarem de acordo com uma taxonomia previamente estabelecida. As “reações” disponíveis pela interface do Facebook são um claro exemplo disso. Em todas as postagens que visualizamos, somos encorajados a nos emocionar de uma entre seis maneiras possíveis: gostar (“curtir”), amar, rir (“haha”), surpreender-se (“uau”), entristecer-se ou odiar (“grr”). Não é que seja vetado demonstrar outros afetos: sempre é possível recorrer a textos, imagens ou outros recursos para gerar emotional data mais complexo - a produção contemporânea das subjetividades não funciona tanto por meio de interdições, de proibições, mas através de encorajamentos.

Nessa estratégia de sujeição somos incentivados a sentir, e a expressar o que sentimos, de acordo com as categorias afetivas mais instrumentalizáveis pelas plataformas e seus parceiros corporativos. No design das redes sociais, essas “categorias são reapresentadas de volta aos usuários como uma norma dentro da qual eles devem atuar” (Stark, 2018, p. 214). O usuário ideal tem, então, seus afetos produzidos em consonância com o programa subjetivo implementado pelos desenvolvedores. Com o tempo, ele se torna “fluente nas expressões emocionais, comportamentos e gestos adequados ao modelo da plataforma” (Stark, 2018, p. 214).

E é a partir dessa lógica que podemos compreender a análise de sentimentos não tanto como uma ferramenta de representação ou mesmo de detecção dos afetos, mas sim como uma técnica desenvolvida para a produção das emoções, um mecanismo computacional cuja finalidade é um controle emocional ativo, para além da mera vigilância. A tendência é que, com sua aplicação eficaz, a sujeição dos usuários resulte em uma padronização afetiva. Em um quadro ideal, passa-se a sentir nada mais do que uma clara positividade (1) ou nada menos do que uma escura negatividade (-1), sendo possível capitalizar a partir de ambos os afetos. Neste cenário em que toda a emoção é operacionalizável, até mesmo um cinzento valor neutro (0) é abordado pelos poderes subjetivantes como um estado emocional transitório, que deve ser direcionado a um dos polos o quanto antes - e jamais como uma diferença cromática singular, intratável, inaproveitável, alheia aos apelos algorítmicos.

Uma Psicopolítica

Como técnica psicométrica contemporânea, a análise de sentimentos difere das suas antecessoras por estar baseada não em inquéritos ou outros testes psicológicos, mas em uma recolha de dados gerados a partir de processos comunicativos. Quando faz suas postagens, o usuário de uma rede social não tem plena consciência de que suas emoções estão sendo monitoradas e moduladas. Afinal de contas, ele pensa que está apenas se comunicando e não sendo escrutinado em indicadores psíquicos. Desprevenido, ele é encorajado a expressar-se o quanto mais, e da forma mais emocional possível - mas nunca coagido, forçado a isso. A estratégia de sujeição colocada em prática nos meios digitais não é essencialmente opressora ou repressora, não obriga a dizer e apenas pontualmente censura o que se diz5. Para que ela funcione, o usuário precisa acreditar que está agindo livremente. Por isso, ela estimula a liberdade de um excesso, e só ocasionalmente constrange a uma contingência punitiva: quanto mais numerosos e afetados forem os discursos produzidos, tanto mais é possível capitalizar sobre eles. É em razão disso que a análise de sentimentos se beneficia de um ambiente em que os indivíduos se sintam motivados a exporem-se. Na contemporaneidade, a “sociedade confessional”, como chamou Zygmunt Bauman (2012/2014), integra o mecanismo de sujeição da qual a análise de sentimentos é componente.

Os adolescentes equipados com confessionários eletrônicos portáteis não passam de aprendizes treinando a (e treinados na) arte de viver numa sociedade confessional; uma sociedade que se destaca por eliminar a fronteira que antes separava o privado do público, por fazer da exposição pública do privado uma virtude. (Bauman, 2012/2014, p. 25)

A exibição emocional voluntária, que decorre dessa espécie de desejo confessional contemporâneo, é fundamental para o controle dos afetos. Nesse contexto, a monitorização e a produção subjetivas não são realizadas por meio de restrições à liberdade, mas apenas possíveis através de seu exercício. O controle se torna possível justamente onde as expressões são livremente expostas. Bauman (2012/2014) caracteriza essa forma de vigilância atual como “pós-panótica”. Com isso, ele se refere a uma mudança no paradigma pan-ótico, tal como foi idealizado por Jeremy Bentham (1791/2019) e analisado por Michel Foucault (1975/2014). Nesta concepção clássica, os indivíduos são vigiados ostensivamente por um poder central, opressor e identificável, que os submetem a um escrutínio total a despeito de sua vontade. De acordo com Bauman (2012/2014), essa estratégia de sujeição não se encontra disseminada de maneira extensiva na sociedade contemporânea, mas restrita apenas às suas partes “não-administráveis”, como prisões, campos de confinamento e clínicas psiquiátricas. Nessas instituições, os indivíduos continuariam submetidos a um controle baseado em sua falta de liberdade. Por outro lado, em um cenário social mais abrangente, o controle se configuraria no modo pós-panótico - neste sofisticado arranjo de controle massivo, os indivíduos têm a sensação de exercerem uma liberdade ilimitada e, por isso, cooperam de forma ativa para a própria sujeição, fornecendo alegremente uma infinidade de informações aos sistemas que os sujeitam. “Com o velho pesadelo pan-óptico (‘nunca estou sozinho’) agora transformado na esperança de ‘nunca mais vou ficar sozinho’ (abandonado, ignorado e desprezado, banido e excluído), o medo da exposição foi abafado pela alegria de ser notado” (Bauman, 2012/2014, p. 21).

Como observa com precisão o filósofo Byung-Chul Han (2012/2014a), a sociedade de controle funciona precisamente quando

o seu sujeito se desnuda não por coação externa, mas por força de uma necessidade gerada em si próprio, ou seja: quando o medo de ter de renunciar à sua esfera privada e íntima cede à necessidade de se exibir sem vergonha. (p. 67)

“Se não me exponho o suficiente, me torno isolado socialmente” - hoje, esta é a impressão que nos estimula a comunicar sem descanso tudo aquilo que estamos fazendo, pensando ou sentindo. É na livre comunicação que se estabelece a vigilância e a produção subjetiva. É a partir dela, por exemplo, que a análise de sentimentos detecta os nossos afetos para, simultaneamente, produzi-los.

A liberdade e a comunicação ilimitadas transformam-se em controle e vigilância totais. ( … ) Mal acabamos de nos libertar do pan-ótico disciplinar, eis que entramos num outro, novo e ainda mais eficaz. Os reclusos do pan-ótico benthaminiano eram isolados com intuitos disciplinares e não se lhes permitia que falassem uns com os outros. Os residentes do pan-ótico digital, em contrapartida, comunicam intensamente uns com os outros e expõem-se por sua própria iniciativa. Participam ativamente da construção do pan-otico digital. ( … ) Assim, a transmissão dos dados não ocorre devido à coação, mas por necessidade interior. (Han, 2014/2014b, p. 17)

Operando como um componente técnico desse sutil mecanismo de controle, a análise de sentimentos configura-se não apenas como uma ferramenta psicométrica (de medição), mas também como um aparato psicopolítico (de sujeição). O conceito de “psicopolítica”, tal como propõe Han (2014/2014b), diz respeito às estratégias de controle direcionadas a instrumentalizar a psique dos indivíduos. Sua meta não é dominá-los por meio de uma negatividade opressiva do corpo, por exemplo, mas por meio de uma produção positiva de elementos da subjetividade, o que inclui as emoções. Assim, as operações de controle psicopolítico não acontecem com o estabelecimento de instituições coercitivas de permanência obrigatória, mas por meio da criação de plataformas comunicacionais nas quais os indivíduos desejem participar. Nesse sentido, o sucesso dos meios de comunicação digitais, em especial das redes sociais, leva a uma eficácia sem precedentes dos métodos psicopolíticos.

Estamos a caminho da época da psicopolítica digital. Avançamos na via que leva de uma vigilância passiva a um controle ativo. ( … ) O big data é um instrumento psicopolítico extremamente eficaz que permite adquirir conhecimento integral da dinâmica inerente à sociedade da comunicação. Trata-se de um conhecimento de dominação, que permite intervir na psique e condicioná-la a um nível pré-reflexivo. (Han, 2014/2014b, p. 21)

Esse condicionamento subjetivo psicopolítico é realizado com base em dados computacionais, informações sobre nós mesmos que geramos ao utilizar de modo irrestrito os aparelhos de comunicação digital. Agindo mais ou menos inadvertidamente, geramos um data double - um duplicado de nós mesmos que se torna disponível aos gestores dos sistemas de informação (Haggerty & Ericson, 2000). Neste desdobramento numérico é possível detectar elementos da nossa subjetividade que muitas vezes escapam à nossa própria consciência. Trata-se de uma espécie de inconsciente digital sobre o qual é possível atuar programaticamente. Integrando este data double estão os afetos, as emoções que muitas vezes passam desapercebidas inclusive para os próprios usuários, mas que são identificáveis na forma de emotional data. É dessa maneira que os psicopoderes buscam acessar e condicionar não as opiniões conscientes, os pensamentos racionais ou as filiações refletidas - a psicopolítica é uma prática de poder que opera em ambiente pré-reflexivo, no território do inconsciente, das emoções, naquilo que Félix Guattari já havia denominado como uma “dimensão infrapessoal” (Rolnik & Guattari, 1986, p. 27).

Os agenciamentos subjetivos da psicopolítica tornam-se possíveis no período histórico em que o modelo panótico de Bentham (2019) dá lugar ao modelo pós-panótico de Bauman (2012/2014). Em uma perspectiva conceitual mais vasta, poderíamos falar ainda da passagem da “sociedade disciplinar” descrita por Michel Foucault (1975/2014) à “sociedade do controle”, conforme indicava Gilles Deleuze já na década de 1990 (Deleuze, 1992). Enquanto a sociedade disciplinar se caracterizaria pela ordenação dos corpos em diversos espaços normativos e de confinamento, a sociedade do controle se daria em um ambiente aberto, de fluxos, de redes conectivas. “Neste contexto, o modelo do panóptico, como diagrama de poder, passa a ser substituído pelo modelo de rede, que se situa além das fronteiras institucionais e é marcado pelas contínuas conexões e desconexões” (Hur, 2013, p. 209). Como observa Byung-Chul Han (2014/2014b), na sociedade disciplinar era fundamental governar as populações por meio da biopolítica, que se ocupava de regular os corpos através de normas de alimentação, saúde, higiene, natalidade, entre outras. Já na sociedade do controle contemporânea, os poderes agiriam principalmente no terreno da subjetividade, por meio da psicopolítica. Com essa mudança, a atenção dos mecanismos de sujeição passaria do corpo à psique:

a biopolítica, que se serve da estatística da população, não tem qualquer acesso ao psíquico. Não fornece material algum para o psicoprograma da população. A demografia não é uma psicografia. Não explora a psique. É aqui que reside a diferença entre a estatística e o big data. A partir do big data é possível construir não só o psicoprograma individual, mas também o psicoprograma coletivo, ou até mesmo, talvez, o psicoprograma do inconsciente. Deste modo, seria possível iluminar e explorar a psique até ao nível do inconsciente. (Han, 2014/2014b, p. 30)

A análise de sentimentos, como aparato psicopolítico, possibilita que o controle seja exercido nessa latitude emocional inconsciente. As emoções, inclusive, parecem mais instrumentalizáveis se os indivíduos não estiverem plenamente conscientes de sua existência. Afinal, dessa forma, eles podem ser conduzidos à ação sem maiores resistências. Como afirma o filósofo brasileiro Charles Feitosa (2018), a psicopolítica pode ser entendida justamente como o “controle e gerenciamento das ações através de um condicionamento afetivo” (para. 2). Ou seja, no horizonte da atuação psicopolítica está a produção de sujeitos que agem - que consomem determinado produto, que participam de uma passeata em específico, que votam em um candidato estipulado, por aí adiante. O truque psicopolítico está em mover os indivíduos à ação não por meio de argumentos razoáveis, explanações ou táticas de convencimento explícitas. O que a psicopolítica promove é uma mobilização emocional: o indivíduo age obedecendo a um afeto que atravessa a sua subjetividade, impulsionando-o para aquele movimento.

As emoções são performativas na medida em que evocam ações determinadas. As emoções, enquanto inclinações, representam a base energética e até mesmo sensorial da ação. São reguladas pelo sistema límbico, que é também a sede dos impulsos. Constituem um nível pré-reflexivo, semi-consciente, corporalmente instintivo da ação, do qual não temos consciência explícita. A psicopolítica neoliberal apodera-se da emoção para exercer influência sobre as ações a este nível pré-reflexivo. Atinge o fundo do indivíduo através da emoção. Assim, a emoção representa um meio extremamente eficiente de controle psicopolítico do indivíduo. (Han, 2014/2014b, p. 57)

Considerações Finais

É com esta sutileza pragmática que a análise de sentimentos se caracteriza como uma técnica psicométrica, mas com finalidade psicopolítica. Ela assenta na vigilância e no controle dos afetos e pode ser direcionada inclusive a um nível inconsciente. O objetivo final de suas operações é induzir os indivíduos a ações emocionalmente informadas. Essa produção emocional, com vista à ação, é realizada tanto por meio das táticas semióticas do microtargeting, quanto pelo condicionamento afetivo programado nas plataformas de comunicação - o design emocional, tão em voga na contemporaneidade, que faz do usuário um reprodutor das emoções estipuladas pelo sistema.

Neste quadro, a emoção enquanto prática de liberdade é explorada sem a nossa consciência. “Agir de acordo com as próprias emoções” se torna um imperativo arriscado, já que dificilmente podemos saber se nossos afetos são realmente autênticos, originários de uma singularidade ingovernável, ou resultado de um programa que os instrumentaliza, direcionando-os a uma capitalização alheia. Como escreveu Baruch Spinoza (2014), se uma pedra arremessada pelos ares subitamente ganhasse consciência, certamente ela imaginaria estar exercendo a liberdade de voar. Da mesma forma, na contemporaneidade, o exercício prático das emoções pode ser um movimento programado, cuja origem esteja alheia à nossa vontade consciente.

Assim, o tema das emoções na contemporaneidade precisa inserir-se em um cenário mais amplo, em que parece urgente repensar a liberdade exercida nos circuitos abertos da sociedade de controle, reavaliando, por exemplo, se “a emergência de formas participatórias e interativas coincidiu com mudanças consideráveis em termos de empoderamento político e econômico” (Andrejevic, 2011, p. 620). Como observou Gilles Deleuze (1992), na sociedade de controle, cabe às novas gerações “descobrir que estão sendo levadas a servir, assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas” (p. 226)6.

Agradecimentos

Ao professor Manuel Pinto, por ter lido a primeira versão do artigo. Aos revisores, pelas leituras atentas.

Este trabalho é apoiado ainda por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDB/00736/2020.

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1O termo “emotional data” é usado corriqueiramente em artigos científicos das ciências da computação para se referir, de maneira genérica, a qualquer dado relativo às emoções (Fathullah & Willis, 2018; Luo et al., 2017; Matsumae et al., 2020). É importante observar, no entanto, que não existem dados puramente emocionais, mas sim informações algoritmicamente interpretadas em sua qualidade afetiva. Por exemplo: a frequência dos batimentos cardíacos de uma pessoa pode ser utilizada para avaliar sua condição de saúde, mas, em outro contexto, essa mesma informação pode ser interpretada em sua valência emocional, indicando estados de ansiedade, medo ou stress. É dessa forma que o emotional data pode ser gerado a partir das mais variadas fontes: textos, vídeos, áudios, sinais fisiológicos, entre outras.

2Não se restringindo ao âmbito das novas tecnologias, a socióloga Eva Illouz (2018) criou um interessante neologismo para se referir à comodificação das emoções: “emmoddity” (p. 8).

3Ao mencionar as organizações políticas, nos referimos especialmente a partidos, movimentos, agremiações e outros agentes da esfera pública — e, no caso da análise de sentimentos, principalmente a candidatos às eleições democráticas. São diversas as empresas que fornecem o recurso da análise de sentimentos a figuras políticas em disputa eleitoral, sendo que uma das mais reconhecidas é a Majoritas, cuja carteira compreende políticos de países como Brasil, EUA, França, Congo, Indonésia, entre outros (Moise, 2017). Especialistas no assunto debatem como resultados de análise de sentimentos podem, inclusive, serem eficazes em prever os resultados das eleições (Ceron et al., 2015). Atestando a disseminação da análise de sentimentos com objetivos eleitorais, outros autores chegam a afirmar que “pode-se esperar que a análise de sentimentos fará parte de toda campanha política no futuro” (Ringsquandl & Petkovic, 2013, p. 40).

4Sem mencionar diretamente o controle afetivo, alguns estudos podem sugerir formas interessantes de se contrapor à dominação subjetiva exercida por meio de algoritmos. O coletivo Tiqqun propõe, por exemplo, que os sujeitos objetivados pelo controle cibernético produzam ruídos como forma de confundir os aparatos que tentam capturá-los (Tiqqun, 2020). É o que parecem sugerir também os investigadores Matteo Pasquinelli e Vladan Joeler (2020) ao descreverem os chamados “ataques adversariais”: “as técnicas tradicionais de ofuscação contra a vigilância adquirem imediatamente uma dimensão matemática na era do aprendizado de máquina. Por exemplo, o artista e pesquisador de IA Adam Harvey inventou um tecido de camuflagem chamado HyperFace que engana os algoritmos de visão de computador para ver vários rostos humanos onde não há nenhum” (p. 15). Uma tática parecida no âmbito da detecção e controle emocional é aquela utilizada pelo artista Ben Grosser e descrita pelo sociólogo Luke Stark (2018). Grosser é o criador do Go Random, “uma extensão para o navegador web que escolhe randomicamente um ícone [emoji] para o usuário postar e assim atrapalhar a coleta de emotional data pelas plataformas” (Stark, 2018, p. 229).

5A censura em plataformas digitais é um fato amplamente debatido e que já rendeu diversos estudos interessantes (Heins, 2013; Hintz, 2015; Silveira, 2015). Mas perceber essa questão na perspectiva psicopolítica implica compreender que, apesar dos mecanismos de censura existentes, os meios digitais não foram criados com a finalidade primordial de se barrar a comunicação entre os sujeitos (a exemplo do que acontecia nas instituições da sociedade disciplinar, como o presídio). Pelo contrário: de forma geral, essas tecnologias de comunicação são gratuitas, buscam atrair e engajar os usuários e os incentivam a interagir e a compartilhar o máximo de conteúdos possível. Afinal, seu lucro e expansão depende da exploração de grandes quantidades de dados a serem fornecidos pelos usuários. Por isso, é a comunicação, e não a censura, seu modo de operação fundamental. É assim que os meios digitais parecem seguir o princípio cibernético no qual o controle se torna viável em razão dos próprios processos comunicativos: “a cibernética pretende que o controle de um sistema seja obtido pelo grau ótimo de comunicação entre suas partes” (Tiqqun, 2020, p. 53).

6Detectar ou inventar formas de resistência ao controle afetivo parece estar se tornando uma das muitas tarefas urgentes para os investigadores das humanidades digitais. Embora o objetivo deste artigo se restrinja a introduzir uma compreensão acerca da análise de sentimentos enquanto mecanismo de controle e produção emocional, os seus autores desenvolvem atualmente uma investigação em que a dimensão da resistência tem lugar de reflexão privilegiado. Essa pesquisa, realizada no âmbito do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) e do doutoramento em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, é conduzida por Felipe Melhado sob a orientação de Jean-Martin Rabot e coorientação de Moisés de Lemos Martins e Norval Baitello. Em linhas gerais, o projeto investiga como o conceito de “antropofagia” (tal como formulado pelo poeta Oswald de Andrade, 1928/2017, e outros autores) pode ser útil enquanto tática de contra-afecção no contexto das novas tecnologias da comunicação.

7The term “emotional data” is commonly used in computer sciences articles to refer, in a generic way, to any data related to emotions (Fathullah & Willis, 2018; Luo et al., 2017; Matsumae et al., 2020). It is important to note, however, that there are no purely emotional data, but information that is algorithmically interpreted in its affective quality. For example: the frequency of a heartbeat can be used to assess one’s health condition, but, in another context, this same information can be interpreted in its emotional valence, indicating states of anxiety, fear or stress. This is how emotional data can be generated from the most varied sources: texts, videos, audios, physiological signals, among others.

8Not restricted to the scope of new technologies, sociologist Eva Illouz (2018) has created an interesting neologism to refer to the product of emotional commodification: “emmodity” (p. 8).

9When mentioning political organizations, we basically refer to parties, movements, associations and other public sphere agents — and, in the case of sentiment analysis, especially to candidates running for democratic elections. There are several companies that provide sentiment analysis services to political figures in electoral dispute, one of the most recognized being Majoritas, whose portfolio includes politicians from countries such as Brazil, USA, France, Congo, Indonesia, among others (Moise, 2017). Experts on the subject debate how sentiment analysis can even be effective in predicting election results (Ceron et al., 2015). Attesting the dissemination of sentiment analysis for electoral purposes, some authors go so far as to affirm that “it can be expected that sentiment analysis will be part of every campaign in the future” (Ringsquandl & Petkovic, 2013, p. 40).

10Without mentioning affective control directly, some studies may suggest interesting ways to counter the subjective domination exercised through algorithms. Tiqqun proposes, for example, that subjects objectified by cybernetic systems should produce noise as a way to confuse the devices that try to capture them (Tiqqun, 2020). This is what researchers Matteo Pasquinelli and Vladan Joler (2020) also seem to suggest when describing the so-called “adversarial attacks”: “the traditional techniques of obfuscation against surveillance immediately acquire a mathematical dimension in the age of machine learning. For example, the artist and researcher Adam Harvey has invented a camouflage textile called HyperFace that fools computer vision algorithms to see multiple human faces where there is none” (p. 15). A similar tactic in the area of emotional detection and control is the one used by artist Ben Grosser and described by sociologist Luke Stark (2018). Grosser is the creator of Go Random, “a web browser extension that randomly chooses an icon for the user to post and thereby obfuscates a user from the site’s collection of emotional data” (Stark, 2018, p. 229).

11Censorship on digital platforms is a widely debated phenomenon that has already yielded several interesting studies (Heins, 2013; Hintz, 2015; Silveira, 2015). But perceiving this issue from a psychopolitical perspective implies understanding that, despite the existence of censorship mechanisms, digital media were not created with the primary purpose of preventing communication between subjects (as in the case of disciplinary society institutions, like prison). On the contrary: in general, these communication technologies are gratuitous, seek to attract and engage users and encourage them to interact and share as much content as possible. After all, their profit and expansion are based on the exploitation of large amounts of data provided by users. That is why communication, and not censorship, is its fundamental mode of operation. In this sense, digital media seem to follow the cybernetic principle in which control becomes viable due to communicative processes themselves: “cybernetics intends that the control of a system is obtained by the optimum degree of communication between its parts” (Tiqqun, 2020, p. 53).

12Detecting or inventing ways to resist affective control seems to be one of the many urgent tasks for researchers on digital humanities. This article is restricted to introduce an understanding about sentiment analysis as an emotional control and production mechanism, but the authors are currently developing an investigation in which the resistance dimension has a privileged place for reflection. This research, carried out within the scope of Communication and Society Research Centre (CECS) and the PhD in Communication Sciences at University of Minho, is conducted by Felipe Melhado under the supervision of Jean-Martin Rabot and co-supervision by Moisés de Lemos Martins and Norval Baitello. The project investigates how the concept of “anthropophagy” (as formulated by the poet and philosopher Oswald de Andrade, 1928/2017, and other authors) can be useful as a counter-affection tactic in the context of new communication technologies.

Recebido: 09 de Setembro de 2020; Aceito: 14 de Janeiro de 2021

Felipe Melhado é doutorando em ciências da comunicação na Universidade do Minho e investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). É mestre em história social pela Universidade Estadual de Londrina, com licenciatura em comunicação social pela mesma instituição. Atualmente, dedica-se a investigar a atuação de dispositivos tecnoafetivos e a imaginar possibilidades antropofágicas de contra-afecção. Email: melhado.felipe@gmail.com Morada: Rua Deputado Nilson Ribas, 800, Jardim San Remo, Londrina, Paraná, Brasil. CEP: 86062-090

Jean-Martin Rabot é doutorado em sociologia. É docente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho e investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS). Os seus trabalhos incidem sobre a sociologia do imaginário, os estudos culturais e as novas tecnologias. Email: jmrabot@ics.uminho.pt Morada institucional: Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Gualtar, 4710-057 Braga

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