1. Introdução
Desde o seu aparecimento em Wuhan, China, em dezembro de 2019, a doença causada pela síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2 (Sars-CoV-2) causou efeitos devastadores nas sociedades, comunidades e economias de todo o mundo. Em apenas 6 semanas, o novo coronavírus expandia-se rapidamente até 20 países, levando o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar, a 30 de janeiro de 2020, que o surto constituía uma emergência de saúde pública de preocupação internacional. O número global de mortes provocadas pela covid-19 ultrapassava os 2.000.000 a 30 de janeiro de 2021, 1 ano depois, com mais de 100.000.000 casos de infeção declarados a nível mundial. A Europa apresentava-se como a região mais afetada e Portugal liderava em número de casos e mortes diárias(Center for Systems Science and Engineering, 2021).
Desde o início, os governos procuraram conter a pandemia impondo restrições às atividades que exigem maiores ajuntamentos e que permitem a rápida propagação do vírus. Entre as medidas, sobressaem as restrições à deslocação, o encerramento de escolas e espaços comerciais, a obrigação do teletrabalho e o dever de recolhimento domiciliário, ainda que com diferenças ao longo do tempo e consoante o país1. Paralelamente, várias foram as campanhas de sensibilização implementadas pelas entidades oficiais de saúde pública, em diferentes meios, para incentivar as populações a adotar comportamentos preventivos, em especial, o uso de máscaras, a lavagem das mãos e o distanciamento físico. No entanto, as respostas da população aos apelos dos governos e das autoridades de saúde têm variado muito consoante o país, a evolução da pandemia e os próprios grupos etários (Hale et al., 2021; Muto et al., 2020).
Alguns fatores podem explicar a não conformidade da população com as medidas exigidas pelos governos. Entre outros, a falta de confiança nas autoridades e nas fontes de informação (Muto et al., 2020; Seale et al., 2020), a má compreensão da informação recebida por alguns segmentos da população ou a falta de clareza nas mensagens transmitidas pelas fontes governamentais (Garrett, 2020).
Numa situação de emergência sanitária, o grau de cumprimento público das ordens das autoridades de saúde e governamentais pode afetar grandemente o curso da pandemia, sobretudo quando a aplicação da vacina contra a covid-19 se encontrava na sua fase inicial. Não é por isso surpreendente o aumento exponencial da investigação sobre o tema, no âmbito da saúde pública e da comunicação de risco, tanto a nível nacional como supranacional (Torres-Salina, 2020).
Partindo do pressuposto que o (in)cumprimento das recomendações das autoridades está diretamente ligado à confiança nas fontes de informação, neste artigo, discutimos o caso concreto da comunicação governamental de Portugal, com base em dados empíricos recolhidos via inquérito online no mês de outubro de 2020. O principal objetivo é analisar se a confiança nas fontes de informação influencia a opinião da população sobre as estratégias de comunicação governamental de resposta à crise pandémica. Enquadrada pela literatura sobre comunicação de risco, esta investigação tem implicações teórico-práticas. A principal hipótese é que quanto maior for o grau de confiança nas fontes oficiais do governo melhor será a opinião dos portugueses sobre a gestão governamental da comunicação na batalha contra a pandemia.
2. Revisão da Literatura
2.1. Comunicação e Perceção do Risco
A comunicação de risco tem vindo a afirmar-se como um campo teórico e de prática especializado (Heath & O’Hair, 2009; Lundgren & McMakin, 2013). O seu desenvolvimento foi impulsionado, especialmente, por questões relativas à saúde pública e à segurança alimentar, assim como por experiências em casos de catástrofes químicas e ambientais (Plough & Krimsky, 1987). A elaboração de modelos comunicacionais que permitam a construção de mensagens persuasivas, de incentivo à alteração de comportamentos de risco (Earle & Siegrist, 2008; Witte et al., 2001), é uma das principais áreas de estudo da comunicação de risco. Neste sentido, difere da comunicação de crise, um campo focado primordialmente na reparação da imagem/reputação e na definição de estratégias imediatas de resposta à crise, maioritariamente, na perspetiva organizacional e dos seus protagonistas (Benoit, 1995; Coombs, 2007).
Ao longo dos anos, tem sido atribuído um papel cada vez mais central à comunicação de risco em situações de emergência médica, em particular, para mitigar doenças infeciosas (Burton-Jeangros, 2019). A comunicação de risco contribui para aumentar a consciência dos públicos sobre a natureza, a magnitude e o significado dos riscos, na esperança de reduzir a probabilidade de uma crise se desenvolver a longo prazo (Hampel, 2006; Sheppard et al., 2012). Por isso, exige “a troca eficaz e precisa de informações sobre os perigos para a saúde, promovendo comportamentos de proteção junto de indivíduos, comunidades e instituições” (Weaver et al., 2008, p. 601).
A OMS realça que um primeiro passo na definição de qualquer plano ou estratégia de comunicação de risco envolve uma avaliação da perceção de risco por parte dos públicos (World Health Organization, 2020b, 2020c). A tomada de decisões em matéria de saúde implica a ponderação sobre potenciais consequências ou benefícios de uma determinada ação (Ferrer & Kelin, 2015). A perceção de risco é um julgamento subjetivo sobre a natureza e a gravidade desse mesmo risco (Renner et al., 2015). Além de poder ser influenciada pelo tipo de informação consumida, a perceção do risco pode também refletir experiências pessoais (Wright et al., 2002). Como Chen e Kaphingst (2001) explicam, percecionamos um risco mais elevado quando alguém próximo ou familiar adoece. A perceção da gravidade do risco também será proporcional à taxa de letalidade (Slovic, 1987).
Especialistas em comunicação de risco há muito sublinham a importância de monitorizar as necessidades e expectativas dos grupos de cidadãos, oferecendo informação atempada, precisa, específica, suficiente, consistente e compreensível (Anderson & Spitzberg, 2009). Esta guideline é também sublinhada pela OMS: “a capacidade de transmitir informação rápida e clara em diferentes plataformas de media (televisão, rádio, imprensa, web) em diferentes culturas e idiomas é essencial para a gestão eficaz de uma emergência de saúde pública” (World Health Organization, 2011, p. 116). Por isso, conhecer as preferências comunicacionais, isto é, como e onde a informação é consumida pelos públicos, é fundamental para qualquer plano eficaz de comunicação de risco.
Em situações de comunicação de risco, a seleção que os públicos fazem das fontes informativas e a sua perceção sobre a fiabilidade da informação são fatores importantes para prever o grau de adesão aos comportamentos preventivos recomendados (Park et al., 2019). Daí que em contexto pandémico os media tenham um papel tão central. Ao responderem à necessidade de informação do público, amplificam a voz das autoridades e contribuem para a criação da perceção de risco. A investigação da Edelman (2020), conduzida em 12 países - mas que não incluía Portugal - durante a segunda semana de março de 2020, confirmou o papel crucial desempenhado pelos meios de comunicação tradicionais durante a crise pandémica - 64% dos inquiridos procuraram informação nas principais organizações noticiosas.
Teoricamente, dado o seu alcance, os media serão os canais adequados para educar o público sobre comportamentos que ajudem a reduzir o risco a nível individual (Gollust et al., 2009). Na realidade, estudos têm mostrado que, durante crises de saúde pública, muitas das mensagens disseminadas pelos media não seguiam “boas práticas” jornalísticas ou continham informação errada (Parmer et al., 2016), seja nos meios de comunicação mainstream ou nos digitais (Li et al., 2020; Malecki et al., 2020). Além disso, a “infodemia de covid-19” tem mostrado que tanto acedemos a informações de fontes fidedignas como de questionáveis em ambiente digital e ainda, que estas não apresentam padrões de difusão diferentes nas redes sociais digitais (Cinelli et al., 2020). De acordo com o estudo da Edelman (2020) já referido, os jovens adultos (18-34 anos) foram o grupo que mais recorreu às redes sociais digitais para obter informação sobre o coronavírus.
No caso da pandemia covid-19, as necessidades informativas dos cidadãos centram-se, essencialmente, no conhecimento sobre como se proteger contra o vírus; como travar os contágios; as estratégias adotadas pelo governo; a evolução dos dados estatísticos (número de óbitos, casos confirmados e em monitorização, número de hospitalizados e em cuidados intensivos, e os casos recuperados); o Estado e a capacidade do serviço de saúde na resposta à pandemia; os cenários previsíveis; entre outros. No contexto português, o informe diário divulgado pela Direção-Geral de Saúde (DGS), através das suas redes sociais digitais e nas conferências de imprensa diárias, muitas vezes em direto, tem sido central na disseminação de informação sobre a evolução da pandemia (Arriaga et al., 2020). Independentemente da avaliação crítica à performance comunicacional do governo português (Araújo, 2020), é expectável que estes reportes informativos possam ajudar os cidadãos a tomarem decisões mais informadas sobre a melhor maneira de se protegerem a si mesmos e às suas comunidades.
2.2. Confiança e Comunicação Governamental
A comunicação é central na gestão de qualquer pandemia. No entanto, apesar das lições aprendidas com outras doenças infeciosas, por exemplo, a pandemia H1N1 de 2009, mais conhecida como gripe suína, ou os surtos dos vírus ébola e zika, a OMS considera que os governos de todo o mundo têm mostrado uma comunicação ineficaz em casos de surtos de emergência sanitária (Global Preparedness Monitoring Board, 2019). Em situações de risco para a saúde pública, o envolvimento cívico e a ação coletiva são fundamentais (Harring et al., 2021). Por isso, os governos e as autoridades públicas têm um papel fundamental na definição de estratégias comunicacionais que provoquem uma resposta adequada por parte da comunidade.
A confiança no governo é o fundamento da ação coletiva. Tão importante quanto complexo, o conceito de confiança tem recebido vários enquadramentos na literatura de gestão e comunicação de risco (Earle et al., 2010). Na perspetiva do recetor, existe a “expectativa generalizada de que a mensagem recebida é verdadeira e fiável, e que o comunicador demonstra competência e honestidade, transmitindo informações precisas, objetivas e completas” (Renn & Levine, 1991, p. 179). Na perspetiva do emissor, é esperado que quanto mais pessoas confiem nas instituições públicas e no governo, mais motivadas estejam para seguir as suas recomendações e tomar decisões informadas para se protegerem a si próprios, às suas famílias e comunidades (Devine et al., 2020). De facto, estudos mostraram que o grau de confiança no sistema nacional de saúde tem um grande impacto na vontade dos públicos receberem instruções no âmbito da saúde (Devos et al., 2002). Baixos níveis de confiança podem levar o público a distanciar-se do sistema de saúde, conduzindo a situações de desleixo e de não cumprimento das diretrizes, com consequências gravosas para a saúde pública (Meyeret al., 2014).
A variável confiança no governo tem sido relacionada com o nível de cumprimento das normas sanitárias em outras situações de emergência sanitária, tais como a pandemia de H1N1 de 2009 (Freimuth et al., 2014; Siegrist & Zingg, 2014), ou o surto de ébola entre 2014 e 2016 na África Ocidental (Blair et al., 2017). Estudos recentes sobre a pandemia de covid-19 seguem a mesma linha. Bavel et al. (2020), por exemplo, constataram que uma maior confiança no governo leva a um maior cumprimento das políticas de saúde - tais como ficar confinado ou em quarentena, a testagem e as restrições às reuniões de grupo. Outro estudo realça que em países europeus onde tinham sido documentados níveis mais elevados de confiança no governo antes da covid-19 houve maiores reduções de comportamentos de risco, por exemplo, menos deslocações locais não essenciais durante o mês de março de 2020 (Bargain & Aminjonov, 2020).
Na tomada de decisões durante crises sanitárias, os indivíduos têm necessidade de confiar não apenas nas informações que recebem das instituições, mas também nos porta-vozes que comunicam essas mesmas informações (Abu-Akel et al., 2021). Ter confiança na fonte de informação é crucial para uma gestão e comunicação de risco eficaz (Slovic, 1993). Se um comunicador não for considerado digno de confiança, é provável que a estratégia de comunicação falhe (Lundgren & McMakin, 2013). Isto é particularmente verdade quando o risco é pouco conhecido ou demasiado complexo, pois implica confiar mais nas avaliações dos especialistas do que no próprio julgamento individual (Siegrist & Cvetkovich, 2000).
A este respeito, a investigação da Edelman (2020) descobriu que a fonte de informação menos confiável durante as primeiras semanas do surto de covid-19 foi as autoridades governamentais (48%), um pouco à frente dos jornalistas (43%). Em contraste, os cientistas, oficiais de saúde e médicos foram as fontes em quem os cidadãos mais confiaram. Estes dados têm sido corroborados por investigações de diferentes latitudes. Em Espanha, por exemplo, Moreno et al. (2020) concluíram que, apesar de, no início do confinamento, o governo e a task force covid terem sido a fonte mais confiável para metade dos cidadãos espanhóis, com o avançar da pandemia esta confiança declinou e foi transferida para personalidades com prestígio na área da saúde, como epidemiologistas e direção da OMS. De facto, as críticas às autoridades públicas são frequentemente mais duras na segunda fase dos surtos (Nerlich & Koteyko, 2012), período em que as análises se deslocam para questões relacionadas com a atribuição de responsabilidades (Krimsky, 2007).
Outros fatores podem influenciar a (des)confiança em geral, e nas autoridades governamentais em particular. Nomeadamente, a credibilidade e a transparência da fonte. A credibilidade pode ser definida como o grau de expertise técnica atribuído à fonte e à sua mensagem (Llewellyn, 2020; Renn & Levine, 1991). A expertise é confirmada habitualmente pelas credenciais, experiência e filiação institucional do orador (Lundgren & McMakin, 2013; Seeger et al., 2018). A transparência pode decorrer do próprio historial, ou seja, do comportamento anterior da fonte em situações congéneres (Earle & Siegrist, 2008). Se houver relatos de omissão ou manipulação de dados, por exemplo, mais dificilmente se confiará em mensagens subsequentes.
Dada a importância do fator confiança, tanto nas fontes de informação como no governo, em situações de emergência sanitária, e com base na revisão da literatura, duas questões principias (PI) guiaram a nossa investigação:
PI1: Quais as fontes de informação que inspiram maior confiança junto da população portuguesa?
PI2: Qual a opinião dos portugueses sobre a gestão da comunicação do governo?
Com a primeira questão pretende perceber-se se os portugueses confiam mais nas autoridades governamentais, nos especialistas da área da saúde, nacionais ou internacionais, nos media informativos ou na informação sobre a covid-19 partilhada nas redes sociais digitais (seja por influenciadores digitais, médicos ou outros profissionais da saúde, ou pelos amigos). A segunda questão permitirá compreender se os inquiridos julgam que a comunicação do governo tem sido fiável, clara e agendada nos momentos apropriados ou se, pelo contrário, consideram que essa mesma comunicação tem sido confusa, não revela toda a verdade ou se gerou alarme social. A principal hipótese que orienta o nosso estudo é:
H1: Quanto maior for o grau de confiança nas fontes oficiais do governo, melhor será a opinião dos portugueses sobre a sua gestão da comunicação na batalha contra a pandemia.
Tendo em consideração que uma pandemia é uma crise prolongada durante a qual as estratégias de comunicação governamental mudam consoante a fase em que se encontra (Reynolds & Quinn, 2008), na nossa pesquisa analisamos a opinião dos portugueses no contexto do mês de outubro de 2020. Este período corresponde ao início do ano letivo, em que se regressou ao ensino presencial, encontrando-se Portugal em estado de contingência devido ao aumento de contágios e à entrada na segunda vaga da epidemia (Direção-Geral da Saúde, 2020).
3. Metodologia
3.1. Amostra e Questionário
No contexto de uma investigação internacional da rede European Public Relations Education and Research Association (Euprera) Com-Covid2 - um projeto que tem como objetivo monitorizar a gestão da comunicação da crise covid-19 em diversos países - foi aplicado um inquérito a 460 cidadãos portugueses entre 7 de outubro e 11 de novembro de 2020. A amostra, que representa um nível de confiança de 95% e uma margem de erro de 4,6% sobre a população do país (10.295.909 habitantes), estava composta por 65,7% mulheres e 34,3% homens, com uma média de idade de M = 41,01 anos (DP = 12,09).
Esta amostra foi alcançada recorrendo à técnica da bola de neve. Foram enviados convites com um link para o inquérito, através de email e redes sociais digitais, essencialmente WhatsApp e Facebook. O convite encorajava as pessoas a preencher e divulgar o questionário junto dos seus contactos, não havendo qualquer compensação pela participação na investigação. O questionário online incluía questões relativas ao comportamento de procura de informação, confiança em diferentes fontes informativas, perceção sobre a gestão da comunicação governamental, retenção de mensagens, e questões demográficas. O guião do inquérito seguia as guidelines definidas no projeto internacional da Euprera Com-Covid.
Para este trabalho, analisamos uma secção do inquérito com questões relativas às fontes de informação que inspiram maior confiança junto da população portuguesa e à opinião dos portugueses sobre a gestão da comunicação do governo, correspondendo a duas escalas compostas por 13 e seis itens, respetivamente. As opções de resposta para cada item estavam operacionalizadas por escalas tipo Likert de sete pontos, sendo um o ponto mais baixo e sete o mais alto. Para reduzir as dimensões das escalas, os itens foram incluídos em duas análises fatoriais exploratórias (AFE) a fim de detetar associações entre eles e criar, a posteriori, variáveis agregadas com maior poder explicativo.
Tal como se observa na Tabela 1, cada um dos 13 itens relativos à confiança nas fontes de informação apresenta uma carga significativa em algum dos três fatores que sugere a AFE como estrutura latente (variância explicada = 61,94%, KMO = ,83, teste de Bartlett: p < ,001).
O mesmo acontece na Tabela 2 com as variáveis relativas à opinião dos portugueses sobre a gestão da comunicação do governo. Cada um dos seis itens apresenta uma carga significativa em algum dos dois fatores que sugere a AFE como estrutura latente (variância explicada = 69,65%; KMO = ,70; teste de Bartlett: p < ,001).
A consistência interna de cada fator, medida com o parâmetro estatístico Alpha de Cronbach (αc), revelou uma adequada fiabilidade em todos os casos (Hair et al., 1999; Robinson et al., 1991).
3.2. Análises e Resultados
Todos os inquéritos foram realizados através da aplicação Google Forms, sendo posteriormente codificados e inseridos no software estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versão 24). Para cada fator foi calculado um indicador baseado na média dos itens que o compõem, detetados nas AFE (Tabelas 1 e 2). Estes novos índices foram utilizados, por sua vez, para levar a cabo diferentes provas descritivas e inferenciais (ANOVA de medidas repetidas, t de Student, r de Pearson).
Depois do tratamento estatístico dos dados extraídos dos 460 questionários, é possível estabelecer três tipos de fontes de informação principais, apresentados na Tabela 3 junto dos itens específicos que os compõem, ordenados segundo a média da confiança dos inquiridos em relação a essas fontes.
Nota. * Percentagem conjunta de inquiridos que expressaram bastante (cinco), muita (seis) ou plena (sete) confiança nas fontes informativas.
Depois de efetuar uma análise da variância de medidas repetidas, observamos que as diferenças entre as fontes informativas são estatisticamente significativas [λw = ,205, F (2, 458) = 888,5, p < ,001, η 2 = ,795], sendo o “pessoal da saúde” o que mais confiança gera na população portuguesa (PI1) acima das “autoridades e media” [t (459) = 3,037, p < ,01, d = ,144] e dos “influencers e redes sociais digitais” [t (459) = 40,227, p < ,001, d = 2,115]. Se comparamos as “autoridades e media” com os “influencers e redes sociais digitais”, também existem diferenças significativas entre eles [t (459) = 33,509, p < ,001, d = 2,061].
De maneira isolada, é a OMS (M = 5,15, DP = 1,71) a fonte que mais confiança provoca nos cidadãos, seguida das personalidades com prestígio na área saúde (M = 5,07, DP = 1,70) e do governo e Direção-Geral da Saúde (M = 5,02, DP = 1,71). No que diz respeito à opinião dos portugueses sobre a gestão da comunicação do governo, também é possível estabelecer dois pareceres claramente distintos, que constam na Tabela 4 junto dos itens específicos que os integram.
Nota. * Percentagem conjunta de inquiridos que expressaram bastante (cinco), muita (seis) ou plena (sete) concordância com as declarações.
Podemos afirmar que existem diferenças significativas entre as opiniões [t (459) = 2,594, p < ,01, d = ,183], embora o tamanho do efeito seja pequeno (Cohen, 1988; Johnson et al., 2008). No entanto, o parecer positivo é o mais disseminado entre os portugueses no que à comunicação governamental diz respeito (PI2).
Por outro lado, verifica-se que as pessoas críticas da gestão da comunicação governamental tendem a confiar menos nas fontes oficiais governamentais [r (458) = -,167, p < ,001]. Esta correlação, que é estatisticamente significante, é negativa porque quanto mais aumentam as críticas da gestão, menor é a confiança no governo, e vice-versa (H1). Neste sentido, a questão do género é interessante porque os dados mostram que as mulheres confiam mais no governo (M = 4,71, DP = 1,23) do que os homens (M = 4,39, DP = 1,30), sendo as diferenças significativas [t (458) = 2,604, p < ,01, d = ,252]. E também há diferenças quanto à opinião sobre a comunicação governamental [t (458) = 1,963, p < ,05, d = ,194] no mesmo sentido: as mulheres (M = 4,22, DP = 1,35) têm uma opinião favorável superior à dos homens (M = 3,95, DP = 1,45).
Quanto à idade, esta variável era inicialmente quantitativa, pois os inquiridos responderam o número exato de anos que tinham no momento de participação no estudo. Por isso, para permitir efetuar comparações baseadas em faixas etárias, a variável inicial foi recodificada em três grupos: jovens, adultos e maduros3. Na Tabela 5 podemos observar as comparações que resultaram estatisticamente significativas quanto aos grupos de idade.
Nos dois casos, são os jovens os que maior confiança têm nas autoridades e nos media, mas, ao mesmo tempo, os que são mais críticos em relação à confiança governamental. Finalmente, no que diz respeito ao nível de educação, os contrastes são produzidos do modo em que aparecem na Tabela 6.
Neste sentido, quanto maior é o grau académico menor é a confiança dos inquiridos nos influencers e nas redes sociais digitais.
4. Discussão e Conclusão
A investigação sobre comunicação de risco tem colocado em evidência como a confiança nas fontes informativas, sobretudo no governo e nas autoridades, pode afetar a perceção de risco e os comportamentos preventivos em situações pandémicas (Bargain & Aminjonov, 2020; Bavel et al., 2020; Lundgren & McMakin, 2013). Neste contexto, os resultados discutidos neste trabalho oferecem conclusões originais relativas à opinião dos inquiridos sobre a gestão da comunicação do governo português e a confiança nas fontes informativas, governamentais e não governamentais, no início da segunda vaga da epidemia covid-19 em Portugal, em outubro de 2020.
Em geral, sobressai a existência de duas perceções opostas, uma negativa e outra positiva, sobre a comunicação governamental. No entanto, o parecer positivo foi o que mais se destacou no total dos inquiridos. Em especial, muitos foram os que consideram que a informação do governo foi agendada nos momentos apropriados e que foi fiável. Mesmo as pessoas mais críticas, ou seja, as que consideram que a comunicação do governo tem confundido a população, ou que não revelou toda a verdade, tendem a confiar no governo e na DGS. Estes resultados permitem discutir a comunicação de risco preconizada pelo governo de Portugal numa dimensão teórico-prática, além de apontar outros caminhos de investigação.
Em primeiro lugar, a nossa investigação possibilita uma reflexão sobre a confiança dos inquiridos nas fontes governamentais por comparação com as fontes não-governamentais. Os portugueses confiam mais no pessoal do campo da saúde, particularmente, as personalidades com prestígio na área da saúde, como médicos, epidemiologistas ou o diretor da OMS. Estas fontes de informação são consideradas mais confiáveis do que os media ou as autoridades governamentais, tanto a nível nacional (governo e DGS) como local. A tendência, já identificada em estudos sobre os primeiros dias da pandemia na vizinha Espanha (Moreno et al., 2020), sublinha a importância de ser dado maior relevo a fontes especializadas/técnicas do que a fontes políticas na gestão da comunicação da crise covid-19. Ainda que 69% dos portugueses afirmem confiar no governo e na DGS como fonte informativa, este número permite deduzir a existência de críticas a discursos mais politizados. Uma conclusão em linha, aliás, com estudos já realizados anteriormente, também no início da pandemia e a nível internacional. O estudo Edelman (2020) destacava que 58% dos inquiridos está preocupado com a possibilidade de as autoridades serem alarmistas para obterem ganhos políticos.
Em segundo lugar, os resultados fizeram sobressair a pouca confiança dos inquiridos nas redes sociais digitais e nos influenciadores digitais como fonte de informação sobre a covid-19. A confiança nesse tipo de fonte é inferior à confiança nas autoridades, media informativos e pessoal de saúde. Além disso, quanto maior é o grau académico dos inquiridos menor é a confiança nos influencers e nas redes sociais digitais. Ainda assim, os itens “pessoal de saúde que dissemina informação nas redes sociais digitais” e “infuencers digitais na área da saúde” obtiveram uma percentagem mais elevada ao nível da confiança. Estes dados estão alinhados com a conclusão anterior, confirmando ser o pessoal especializado, tal como experts, cientistas e médicos, a aportar maior credibilidade às fontes, e consequentemente em quem os portugueses mais confiam. Neste sentido pode-se refletir sobre a importância de o governo optar por ceder mais espaço aos especialistas na sua estratégia comunicacional. Afinal, como Lundgre e McMakin (2013) realçaram, “a informação por si só, por mais cuidadosamente embalada e apresentada, não comunicará o risco de forma eficaz se a confiança e credibilidade não forem estabelecidas primeiro” (p. 20).
Portanto, o estudo permitiu verificar que, quanto maior for o grau de confiança nas fontes oficiais do governo, melhor será a opinião dos portugueses sobre a gestão da comunicação desse mesmo governo na batalha contra a pandemia, confirmando-se, assim, a hipótese que guiou esta investigação.
A gestão eficaz de uma pandemia está dependente da confiança na informação divulgada, nas fontes e, particularmente, nas autoridades públicas. Os resultados do nosso estudo enfatizam a importância de trazer para o centro da gestão da comunicação a voz dos especialistas na área da saúde, evitando o “divórcio entre Governo e ciência” (Fiolhais, 2021, para. 4), vaticinado por opinion makers e jornalistas. Este facto é especialmente importante em crises longas como a que estamos a viver, e em que o governo e as autoridades precisam garantir continuamente, e com diferentes níveis de intensidade, o cumprimento das normas de prevenção. Não se pode negligenciar o risco de a longevidade da crise conduzir à fadiga pandémica e à redução da perceção sobre a gravidade do risco (World Health Organization, 2020a).
Finalmente, alguns dados demográficos que emergiram neste estudo podem ser indicadores pertinentes para a gestão da comunicação governamental e apontar novos caminhos de investigação. Em relação à questão de género, concluiu-se que as mulheres confiam mais no governo e que têm também melhor opinião sobre a comunicação das autoridades. Em estudos futuros seria interessante indagar se este resultado terá a ver com o facto de as principais porta-vozes do governo durante a crise, a ministra da saúde e a diretora-geral da saúde, serem do sexo feminino. No que concerne à idade, verificou-se serem os jovens adultos (dos 18 aos 36) quem mais confia nas autoridades e nos media, ao mesmo tempo que são os mais críticos do desempenho do governo na gestão comunicacional da crise. Comunicar de forma eficaz em situações de risco é desafiante já que vários são os fatores que podem condicionar o seu sucesso. A desconfiança nas autoridades e a não adaptação da informação a diferentes subpopulações já foi apontada como uma das principais razões para as falhas de comunicação no contexto das doenças infeciosas (Gesser-Edelsburg & Shir-Raz, 2016). Será, pois, importante desenvolver estudos de receção e de opinião mais abrangentes, que permitam o cruzamento de dados sociodemográficos com a questão da confiança no governo e nas autoridades de saúde. O tema confiança nos políticos e governantes é uma área bem desenvolvida em estudos sobre a qualidade da democracia, mas menos comuns em investigações sobre comunicação de risco.