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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.40  Braga dez. 2021  Epub 20-Dez-2021

https://doi.org/10.17231/comsoc.40(2021).3283 

Artigos Temáticos

O Impacto da Covid-19 no Jornalismo: Um Conjunto de Transformações em Cinco Domínios

Andreu Casero-Ripollési 
http://orcid.org/0000-0001-6986-4163

iDepartamento de Ciencias de la Comunicación, Facultad de Ciencias Humanas y Sociales, Universitat Jaume I de Castelló, Castelló, Espanha


Abstract:

The covid-19 outbreak is a highly disruptive event in our society. Its consequences have affected different social domains. Our objective is to analyse its impact on journalism in a panoramic and comprehensive way. We intend to identify the main alterations and changes that the outbreak of the coronavirus has caused. The methodology is based on the qualitative analysis of secondary data, taking the case of Spain during the first period of the pandemic as a reference. The results allow the identification of positive and negative effects in five areas: news consumption, business models, working conditions, disinformation, and relations with political actors. These findings reveal that covid-19 has had a considerable impact on journalism. This incidence is ambivalent as it has positive and negative effects that affect different aspects of this domain. The main positive consequences are increased news consumption and the promotion of new formats and information products, such as infographics or newsletters. On the other hand, the weakening of business models due to the reduction of advertising revenues, the deterioration of journalists’ working conditions, the reinforcement of political control mechanisms over the media, and the increase of disinformation are the main negative effects.

Keywords: covid-19; coronavirus; journalism; media; business models

Resumo:

O surto da covid-19 é um acontecimento altamente perturbador na nossa sociedade e as suas consequências têm afetado diferentes domínios sociais. O nosso objetivo é analisar o seu impacto no jornalismo de uma forma multidisciplinar e abrangente. Pretendemos identificar as principais alterações e mudanças que o surto do coronavírus provocou. A metodologia baseia-se na técnica da análise qualitativa de dados secundários, tendo como referência o caso da Espanha durante o primeiro período da pandemia. Os resultados permitem a identificação de efeitos positivos e negativos em cinco áreas: consumo de notícias, modelos de negócio, condições de trabalho, desinformação e relações com os atores políticos. Estas descobertas revelam que o covid-19 tem tido um impacto considerável no jornalismo. Esta incidência é ambivalente, pois tem efeitos tanto positivos como negativos que afectam diferentes aspectos deste domínio. O aumento do consumo de notícias e a promoção de novos formatos e produtos informativos, tais como infografias ou boletins informativos, são as principais consequências positivas. Por outro lado, o enfraquecimento dos modelos de negócio devido à redução das receitas publicitárias, a deterioração das condições de trabalho dos jornalistas, o reforço dos mecanismos de controlo político sobre os meios de comunicação, e o aumento da desinformação são os principais efeitos negativos.

Palavras-chave: covid-19; coronavírus; jornalismo; media; modelos de negócio

1. Introdução

Inicialmente surgida na China no final de 2019 e propagando-se na Europa e no resto do mundo até março de 2020, a covid-19 constitui-se como um evento altamente perturbador. Não só pela sua elevada mortalidade, causando 2.400.000 de mortes e 108.600.000 de contágios em todo o mundo até fevereiro de 2021, mas também por abalar todos os domínios da nossa sociedade. De facto, o coronavírus tornou-se um megaevento com potencial para provocar consequências em diferentes domínios sociais, entre os quais o jornalismo. A ideia de que poderia pôr fim ao mundo em que vivemos e provocar mudanças sociais radicais, aumentando a incerteza e a fragilidade (Zizek, 2020), gerou um amplo consenso.

O objetivo deste artigo é oferecer uma abordagem multidisciplinar e abrangente do impacto da covid-19 num dos principais domínios da nossa sociedade: o jornalismo. Com isto, pretendemos identificar as principais alterações e mudanças que esta pandemia provocou nos processos e dinâmicas deste sector. Desta forma, será apresentado um diagnóstico inicial dos seus possíveis efeitos, que poderá ser futuramente comparado com novas análises a médio e longo prazo.

A metodologia utilizada é a análise qualitativa de dados secundários de inquéritos, estudos de audiência e dados económicos sobre empresas jornalísticas. O enquadramento teórico interpretativo assenta no papel social do jornalismo, da comunicação política e da economia política da comunicação. O caso de Espanha é apresentado como um enquadramento geográfico. A análise baseia-se em cinco áreas no âmbito das quais é examinado o impacto inicial da covid-19: consumo de notícias, modelo empresarial, condições de trabalho, misinformation e relações com a esfera política.

2. Impacto no Consumo de Notícias

A emergência sanitária causada pelo surto da covid-19 levou a um acentuado aumento no consumo de notícias. A necessidade de se informar e de adquirir conhecimentos sobre a pandemia para reduzir a ansiedade e poder adaptar-se a esta situação complexa desencadeou um aumento mundial da procura de notícias, tanto nos media convencionais como digitais, bem como nas páginas da internet. Desta forma, os media noticiosos tornaram-se um produto dotado de um elevado valor social, invertendo a tendência que, em tempos recentes, evidenciara a sua perda de relevância (Casero-Ripollés, 2014).

Assim, nos Estados Unidos, de acordo com dados do Pew Research Center (2020), 92% dos cidadãos consumiram ativamente notícias sobre o coronavírus, registando um aumento de 32% no início desta crise sanitária. Apenas 2% declararam não ter procurado informações sobre o vírus. Numa análise por plataforma, 96% dos americanos obtiveram informação sobre a covid-19 através da televisão nacional de acesso livre e da televisão por cabo; 93% optaram por jornais impressos; 94% recorreram a páginas da internet ou aplicações; e, finalmente, 87% utilizaram os media sociais. Em Espanha, o consumo de notícias registou valores semelhantes no início da pandemia. Assim, de acordo com dados da Havas Media (Ruiz de Gauna, 2020), 85% dos cidadãos recorreram à televisão para obter informações sobre o coronavírus. Cerca de 54% optaram pela imprensa digital e 13% por media impressos. Por último, 41% informaram-se através da internet e 38% através dos media sociais. Apenas 1% dos espanhóis declarou não procurar ativamente informações sobre o vírus.

Estes dados revelam duas tendências interessantes. Por um lado, o pleno estabelecimento de um sistema híbrido de meios de comunicação em que coexistem meios tradicionais e digitais (Chadwick, 2017). Por outro, a instituição de uma dinâmica de complementaridade no consumo simultâneo de diferentes meios de comunicação (Dutta-Bergman, 2004). Longe de conduzir a uma substituição dos meios de comunicação antigos pelos novos, a covid-19 encorajou os cidadãos a utilizar vários meios e canais de comunicação para obter informação sobre a pandemia. Consequentemente, os cidadãos procuraram complementar e aprofundar os seus conhecimentos sobre o assunto, combinando vários media para uma maior satisfação.

Outra das principais tendências detetadas no surto de coronavírus foi o ressurgimento dos media tradicionais a par com os media digitais (Casero-Ripollés, 2020). Os maiores aumentos e percentagens de consumo de notícias incidiram sobre estes meios de comunicação, especialmente na televisão. Num contexto marcado pelo risco e complexidade, o público optou por fontes noticiosas reconhecidas e fiáveis com um historial consolidado (Nelson, 2020). Assim, os media tradicionais estavam no centro do sistema de comunicação, ultrapassando claramente os media sociais, as aplicações móveis ou as páginas da internet como meio de informação preferido (Ferreira & Borges, 2020). Desta forma, recuperaram parte da autoridade jornalística perdida em consequência da crise de identidade e relevância vivida durante a última década por estes meios de comunicação (Carlson, 2017; Liu et al., 2020).

Segundo dados da Nielsen, nos Estados Unidos a televisão registou um aumento de audiência de 60% (Perez, 2020). A audiência dos noticiários da noite da televisão pública cresceu 42% em comparação com o período homólogo do ano anterior e os noticiários da televisão por cabo registaram um aumento de audiência de 92% em relação ao início de 2020 (Perez, 2020). Por seu turno, em Espanha, o consumo televisivo aumentou 37,8% entre a primeira e segunda quinzenas de março de 2020, coincidindo com o agravamento da situação sanitária (Barlovento Comunicación, 2020). Um aumento de 88 minutos por pessoa por dia de consumo televisivo. Deste modo, o mês de março de 2020 registou 284 minutos de consumo diário de televisão por pessoa, chegando mesmo aos 344 minutos no domingo, 15 de março de 2020. Estes são os números mais elevados desde 1992, o ano em que as audiências televisivas começaram a ser medidas em Espanha.

Além disso, o confinamento gerou outro fenómeno relevante no consumo de notícias e media: a mudança do prime time para o day time. Por outras palavras, estes dados indicam que o horário preferido para ver televisão deixou de ser a partir das 22 horas, para ser de manhã, entre as 9 horas e as 14 horas (Barlovento Comunicación, 2020). O aumento da audiência neste último horário em Espanha durante o início do surto de coronavírus foi de 64,5% (Barlovento Comunicación, 2020). Em contrapartida, o prime time, mais ligado ao entretenimento, subiu 21,1%. Esta tendência não foi exclusiva de Espanha, foi também detetada noutros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, o day time registou um aumento de 39% durante a crise de saúde, enquanto o prime time diminuiu 5% (Weissbrot, 2020). Esta mudança deve-se a duas razões. Em primeiro lugar, durante o confinamento, a disponibilidade dos cidadãos para consumir notícias nas horas em que se encontravam habitualmente fora de casa a trabalhar cresceu. Graças à flexibilidade do teletrabalho, a necessidade de estar informado provocou inclusivamente a antecipação do consumo de notícias televisivas para o período da manhã. Em segundo lugar, a relação entre o prime time e o entretenimento, e o day time e a informação, como ingrediente chave para começar o dia, favoreceu este último pela elevada procura de notícias.

Por seu lado, o aumento do tempo de consumo da imprensa digital em Espanha durante as primeiras semanas da crise do coronavírus foi de 35% (Gfk, 2020). O tempo despendido nos media sociais aumentou 45%. Numa análise por medium social, o tempo no Facebook subiu 46%, no Instagram 34%, e no Twitter 23%. Esta última rede também aumentou o número de utilizadores em 21%, enquanto o Instagram cresceu 3% e o Facebook não registou aumento no número de utilizadores durante a segunda metade de março de 2020 (Gfk, 2020).

Por último, o aumento generalizado do consumo de notícias durante o surto de coronavírus conduziu também à reaproximação de alguns dos públicos mais distantes com menor interesse em informação (Barlovento Comunicación, 2020; Casero-Ripollés, 2020). Os aumentos mais significativos no consumo foram registados, tanto nos Estados Unidos como em Espanha, em pessoas anteriormente menos interessadas em notícias, designadamente jovens, pessoas com níveis de escolaridade mais baixos e utilizadores esporádicos de informação. A necessidade de orientação e sensibilização para a evolução da situação de saúde levou a um aumento significativo do consumo de notícias entre estes grupos. Esta reaproximação de cidadãos desinteressados em informação tem consequências positivas para a democracia. As desigualdades no acesso às notícias entre os cidadãos foram reduzidas, favorecendo uma maior igualdade com os seus consequentes benefícios sociais e democráticos (Casero-Ripollés, 2020).

3. Impacto Sobre o Modelo de Negócio

O aumento do consumo de notícias registado em Espanha desde o início da pandemia não foi acompanhado por um aumento das receitas de publicidade nos media. Pelo contrário, estas foram manifestamente reduzidas. As quedas verificaram-se em todos os sectores da indústria. Segundo dados da Infoadex (Rivas, 2020), a redução global do mercado publicitário espanhol entre janeiro e setembro de 2020 foi de 22,2%. No total, as perdas ascenderam a 942.300.000€. No caso dos jornais, a queda nas receitas publicitárias durante este período foi de 32%, o equivalente a uma perda de 175.800.000€. A rádio perdeu 28,8% das suas receitas publicitárias, o equivalente a 100.400.000€. A televisão, por outro lado, sofreu uma queda de 24,4%, perdendo 344.600.000€ em receitas publicitárias. Entre si, estes três media acumularam 65,88% do total das perdas publicitárias decorrentes da covid-19.

Estes dados mostram que, apesar da explosão no consumo de notícias, as receitas publicitárias sofreram uma redução acentuada. Há várias explicações para este paradoxo. Em primeiro lugar, a redução do investimento das marcas deve-se, em parte, à queda geral das vendas resultante da paralisia económica imposta pelo confinamento. Perante o encerramento de estabelecimentos considerados não essenciais, decretado pelo estado de emergência, a publicidade estagnou. Os sectores que sofreram maior redução no investimento publicitário foram as viagens, o automóvel e o desporto, que tradicionalmente reúnem o maior volume de recursos económicos. Por outro lado, a migração de uma percentagem significativa da população para as compras online, calculada em Espanha em 25% (Fernández, 2020), gerou novos hábitos de consumo com impacto nos investimentos publicitários. Na eventualidade desta crise consolidar a transição para o consumo online, os meios de comunicação tradicionais poderão ver as suas receitas publicitárias mais reduzidas no futuro.

Em segundo lugar, replicou-se uma dinâmica semelhante à gerada após a crise financeira global de 2008. Esta recessão suprimiu cerca de 60.500.000.000$ do mercado publicitário mundial (Fernandez, 2020). Perante as dificuldades económicas associadas à covid-19 que as empresas enfrentam, o investimento publicitário foi um dos primeiros a ser reduzido ou suspenso. Nos Estados Unidos, 56% das marcas previam quedas nas suas vendas até ao final de 2020 (McDonald & Clapp, 2020). Assim, 81% dos anunciantes nos EUA decidiram reduzir o seu orçamento de publicidade. No caso da televisão tradicional, esta percentagem foi de 65%. Em Espanha, 44% dos diretores de marketing e comunicação anteciparam uma redução de 30% nas despesas com publicidade ao longo de 2020 (Good Rebels, 2020). Designadamente, o governo Espanhol antecipa uma diminuição do produto interno bruto (PIB) de 9,2% devido à crise provocada pelo coronavírus. Estes dados permitem-nos prever que a redução do investimento publicitário não irá desaparecer com o regresso ao novo normal. O investimento publicitário sofre uma quebra de 5% por cada descida de um ponto no PIB (Picard, 2009). Com o impacto da crise da covid-19 na economia, é provável que os media sofram, a curto e médio prazo, o impacto negativo nas suas finanças decorrente do declínio do investimento publicitário, enfraquecendo significativamente a sua posição económica.

A par da redução das receitas publicitárias, o surto de coronavírus afetou ainda outro elemento-chave do modelo de negócio: a venda do jornal. A emergência sanitária tem prejudicado significativamente a venda de jornais de papel nas bancas. Estima-se que em Espanha a queda nas vendas diárias de periódicos impressos se tenha situado entre 80% e 90% nos primeiros dias de confinamento (Cano, 2020).

Antes desta crise, os media espanhóis encontravam-se num processo de transformação assente na implementação de fórmulas de pagamento para o acesso online aos seus conteúdos. Vários jornais relevantes como El Mundo, ABC, La Vanguardia ou El País implementaram acesso pago nas suas versões digitais entre 2019 e 2020. O elevado consumo de notícias durante o surto pelo novo coronavírus aumentou as subscrições pagas para os media noticiosos. Na Europa, essas subscrições registaram um aumento de 267% e nos Estados Unidos houve uma subida de 63% (Cerezo, 2020). Esta informação sugere a possibilidade de ultrapassar os limites da disponibilidade do leitor para pagar o acesso a notícias digitais que, durante a última década, se debateram para superar os 10% e os 20% no total. Segundo um recente inquérito global, essa percentagem foi recentemente quantificada em 16% (Fórum Económico Mundial, 2020). Também os media digitais, empenhados em oferecer acesso gratuito aos seus conteúdos, beneficiaram do contexto de uma maior predisposição para o acesso pago. Por exemplo, o portal eldiario.es. conseguiu angariar 9.000 novos assinantes no início da pandemia de covid-19, alcançando os 47.000 (Cerezo, 2020).

Estes dados sugerem um aumento a curto prazo do acesso pago ao ambiente digital. Na verdade, durante 2021, uma das prioridades estratégicas dos editores é aumentar o número de assinantes digitais (Newman, 2021). A covid-19 irá assim contribuir para acelerar a mudança do modelo de negócio do jornalismo, promovendo versões digitais em detrimento das versões impressas (Newman, 2021).

O desafio do jornalismo será manter a disponibilidade do leitor para pagar ou manter o apoio financeiro que a necessidade de informação sobre a covid-19 gerou. A emergência sanitária restabeleceu o valor de troca que as notícias tinham perdido nos últimos anos (Casero-Ripollés, 2014). O surto de coronavírus mostrou o caminho para os media recuperarem o valor das notícias: apostar na informação de qualidade e relevante para a vida dos cidadãos. Os media devem aproveitar o início deste momento excecional para implementar outras fórmulas de pagamento, tirando partido da perceção do público sobre a necessidade de notícias no mundo complexo dos nossos dias.

4. Impacto nas Empresas Jornalísticas e nas Condições de Trabalho dos Jornalistas

A redução das receitas de publicidade decorrente do coronavírus, associada a problemas no modelo de negócio, teve um forte impacto na economia dos media em Espanha. Quatro associações de editoras de jornais, representando 260 grupos editoriais espanhóis, estimaram que a crise da covid-19 resultaria em perdas de 250.000.000€ (Asociación de la Prensa de Madrid, 2020). Para já, os primeiros resultados financeiros demonstram o impacto negativo desta emergência sanitária. As receitas da Vocento, uma das principais editoras de jornais, caíram 17,2% no terceiro trimestre de 2020. Por seu lado, a Prisa, a editora do El País, entre outros jornais, perdeu 219.000.000€ em 2020 e os seus jornais viram as suas receitas reduzidas em 25% (Asociación de la Prensa de Madrid, 2020).

Estes resultados ilustram o difícil equilíbrio entre a rentabilização e a prestação de um serviço público indispensável que fornece informações sobre a pandemia. O aumento da procura de informação não resultou num impacto positivo ao nível da dimensão empresarial do jornalismo. Os media não conseguiram tirar partido do aumento do consumo de notícias para alcançar benefícios económicos, o que conduz a uma rentabilização ineficiente e a um enfraquecimento notável do negócio. Esta situação obrigou a imprensa a solicitar ajuda ao governo espanhol para corrigir os desequilíbrios gerados pelo mercado e proteger o seu papel fundamental no fornecimento de notícias à sociedade sobre eventos relevantes, tais como a covid-19.

A perda de receitas económicas decorrente do coronavírus por parte das empresas de comunicação social afetou as condições de trabalho dos jornalistas. Assim, uma das primeiras consequências foi a generalização do regime de layoff (expediente de regulación temporal de empleo; ERTE). Segundo dados do ministério do trabalho espanhol (Ministerio de Trabajo y Economía Social, 2020), no sector dos serviços de informação, que inclui o jornalismo, 2.435 pessoas foram afetadas por algum tipo de ERTE até abril de 2020. Os grandes grupos editoriais de jornais em Espanha (Prisa, Vocento, Prensa Ibérica, Unedisa, Godó, Henneo e Joly) aplicaram esta fórmula, reduzindo as horas de trabalho e os salários dos seus repórteres entre um mínimo de 11% e um máximo de 50% durante um período de 3 a 6 meses. Esta medida teve um efeito direto na produção de conteúdo jornalístico, que sofreu uma quebra de 14,2% em todo o sector durante a fase inicial da emergência sanitária em Espanha.

Além disso, a redução dos lucros das empresas promoveu também um aumento dos despedimentos de jornalistas, o que afetou negativamente as condições de trabalho do sector. Antes do advento da covid-19, os dados do inquérito à população ativa (Instituto Nacional de Estadística, 2020), apontavam para os níveis mais baixos de desemprego da última década entre os jornalistas em Espanha. Por outro lado, os efeitos da pandemia elevaram estes números para 24.600 pessoas durante o primeiro trimestre de 2020, situando-os ao nível do primeiro trimestre de 2008, que marcou o início da crise financeira que afetou gravemente o jornalismo durante a última década. Além disso, nos Estados Unidos, estima-se que a diminuição de postos de trabalho nos media irá aumentar 35% em comparação com 2019. Os dados de abril de 2020 indicam que o número de pessoas despedidas, suspensas do emprego ou afetadas por cortes salariais foi de 37.000 no total (Tracy, 2020), um cenário que demonstra que a pandemia pode desencadear um processo de destruição global de empregos.

Por outro lado, o confinamento imposto para fazer face ao surto da covid-19 aumentou o teletrabalho no sector dos media. Antes da crise do coronavírus, apenas 19,6% dos jornalistas afirmavam trabalhar a partir de casa (LeanFactor, 2020). Contudo, a emergência sanitária esvaziou as redações e desencadeou, de forma generalizada, modos de produção de notícias e de coordenação editorial online. Várias empresas tecnológicas, como o Facebook ou a Google, notificaram os seus colaboradores de que iriam trabalhar a partir de casa até ao início de 2021. Inclusivamente, o Twitter declarou que permitiria o teletrabalho permanente para alguns dos seus profissionais, mesmo após a pandemia. Por sua vez, o editor de The New York Times, A. G. Sulzberger, adiantou ter começado a conceber uma visão a longo prazo para o trabalho remoto com base na experiência da covid-19. Tudo isto indica que esta emergência sanitária acelerou os processos de transformação digital das organizações de comunicação social e a descentralização do trabalho jornalístico, que provavelmente será cada vez menos dependente das redações físicas (Newman, 2021). Neste sentido, a flexibilidade laboral no sector é passível de aumentar e é provável que surjam novos modelos de relação contratual entre jornalistas e empresas de comunicação social. É também de esperar um aumento ainda maior das tecnologias digitais e um aumento da deslocalização nos processos de produção de notícias. De acordo com um inquérito, cerca de 40% dos jornalistas espanhóis afirmaram que estas serão as consequências prováveis da covid-19 para o sector (LeanFactor, 2020). Ambos fomentarão o avanço da mediatização profunda num quadro em que o digital está inextricavelmente interligado com o jornalismo, tornando-se a principal, e quase única, infra-estrutura que permite ao sector funcionar (Hepp, 2020).

O aumento da flexibilidade e do teletrabalho pode também constituir uma ameaça às condições de trabalho dos jornalistas. Em primeiro lugar, implicará a necessidade de maiores investimentos tecnológicos para as empresas de comunicação social, num contexto em que os seus recursos económicos são escassos. Na crise do coronavírus, apenas 44,6% dos jornalistas espanhóis confirmaram que a sua empresa disponibilizou o equipamento tecnológico necessário para o teletrabalho (LeanFactor, 2020). Além disso, tendo em conta o cenário de fragilidade empresarial generalizada e de despedimentos causados pela covid-19, não se pode excluir que estas novas dinâmicas envolvam a redução da mão de obra dos media ou o aumento da precariedade no setor. A Prensa Ibérica, uma proeminente editora de jornais locais espanhóis, previu que, até ao final de 2020, a pandemia poderia levar a uma redução de 400 dos seus efetivos. Por outro lado, a emergência de novos modelos de relação contratual pode conduzir a uma deterioração das condições de trabalho dos jornalistas, com o consequente aumento da insegurança e instabilidade.

O teletrabalho e a elevada procura de informação levaram os media a propor a implementação de novos formatos jornalísticos na sua cobertura da covid-19 (Casero-Ripollés et al., 2020). Os meios de comunicação esforçaram-se não só por produzir notícias, mas também por gerar novos produtos informativos, tais como newsletters digitais, podcasts ou infografias (Costa-Sánchez & López-García, 2020). De igual modo, face à proliferação de notícias falsas, também reforçaram a verificação de dados e a luta contra a misinformation. Isso contribuiu para melhorar a qualidade da informação e a ligação com o público.

A covid-19 afetou, igualmente, as condições de trabalho dos jornalistas do ponto de vista da saúde. Com a mediatização do vírus na linha da frente, os jornalistas profissionais puseram em risco a sua segurança pessoal. O seu trabalho colocou-os, em muitos casos, em contacto direto com o coronavírus. Esta situação envolveu tanto o perigo físico, decorrente da possibilidade de uma eventual infeção, como contribuiu para o risco psicológico, já que diariamente se confrontavam com as consequências da pandemia. A pressão para relatar a grave crise sanitária provocou ansiedade e trauma aos jornalistas (Perreault & Perreault, 2021). É neste contexto que a Red de Colegios Profesionales de Periodistas (Rede de Associações Profissionais de Jornalistas) em Espanha, bem como a Asociación Española de Comunicación Científica (Associação Espanhola de Comunicação Científica), o Comité de Proteção dos Jornalistas e a Federação Internacional de Jornalistas publicaram recomendações sobre como informar com segurança, tentando mitigar os efeitos desta crise sanitária nos profissionais do sector (Costa-Sánchez & López-García, 2020).

Este grave risco para a saúde na cobertura mediática sobre a covid-19 sublinhou o elevado empenho social dos jornalistas. Perante uma situação potencialmente perigosa e complexa, deram prioridade aos valores do serviço público e da ética profissional para permitir aos cidadãos o acesso à informação, vista como a base do conhecimento social. Além disso, deram prioridade ao direito à informação sobre cidadania, redobrando a sua dedicação profissional para produzir informação sobre a pandemia. Uma percentagem de 69% dos jornalistas espanhóis afirmaram ter trabalhado mais horas do que na situação anterior à emergência sanitária (PRGarage, 2020).

5. O Impacto Sobre a Desinformação e a Circulação de Notícias Falsas

A circulação de notícias falsas registou um forte crescimento como resultado da covid-19. Segundo dados da CoronaVirusFactsAlliance (Poynter Institute, s.d.), uma iniciativa que reúne várias organizações de verificação de dados em todo o mundo com o impulso do Poynter Institute que patrocinou a International Fact-Checking Network, até ao final de janeiro de 2021 foram detetadas 11.022 notícias falsas relacionadas com esta pandemia em todo o mundo. Em Espanha, segundo Maldita.es (2021), desde o início do coronavírus até novembro de 2021, foram registadas 1.196 informações falsas. Estes dados levaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) a classificar esta situação como uma “infodemia”. Este neologismo refere-se a um excesso de informação, grande parte falsa ou enganosa, que impede os cidadãos de aceder a fontes de informação fiáveis sobre um assunto.

A magnitude deste fenómeno tem incitado várias instituições a reagir. Foi assim que a Organização das Nações Unidas promoveu a iniciativa Verified para combater a misinformation, fornecendo informação precisa e fiável em todo o mundo. A OMS, por seu lado, lançou o projeto EPI-WIN para desmascarar os principais embustes sobre a pandemia. O Poynter Institute promoveu também a iniciativa Corona Virus Facts Alliance, juntando-se a mais de uma centena de organizações de verificação de factos de todo o mundo para abordar a circulação de informações falsas sobre o vírus através da verificação cruzada de informações. A infodemia veio também fomentar o debate sobre a forma de conter legalmente a difusão de notícias falsas em Espanha. Por um lado, alguns defenderam esta ideia com o argumento de que o direito à informação se baseia na transmissão de factos comprovados e que a propagação de mentiras acarreta responsabilidades legais (Carrillo, 1998). Por outro lado, há alertas para o facto de a perseguição judicial de embustes poder ser uma desculpa para restringir as nossas liberdades e justificar e legitimar a implementação de meios de controlo do público, dificilmente compatíveis com a democracia (Zizek, 2020).

Têm sido inúmeros os exemplos de notícias falsas relacionadas com o coronavírus: desde o seu aparecimento ter sido causado por tecnologias 5G até ao facto de este vírus ser uma arma biológica utilizada pela China ou pelos Estados Unidos para alargar o seu domínio global, passando por helicópteros que lançam indiscriminadamente produtos químicos sobre as cidades para erradicar a peste. De um modo geral, os embustes relacionados com a covid-19 podem ser agrupados em quatro grandes blocos: as causas do aparecimento do vírus, a própria doença (sintomas, transmissão e consequências), os tratamentos e formas de a curar e, finalmente, a intervenção e a atuação das autoridades públicas perante esta crise.

As plataformas digitais são os principais canais de disseminação de notícias falsas sobre a covid-19. Os media sociais foram os canais onde o público detetou mais informações deste tipo (Casero-Ripollés, 2020; Scheufele & Krause, 2019). Além disso, os serviços de mensagens instantâneas móveis, entre os quais se destaca o WhatsApp, desempenharam um papel fundamental na divulgação de notícias enganosas sobre a pandemia (Salaverría et al., 2020). Esta plataforma é um dos principais focos da infodemia por três fatores. Em primeiro lugar, o forte aumento na utilização destas aplicações que, segundo os dados da Kantar Media (Flores, 2020), atingiu 76% no início do confinamento em Espanha. Em segundo lugar, a natureza pessoal da sua utilização, dado que são os familiares ou amigos que enviam as mensagens, o que confere credibilidade ao utilizador. Por último, a dificuldade em identificar a origem de tais mensagens, em virtude das características da aplicação. Segundo os principais portais de verificação de dados, os pedidos para apurar a falsidade das informações divulgadas por este serviço de mensagens multiplicaram seis vezes e chegaram a 1.000 casos diários. Efetivamente, 80% das notícias falsas sobre o coronavírus que circulam em Espanha provêm do WhatsApp (Tardáguila, 2020).

O excesso de informação e a multiplicidade de canais por onde circula estão na origem deste fenómeno. Ao que, no caso da covid-19, deve acrescentar-se um clima social de medo, risco e insegurança. Num contexto marcado por estados de espírito emocionalmente instáveis, a sociedade é mais vulnerável a notícias falsas. A tentação de descobrir informação proibida ou escondida, que ninguém ousa revelar e que o poder quer silenciar, e a natureza escandalosa ou controversa das mensagens servem de isco para atrair a atenção do público e leva-o a cair em mentiras. Com isto, a circulação de informação falsa ou enganosa aumenta em tempos de crise, como é o caso desta pandemia. Na verdade, as notícias falsas têm 70% mais probabilidades de serem partilhadas pelos utilizadores dos media sociais do que as notícias reais (Vosoughi et al., 2018).

Para além da sua capacidade de fomentar a ansiedade e a confusão entre o público, a misinformation também comporta um perigo de natureza democrática. As notícias falsas têm uma dimensão política, já que um dos seus objetivos é desestabilizar a sociedade e as instituições governamentais, gerando confusão e ansiedade entre os seus cidadãos (Waisbord, 2018). A extrema-direita e o populismo fazem frequentemente uso da misinformation política e são os principais instigadores deste fenómeno (Bennett & Livingston, 2018). A covid-19, pela sua própria gravidade e centralidade social, tornou-se um momento-chave para a implementação generalizada de estratégias de desinformação e manipulação por parte da extrema-direita. Estas organizações políticas recorreram a campanhas digitais meticulosamente planeadas e ao uso de bots, contas automatizadas que se fazem passar por seres humanos. A circulação destes embustes visava dois objetivos.

Em primeiro lugar, visava desgastar e desacreditar as instituições políticas e mediáticas. Desta forma, procuraram semear a desconfiança na gestão da crise por parte do governo e transformar a situação em descontentamento público. Em Espanha, foram difundidas notícias falsas sobre os privilégios dos membros do governo face à pandemia, como a de um andar num hospital público estar reservado à família do presidente. O governo foi também acusado de ocultar o número real de mortes, ou diretamente acusado de mortes com o hashtag #Gobiernoasesino (governo assassino) nos media sociais. Ao mesmo tempo, houve uma tentativa de desacreditar os media que não eram de direita para gerar desconfiança à sua volta. Desta forma, a intenção era minar os intermediários jornalísticos para que as notícias falsas pudessem circular sem filtros ou alterações e gerar um impacto direto junto do público.

O segundo objetivo estava relacionado com a promoção da agenda política da extrema-direita. Recorrendo à desinformação, procuraram chocar e captar a atenção do público para promover as questões e propostas das suas agendas políticas, colocando-as no centro do debate político. Assim, tanto em Espanha como noutros países europeus, a extrema-direita culpou a comunidade chinesa pela criação e propagação do coronavírus, em consonância com a sua repudiação da imigração. Nesse sentido, durante a covid-19, as notícias falsas, para além de semearem a confusão, aspiravam ter um impacto político e democrático, ampliando a animosidade em relação às instituições e aos media, promovendo a polarização e radicalização dos cidadãos e promovendo a sua agenda política. Por este motivo, o impacto da pandemia pode traduzir-se, a curto e médio prazo, num enfraquecimento da influência social do jornalismo e da política, com consequências negativas para a democracia.

6. O Impacto nas Relações Entre Jornalistas e Políticos

A relação entre jornalistas e políticos constitui um elemento central para a construção da realidade social (Micó-Sanz et al., 2016). O resultado desta interação depende, em grande parte, da informação que chega aos cidadãos e da forma como as notícias são elaboradas. Isso afeta tanto a agenda pública, os temas que estão no centro da atenção pública, como o processo de formação da opinião pública.

A covid-19 tem um impacto notório nas relações entre jornalismo e política, por se tratar de um evento revestido de grande centralidade social. Permitiu, designadamente, um relançamento da dinâmica de controlo da informação exercida pelos agentes políticos, principalmente o governo (Castillo-Esparcia et al., 2020; García-Santamaría et al., 2020).

O elemento-chave no reforço da lógica do controlo político da informação relacionada com o surto de coronavírus residiu nos gabinetes de comunicação e nos spin-doctors. Num contexto atípico, decorrente da aplicação da regulamentação do estado de emergência, da limitação da circulação e do confinamento, estes intervenientes funcionaram como um elemento estratégico fundamental na imposição do domínio político sobre a atividade informativa dos media. Estes intermediários desenvolveram ativamente a sua função de escudo (Micó-Sanz et al., 2016) para tentar direcionar tanto a agenda temática ligada à covid-19 como, em particular, o contexto sob o qual foi construída a narrativa jornalística sobre o vírus.

O mecanismo utilizado pelos gabinetes de comunicação em Espanha no início do surto do coronavírus para impor a sua preponderância foi a realização de conferências de imprensa. Perante a obrigação de as realizar por via remota, para evitar o contágio e manter a distância social, foi implementado, em muitos casos, um formato pautado por acordos de pré-filtragem. Para formular as suas perguntas, os media tiveram de as remeter previamente aos gabinetes incumbidos da respetiva seleção. Desta forma, não só podiam evitar perguntas incómodas como também os políticos conheciam as perguntas com antecedência, podendo elaborar estrategicamente as suas respostas. Além disso, os jornalistas não poderiam interpelar ou pedir mais esclarecimentos. Em consequência, os agentes políticos instituíram um elevado grau de controlo sobre a informação relacionada com o coronavírus.

Entre os que recorreram a esta prática estavam partidos políticos, tais como o Partido Popular (PP) ou o Vox, e instituições públicas, tais como o governo de Espanha. No último caso, o secretário de estado da comunicação criou um grupo WhatsApp onde os jornalistas tinham de formular as suas perguntas para o presidente ou para os diferentes ministros. Posteriormente, as perguntas deste órgão eram filtradas e o chefe do grupo formulava-as, em nome dos media, aos políticos nas conferências de imprensa. O PP fez algo semelhante através do seu secretário de comunicação adjunto.

Este formato, associado a um elevado grau de controlo sobre a cobertura noticiosa promovida pelos jornalistas, foi mantido durante a primeira quinzena após a declaração da pandemia. Perante a reduzida autonomia profissional, houve protestos de alguns dos jornalistas. Um grupo de imprensa liderado pelo jornal El Mundo e constituído pelos títulos ABC, La Razón, Ok Diario,Libertad Digital eVozpópuli decidiu não participar nessas conferências de imprensa com perguntas filtradas. Por outro lado, vários jornalistas lançaram o manifesto “La Libertad de Preguntar” (A liberdade de perguntar). Esta pressão provocou uma mudança substancial no formato. A partir do início de abril, as conferências de imprensa passaram a ser realizadas por videoconferência, permitindo aos jornalistas fazer perguntas ao vivo, sem as comunicar previamente ao gabinete de comunicação.

Apesar do sucesso da reação dos jornalistas a esta forma de controlo político das conferências de imprensa, a sua perceção é que o seu trabalho foi significativamente dificultado durante a covid-19, principalmente por interesses políticos. Assim, de acordo com um inquérito conduzido pela PRGarage (2020), 80% dos jornalistas espanhóis sentiram que foram mal-informados durante esta crise sanitária. Além disso, os fotojornalistas também denunciaram os obstáculos impostos pelo governo na obtenção de imagens dos efeitos do vírus, restringindo o seu acesso a morgues e hospitais (García, 2020). Consequentemente, a covid-19 reavivou as tentativas de controlar a informação jornalística, tendo em conta a relevância deste evento.

7. Conclusões

A análise destas cinco áreas demonstra que a covid-19 teve um impacto considerável no jornalismo. Esta incidência é ambivalente, pois tem efeitos tanto positivos como negativos que afetam diferentes aspetos deste sector.

Entre as consequências positivas, destaca-se um notável aumento no consumo de notícias. Desta forma, a informação jornalística tornou-se um produto essencial disponibilizado com elevado valor como mecanismo fundamental para conhecer a extensão e evolução da pandemia. Neste contexto, os meios de comunicação tradicionais, sobretudo a televisão, granjearam grande proeminência, alcançando uma elevada centralidade social, o que se traduz num reforço do jornalismo e do seu papel na sociedade atual. A covid-19 também permitiu que o público mais afastado das notícias se reaproximasse da informação. Neste sentido, produziu um efeito benéfico para a democracia.

Entre os pontos positivos, destaca-se o facto de o coronavírus ter também promovido a utilização de novos formatos e produtos informativos, tais como infografias ou newsletters. Contribuiu, assim, para melhorar a qualidade jornalística e a proximidade com o público. Além disso, a covid-19 acelerou a transformação digital dos meios de comunicação, promovendo o teletrabalho e a organização em rede, aumentando a flexibilidade e a adaptabilidade do setor. Neste contexto, a pandemia contribuiu também para o aumento das assinaturas digitais. Estima-se que, desta forma, se fomente a adesão generalizada do acesso pago no ambiente digital.

Apesar destes motivos de otimismo, a covid-19 produziu igualmente efeitos negativos sobre a evolução do jornalismo. A estagnação económica conduziu a uma forte redução do investimento em publicidade. Esta circunstância prejudicou muito as empresas jornalísticas, que viram o seu modelo de negócio enfraquecido pela diminuição das receitas económicas. Paradoxalmente, numa altura em que o jornalismo adquiriu maior importância social e nunca se viram números tão elevados de consumo de notícias, a fragilidade económica que afeta os media é ainda maior.

Esta situação provocou uma deterioração das condições de trabalho dos jornalistas. O coronavírus trouxe despedimentos, reestruturação laboral e precarização ao sector, afetando negativamente o emprego jornalístico e constituindo-se como uma séria ameaça à garantia da qualidade das notícias, numa altura em que esta é mais necessária do que nunca.

Além disso, a covid-19 produziu também efeitos negativos sobre o papel democrático do jornalismo. Por um lado, reativou os mecanismos de controlo político das notícias e do trabalho jornalístico, especialmente através de conferências de imprensa com pré-filtragem. A autonomia profissional do jornalismo foi, assim, restringida. Por outro lado, o surto de coronavírus originou um aumento extraordinário de notícias falsas, ao ponto de ser descrito como uma infodemia. Gerou-se, assim, alarme, confusão e medo entre os cidadãos, causando instabilidade e desconfiança. Além disso, a crise sanitária tem sido utilizada pela extrema-direita para pressionar a desinformação, para corroer as instituições políticas e jornalísticas e para promover a sua agenda política. Algo que, do ponto de vista democrático, representa um sério perigo.

Seja como for, a existência destes efeitos positivos e negativos demonstra o poder disruptivo da covid-19 sobre o jornalismo. O nosso objetivo foi apresentar uma abordagem multidisciplinar e abrangente da incidência da pandemia para permitir a formação de um diagnóstico inicial. No entanto, será necessário analisar a sua evolução para aferir a influência a longo prazo do coronavírus na transformação do jornalismo.

Agradecimentos

Este artigo faz parte do projecto de investigação AICO/2021/063, financiado pela Conselleria de Innovación, Universidades, Ciencia y Sociedad Digital, Generalitat Valenciana.

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Recebido: 16 de Fevereiro de 2021; Aceito: 17 de Maio de 2021

Tradução: Anabela Delgado

Andreu Casero-Ripollés é professor de jornalismo e reitor da Escola de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade Jaume I de Castelló, Espanha. Foi chefe do Departamento de Ciências da Comunicação e diretor dos Estudos de Jornalismo. É membro do Institut d’Estudis Catalans. Foi investigador visitante nas universidades de Columbia, Estados Unidos, e Westminster, Reino Unido, entre outras. Estuda comunicação política e a transformação do jornalismo no ambiente digital. Email: casero@uji.es Morada: Departamento de Ciencias de la Comunicación, Facultad de Ciencias Humanas y Sociales, Universitat Jaume I de Castelló, Avda. Sos Baynat, s/n, 12071 Castellón de la Plana (España)

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