SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.41A Decolonial Perspective on Online Media Discourses in the Context of Violence Against People With Disabilities in South AfricaCyberspace as Denunciation: Harassment and Discrimination Linked to Coloniality in the Project Brasileiras Não Se Calam author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Comunicação e Sociedade

Print version ISSN 1645-2089On-line version ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.41  Braga June 2022  Epub June 22, 2022

https://doi.org/10.17231/comsoc.41(2022).3718 

Artigos Temáticos

(Des)Colonialidade Linguística e Interculturalidade nas Duas Principais Rotas da Mobilidade Estudantil Brasileira

Rovênia Amorim Borgesi 
http://orcid.org/0000-0001-8259-5623

i Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil


Resumo:

Embora frequentar universidades em Portugal e nos Estados Unidos seja ainda um privilégio para quem vem de famílias brasileiras com elevado capital econômico, políticas para o fomento da internacionalização têm levado, na última década, a uma intensificação e diversificação desses fluxos de mobilidade estudantil. Guiando-nos pelos estudos descoloniais, apresentamos, neste artigo, uma análise da interseccionalidade de raça e domínio de língua inglesa de estudantes de nacionalidade brasileira em Portugal e nos Estados Unidos. Os resultados referem duas investigações empíricas realizadas entre 2013 e 2020, e apontam que estudantes negras/os, participantes do mesmo programa de mobilidade com bolsas de estudo nestes dois países, apresentaram menor proficiência em inglês em comparação com bolsistas brancas/os. Em contrapartida, estudantes de uma elite econômica branca não indicaram a insuficiência no domínio de inglês como fator de decisão pela escolha de Portugal. A nosso ver, essas assimetrias devem ser percebidas e problematizadas a partir da colonialidade no ensino de inglês no Brasil que, no espaço de educação internacional, tem limitado escolhas e (re)produzido desigualdades. Todavia, nos tempos pandêmicos que apressam a transição para a mobilidade virtual, a maior diversidade étnico-racial e amplitude socioeconômica da mobilidade estudantil do Brasil para universidades portuguesas suscita outras e mais aprofundadas reflexões sobre as interações interculturais (presenciais) que resultam desses deslocamentos. As experiências de estudar em Portugal têm sido marcadas por alguns desencontros linguísticos, a exemplo dos imaginários de um subalterno português brasileiro e de um superior português de Portugal. Os constrangimentos que resultam dessas (in)comunicações interculturais entre estudantes do Brasil e de Portugal podem ser explicados, pelo menos em parte, pela reverberação, na contemporaneidade, da colonialidade do ensino da língua portuguesa nos dois países. Vamos argumentar que essas tensões, presentes em espaços acadêmicos da antiga metrópole do Brasil, potencializam o que temos designado de “despertar descolonial”.

Palavras-chave: mobilidade estudantil; Brasil; Portugal; Estados Unidos; colonialidade linguística; interculturalidade

Abstract:

Although attending universities in Portugal and the United States is still a privilege for those from Brazilian families with high economic capital, policies to promote internationalization intensified and diversified this student mobility flows in the last decade. Guided by decolonial studies, we present, in this article, an analysis of the intersectionality of race and mastery of the English language of Brazilian students in Portugal, and the United States. The results refer to two empirical investigations carried out between 2013 and 2020 and point out that Black students participating in the same mobility program with scholarships in these two countries showed lower English proficiency than White scholarship holders. On the other hand, students from a White economic elite did not indicate the insufficiency of English as a decision factor for choosing Portugal. In our view, these asymmetries must be perceived and problematized from the perspective of coloniality in English teaching in Brazil, which has limited choices and (re)produced inequalities in the space of international education. However, in pandemic times that hasten the transition to virtual mobility, the greater ethnic-racial diversity and socioeconomic range of student mobility from Brazil to Portuguese universities raise deeper reflections on the intercultural (face-to-face) interactions arising from these displacements. The experiences of studying in Portugal have been marked by some linguistic mismatches, like the imaginaries of a subordinate Brazilian Portuguese and a superior Portuguese from Portugal. The constraints stemming from these intercultural (mis)communications between students from Brazil and Portugal can be explained by the contemporary reverberation of the coloniality of Portuguese language teaching in both countries. We will argue that these current tensions in the academic spaces of Brazil’s former motherland foster what we have called the “decolonial awakening”.

Keywords : mobility; Brazil; Portugal; United States; linguistic coloniality; interculturality

1. Introdução

O desejável advento do tempo pós-pandemia parece apressar a tendência para um modelo híbrido de internacionalização (b-learning) com impulso para a mobilidade virtual (e-mobility). Esta nova dinâmica, que está no espaço de uma educação superior cada vez mais permeado pela lógica capitalista, tem suscitado múltiplas questões (De Wit & Altbach, 2021), entre as quais destacamos a subalternização da dimensão intercultural nos estudos sobre a internacionalização (Kim, 2009; Knight, 2003). O nosso argumento é de que as experiências da mobilidade presencial, nas interações com estudantes do país anfitrião (e de outras nacionalidades), vêm acompanhadas frequentemente por desencontros (visões estereotipadas, racismo e outras formas de discriminação). Todavia, essas tensões e incomunicações que decorrem em espaços acadêmicos potencializam o que temos designado por “despertar desconial”, ou seja, um pensar crítico (novo ou ampliado) sobre as manifestações de colonialidade de poder que são percebidas latentes e entrelaçadas nas dinâmicas sociais.

A partir desta questão, este artigo busca contribuir para os estudos descoloniais, no campo da sociologia da educação, apresentando algumas reflexões críticas sobre como a colonialidade do ensino da língua inglesa no Brasil tem repercutido em desigualdades sociorraciais na mobilidade estudantil para os Estados Unidos e Portugal. De forma complementar, na especificidade do ensino superior português, refletimos sobre a colonialidade da língua portuguesa e o silenciamento de políticas e práticas educativas no Brasil e em Portugal que contribuem para não desmitificar o imaginário de uma hierarquia entre as variações da língua, resultando em diálogos interculturais, entre estudantes desses dois países1, tensionados por constrangimentos linguísticos.

Os resultados apresentados e discutidos neste artigo são o desdobrar de um percurso investigativo iniciado em 2013, com foco nos Estados Unidos (Borges, 2015), a principal rota dos fluxos estudantis que partem do Brasil, e concluído em 2020 em Portugal (Borges, 2021), outro importante país de destino2. Em ambos os casos, a partir de uma metodologia interseccional que priorizou a análise combinada da identidade de raça informada pelas/os estudantes3 com a proficiência em língua inglesa adquirida durante a trajetória escolar, o nosso interesse (e objetivo principal) foi mostrar uma visão mais acurada de como os espaços da educação internacional nos Estados Unidos e em Portugal são entrecortados por escolhas (im)possíveis e (re)produção de níveis sobrepostos de desigualdades que “à primeira vista, estão invisíveis” (Lutz, 2015, p. 39). As assimetrias sociais (educacionais e raciais) apresentaram-se mais ou menos acentuadas consoante o país de destino (Estados Unidos ou Portugal) e a condição de participação na internacionalização (estudante com bolsa de estudos ou pagante das taxas cobradas pelas instituições).

O duplo percurso investigativo também nos levou a perceber distintas expressões de uma colonialidade linguística nas dinâmicas da internacionalização que, no caso da língua inglesa, tem produzido e reforçado seletividades sociorraciais e, no caso da língua portuguesa, “racismos linguísticos” (Nascimento, 2019). Assim, de forma complementar, este artigo busca dar alguma contribuição às reflexões descoloniais ao apontar e abordar constrangimentos que têm vindo à tona nas recentes experiências interculturais de estudantes brasileiras/os em Portugal.

Em termos metodológicos, recorremos à interseccionalidade qualitativa-quantitativa (Borges, 2021) para a análise dos dados estatísticos e relatos recolhidos através de quatro inquéritos por questionários online e 12 entrevistas presenciais com estudantes em mobilidade em Portugal. As respostas obtidas seguiram os procedimentos éticos em pesquisa no campo das ciências sociais, totalizando a participação voluntária e anônima de 1.845 estudantes4. A análise estatística teve o suporte do software SPSS e a técnica de análise qualitativa, de cunho interpretativo e comparativo, foi orientada pelo aporte teórico descolonial, com enfoque no conceito-chave de “colonialidade de poder” (Grosfoguel, 2008; Mignolo, 2017; Quijano, 2014).

Tendo em conta que desigualdades, colonialidade e racismo linguístico são questões inter-relacionadas nas rotas e nas modalidades de mobilidade estudantil investigadas, na primeira parte deste artigo, apresentamos uma breve discussão sobre a colonialidade no ensino das línguas inglesa e portuguesa. Na seção seguinte, discutimos a desigualdade social/racial na intersecção com a proficiência em língua inglesa de estudantes do programa Ciência sem Fronteiras (CsF) nos Estados Unidos. Na terceira parte, argumentamos que a “colonialidade global” (Grosfoguel, 2008) no espaço geopolítico lusófono-europeu tem contribuído para que Portugal se torne um destino cada vez mais procurado por estudantes do Brasil pertencentes a segmentos sociais historicamente favorecidos.

2. Sob a Colonialidade das Línguas Inglesa e Portuguesa

Instituições de ensino superior nos Estados Unidos e Portugal receberam, na última década, um fluxo crescente de estudantes internacionais em mobilidade. Nos Estados Unidos, frequentemente o destino mais procurado5, a nacionalidade brasileira destacava-se entre as 10 com maior presença6. Por sua vez, entre estudantes internacionais em Portugal, o grupo vindo do Brasil despontava por ser numericamente o mais expressivo7 e por, nos 6 anos anteriores à crise pandêmica, mais do que duplicar (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, 2019). Desde 2021, os deslocamentos estudantis que rumam do Brasil para o ensino superior português já registram novo fôlego, com o amenizar das medidas restritivas de fronteira e a retomada das atividades presenciais (Amorim, 2021).

Ter em conta que Estados Unidos e Portugal são expressivos polos de atração de estudantes nos levou a refletir sobre a influência do conhecimento da língua inglesa nessas escolhas e como elas estão inter-relacionadas a distintos processos históricos. De um lado, há que considerar a construção da hegemonia da língua inglesa a partir “das conquistas, colonizações e imposições comerciais do Império Britânico, ao longo de dois séculos” (Forattini, 1997, p. 4), e da liderança bélica e tecnológica dos Estados Unidos, no pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945). De outro lado, há que considerar a negligência estratégica da política do ensino de língua inglesa no Brasil. Em ambos os casos, estamos a fazer referência à colonialidade de poder e a seus reflexos na (re)produção de desigualdades na internacionalização da educação superior. Mas a colonialidade também está imbricada na expansão e diferenciação da língua portuguesa, o que traz tensionamentos interculturais, como veremos, na mobilidade estudantil Brasil-Portugal.

De partida, a maior presença brasileira no ensino superior português tem sido explicada pela conjugação de “políticas brasileiras de fomento à mobilidade estudantil internacional; promoção de estratégias de captação de estudantes estrangeiros por parte das instituições de ensino superior em Portugal e, sobretudo, da partilha da língua portuguesa entre os dois países” (Iorio & Fonseca, 2018, p. 3). Embora a língua portuguesa usualmente tenha um peso considerável na escolha de onde estudar no exterior8, a decisão por Portugal não significa necessariamente falta de proficiência na língua inglesa. Estudantes vindos sobretudo de contextos socioeconômicos favorecidos afirmaram ter domínio satisfatório da língua inglesa, e ter optado por frequentar um curso superior em Portugal, entre outros aspectos, pelo aconchego da língua portuguesa (Borges, 2021).

Todavia, esta experiência de mobilidade, que, a priori, parece assegurar uma tranquilidade intercultural em razão de aproximações histórico-culturais e linguística, pode ser surpreendida por constrangimentos que brotam de uma visão turva, de senso comum, em relação ao falar diferente ou ao falar errado brasileiro. Contudo, esses “brasileirismos” presentes e considerados, em alguma medida, em Portugal, como adulteração “duma única norma dum português vernáculo” (Venâncio, 2022, p. 29) devem ser compreendidos como singularidades que a língua portuguesa no Brasil foi adquirindo, por comparação com um suposto cânone, desde o colonialismo, no contato com a pluralidade linguística dos povos originários e dos africanos traficados como mão de obra escrava, até a todas as outras interações sociolinguísticas com imigrantes de muitos países diferentes. Há que ter em conta que a língua portuguesa é dinâmica e que as suas variantes, inclusive a de Portugal, são permeáveis a constantes influências. Portanto, esses desencontros culturais entre estudantes falantes da língua portuguesa podem ser interpretados como pulsações de uma vívida colonialidade que discrimina e subalterniza as variações de quem vem de países com legado colonial.

As ponderações apresentadas até aqui já nos permitem perceber que a colonialidade linguística que reverbera, de distintos modos, nas rotas de mobilidade estudantil Brasil-Estados Unidos e Brasil-Portugal demanda um olhar crítico, mais amplo e aprofundado, sobre os mecanismos estruturantes de poder que (re)produzem, nesses espaços privilegiados de educação, desigualdades sociorraciais e discriminação pela língua do outro. Nesta seção, o nosso foco é a interseccionalidade de raça e políticas educacionais no Brasil voltadas para a aquisição (ou não) de língua inglesa que repercute em desigualdades e limita escolhas na mobilidade estudantil Brasil-Estados Unidos.

Conforme Gabriel Nascimento (2019), o Estado brasileiro sempre promoveu políticas linguísticas “excludentes quando se trata de quem não é branco no país” (p. 15). Esta linha abissal teria ficado mais marcada na época da ditadura militar com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971, que incentivou a oferta, de forma opcional, de línguas estrangeiras nas escolas públicas no momento em que os centros privados de idioma expandiram pelo país. Na visão do autor, essa ação política impôs às pessoas negras e pobres, que começavam a frequentar escolas públicas, “precariedades e abandono” ao negar-lhes, pelas condições econômicas, o aprendizado do inglês como língua estrangeira (Nascimento, 2019, p. 16).

Historicamente no Brasil, desde o período imperial, quando houve a implantação dos cursos de direito e medicina, até há bem pouco tempo, o ensino de inglês esteve relegado ao patamar de disciplina secundária no currículo escolar das escolas públicas, sendo empregado como mecanismo para assegurar percursos formativos privilegiados a jovens brancos de uma elite político-econômica do país. Apenas com a aprovação da Medida Provisória 746 de 20169, que introduziu modificações na Lei n.º 9.394 (1996; a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a língua inglesa passou a ser disciplina obrigatória a partir do sexto ano escolar. Até então era obrigatória a oferta de uma língua estrangeira, não necessariamente o inglês.

Há que ter em conta nesta problematização que o Estado brasileiro, no ápice das políticas neoliberais dos anos 1990 para a educação, desconsiderava nos documentos orientadores para o ensino de língua estrangeira a oralidade entre as habilidades/competências que deveriam ser adquiridas. O entendimento era de que “somente uma pequena parcela da população [tinha ou teria] a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral, dentro ou fora do país” (Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 20). Portanto, uma visão de colonialidade elitista que, ao longo da história das políticas educativas no Brasil, “reforçou a discriminação contra as classes populares, que só contavam com a escola pública para aprender um segundo idioma” (Borges & Afonso, 2018, p. 66).

Somente nos anos 2000, no embalo das reformas educacionais demandadas pelos processos de globalização econômica, é que podemos observar uma guinada na política do ensino da língua inglesa no Brasil. Para analisar essa mudança faz-se necessário entender como o conceito de “colonialidade” está associado à(s) línguas(s) moderna(s) e hegemônica(s) que, no âmbito deste artigo com foco na mobilidade de estudantes que deixam o Brasil para estudar nos Estados Unidos ou em Portugal, é problematizado tanto em relação à língua inglesa quanto à língua portuguesa. Para o sociólogo peruano Aníbal Quijano (2014), a quem o termo é originalmente atribuído (Mignolo, 2017, p. 2), “colonialidade de poder” designa a relação socialmente hierárquica baseada na invenção europeia de classificação racial dos seres humanos.

Sendo assim, o conceito traduz “a ideia de que não existe uma lógica abrangente de acumulação capitalista capaz de instrumentalizar as divisões étnico-raciais e que seja anterior à formação de uma cultura colonial, eurocêntrica global” (Grosfoguel, 2008, p. 134). Em outro texto mais recente, Grosfoguel (2016a) vai afirmar que são as relações de racismo, e não as relações econômicas, a “lógica estruturante de todas as estruturas sociais e relações de dominação da modernidade” (p. 158). Sob essa perspectiva, Nascimento (2019) vai considerar que “a língua é uma posição nessa estrutura” (p. 19). Por conseguinte, o racismo traria, em definição, a abrangência da pluralidade (Grosfoguel, 2016b; Grosfoguel et al., 2015), ou seja, a depender das distintas histórias coloniais, a hierarquia de superioridade/inferioridade que caracteriza a colonialidade de poder é construída através de diferentes marcadores raciais, tais como cor da pele, etnicidade, língua, cultura e/ou religião.

Embora no Brasil, a língua portuguesa, imposta como língua nacional pelo Estado português em 175710, traga em si o legado da violência colonial no que refere à subalternização e ao extermínio de línguas indígenas e africanas, a colonialidade que mobilizamos neste texto é a do racismo linguístico em relação ao português brasileiro sentido ou testemunhado por estudantes em Portugal. Há que ter em conta que a língua brasileira, nas suas idiossincrasias, apresenta muito mais do que sotaques regionais e vocábulos próprios, mas também a alma, a memória e a resistência linguística de indígenas e africanos. No clássico livro Línguas Brasileiras, Aryon Dall’Igna Rodrigues (1986) chama a atenção para a incorporação de palavras de origem tupinambá na língua portuguesa, principalmente na nomenclatura da fauna e flora, em razão da “prolongada convivência” nos 2 séculos iniciais da colonização (p. 21).

Vale lembrar aqui o neologismo “pretuguês” criado por Lélia Gonzalez (2020), “que nada mais é do que marca de africanização do português falado no Brasil” (p. 128). Com isto, a antropóloga e precursora do movimento negro e feminista no Brasil coloca em questão as críticas ao “português errado” do Brasil, sobretudo aquele falado pelas pessoas mais pobres, com menos escolarização. Ela explica que

o caráter tonal e rítmico das línguas africanas trazidas para o Novo Mundo, e também a ausência de certas consoantes (o L ou o R, por exemplo), apontam para um aspecto pouco explorado da influência negra na formação histórico-cultural do continente como um todo. (Gonzalez, 2020, p. 128)

Para Gonzalez (2020), o “pretuguês” é o próprio português brasileiro que, como vimos, encontra-se envolto num processo histórico que guarda raízes nas estruturas coloniais de poder.

No entanto, desde o início dos anos 2000, este “processo de silenciamento do pretuguês” (Melo & Mira, 2021, p. 1401) tem sido rompido com avanços na política educacional brasileira, a exemplo da obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas (Lei n.º 11.645, 2008). Observa-se, assim, uma incipiente e crescente adesão de docentes a práticas pedagógicas antirracistas, alinhadas sobretudo a perspectivas de(s)coloniais. Dentro desta visão, o ensino da língua portuguesa, como língua materna, deve estar orientado para superar o aparato ideológico-político ainda “condicionado a uma política de colonização linguística e, por conseguinte, a um processo de racialização” (Melo & Mira, 2021, p. 1397). Esse mecanismo de violência colonial, segundo as autoras, atuou tanto para “cristalizar” a “ficção de uma homogeneidade linguística”, quanto para “estigmatizar” as variações linguísticas das pessoas racializadas, subalternizando ou invisibilizando as suas identidades, culturas, crenças e epistemologias (Melo & Mira, 2021, p. 1397).

É nesse sentido que Walter Mignolo (2003) afirma que as línguas “são também o lugar em que o conhecimento está inscrito” (pp. 632-633). Como então se argumenta, as línguas indígenas brasileiras são muito diferentes entre si e apresentam “um sistema único de expressão humana, no qual se cristalizaram os efeitos de uma experiência de vida e de análise inteligente do mundo acumulada através das inúmeras gerações de um povo” (Rodrigues, 1986, p. 27). Essa leitura de Rodrigues (1986), que se aproxima de uma perspectiva crítica descolonial, é importante porque não só nos informa de que são línguas brasileiras muito diferentes do português, mas que também traduzem “múltiplas visões de mundo dos povos indígenas brasileiros [desenvolvidas] com total independência histórica em relação às tradições culturais asiáticas e europeias, que caracterizam a civilização ocidental” (p. 27).

Na contemporaneidade de um Portugal que, em alguma medida, tem buscado descolonizar-se da epopeia dos descobrimentos e conquistas, atentar-se a essas vozes estudantis brasileiras torna-se importante porque elas denunciam, entre outros aspectos, o reverberar da colonialidade da língua portuguesa do Brasil, e que tem sido considerada como um “subalterno português” (Borges & Afonso, 2018). A nosso ver, essas críticas que florescem durante a experiência da mobilidade, nos (des)encontros culturais com falantes da língua portuguesa (e aqui estamos a pensar também em estudantes que se descolocam de países africanos marcados pelo colonialismo português), sinalizam um despertar descolonial, como no transcrito a seguir, extraído do testemunho de uma estudante brasileira que se autodeclarou branca e que frequentava no ano letivo 2019/2020 o curso de Educação na Universidade do Minho:

eu acho que tem muito um traço de preconceito histórico. O nosso português misturou com muitas outras coisas e ele ficou, lógico, com muitas diferenças em relação ao português daqui. Enquanto eles têm o português europeu como uma coisa mais bonita, mais formal. É o português do colonizador, aquela figura europeia. (como citado em Borges, 2021, p. 23)

É preciso refletir sobre a origem e o motivo desse senso comum em Portugal de que no Brasil se fala o brasileiro. Num primeiro pensar, esta distinção parece reforçar uma hierarquização linguística, de subalternização da língua falada e escrita pelos brasileiros, e que poderia ser interpretada como racismo linguístico. Como argumentamos, conhecer a língua portuguesa brasileira significa ter a consciência da pluralidade linguística do Brasil e da colonialidade linguística do português (europeu) que levou a um imperial “linguicídio” (Nascimento, 2019, p. 39), ou seja, ao extermínio de línguas originárias11 e dos povos africanos traficados nos séculos seguintes para o Brasil-colônia.

Num pensar crítico descolonial, o subalterno brasileiro passa a ser percebido bem mais do que um legado colonial da língua de Camões porque agrega as contribuições linguísticas dos diferentes povos, incluindo outros europeus, asiáticos e árabes. Assim, ainda que o português no Brasil contenha “uma memória europeia”, ele “historicizou-se de modo diferente em função do contato com as diferentes línguas e em função da própria formação histórico-social e posterior transformação política da colônia em nação independente” (Mariani, 2004, p. 22). O português brasileiro é, em si, uma língua plural, impregnada de memórias de resistência linguística. Com efeito, conhecer a sua história é trilhar pela descolonialidade da língua portuguesa.

Como sabemos, a colonialidade linguística no Brasil não se encerrou com o fim do colonialismo. Na contemporaneidade, ela opera, por exemplo, na ausência de políticas descoloniais voltadas para informar e valorizar a pluralidade linguística do país. Em grande medida, no plano institucional e interações da vida quotidiana, o que se vê é o espraiar de um imaginário de ser o Brasil uma nação onde só se fala português12. Ao produzir hierarquias e apagamentos linguísticos, a colonialidade da língua portuguesa no Brasil também conduz ao racismo linguístico para além das fronteiras nacionais. Assim, os preconceitos que, por vezes, estudantes brasileiros em Portugal sofrem ou presenciam em espaços acadêmicos (e não só) “podem ainda ser resquícios do passado”, afirma a antropóloga Patrícia Ferraz de Matos, em reportagem de autoria de Mariana Durães (2021) publicada no jornal Público, na edição de 5 de maio de 2021. Segundo a investigadora, o racismo linguístico está expresso, por exemplo, na crença de que as influências recebidas pelo (subalterno) português no Brasil tornaram-no “menos puro do que o português europeu, ao qual se associa por vezes uma identidade própria, associada à antiguidade do país na Europa” (Durães, 2021, para. 20).

A “pureza” do português dito europeu também é um mito, fruto de um “antibrasileirismo primário, irracional” e que tem sido combatido por uma abordagem linguística que “encara” a influência do português brasileiro “sem estados d’alma, como um fenômeno natural” (Venâncio, 2022, pp. 13, 15). Para o jornalista Carlos Fino (2019), que escreveu uma tese sobre as raízes do estranhamento e da (in)comunicação Portugal-Brasil, ainda que nas últimas décadas a intensificação dos fluxos de pessoas e dos negócios entre os dois países possa ter contribuído para uma mútua superação das barreiras interculturais linguísticas, “o núcleo duro do imaginário brasileiro sobre Portugal e do imaginário português sobre o Brasil não parece ter sofrido alterações substanciais”, o que repercute usualmente em “crítica, menosprezo, desdém, desconhecimento, esquecimento” (p. 50) dos dois lados do Atlântico.

Esses constrangimentos linguísticos experienciados em contextos de mobilidade estudantil em Portugal, potencializam, entre outros aspectos, o que temos designado por “despertar crítico descolonial” (Borges, 2021). Um despertar, em geral, parcelar e que se vai fazendo gradualmente à medida que as leituras e as experiências acadêmicas, somadas às histórias de vida e às memórias familiares, possibilitam um olhar crítico mais amplo e aprofundado sobre “as continuidades históricas da colonialidade no sistema educativo contemporâneo” (Roldão, 2019, p. 163). Em geral, conforme Roldão (2019), esta colonialidade em Portugal está imbricada numa política de assimilação linguística que tem priorizado programas de reforço do português europeu a imigrantes e a estudantes que chegam de ex-colônias africanas, obstaculizando, assim, o “reconhecimento de outros padrões de português” (p. 175). Olhar crítico a que podemos acrescentar a importância de projetos pedagógicos descoloniais, no Brasil e em Portugal, orientados para a valorização das variedades da língua portuguesa e o combate ao racismo linguístico.

De outra parte, tendo em conta o panorama global das economias baseadas no conhecimento, a colonialidade linguística deve ser analisada como constitutiva de uma matriz de poder que contempla a lógica capitalista. Sob esse prisma, o processo de colonialidade linguística apresenta hierarquias no mapa-múndi da internacionalização do ensino superior, com a língua inglesa a portar-se como veículo para a disseminação da produção científica de excelência e a contribuir para fortalecer os Estados Unidos e demais países anglófonos como os “centros globais de influência intelectual” (Larson, 2018, p. 521). É para lá que têm seguido, conforme mostram as estatísticas internacionais, os fluxos da mobilidade estudantil brasileira, que passa a ser vista como um potencial e lucrativo nicho de mercado (Spears, 2014).

Mas como explorá-lo se há uma lacuna no domínio da língua inglesa no Brasil? A colonialidade engendrada na agenda educacional brasileira, que postergou historicamente, como vimos, o ensino de inglês para a população estudantil pobre e negra, revela então os seus efeitos colaterais e paradoxos nas dinâmicas capitalistas da internacionalização (Borges & Garcia-Filice, 2016). Na próxima seção, a análise de dados de participantes do CsF nos Estados Unidos, programa de mobilidade que traz a marca histórica de ser o maior investimento do Estado brasileiro em política de internacionalização da educação superior, nos revela as desigualdades na interseccionalidade de raça e proficiência na língua inglesa.

3. Estudar nos Estados Unidos: As Escolhas (Im)Possíveis

Lançado em 2011, dentro do espectro político-ideológico de um novo desenvolvimentismo econômico e social do Estado brasileiro, o programa CsF traduzia a euforia das elites dirigentes no desejo de ver o país inserido, de forma ativa e competitiva, no cenário da economia global do conhecimento. Nesse contexto, a língua inglesa deixa a posição de disciplina coadjuvante para se juntar às de maior prestígio curricular. Entretanto, apesar dos esforços e interesses no âmbito das políticas de governo, não houve tempo nem fôlego no orçamento público para vencer a negligência histórica em relação ao ensino de inglês nas escolas públicas brasileiras.

Logo de início, o CsF defrontou-se com a carência e a urgência de políticas voltadas para aumentar o nível de proficiência, sobretudo na habilidade da oralidade e escrita, de estudantes que se candidatavam para a internacionalização. Para cumprir a ousada meta de enviar 100.000 bolsistas para o exterior em 4 anos, o governo precisou ampliar o aporte financeiro para custear aulas em inglês (ou outra língua estrangeira) no país de acolhimento de bolsistas que apresentavam domínio insuficiente do idioma. De uma amostra composta por 1.283 bolsistas desse programa13, que cumpriram parte da graduação em instituições dos Estados Unidos entre 2012 e 2015, 40,8 % declararam ter feito curso de inglês por até 16 semanas no exterior para “aprimorar a proficiência linguística” (Borges, 2018, p. 134).

Este estudo evidenciou que a proficiência em língua inglesa estava intimamente associada à autoidentifficação racial. Entre as competências linguísticas analisadas14, conforme detalhado na Tabela 1, a conversação foi a de menor domínio, especialmente entre estudantes negras/os, mais pobres e que frequentaram escolas públicas.

Tabela 1: Habilidades em língua inglesa de bolsistas do Ciência sem Fronteiras nos Estados Unidos 

Fonte:Borges, 2015

Para além da identidade racial, o conhecimento dos estudantes da língua inglesa foi analisado de modo interseccional com outras variáveis, tais como renda e escolaridade familiar, trajetória escolar e formas de aquisição do idioma (Borges, 2015), revelando-nos que a maior ou menor proficiência está vinculada a outros fatores que interferem nas escolhas da mobilidade. Por isso, a colonialidade que entrelaça raça e classe/renda no Brasil deve ser considerada pelas políticas públicas de concessão de bolsas de estudos no exterior, com vista a corrigir injustiças históricas e a contribuir para desestruturar os mecanismos de (re)produção de desigualdades.

Investigação mais recente (Borges, 2021), referente a uma amostra de 263 bolsistas do CsF que cumpriram mobilidade nas chamadas “world-class universities” (universidades de classe mundial)15, indica nível de proficiência em inglês consideravelmente mais elevado, como observamos ao comparar os dados da Tabela 1 com os da Tabela 2.

Tabela 2: Habilidades em língua inglesa de bolsistas do Ciência sem Fronteiras em world-class universities 

Fonte: Borges, 2021

Conforme se observa também a partir da leitura das duas tabelas, estudantes que se autorreferenciaram como brancas/os assinalaram maior domínio no idioma, denunciando, a par com outros estudos e estatísticas, o quanto as desigualdades educacionais na sociedade brasileira estão conectadas com o processo histórico de colonialidade de poder, ou seja, de hierarquização racial e exclusão social da população negra16. Esse olhar crítico para a mobilidade estudantil Brasil-Estados Unidos no âmbito do CsF nos impulsionou a investigar a mobilidade estudantil para Portugal, tendo por interesse inicial perceber a inter-relação da inexistência da barreira linguística a uma possível maior presença de estudantes vindos de contextos sociais desfavorecidos.

4. Estudar em Portugal: Privilégio e Racismo Linguístico

Ainda que a internacionalização tenha se constituído “como um atributo distinto e exclusivo da educação de elite no Brasil” (Windle & Nogueira, 2015, p. 178), há que investigar se as novas oportunidades de mobilidade estudantil para Portugal, na sequência da extinção do programa CsF, não estão a reforçar a tendência histórica17 de privilégio de raça e classe nos espaço lusófono-europeu da educação internacional. Tendo em conta que Portugal desponta entre os principais destinos de estudantes brasileiras/os, não podemos deixar de considerar nesta análise em que medida a colonialidade no ensino da língua inglesa no Brasil se interpõe como fronteira linguística para países anglófonos. Por consequência, de modo indireto, a questão que colocamos é se Portugal não se apresenta como a escolha possível para um perfil específico de estudantes, que não domina inglês ou outro idioma estrangeiro.

A Tabela 3 congrega as médias em habilidades na língua inglesa de 205 bolsistas do programa CsF em Portugal.

Tabela 3: Habilidades em língua inglesa de bolsistas do Ciência sem Fronteiras em Portugal 

Fonte: Borges, 2021

Ao analisá-las de forma comparativa com os dados da Tabela 2, relativos a estudantes que cumpriram mobilidade em “universidades de classe mundial”, notamos que apresentaram menor domínio do idioma. Porém, convém assinalar que a proficiência em inglês desse grupo de bolsistas em Portugal apresentou-se bastante similar à de participantes do programa que frequentaram universidades dos Estados Unidos (Tabela 1).

Há explicações de ordem político-administrativa no âmbito do CsF para entender o motivo pelo qual estudantes, com relativo pouco conhecimento da língua inglesa, foram selecionados para cumprir mobilidade nos Estados Unidos. Como o domínio do inglês revelou ser um problema para o programa alcançar a meta de financiar 100.000 estudantes no exterior, o governo brasileiro decidiu apressar ações para ampliar a oferta de ensino da língua inglesa em universidades públicas, ao mesmo tempo em que fixou critérios seletivos menos rigorosos em termos de proficiência. Juntou-se a essas medidas, a possibilidade de frequentar aulas de inglês no exterior. Em suma, todo esse alinhamento no programa abriu oportunidade para que estudantes vindos de contextos historicamente desfavorecidos estudassem nos Estados Unidos.

Vale lembrar que, diante da acentuada procura por Portugal logo nas primeiras chamadas públicas, colocando o país inclusive à frente dos Estados Unidos entre os destinos mais escolhidos, o governo brasileiro proibiu o envio de bolsistas para universidades portuguesas. Numa decisão polêmica, 10.336 estudantes previamente enviadas/os para Portugal foram realocadas/os para oito países de língua não portuguesa, entre os quais os Estados Unidos, que receberam 27,6% de bolsistas desse grupo (Borges, 2021, p. 190). Os testemunhos a seguir, de estudantes transferidas/os de Portugal para os Estados Unidos, ilustram a nossa argumentação sobre a colonialidade no ensino de inglês (Borges & Afonso, 2017, p. 82):

o curso de idioma representa um grande passo para adquirir a bolsa porque, por exemplo, se você tem proficiência em inglês pode aplicar para a bolsa em vários países. Não foi o meu caso porque eu não tinha proficiência em nenhuma língua e havia me candidatado para Portugal. (Estudante branca, egressa de escola pública)

No meu caso, eu fui remanejado para os EUA, pois na verdade eu havia aplicado para a bolsa em Portugal. Desta forma, se não fosse este remanejo dos estudantes para outros países, eu não estaria apto a poder prestar a bolsa para os EUA, pois eu nunca tive a oportunidade de fazer um curso de inglês. (Estudante pardo, egresso de escola pública)

Como efeito, o Brasil concedeu aos Estados Unidos “uma posição de evidente preferência no quadro do então recém-criado Programa Ciência sem Fronteiras” (Santos & Almeida-Filho, 2012, p. 56), dando-lhe a primazia de avançar com a sua “política econômica e cultural expansionista” no campo da educação internacional (Borges, 2015, p. 104). Numa perspectiva crítica descolonial, podemos interpretar a decisão política de priorizar e reorientar fluxos de mobilidade para países anglófonos como inserção passiva do Brasil na economia (capitalista) do conhecimento. Para Grosfoguel (2008), esta dinâmica atende pelo nome de “colonialidade global” (p. 126). Segundo esta visão, o mundo “pós”-colonial é um mito porque elementos constitutivos da matriz colonial de poder não se extinguiram com o fim das administrações coloniais, a exemplo das formas eurocêntricas/euro-americanas de conhecimento. Sendo assim, a colonialidade global implica considerar que os países situados no sul global, caso do Brasil, estão mantidos em “situações coloniais” de opressão e exploração “por parte de grupos étnicos-raciais dominantes” (Grosfoguel, 2008, pp. 126-127).

No competitivo contexto global da internacionalização, em que universidades de diferentes países têm buscado alcançar e manter posições em termos de excelência na produção de pesquisa científica e no ensino, atrair estudantes internacionais conta pontos nos principais rankings classificatórios. Desse modo, os deslocamentos estudantis que partem do Brasil para os Estados Unidos tomam parte da engrenagem da colonialidade global. Por sua vez, o inglês, que é a língua acadêmica hegemônica, também deve ser percebido como representativo e porta-voz do poder político-econômico da colonialidade global no espaço da internacionalização, ainda que, em parte, esta colonialidade da língua inglesa venha sendo contestada no campo da linguística aplicada por autoras/es que adotam perspectivas teóricas/descoloniais do inglês como prática translíngue (Haus & Albuquerque, 2020).

No espaço geopolítico lusófono-europeu da internacionalização do ensino superior, a colonialidade global mostra a sua face oculta na sequência de políticas e estratégias que têm resultado, na última década, na intensificação dos fluxos de estudantes das antigas colônias, principalmente do Brasil (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, 2019). Resultados de investigação recente (Borges, 2021), atenta aos fluxos estudantis do Brasil para Portugal desde o fim do programa CsF em 2016, nos informam que as instituições portuguesas estão configurando-se como espaços privilegiados para um mobilidade estudantil branca, composta por estudantes provenientes de famílias com elevado capital econômico. Este perfil tem sido característico de estudantes que utilizam as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como modalidade de ingresso. Desde 2014, com a regulamentação do Estatuto do Estudante Internacional pelo Decreto-Lei n.º 36 (2014), instituições públicas e privadas de ensino superior em Portugal estão autorizadas a criar ações para “reforçar a capacidade de captação de estudantes estrangeiros, através de um concurso especial de acesso e ingresso nos ciclos de estudos de licenciatura e integrados de mestrado” (Preâmbulo, para. 3). A Universidade de Coimbra foi a primeira a firmar convênio com o Ministério da Educação (MEC) do Brasil para a utilização das notas do ENEM. Desde então, já são 51 as instituições portuguesas a oferecer esta forma de ingresso (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2021).

A assinatura desses convênios tem sido noticiada de forma positiva pelo MEC e interpretada como uma valorização internacional do ENEM. Em 2016, na condição de presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Maria Inês Fini, apontada como a idealizadora do exame, afirmou ser “uma honra para o Brasil o aluno poder circular levando uma credencial brasileira reconhecida pelas universidades no exterior” (Borges, 2021, p. 193). Todavia, o governo brasileiro não tem demonstrado interesse em utilizar o ENEM para implementar uma política de fomento à mobilidade internacional, o que poderia beneficiar estudantes de grupos sociais historicamente subalternizados e sem condições de pagar as anuidades cobradas pelas universidades portuguesas.

Desse modo, diferentemente do CsF e de programas de mobilidade privados ou institucionais que oferecem bolsas de estudo, o estudante que decide estudar em Portugal pelo ENEM terá que arcar com as anuidades das instituições. Em página na internet, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, vinculado ao MEC e responsável pela elaboração e aplicação do ENEM, deixa claro esta condição ao destacar que os “convênios interinstitucionais não envolvem transferência de recursos e não preveem financiamento estudantil por parte do governo brasileiro” (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2016, para. 7). Convém ressaltar que, mesmo nos programas de mobilidade que resultam de acordos institucionais bilaterais com isenção de taxas e anuidades, as/os estudantes terão que pagar despesas como alimentação e alojamento.

Portanto, ainda que no Brasil as políticas de ação afirmativa tenham contribuído para “a atual conjuntura de massificação e de ampliação, a novos públicos, das oportunidades educacionais” (Nogueira, 2017, p. 233), estudar no exterior continua a ser um privilégio de raça e classe social. Mesmo no caso de Portugal, em que a língua não se apresenta como barreira, frequentar um curso superior numa das suas instituições encontra na questão financeira um empecilho que requer planejamento orçamentário, como relata uma estudante branca, de 26 anos, vinda de uma família rural de baixa renda da região sul do Brasil, e que teve que economizar parte do salário como professora de inglês, durante quase 3 anos, para concretizar o desejo de estudar por 5 meses em Portugal: “a sociedade só funciona efetivamente para quem pode pagar e isso não faz sentido. É totalmente errado, não é justo” (Borges, 2021, p. 224).

A partir de uma amostra com 94 estudantes que ingressaram pelo ENEM em instituições portuguesas de ensino superior, a Tabela 4, a seguir, mostra que o nível de proficiência em língua inglesa é mais alto no grupo de quem se autoidentificou como branca/o.

Tabela 4: Habilidades em língua inglesa de estudantes do Exame Nacional do Ensino Médio em Portugal 

Fonte: Borges, 2021

No entanto, numa análise comparativa com bolsistas do CsF (ver Tabela 3), estudantes que ingressam em universidades de Portugal pelo ENEM tendem a ter um maior domínio em inglês, independentemente da identidade racial. Vemos, portanto, no contexto da mobilidade estudantil para Portugal, 2 séculos após o fim do colonialismo no Brasil, a interface da colonialidade de poder em reverberações de racismo linguístico e em disparidades educacionais, desvelada pela interseccionalidade de raça e proficiência em inglês. Estamos diante, pois, de uma complexa questão e sobre a qual já havíamos refletido anteriormente:

assim, se por um lado, a língua portuguesa aparece subalterna na dinâmica da globalização hegemónica da educação, por outro lado, apresenta-se como opção contra-hegemónica para grupos de estudantes socialmente menos favorecidos e que se fazem visíveis nas rotas de mobilidade internacional. (Borges & Afonso, 2018, p. 69)

5. Considerações Finais

... As reticências que empregamos para iniciar este parágrafo devem ser interpretadas menos como sinal de desobediência na escrita e mais como ênfase para uma última reflexão. A sequência gráfica de três pontos imprime aqui o sentido de movimento, estranhamento e pensamento crítico. Com isso, queremos ressaltar que na decisão/ação de deslocar-se do Brasil para estudar em outro país, estudantes de diferentes identidades raciais e contextos socioeconômicos veem aumentada a possibilidade de conquistar, a partir de (des)encontros culturais, um despertar descolonial. Assim, a experiência de racismo linguístico relatada e refletida criticamente por algumas/alguns estudantes em Portugal que, como vimos, faz parte do processo histórico da colonialidade da língua portuguesa, potencializa novas ou mais aprofundadas formas de pensar. Nesse sentido, a mobilidade estudantil na sua dimensão intercultural carrega uma força de denúncia, de transformação e de libertação que vai contribuindo para a descolonialidade tanto de mentes em formação intelectual quanto de práticas e políticas no campo da educação que são promotoras e reprodutoras de desigualdades e discriminação. Por fim, os resultados que apresentamos, a partir de dados recolhidos no percurso de duas investigações acadêmicas sequenciais (Borges, 2015, 2021), seguiram o objetivo de visibilizar as inter-relações do ensino da língua inglesa com a colonialidade de poder e as desigualdades nas duas principais rotas de internacionalização cumpridas por estudantes do Brasil: Estados Unidos e Portugal.

Agradecimentos

Este trabalho teve apoio do GEPPHERG/FE/UnB - Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, e financiamento do CIEd - Centro de Investigação em Educação, Instituto de Educação, Universidade do Minho, projetos UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.

Referências

Amorim, J. (2021, 21 de junho). Recorde de alunos estrangeiros no ensino superior. Jornal de Notícias. https://www.jn.pt/nacional/recorde-de-alunos-estrangeiros-no-ensino-superior-13856409.html?target=conteudo_fechadoLinks ]

Borges, R. A. (2015). A interseccionalidade de gênero, raça e classe no Programa Ciência sem Fronteiras: Um estudo sobre estudantes brasileiros com destino aos EUA [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília]. Repositório Institucional da Universidade de Brasília. https://doi.org/10.26512/2015.12.D.20443 [ Links ]

Borges, R. A. (2018). Do Brasil aos Estados Unidos: A Barreira do inglês na mobilidade de estudantes. Um estudo sobre identidades e desigualdades refletidas no Programa Ciência sem Fronteiras. Novas Edições Acadêmicas. [ Links ]

Borges, R. A. (2021). Estudantes brasileiros no ensino superior em Portugal: O despertar descolonial na experiência da mobilidade internacional [Tese de doutoramento, Universidade do Minho]. Repositório Institucional da Universidade do Minho. http://hdl.handle.net/1822/73635 [ Links ]

Borges, R. A., & Afonso, A. J. (2017). Brasil e Portugal: A mobilidade estudantil no espaço da internacionalização. In G. S. Carvalho & M. d. Dionísio (Eds.), II ENJIE - Encontro Nacional de Jovens Investigadores em Educação (pp. 79-84). Instituto de Educação/Universidade do Minho. [ Links ]

Borges, R. A., & Afonso, A. J. (2018). Why subaltern language? Yes, we speak Portuguese! Para uma crítica da colonialidade da língua na mobilidade estudantil internacional. Comunicação e Sociedade, 34, 59-72. https://doi.org/10.17231/comsoc.34(2018).2935 [ Links ]

Borges, R. A., & Garcia-Filice, R. C. (2016). A língua inglesa no Programa Ciência sem Fronteiras: Paradoxos na política de internacionalização. Interfaces Brasil/Canadá, 16(1), 72-101. https://doi.org/10.15210/interfaces.v16i1.7516 [ Links ]

Decreto-Lei n.º 36, Diário da República n.º 48/2014, Série I de 2014-03-10 (2014). https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/36-2014-572431Links ]

De Wit, H., & Altbach, P. G. (2021). Internationalization in higher education: Global trends and recommendations for its future. Policy Reviews in Higher Education, 5(1), 28-46. https://doi.org/10.1080/23322969.2020.1820898 [ Links ]

Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência. (2019). Perfil do aluno 2017/2018. https://www.dgeec.mec.pt/np4/97/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=147&fileName=DGEEC_DSEE_2019_PERFIL_DO_ALUNO_1718.pdfLinks ]

Diretório dos Índios. (1758). https://www.nacaomestica.org/diretorio_dos_indios.htmLinks ]

Durães, M. (2021, 5 de maio). Os brasileiros “têm meia língua portuguesa”? Quando as palavras são motivo de discriminação. Público. https://www.publico.pt/2021/05/05/p3/noticia/brasileiros-meia-lingua-portuguesa-palavras-sao-motivo-discriminacao-1961161Links ]

Fino, C. A. (2019). Raízes do estranhamento: A (in)comunicação Portugal-Brasil [Tese de doutoramento, Universidade do Minho]. RepositóriUM. http://hdl.handle.net/1822/61810 [ Links ]

Fonseca, F. T. (1999). Scientiae thesaurus mirabilis: Estudantes de origem brasileira na Universidade de Coimbra (1601-1850). Revista Portuguesa de História, 2(33), 527-559. https://doi.org/10.14195/0870-4147_33-2_5 [ Links ]

Forattini, O. P. (1997). A língua franca da ciência. Revista da Saúde Pública, 31(1), 3-8. https://doi.org/10.1590/S0034-89101997000100002 [ Links ]

Gonzalez, L. (2020). A categoria político-cultural de amefricanidade. In F. Rios & M. Lima (Eds.), Por um feminismo afro-latino-americano: Ensaios, intervenções e diálogos (pp. 127-138). Zahar. [ Links ]

Grosfoguel, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, 115-147. https://doi.org/10.4000/rccs.697 [ Links ]

Grosfoguel, R. (2016a). Caos sistémico, crisis civilizatoria y proyectos descoloniales: Pensar más allá del proceso civilizatorio de la modernidad/colonialidad. Tabula Rasa, 25, 153-174. https://doi.org/10.25058/20112742.79 [ Links ]

Grosfoguel, R. (2016b). What is racism? Journal of World-Systems Research, 22(1), 9-15. https://doi.org/10.5195/jwsr.2016.609 [ Links ]

Grosfoguel, R., Oso, L., & Christou, A. (2015). ‘Racism’, intersectionality and migration studies: Framing some theoretical reflections. Identities, 22(6), 635-652. https://doi.org/10.1080/1070289X.2014.950974 [ Links ]

Haus, C., & Albuquerque, M. L. (2020). Decolonialidade e inglês como língua franca: Diálogos com professores brasileiros. Cadernos do Instituto de Letras, (61), 181-208. https://doi.org/10.22456/2236-6385.103202 [ Links ]

Institute of International Education. (2021). The open doors 2021 annual data release. 2021 fact sheet: Brazil [Fact sheet]. https://opendoorsdata.org/fact_sheets/brazil/Links ]

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2016). Enem em Portugal. Utilização de dados estudantis do Enem para acesso a IES em Portugal. http://inep.gov.br/artigo/-/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/enem-em-portugal/21206Links ]

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2021, 19 de outubro). Enem Portugal. https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/enem/enem-portugalLinks ]

Iorio, J. C., & Fonseca, M. L. (2018). Estudantes brasileiros no ensino superior português: Construção do projeto migratório e intenções de mobilidade futura. Finisterra, 53(109), 3-20. https://doi.org/10.18055/Finis14556 [ Links ]

Kim, T. (2009). Transnational academic mobility, internationalization and interculturality in higher education. Intercultural Education, 20(5), 395-405. https://doi.org/10.1080/14675980903371241 [ Links ]

Knight, J. (2003). Updating the definition of internationalization. International Higher Education, (33), 2-3. https://doi.org/10.6017/ihe.2003.33.7391 [ Links ]

Larson, J. (2018). Other voices: Authors’ literary-academic presence and publication in the discursive world system. Discourse: Studies in the Cultural Politics of Education, 39(4), 521-535. https://doi.org/10.1080/01596306.2016.1278357 [ Links ]

Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Diário Oficial § 1 (1996). https://legis.senado.leg.br/norma/551270Links ]

Lei n.º 11.645, de 10 de março de 2008, Diário Oficial da União § 1 (2008). https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htmLinks ]

Lei n.º 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, Diário Oficial da União § 1 (2017). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htmLinks ]

Lutz, H. (2015). Intersectionality as method. DiGeSt Journal of Diversity and Gender Studies, 2(1-2), 39-44. https://doi.org/10.11116/jdivegendstud.2.1-2.0039 [ Links ]

Mariani, B. (2004). Colonização linguística. Pontes. [ Links ]

Mata, I. (2019). Epistemologias do “colonial” e da descolonização linguística: Uma reflexão a partir da África. Gragoatá, 24(48), 208-226. https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33627/19614Links ]

Melo, L. A., & Mira, A. P. (2021). O pretuguês em sala de aula: Racismo linguístico e as práticas pedagógicas da(o) docente de língua portuguesa. Inter-Ação, 46(3), 1395-1412. https://doi.org/10.5216/ia.v46i3.67796 [ Links ]

Mignolo, W. D. (2003). Os esplendores e as misérias da “ciência”: Colonialidade, geopolítica do conhecimento e pluri-versalidade epistémica. In B. S. Santos (Ed.), Conhecimento prudente para uma vida decente (pp. 631-671). Edições Afrontamento. [ Links ]

Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: O lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), 1-18. https://doi.org/10.17666/329402/2017 [ Links ]

Museu do Índio. (s.d.). Línguas indígenas. Retirado a 18 do março de 2022 de http://prodoclin.museudoindio.gov.br/index.php/conheca-as-linguas-indigenas-no-brasilLinks ]

Nascimento, G. (2019). Racismo linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo. Letramento. [ Links ]

Nogueira, M. A. (2017). Quando a meritocracia se vê ameaçada, o que ocorre com os padrões (históricos) da excelência escolar? In L. L. Torres & J. A. Palhares (Eds.), A excelência académica na escola pública portuguesa (pp. 228-235). Fundação Manoel Leão. [ Links ]

Organisation for Economic Cooperation and Development. (2019). Education at a glance 2019. OECD Indicators. https://doi.org/10.1787/f8d7880d-en [ Links ]

Quijano, A. (2014). Colonialidad del poder y classificación social. In D. A. Clímaco (Ed.), Cuestiones y horizontes: De la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/descolonialidad del poder (pp. 285-327). CLACSO. http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20140424014720/Cuestionesyhorizontes.pdfLinks ]

Rodrigues, A. D. (1986). Línguas brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas. Edições Loyola. [ Links ]

Roldão, C. (2019). Os afrodescendentes no sistema educativo português: Racismo institucional e continuidades coloniais. In A. R. Oliva, M. N. Chaves, R. C. Garcia-Filice, & W. F. Nascimento (Eds.), Tecendo redes antirracistas: Áfricas, Brasis, Portugal (pp. 163-185). Autêntica. [ Links ]

Santos, F. S., & Almeida-Filho, N. de. (2012). A quarta missão da universidade: Internacionalização universitária na sociedade do conhecimento. Editora Universidade de Brasília; Imprensa da Universidade de Coimbra. [ Links ]

Secretaria de Educação Fundamental. (1998). Parâmetros curriculares nacionais: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua estrangeira. Ministério da Educação e do Desporto. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/pcn_estrangeira.pdfLinks ]

Spears, E. (2014). O valor de um intercâmbio: Mobilidade estudantil brasileira, bilateralismo & internacionalização da educação. Revista Eletrônica de Educação, 9(1), 151-163. https://doi.org/10.14244/198271991026 [ Links ]

UNESCO Institute of Statistics. (s.d.). Global flow of tertiary-level students. Retirado a 27 de fevereiro de 2020 de http://uis.unesco.org/en/uis-student-flowLinks ]

Universidade Estadual de Campinas. (s.d.). Política de línguas. Enciclopédia das Línguas no Brasil. Retirado a 18 de março de 2022 de https://www.labeurb.unicamp.br/elb/portugues/lingua_oficial.htm Links ]

Venâncio, F. (2022). O português à descoberta do brasileiro. Guerra e Paz. [ Links ]

Windle, J., & Nogueira, M. A. (2015). The role of internationalisation in the schooling of Brazilian elites: Distinctions between two class fractions. British Journal of Sociology of Education, 36(1), 174-192. https://doi.org/10.1080/01425692.2014.967841 [ Links ]

1 Embora extrapole o objetivo deste artigo, o despertar descolonial na interface com a colonialidade linguística deve ser investigado também em relação a estudantes provenientes de ex-colônias de Portugal em África e que são falantes de variedades da língua portuguesa (Roldão, 2019), todas legítimas e que não deveriam ser hierarquizadas. Nestes casos, a colonialidade (do ensino) da língua portuguesa na constituição de Estados-nação em África deve ser problematizada enquanto língua de poder que passa de instrumento colonial de dominação a instrumento de emancipação anticolonial, mas também tendo em conta o plurilinguismo nesses territórios. Como assinala Inocência Mata (2019), “os africanos que falam uma só língua constituem uma minoria em África, apesar de esta ‘vantagem’ nunca ser tida em conta pois, na maior parte das vezes, a segunda ou terceira língua não é uma língua europeia” (p. 214).

2Investigações realizadas, respectivamente, nas trajetórias acadêmicas de mestrado e doutorado.

3Adotamos neste artigo uma linguagem não sexista/inclusiva. Quando não foi possível evitar o binarismo, priorizamos o feminino (por exemplo, as/os estudantes).

4As análises estatísticas partem de amostras com quantitativos diferentes e correspondem a modalidades distintas de internacionalização cumpridas por estudantes brasileiros nos Estados Unidos e em Portugal. Para facilitar a compreensão, as amostras e os respectivos estudos seguem detalhados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4.

5Por exemplo, dos 3.700.000 de estudantes em mobilidade, em 2017, no espaço dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 985.000 escolheram os Estados Unidos em 2017, um percentual de 26,6% (Organisation for Economic Cooperation and Development, 2019, p. 234).

6No ano letivo 2019/2020, 16.671 estudantes do Brasil frequentavam o ensino superior nos Estados Unidos (Institute of International Education, 2021).

7Dos 22.194 internacionais no país em 2017, 35% vinham do Brasil. Estudantes de países africanos de língua oficial portuguesa, principalmente Angola e Cabo Verde, também têm participação importante na mobilidade de entrada em Portugal: 31,4% (UNESCO Institute of Statistics, s.d.).

8Da amostra de 394 estudantes do Brasil em Portugal, 48,6% assinalaram a língua portuguesa como o principal fator de decisão na escolha por estudar no país (Borges, 2021).

9Convertida na Lei n.º 13.415 (2017). Sobre a obrigatoriedade de oferta da língua inglesa, ver Artigo 35-A, § 4º.

10O documento Diretório dos Índios (1758) determina a substituição da língua geral (língua de origem tupinambá utilizada pelos portugueses para dialogar com os povos originários do Brasil) pela língua portuguesa.

11Estima-se atualmente entre 150 e 180 línguas indígenas faladas no Brasil. Há 5 séculos, quando da chegada dos colonizadores portugueses, calcula-se algo próximo a 1.200 línguas indígenas (Museu do Índio, s.d.).

12A língua portuguesa foi oficialmente reconhecida pelo Estado brasileiro na Constituição de 1988. Na ocasião, houve debate se o idioma oficial deveria atender pela nomenclatura de língua portuguesa ou língua brasileira (Universidade Estadual de Campinas, s.d.).

13Amostra resulta das devolutivas a questionário virtual de pesquisa (Borges, 2015) enviado através de correio eletrônico vinculado ao perfil de cada bolsista, informações de acesso público na internet, mediante a plataforma do programa Ciência sem Fronteiras - Bolsistas pelo Mundo.

14Respostas a uma questão de questionário online, a partir de uma escala intervalar de 6 pontos, em que o estudante foi convidado a assinalar entre 1 (menor domínio) e 6 (maior domínio) para as habilidades linguísticas em inglês. A média aponta, assim, a tendência central das marcações dos bolsistas na referida escala. A significância estatística a partir da comparação da diferença das médias (teste t-Student, com valor-p menor ou igual a 0,05) foi calculada com o suporte do software IBM SPSS Statistics 18 (Borges, 2015). Nas Tabelas 2, 3 e 4, obtidas em investigação posterior, foi utilizada a versão 25 (Borges, 2021).

15Esta amostra foi constituída por bolsistas que cumpriram mobilidade em 24 universidades, situadas em Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, Hong Kong e Reino Unido. O critério de seleção baseou-se em universidades de pesquisa listadas entre as 30 mais bem classificadas em dois prestigiados rankings internacionais tomados por referência no âmbito do programa CsF, em 2011: o QS World University Rankings e o THE World University Rankings.

16Embora negra não seja uma categoria de classificação de cor/raça oficialmente adotada no Brasil, ela é empregada usualmente em estatísticas de órgãos oficiais e pesquisas para agrupar pessoas que se autodeclararam pretas e pardas.

17De 1700 a 1771, o aumento dos fluxos de mobilidade para a Universidade de Coimbra colocava estudantes do Brasil “nas posições cimeiras da hierarquia dos lugares que mais graduados haviam tido entre os seus naturais” (Fonseca, 1999, p. 527). Eram filhos (homens) da elite agrária, constituída por senhores dos engenhos de açúcar e das lavouras de café.

18Although it is beyond the scope of this article, the decolonial awakening at the interface with linguistic coloniality should also be investigated of students from former Portuguese colonies in Africa and speakers of Portuguese language variants (Roldão, 2019) all legitimate that should not ranked should also be analyzed. In these cases, the Portuguese language coloniality (of teaching) in the constitution of nation-states in Africa must be problematized as a language of power that shifts from a colonial instrument of domination to a mechanism of anti-colonial emancipation considering the plurilingualism in these territories. As Inocência Mata (2019) points out, “Africans who speak a single language represent a minority in Africa, although this ‘advantage’ is never taken into account because, in most cases, the second or third language is not a European language” (p. 214).

19Investigations were carried out on the academic paths of master’s and doctoral degrees, respectively.

20In this article, we adopt non-sexist/inclusive language. When it was not possible to avoid binarism, we prioritized the feminine.

21Statistical analyzes start from samples with different amounts and correspond to different modalities of internationalization carried out by Brazilian students in the United States and Portugal. The samples and the respective studies are detailed in Tables 1, 2, 3, and 4 to facilitate understanding.

22For example, of the 3,700,000 students in mobility in 2017, within the Organization for Economic Cooperation and Development countries, 985,000 chose the United States in 2017, 26.6% (Organisation for Economic Cooperation and Development, 2019, p. 234).

23In the academic year 2019/2020, 16,671 students from Brazil attended higher education in the United States (Institute of International Education, 2021).

24Of the 22,194 internationals in the country in 2017, 35% came from Brazil. Students from Portuguese-speaking African countries, mainly Angola and Cape Verde, also have an important participation in the mobility of entry into Portugal: 31.4% (UNESCO Institute of Statistics, n.d.).

25Of the sample of 394 students from Brazil in Portugal, 48.6% indicated the Portuguese language as the main decision factor in choosing to study in the country (Borges, 2021).

26Converted into Law 13.415 (Lei n.º 13.415, 2017). On the mandatory provision of the English language, see Article 35-A, § 4.

27The document Diretório dos Índios (Directory of Indians; 1758) determines the replacement of the general language (the language of Tupinambá origin used by the Portuguese to dialogue with the native peoples of Brazil) with the Portuguese language.

28It is currently estimated that between 150 and 180 indigenous languages are spoken in Brazil. When the Portuguese settlers arrived, 5 centuries ago, there were estimated to be something close to 1,200 indigenous languages (Museu do Índio, n.d.).

29The Portuguese language was officially recognized by the Brazilian State in the 1988 Constitution. On that occasion, there was a debate as to whether the official language should comply with the nomenclature of Portuguese or Brazilian language (Universidade Estadual de Campinas, n.d.).

30The sample stems from the feedback to a virtual research survey (Borges, 2015) sent via email linked to the profile of each fellow, information publicly accessible on the internet through the platform of the Science Without Borders - Scholars Around the World Program.

31Responses to an online survey question, using a six-point interval scale, where the student was told to tick between 1 (lowest mastery) and 6 (highest mastery) for English language skills. The average thus points to the central tendency of the scholarship holders’ scores on that scale. Statistical significance from comparing the difference in means (Student t-test, with p-value less than or equal to 0.05) was calculated with the support of the IBM SPSS Statistics 18 software (Borges, 2015). In Tables 2, 3, and 4, obtained in a later investigation, version 25 was used (Borges, 2021).

32This sample consisted of fellows who completed mobility in 24 universities in Australia, Canada, South Korea, the United States, Hong Kong, and the United Kingdom. The selection criterion was based on research universities listed among the 30 best ranked in two prestigious international rankings taken as a reference within the scope of the Science without Borders Program in 2011: the QS World University Rankings and THE World University Rankings.

33Although Black is not a category of color/race classification officially adopted in Brazil, it is usually used in statistics from official bodies and surveys to group people who declared themselves Black and Brown.

34Between 1700 and 1771, the increased mobility flow to the University of Coimbra ranked Brazilian students “in the top positions of the hierarchy of the places that had the most graduates among their natives” (Fonseca, 1999, p. 527). They were sons (men) of the landowning elite, formed by sugar mills and coffee plantations owners.

Recebido: 02 de Dezembro de 2021; Aceito: 23 de Fevereiro de 2022

Rovênia Amorim Borges é jornalista, doutorada em ciências da educação, na especialidade sociologia da educação e política educativa (Universidade do Minho). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Tem interesse na temática da internacionalização da educação superior com ênfase na mobilidade estudantil. Tem adotado a abordagem metodológica da interseccionalidade de gênero, raça e classe sob a perspectiva crítica da colonialidade/descolonialidade. Email: roveniaa@gmail.com Morada: Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro, nº 602, Prédio FE 03, Sala BT- 06/14 - Asa Norte, Brasília/DF, Brasil - CEP: 70910-900

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons