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Comunicação e Sociedade

versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.42  Braga dez. 2022  Epub 25-Fev-2023

https://doi.org/10.17231/comsoc.42(2022).3964 

Artigos Temáticos

A Igreja Universal do Reino de Deus em Notícia: Melodrama e Registo Factual

i Centro de Estudos de Comunicação e Cultura, Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, Portugal


Resumo

O polémico estabelecimento da Igreja Universal do Reino de Deus em Portugal deu ensejo a uma cobertura jornalística durante a década de 1990, em que acusações de crimes graves - de charlatanismo a ligações com o narcotráfico e o rapto de crianças - preencheram as páginas dos jornais (G. M. Dias, 2006; R. A. S. Dias, 2016; Farias, 1999; Farias & Santos, 1999; Júnior, 2013; Machado, 2003). Também se observou no discurso jornalístico do período a associação da Igreja a estereótipos sobre o Brasil e os brasileiros e a referência às telenovelas brasileiras, então bastante populares no país. Com o objetivo de observar se estas características se mantiveram ao longo dos anos, analisámos peças publicadas pelos jornais de referência Público e Expresso no início do século XXI (2001 e 2002), em 2010 e em 2017. Inspirada pela análise crítica do discurso e a análise de enquadramentos, e com o suporte teórico da teoria das representações sociais, tal análise permitiu-nos concluir que se mantém as características identificadas nos anos 1990 na cobertura da Igreja, embora a sua presença mediática se tenha atenuado. Por sua vez, a referência às telenovelas revela-se na tessitura do discurso jornalístico, com uma hibridez entre os géneros melodrama e informativo.

Palavras-Chave: representações sociais; jornalismo; Igreja Universal do Reino de Deus; melodrama; telenovelas

Abstract

The controversial establishment of the Universal Church of the Kingdom of God in Portugal was the subject of many news reports during the 1990s, in which accusations of serious crimes - from charlatanism to connections to drug trafficking and child abduction - filled the pages of newspapers (G. M. Dias, 2006; R. A. S. Dias, 2016; Farias, 1999; Farias & Santos, 1999; Júnior, 2013; Machado, 2003). Many of these news reports linked the Church with stereotypes about Brazil and Brazilians and referenced Brazilian soap operas, which were quite popular in the country at the time. To observe whether these characteristics have been maintained over the years, the author analysed reports published by the influential newspapers Público and Expresso from the early 21st century (2001 and 2002), in 2010 and 2017, respectively. Inspired by critical discourse analysis and framing analysis, and with the theoretical support of the theory of social representations, such analyses allowed the author to conclude that the characteristics identified in the 1990s remained, although the Church’s media presence has since reduced. In turn, the reference to soap operas manifests in the fabric of journalistic discourse, with a hybridisation formed between the melodramatic and informational genres.

Keywords: social representations; journalism; Universal Church of the Kingdom of God; melodrama; soap operas

1. Introdução

Fundada em 1977 no Brasil, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) iniciou sua internacionalização por Portugal, instalando-se no país 12 anos depois. Esta fixação não ocorreu de forma anódina, gerando alguns conflitos amplamente noticiados pelos média. Dois factos podem ser referidos como eventos significativos da chegada da Igreja ao país: a compra, frustrada pelos inúmeros protestos que se seguiram, da casa de espetáculos Coliseu, no Porto, e a agressão de uma multidão a fiéis que frequentavam um culto num centro comercial em Matosinhos (G. M. Dias, 2006).

Enquanto a tentativa de compra do Coliseu foi interpretada, sobretudo pela população do Porto como uma ofensa, considerando-se a história e importância cultural da casa, o que gerou amplas manifestações; o “caso Matosinhos” correspondeu ao período de 10 horas em que fiéis que frequentavam um culto foram cercados por uma multidão que os insultava e tentava agredi-los. Ambos os eventos, ocorridos em 1995, obtiveram ampla repercussão nos média e assinalaram o momento em que as veiculações sobre a IURD tornaram-se recorrentes. Porém, as referências à Igreja nos jornais remontam a 1991. Segundo Guilherme Dias (2006), não apenas as acusações ao seu líder, Edir Macedo, e à atuação da IURD na justiça brasileira eram apresentadas com ênfase nas notícias, como também as descrições dos cultos continham um tom pejorativo, por exemplo, com o termo “bispo” - a forma como os seus pastores se autodenominam - expresso entre aspas.

Miguel Farias (1999) identifica uma peça do jornal Correio da Manhã como o primeiro exemplar de uma série de notícias sobre a Igreja, em diferentes veículos, que então se tornariam comuns na imprensa. Com o título “Seita ‘Suspeita’ Tem Igrejas em Portugal”, a peça data de 16 de junho de 1991. Segundo o autor, ante a falta de investigações e de centros de estudos em Portugal sobre os novos movimentos religiosos - designação em que se encaixava a IURD - no início da década de 1990, a imprensa se tornou a principal formadora de opinião sobre a Igreja. Neste período, as reportagens sobre a IURD 1focalizavam dois aspetos: o caráter de espetáculo e a histeria presente nos seus cultos, que incluíam exorcismos e milagres; e a sua renda e prosperidade, salientando-se o apelo à contribuição do dízimo e a caracterização de seus membros como pessoas de baixa erudição.

Convém explicar que a IURD se afirma como uma denominação neopentecostal ao enfatizar a terceira pessoa da Trindade - o Espírito Santo - por meio de manifestações miraculosas como o “batismo em espírito”, o falar línguas e a cura física. Também há o enfoque no mundo temporal, com o apelo às necessidades mundanas dos fiéis. Nesse enfoque, a pobreza e a riqueza são compreendidas, respetivamente, como o reverso prático do pecado e da graça. Apesar de a denominada “teologia da prosperidade” não estar presente em todo o movimento neopentecostal, na IURD se verifica a sua presença por meio da ênfase dada a uma transformação de vida não apenas em termos de corpo, espírito e estilo de vida, mas também de padrões de consumo (Garrard-Burnett, 2011).

Nota-se também nesse período que a cobertura dos jornais começava a associar a IURD à nacionalidade brasileira, conforme se observa em trecho de artigo de Diana Andringa (como citada em G. M. Dias, 2006) para o Público em 5 de agosto 1995:

basta assistir a uma das habituais emissões televisivas da IURD para compreender como sua força persuasiva provém, em boa medida, da sua sintonia com os programas que são os pratos-fortes das nossas televisões ditas generalistas: o arrepio do medo e do irracional, até a hábil manutenção do sotaque brasileiro das telenovelas… (p. 302)

A menção ao sotaque dos pastores igual ao das personagens das telenovelas cor- responde à conotação de produzir uma emoção não calcada na realidade, como as telenovelas, em razão do seu caráter ficcional, a incitam. Igor Machado (2003) menciona outro momento em que, no contexto da agressão a fiéis da IURD, um repórter do Diário de Notícias (11 de novembro 1995) diz o seguinte: “não há nada pior… do que um bispo João Luís ou José Carlos com sotaque de telenovela a dar-nos mediáticas lições de civismo” (p. 213)2. Rafael Dias (2016) também indica esta relação estabelecida pelos jornais entre o sotaque brasileiro igual ao das telenovelas e a linguagem da Igreja (pronúncia e enredos), ao citar trechos como o seguinte do dia 27 e agosto de 1995 do jornal Público:

a Igreja Universal fala a mesma linguagem das telenovelas e não é só na pronúncia, tão familiar aos ouvidos portugueses, que está a semelhança, mas também nas muitas vidas difíceis, muitas promessas fáceis de felicidade, a cumprir logo no fim da série. (p. 272)

O autor cita ainda reportagem do Público (“Igreja Universal da Rádio de Deus”, 24 de agosto de 1995, p. 35), em que o modo de falar do Brasil é mais uma vez realçado ao se caracterizar a Igreja: “do outro lado da linha, até às 2h30 ou mesmo 3h da manhã, uma voz com sotaque brasileiro apela para todos aqueles que pensam em abandonar a vida. A IURD espera por todas as ovelhas perdidas” (R. A. S. Dias, 2016, p. 272). Conclui Rafael Dias (2016) que, nesse período, se tornara comum na imprensa a associação da IURD a algo fantasioso e irreal.

Nessa referência mediática, identificamos dois imaginários sociais sobre o Brasil: um de cariz mais antigo, relacionado ao estereótipo da malandragem e à ideia de que brasileiros são burlões, e outro então mais recente, concernente à sensação de invasão cultural brasileira, em que as telenovelas emergem como exemplo paradigmático. Assim, Machado (2003) propõe que, se o par sexo/malandragem representava uma das principais formas pelas quais o Brasil e os brasileiros eram percecionados em Portugal, podia se pensar também no par novelas/IURD, com aquelas promovendo novas formas de lidar com a sexualidade e a Igreja significando “trambique” (burla)3.

Nota-se que essas imagens correntes sobre os Brasil e os brasileiros - periodicamente atualizadas a partir da inserção de elementos novos, como o foi a chegada da Igreja ao país - têm origem na experiência imperial portuguesa. Para além das peculiaridades dessa experiência em contexto português, e da específica relação entre a então metrópole Portugal e a então colónia Brasil, podemos compreender a perenidade dessas imagens e a sua associação ao fenómeno iurdiano a partir de uma perspetiva decolonial (Quijano, 1992). Compreendendo a colonialidade como manutenção do pensamento único da racionalidade moderna colonial, em que os modos de produzir conhecimento, os sistemas de significação e afins dos povos colonizados “foram [permanecem] encerrados na categoria dos ‘exóticos’” (Quijano, 1992, p. 13), identifica-se a presença de tal perspetiva na cobertura jornalística da IURD durante os anos 19904.

Como indica Farias (1999), diante desse novo fenómeno, a análise empreendida pelos jornais procurou identificar elementos “exóticos” (termo utilizado pelo autor) nos cultos, no discurso e no modo de atuação da IURD. Também se observa a defesa subjacente aos valores racionais e à herança cultural europeia em artigos como o seguinte, publicado pelo Jornal de Notícias já em 30 de maio de 1999 (“Temas Especiais: Viagem Pelo Reino da Crendice Profunda”):

e quando o bispo Marcelo Breyner, falando dos incidentes em Matosinhos, diz que “é bom que o mundo veja como é Portugal”, apetece-nos sempre dizer “Amém!”. …na verdade, é bom que o mundo possa perceber que este canto da Europa não é uma “república das bananas”. (Farias, 1999, para. 55)

Também a partir de uma abordagem decolonial/pós-colonial, em que dialoga com a tese de Boaventura Sousa Santos (2001) sobre Portugal se afirmar historicamente como um colonizador de certa forma também colonizado, Farias (1999) interpreta este trecho como evidenciando o oposto do que tenta exprimir: “um certo sentimento de inferioridade em relação à Europa, tentando se transfigurar em uma falsa força de caráter” (para. 56).

2. A Invasão Brasileira

A sensação de invasão brasileira explica-se em boa medida pelo facto de a telenovela, introduzida em Portugal a partir dos produtos brasileiros, estar na base das principais transformações do mercado televisivo português. Como exemplifica Catarina Burnay (2005), a transmissão de Gabriela, Cravo e Canela em 1977 conseguiu a proeza de fazer os portugueses alterarem as suas rotinas, condicionando inclusive, no período de sua exibição, o horário das sessões na Assembleia da República. E a consequência desta presença intensa das telenovelas brasileiras foi a consolidação do consumo de produtos culturais brasileiros publicitados por meio destas. Livros, música, teatro e cinema eram alçados a “sucesso de vendas” sempre que relacionados às telenovelas (Ferreira, 2014).

Todavia, apesar da sua enorme popularidade junto ao público, a presença massiva de telenovelas brasileiras e produtos culturais associados desencadeou uma crítica social à “invasão brasileira”, instigada sobretudo pela imprensa. Paulo Gracino Júnior (2013) indica como já em 1981 o Jornal de Notícias publica peça em que aponta para a “tentativa de colonização brasileira através das telenovelas” (p. 196). Identifica-se nesta crítica pela imprensa a preponderância de uma dupla preocupação: com a presumível popularização do falar “brazuquês” e com o licenciamento de costumes e hábitos, principalmente em relação à sexualidade.

Referentemente a este segundo ponto, compreende-se o impacto das telenovelas, pois durante mais de 4 décadas Portugal viveu sob uma ditadura conservadora, em que se impunha forte moral de contenção sobre a sexualidade (Pais, 2010). Como nota Isabel Ferin Cunha (2005), as telenovelas brasileiras não foram então percecionadas como veiculadoras de modelos emancipatórios do feminino, mas sobretudo como exemplos de transgressão cultural e sexual.

A telenovela, enquanto formato artístico, está abaixo de outros formatos como o teatro, o cinema e a literatura nas escalas de valoração criadas e mantidas pelos jornais e seus críticos. Por rotineiramente empregar técnicas de envolvimento afetivo, apelo ao quotidiano, repetibilidade e redundância, a este formato acabam por ser imputadas as mesmas características conotadas à televisão enquanto meio de comunicação de massas, em que é “encarada como manipuladora das consciências, fruto de uma ‘indústria cultural’ que transforma tudo em que toca em produto” (Burnay, 2005, p. 108).

Observa-se assim, que o estabelecimento da IURD em Portugal, assim como a polémica dos dentistas em meados da década de 1990 e a das trabalhadoras sexuais no início do século XXI5, exerceu uma notória influência na atualização da imagem do Brasil e dos brasileiros corrente no país. Nestes dois casos associaram-se os estereótipos da malandragem e da sexualidade exacerbada, respetivamente aos dentistas e às mulheres que se prostituíam; já a IURD, identificada como algo “novo” vindo do Brasil, foi lida a partir de uma chave interpretativa em que se inter-relacionavam as imagens de malandragem, corrupção e ganho fácil (Machado, 2003).

Assim, a instalação da IURD foi experienciada tanto como uma ameaça aos pilares católicos da sociedade portuguesa, quanto como um surto irracionalista que se opunha ao corrente processo de modernização de Portugal, iniciado com a sua adesão à Comunidade Económica Europeia em 1986. Neste contexto, os média exerceram um papel preponderante ao sintetizarem os anseios de diversos segmentos societais inscritos nos conflitos em que a IURD se envolveu (Júnior, 2013).

Portanto, poucos anos após a sua chegada ao país a IURD já aparecia com frequência nos jornais com um tipo de cobertura em que era caracterizada menos como uma instituição religiosa e mais como uma associação criminosa (Farias, 1999). Como nota Guilherme Dias (2006), o nome da Igreja era relacionado inúmeras vezes a crimes - as acusações iam de charlatanismo a ligações com o narcotráfico colombiano e com o rapto de crianças - porém estes eram raramente confirmados.

Embora os eventos de 1995 tenham impulsionado essa cobertura recorrente sobre IURD, a sua presença mediática atenuou-se a partir de 1999. Uma das hipóteses para tal te- ria sido a substituição do Bispo João Luís, até então responsável pela Igreja no país, por um de origem portuguesa. Assim, “a calmaria adveio de os sinais diacríticos de ‘brasilidade’ não estarem mais tão fortemente presentes na figura do novo bispo” (G. M. Dias, 2006, p. 313).

3. Desenho Metodológico

Com o interesse de discutir a cobertura jornalística sobre a IURD ao longo dos anos, após este período inicial turbulento, analisámos algumas peças publicadas pelos periódicos Público e Expresso. As duas primeiras datam de 2001 e 2002, correspondendo assim ao período em que a presença mediática teria se atenuado, e as demais quatro dizem respeito a duas situações ocorridas em 2010 e 2017, concernentes, respetivamente, à inauguração das primeiras catedrais da IURD em Portugal e à denúncia sobre um esquema de adoção ilegal de crianças por parte da Igreja.

Para verificar se as características observadas na cobertura da Igreja nos anos 1990 pelos autores mencionados se mantiveram nos anos seguintes, debruçámo-nos sobre todas as edições publicadas pelos jornais Público e Expresso entre os anos de 2000 a 2005 e de 2010 a 2015. A escolha por estes dois períodos justifica-se, pois, enquanto o primeiro diz respeito ao período em que a presença da Igreja nos jornais teria diminuído, também é contemporâneo à segunda vaga de imigração brasileira em Portugal. Como indica Jorge Malheiros (2007), a comunidade brasileira no país sempre esteve a aumentar desde a década de 1980, no entanto, experienciou um crescimento vertiginoso a partir de 1999, com um fluxo notoriamente mais jovem, feminino e com índices de escolaridade mais baixos. Em contraposição, portanto, à primeira vaga, que era composta em sua maioria por trabalhadores mais qualificados. Já a escolha pelo segundo período de análise corresponde ao interesse de verificar essa presença da IURD nos jornais num momento em que, em decorrência da crise económica em Portugal, a comunidade estrangeira como um todo esteve em decréscimo no país6.

A considerar-se que ao longo da década de 1990 e, sobretudo após os eventos de 1995, as peças sobre a Igreja mostraram-se em grande parte orientadas por imaginários sociais acerca do Brasil e dos brasileiros, faz sentido procurar compreender essa cobertura jornalística não apenas num período de menor turbulência em torno da IURD, mas, concomitantemente, também determinante para o fluxo migratório entre Portugal e Brasil. Salientamos que a segunda vaga de imigração, também em razão do seu perfil, esteve mais associada a ocorrências de discriminação e xenofobia (Malheiros, 2007).

Portanto, ao debruçarmo-nos sobre as edições físicas dos referidos jornais entre 2000 e 2005, apenas duas reportagens sobre a Igreja, uma do Expresso e outra do Público, foram identificadas. Referentemente às duas reportagens de 2010, ambas dizem respeito a um mesmo facto: a inauguração das primeiras catedrais da IURD em Portugal. Já as duas reportagens de 2017 fazem referência a um suposto esquema de adoção ilegal, primeiramente veiculado pelo canal televisivo TVI. Como este caso acabou por adquirir grande repercussão, decidimos integrá-lo à nossa análise. Para isto, selecionámos as peças nos websites dos respetivos jornais a partir de pesquisa pelas palavras-chave “IURD” e “adoção”.

O que observamos a partir da análise desses textos é que a relação às telenovelas brasileiras transcendeu a referência a sinais prototípicos de brasilidade e ao sentido conotativo de gerar uma emoção que engana e espraiou-se para o discurso jornalístico. Nota-se isto ao atentarmo-nos aos tópicos selecionados e salientados em cada peça (por exemplo, ao serem posicionados em espaços privilegiados ou repetidos ao longo do texto), e também na forma como emergem em associação a símbolos culturais familiares à audiência portuguesa. Como indica Robert Entman (1993), a dimensão sociocultural é indissociável da ação de enquadrar um facto, já que determinada maneira de perceber e compreender a realidade apresenta sempre como pano de fundo um senso comum e o imaginário de uma dada sociedade. Neste sentido, “a cultura pode ser definida como o conjunto empiricamente demonstrável de quadros comuns exibidos no discurso e no pensamento da maioria das pessoas de um agrupamento social” (Entman, 1993, p. 53).

Observamos assim, nas peças analisadas, a hibridez entre um discurso de perfil mais factual e analítico, típico do jornalismo, e outro de cariz fictício, mais próximo do que se definiria como literatura folhetinesca. Neste sentido, seguimos o entendimento de Anatol Rosenfeld (2005) sobre o caráter ficcional não ser o único, e mesmo o mais relevante, traço distintivo da literatura, possuindo um peso significativo para esta determinação critérios de valorização sobretudo estética7. A verificação do caráter ficcional de um texto, portanto, independe de tais critérios de valor, referindo-se antes a problemas ontológicos, lógicos e epistemológicos.

A considerar-se a manutenção nas reportagens sob escrutínio das características identificadas nos anos 1990, como a ligação da IURD a acusações graves, e aspetos retóricos, estilísticos e sintáticos do discurso, compreendemos que a cobertura da Igreja no Público e Expresso apresenta similitudes com o macro género melodrama, em que por vezes se aplica padrões de história da carochinha a situações que pretendem corresponder à realidade quotidiana. Tal assim se evidencia, pois “os mesmos padrões que funcionam muito bem no mundo mágico-demoníaco do conto de fadas revelam-se falsos e caricatos quando aplicados à representação do universo profano da nossa sociedade atual” (Rosenfeld, 2005, p. 19).

Dada a impossibilidade de abrangermos toda cobertura sobre a IURD, optámos por cingir nosso estudo aos dois jornais citados por serem de referência. Este tipo de veículo é comumente citado por outros média, além de ter acesso mais amplo a fontes proeminentes, influenciando desta forma, não apenas o campo mediático, mas também a própria expressão da opinião pública sobre diferentes temas (Noelle-Neumann, 1991). Relembramos que durante a década de 1990 os média foram os principais formadores de opinião sobre os novos movimentos religiosos, em que a IURD se inseria (Farias, 1999). Portanto, compreende-se o interesse em verificar essa cobertura num momento posterior em veículos mais intimamente relacionados ao estabelecimento de uma opinião pública. Assinala-se ainda que a matriz dramática do jornalismo, contraposta à matriz racional-iluminista tanto nos critérios de noticiabilidade quanto na estrutura das notícias, está mais presente na imprensa popular. Embora nenhum jornal seja a expressão unívoca de uma determinada matriz (Amaral, 2007), interessava-nos compreender se essa matriz permanecia presente na cobertura da IURD nos jornais de referência.

Assim, consideramos provável que a presença da Igreja em outros veículos e for- matos também se apresente com um discurso em que o ficcional e o informativo se evidenciem de forma imbricada. Como observou Carla Baptista (2018) acerca da série televisiva O Segredo dos Deuses - referente ao suposto esquema de adoção ilegal -, já em seu título esta evoca resquícios de telenovela e operação policial. Por sua vez, a opção pela longa serialização em 10 episódios, longe de se justificar pela complexidade dos factos narrados e a necessidade de adicionar detalhes significativos, redunda em repetição de cenas de momentos marcantes, que acrescentam ênfase, mas não informação. Algo relevante é o facto de a cobertura televisiva sobre o caso “Mães de Bragança” também ter sido influenciada pelo género melodramático. Como afirma Ferin Cunha (2005), “nas imagens da prostituição, o objecto de desejo [era] é apresentado de forma velada, através de recursos técnicos e cénicos que escondem as personagens, e exibem as partes do corpo mais cobiçadas” (p. 550). Tal forma de exposição sugeria a influência das telenovelas no olhar dos portugueses sobre as mulheres imigrantes brasileiras e, no âmbito desta discussão, também na sua perceção do fenómeno iurdiano.

Tal cobertura também se afirma em contraposição à estratégia da Igreja de posicionamento na esfera pública, em que procura acentuar a polarização e explorar o exótico e o espetacular. E, ao contrapor-se, o discurso jornalístico recorre ao imaginário social acerca da invasão brasileira e estereótipos correntes sobre o Brasil e os brasileiros. Portanto, a considerar-se que a IURD apresenta-se ligada pelo discurso jornalístico a sinais prototípicos de brasilidade, empregamos a teoria das representações sociais como base teórica a perpassar este artigo.

4. As Representações Sociais

Primeiramente formulada por Serge Moscovici (1988), a teoria das representações sociais propõe-se a explicar como e porque pensamentos e sentimentos se encontram geralmente disseminados em grande número ou na maioria dos indivíduos de uma sociedade. Para a compreensão de como estes convergem e permitem que algo individual se torne social, é estabelecido o conceito de representações sociais como espécie de “pensamentos em movimento”, em que circulam tanto por meio da comunicação mediática, quanto da comunicação dialógica entre grupos e pessoas. As representações sociais desempenham um papel fundamental que é nos familiarizar com o estranho (um facto ou fenómeno novo), de acordo com as categorias da nossa cultura.

Para Moscovici (1988), uma teoria se expressa simultaneamente como um modo de observar os fenómenos sociais e um sistema que os descreve e explica. Assim, o autor defende que há uma diversidade de abordagens metodológicas a serem desenvolvidas no âmbito da teoria das representações sociais, conforme nos propusemos aqui a fazer ao analisar o conteúdo jornalístico8. Birgitta Hoijer (2011) também advoga pela utilização da teoria das representações sociais no desenho de investigações sobre os média, ao identificá-la como uma base teórica propícia para o estudo de como média e indivíduos socialmente representam questões sociais e políticas.

As representações sociais formatam a nossa relação com a sociedade e, como consequência disso, se tornam um componente da organização social. Assim, a realidade social possui uma relação dependente com as representações sociais, no sentido de que diferentes representações sobre um fenómeno engendram distintos entendimento acerca do mesmo (portanto, alteram a realidade social). Moscovici (1988) cita as diferentes visões existentes sobre as motivações para o consumo de drogas - defeito genético, desestruturação familiar, tradição cultural, entre outros - para exemplificar este processo, que também é passível de ser compreendido a partir da acomodação da IURD em Portugal. Pois, como o entende Farias (1999), o discurso jornalístico sobre a Igreja nos anos 1990 esteve muito próximo às imagens partilhadas por uma ideologia anti-seita (anti-sect ideology), enquanto investigadores como ele e Virginia Garrad-Burnett (2011) procuraram compreender esse novo fenómeno de religiosidade a partir de uma perspetiva científica mais neutra.

Observa-se no processo de estabelecimento de uma representação social a atuação de dois mecanismos sociocognitivos: a ancoragem e a objetificação, em que o primeiro diz respeito ao processo de associar um fenómeno novo e desconhecido a representações sociais mais antigas, porém similares, e o segundo à ação de tornar esse desconhecido em algo concreto - geralmente uma imagem. No momento em que se estabelecem, as representações sociais adquirem um caráter prescritivo inerente, sem prejuízo, no entanto, de os indivíduos poderem retrabalhar as suas cognições. Isso significa que, apesar de corresponderem a padrões disseminados de pensamento, nem sempre as representações sociais se evidenciam como lógicas e coerentes, o que denota assim, o caráter complexo e heterogéneo do pensamento social.

Pensamos que na polémica instalação da IURD em Portugal esteve em ação um processo de ancoragem em que representações sociais hegemónicas sobre o Brasil e os brasileiros foram mobilizadas para dar sentido a um fenómeno então desconhecido. Conforme se exemplifica na cobertura jornalística do período, em que se tornou comum a referência às telenovelas brasileiras e suas emoções fáceis, e às imagens de corrupção e ganho fácil, esse processo de ancoragem se alimentou do imenso caudal de imagens que desde o período colonial reafirma a imagem de um país selvagem e exótico (Bosco, 2017). O processo de ancoragem ocorre por meio de diversos mecanismos comunicacionais, como o de nomeação, em que um fenómeno novo é associado a uma representação social mais antiga a partir de uma nomeação, que o insere assim num quadro de referência comum. Um exemplo disso é quando se denomina a IURD de seita, conforme esta é referenciada na primeira peça identificada sobre si em Portugal (“Seita ‘Suspeita’ Tem Igrejas em Portugal”). Como se sabe, o termo “seita” tem uma carga fortemente negativa e está geralmente associado à imagem de grupos religiosos à parte com costumes e crenças pouco usuais e extremadas. Nota-se, portanto, que a ancoragem por nomeação está intimamente relacionada a processos de estereotipia, conforme descritos por Walter Lippmann (1922/1998).

Também a se assinalar a ancoragem por metáfora em que, no âmbito da agressão a fiéis em Matosinhos, a IURD emergiu do comentário de Fernando Marques no Público, em 11 de novembro de 1995, como um corpo estranho à sociedade portuguesa:

a IURD não olha muito aos meios para propagar a mensagem ou beneficiar das fraquezas de alguns dos que aderem às suas promessas de cura divina. É natural, por isso, que gere anticorpos no seio de uma população maioritariamente católica. (G. M. Dias, 2006, p. 307)

Segundo Guilherme Dias (2006), as peças de jornais que acompanharam a acomodação da IURD em Portugal procuraram, em geral, mostrar a Igreja como um vírus infiltrando-se em Portugal e no espaço lusófono. Júnior (2013) similarmente observa que, nas peças e reportagens sobre a Igreja publicadas entre 1995 e 1996, estas quase sempre apareciam dispostas ao lado de peças sobre a epidemia da síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA). E, coincidência ou não, algumas dessas peças associavam o avanço da SIDA em território nacional a um maior fluxo migratório9.

Apesar dessa associação da IURD a estereótipos sobre o Brasil e os brasileiros, a sua instalação em Portugal foi bastante bem-sucedida (Mafra, 2002), o que também explica a atenção mediática voltada a si. Este sucesso intensificou a sensação de “invasão brasileira”, vocalizada principalmente pela imprensa. Neste sentido, observa-se no fluxo transnacional em que a Igreja se inseriu ao estabelecer-se em Portugal a transposição de uma novidade institucional que vem da “periferia” e invade o “centro”, invertendo desta forma a tendência de trânsito de know-how da economia globalizada. Conjugada a essa inversão, observa-se também a presença de agentes pouco qualificados em termos de “cultura erudita”, que chegam ao país com a missão de reeducar - ainda que em termos estritamente religiosos - uma sociedade com padrões educacionais mais elevados.

Se recordarmos que a Europa fez prevalecer o seu regime de representação sobre os sujeitos colonizados, posicionando-os como o “outro” do discurso dominante (Hall, 1990), e que este regime, apesar das atualizações, permanece potente até à atualidade, não é difícil compreender o impacto negativo que a instalação bem-sucedida da IURD em Portugal teve não apenas na sua elite intelectual, como também em parte da população mais próxima à tradição católica. Pois, “quando se trata da implantação desses movimentos religiosos em solo europeu, o que antes era uma ‘boa nova’, um sopro de modernidade para os corações latinos, torna-se algo ameaçador, capaz de corromper os sólidos pilares da modernidade europeia” (Júnior, 2013, p. 188).

5. A Estratégia de Posicionamento na Esfera Pública

Mafra (2002) assinala a união já estabelecida da Igreja com os meios de comunicação de massa aquando da sua instalação em Portugal, pois esta fora construída no Brasil durante a década de 1970. Portanto, a sua implantação no país já ocorreu associada ao surgimento não apenas de templos, mas também de rádios.

Para além da promoção de programas e aquisições de estações de rádio, a IURD estabeleceu uma relação com os média de cariz heterodoxo, porém bastante bem-sucedida, em que se posiciona da seguinte forma: compõe mensagens em consonância à lógica do contraste iconizado de opiniões, aproveita-se do exótico e do espetacular e está sempre atenta a oportunidade de recriá-las. Um exemplo desta estratégia é o caso de 1995 conhecido como “Chute na Santa”, em que um pastor, ao criticar o que apontava como um falso símbolo do catolicismo, proferiu durante um programa de televisão chutes a uma imagem de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira do Brasil e cujo feriado nacional se celebrava naquele dia.

Curiosamente, essa estratégia de realce de opiniões contrastantes se estabeleceu um pouco por acaso. Conforme mito de origem, a união entre a Igreja e os meios de comunicação de massa ocorreu no ano da sua fundação, quando uma fiel que se sentia curada subsidiou um programa curto numa rádio de São Paulo. Este, por coincidência, vinha depois de outro apresentado por uma mãe-de-santo10, o que proporcionou a Edir Macedo a oportunidade de contrastar as respostas religiosas dos dois cultos e criar um estilo com boa recetividade pela audiência. Tenha se originado por acaso ou não, o facto é que IURD apresenta uma abordagem particularmente agressiva em relação a outras religiões e igrejas, sobretudo a Umbanda e o Candomblé - que considera diabólicas ou satânicas - e a Igreja Católica (Farias, 1999).

Tal modo de se posicionar na cena pública gera duas situações: a ampla propagação das opiniões da Igreja e a tendência a formar polos dicotómicos sobre si, com o público dividindo-se entre apaixonados opositores e tenazes simpatizantes. A primeira situação explica-se pelo caráter violento dos posicionamentos da IURD, de oposição vincada a determinados consensos sociais, o que permite a estes se manifestarem intensamente; e a segunda pelo facto de tal forma de comunicação ensejar o estabelecimento de representações sociais polémicas, que emergem do intenso antagonismo em relação a determinados segmentos societais. Conforme explica Moscovici (1988), este tipo de representação é frequentemente expresso em termos de diálogo com um interlocutor imaginário, algo observável no posicionamento da IURD em que, apesar de se dirigir a interlocutores específicos, em termos gerais se afirma em oposição a - e com a missão de resgatar - uma sociedade degenerada por forças diabólicas travestidas de um falso cristianismo. Como afirmara Edir Macedo à revista brasileira Veja em 6 de dezembro de 1995: “o problema é a Igreja Católica. Ela é responsável por toda a miséria e desgraça do Brasil e do mundo. ( ... ) Tudo que ela ensina é contra o povo” (Farias, 1999, para. 8). Portanto, “dado que a Igreja acaba por se contrapor a instituições já publicamente estabelecidas, os ‘inconformados’ com o status quo pendem para uma posição mais simpática” (Mafra, 2002, p. 111). Neste sentido, eventos como o do Coliseu, visto como um momento crítico, integra o conjunto planeado de ações na cena pública, construídas como dramas densos para mobilizar a opinião pública e cujo posicionamento da Igreja sempre engloba uma explicação de teor persecutório11.

6. Análise às Notícias

O discurso jornalístico emerge de um processo sociocognitivo, que ocorre no âmbito de uma cultura partilhada e baseada em definidos papéis sociais. Ao ser enquadra- da sob determinada forma, uma notícia delimita os parâmetros cognitivos através dos quais será lida. No entanto, essa leitura corresponde sempre a uma ação autónoma por parte dos membros da audiência.

Nos textos analisados, observamos que a estrutura retórica do discurso é a mais mobilizada como dispositivo de enquadramento, ao se empregar recorrentemente metáforas, frases de efeito e representações visuais. Tal se observa em “Crime na Igreja” (A Revista do Expresso, 6 de janeiro de 2001, pp. 40-53), concernente a uma longa entrevista feita a um ex-pastor português que faz graves denúncias sobre a Igreja, revelando o que seriam as suas ramificações criminosas.

Com uma chamada de primeira página no jornal desta edição, e a referência à entrevista a ocupar a totalidade da primeira página da A Revista do Expresso, nota-se a importância concedida pelo Expresso às denúncias. Na entrevista em que João Coelho faz denúncias envolvendo a Igreja com prostituição, drogas, tráfico de armas e afins. O Expresso, além de destacá-la na primeira página de sua revista - vê-se a imagem de um muro com o símbolo e nome da Igreja e alguns tijolos caídos ao chão - também fez menção na primeira página do jornal com a chamada “Armas e Droga na IURD” surgindo logo abaixo do título do jornal, na privilegiada posição superior central.

A imagem utilizada na primeira página da revista permite-nos estabelecer a associação ao que diferentes autores já haviam identificado nas reportagens sobre a IURD na década de 1990: o seu retrato como uma instituição cujas ações buscavam mantê-la na obscuridade, mas que a denúncia de um ex-pastor tornava claras, derrubando assim, como propõe a metáfora da imagem, os tijolos que compunham a fortaleza em que se constituía. A chamada na primeira página do jornal, por sua vez, destaca algumas frases do ex-pastor em negrito e um desenho em que se veem dois homens retirando tranches de dinheiro de um cofre.

Na reportagem não se vê a imagem de Coelho, apesar de se expor o seu nome e sobrenome. As únicas fotos que a ilustram correspondem à imagem do ex-pastor de costas a contemplar o que parece ser a foto de um culto e uma outra foto do seu batismo, exposta já na última página e a ocupar a parte do desenho do muro em que os tijolos estão caídos. O restante do texto é composto por ilustrações correspondentes aos factos narrados, como cenas de batismo, aliciamento de fiéis, roubo de cofre, condução de mercadoria ilegal… Tudo de uma forma bastante gráfica, em que é realçado o que pode ser classificado como o ar de escárnio ou ironia das personagens, quase como se estivéssemos a ler uma banda desenhada em que estes são os vilões.

Antes de iniciar a entrevista, o texto narra o que Coelho afirmava ter sido uma tentativa recente de assassinato por parte da Igreja. E, correspondendo ao tom assumido pelas ilustrações, a reportagem assume um cariz melodramático em trechos como os seguintes:

de início, o rosto do rapaz parece emoldurar a expressão do pugilista a meio do combate. O olhar duro fixa-se no interlocutor, está em permanente vigia. ( … ) Ainda tem a cara inchada, e as cicatrizes à volta dos olhos acentuam-lhe a frieza. (A Revista do Expresso, 6 de janeiro de 2001, p. 40)

Considerando-se esse cariz identificado nas ilustrações e no conteúdo da entrevista, julgamos conveniente determo-nos um pouco sobre o que define a ficção. Na estrutura de um texto qualquer, ficcional ou não, a única camada a possuir autonomia ôntica é a composta pelos sinais tipográficos impressos no papel ou digitalizados numa tela qual- quer, sendo as outras, formadas pelas orações e unidades significativas de vários graus, já consideradas irreais por necessitarem da atividade concretizadora e atualizadora do apreciador adequado. Afinal, estas unidades significativas conseguem projetar determinados “contextos objectuais”, no sentido de atribuir relações entre os objetos e as suas qualidades - por exemplo, “a rosa é vermelha” - apenas por meio de determinadas operações lógicas empreendidas pelo leitor. “Mercê dos contextos objectuais, constitui-se um plano intermediário de certos ‘aspectos esquematizados’ que, quando especialmente preparados, determinam concretizações específicas do leitor” (Rosenfeld, 2005, p. 13).

Tais aspetos esquematizados possuem uma preparação especial na obra ficcional, pois é por meio destes que é solicitada a imaginação concretizadora do apreciador. No trecho acima destacado, percebe-se que a caracterização do ex-pastor vai além do que seria prontamente oferecido a um observador externo, explicitando-se desta forma o que são ilações, a exemplo de quando se fala da frieza nos olhos e o aspeto de permanente vigia. Se aí tais aspetos esquematizados apresentam-se como dados ao leitor, sem demandarem elaboradas concretizações da sua parte, todavia, num plano mais expandido, verificamos que este é induzido a desenvolver uma concretização mais ampla sobre o que seria o universo da IURD.

Após o breve relato sobre a tentativa de assassinato, o texto apresenta de forma resumida o que será posteriormente detalhado pela entrevista: a precoce ascensão do jovem na hierarquia da Igreja e o seu consequente envolvimento em negócios escusos. O que mais chama a atenção neste trecho é a forma como o texto busca justificar a entrada do então adolescente na IURD: “mas, como era um miúdo habilidoso, aos 14 anos já se interrogava porque é que um homem se matava a trabalhar para subir na vida”. E como classifica, de forma irónica, os crimes com os quais a Igreja estava envolvida: “auspiciosos” (A Revista do Expresso, 6 de janeiro de 2001, pp. 40-53).

A estrutura das orações ficcionais não se diferencia muito daquela de outros textos, parecendo todas corresponderem a juízos. O que diferencia o texto ficcional de um texto jornalístico é a intenção diversa, pois enquanto aquele se detém em objetualidades puramente intencionais, sem buscar atravessá-las em direção a quaisquer objetos autónomos, os textos reais objetivam exatamente isso. No entanto, mesmo quando não é revelado nitidamente o caráter fictício, este se evidencia pelo esforço em particularizar contextos objetais, mediante a preparação de aspetos esquematizados e a profusão de pormenores circunstanciais. Referentemente aos trechos destacados da entrevista, observa-se este esforço em realçar dados insignificantes, como a sentida frieza nos olhos do rapaz, e a causalidade dos eventos, evidente na justificativa apresentada para o seu ingresso na IURD. No entanto, tal estratégia apresenta-se como esteticamente pobre, pois personagens e situações são introduzidas quase sem nuances - a Igreja inescrupulosa que faz de tudo para obter dinheiro, o jovem ambicioso que se tornou arredio após sofrer ataques à sua integridade física, entre outros.

Como explica Márcia Amaral (2007), o melodrama se revela no discurso jornalístico quando este se restringe a apresentar a singularidade dos factos ao seu máximo. Do ponto de vista de uma imprensa de referência em que se insere o Expresso, compreende-se a publicação de uma denúncia como a emitida pelo ex-pastor, pois envolvia uma instituição relevante em Portugal e havia o potencial de gerar desdobramentos no âmbito da investigação criminal12. Todavia, ao sentimentalizar os factos narrados - por meio da descrição do semblante de Coelho e ao explicitar no subtítulo que ele estava “arrependido” - e não fornecer nenhum contexto sobre o perfil neopentecostal da Igreja, a entrevista ter- mina por ser mais um mecanismo reducionista de particularização do fenómeno iurdiano. Se nesse texto a associação entre a IURD e a nacionalidade brasileira não se fez evidente, o mesmo não se pode dizer da reportagem “Fé e Dinheiro na ‘Ilha de Deus’” (Público, 12 de agosto de 2002, pp. 2-3), em que se descreve dois megacultos que a Igreja promovera em Lisboa e no Porto em comemoração aos seus 25 anos de existência. Com um sugestivo título, descreve-se o caráter sensacionalista dos cultos - “em seu torno, não há constrangimentos, grita-se, aplaude-se, canta-se, desmaia-se, chora-se” - e destaca-se as falas dos pastores brasileiros: “pronto, amén, ‘cabou, pronto!!’”, “Cê acredita?”, “acabou o sofrimento, é por isso o alívio que você sente. Tá vendo, pessoal?”.

Lembremos que jornais geralmente adaptam as citações ao modo de expressão em Portugal, todavia, esta reportagem as manteve tal qual foram enunciadas pelos pastores, em que se identifica um estilo coloquial, cujo respeito às regras gramaticais nem sempre é observado. Tal ocorrência é comum no quotidiano e não denota, necessariamente, uma falta de conhecimento da norma culta do português por parte do falante, no entanto, pensamos que a intenção implícita ao expor a fala dos pastores sem adaptá-la é sugerir o seu baixo nível de erudição.

Também observamos que se mantinham as características identificadas nos anos 1990 na cobertura da IURD, pois, além de chamar a atenção o considerável espaço concedido à reportagem - há uma chamada, “a febre da fé e do dinheiro nos 25 anos da IURD”, com foto a ocupar quase um terço da primeira página - observa-se que as três imagens que a ilustram são compostas por: um fiel em transe, com a mão ao peito e uma pessoa a segurar a sua cabeça; o que parece ser um pastor, de gravata, com as duas mãos pressionadas sobre a cabeça de uma mulher; e uma mão ao alto, a segurar uma carteira e um cheque à mostra. Tais fotografias emergem da reportagem como uma objetificação do fenómeno iurdiano, ao realçarem o perfil de seita comumente conotado à Igreja (com toda a carga negativa associada a este termo) por meio de imagens que representariam o suposto caráter de histeria presente em seus cultos e a exploração financeira de fiéis.

Também na secção de “perguntas e respostas” sobre a IURD (parte integrante da reportagem), é destacado que a Igreja “é a maior multinacional brasileira”. Facto notório desta secção é que as respostas a perguntas como “quais são os rituais mais importantes nos cultos da IURD?” e “o dízimo é a única fonte de receitas?” não são elaboradas, por exemplo, por especialistas, o que levanta a dúvida sobre qual é a origem das informações fornecidas.

Não obstante, nota-se uma abertura do discurso jornalístico ao dar voz aos fiéis. Nas citações publicadas, observa-se que, ao expô-las, a reportagem procura descortinar as possíveis razões para tamanho sucesso de uma Igreja neopentecostal em Portugal:

não tem saudades dos padres, “não puxam pelo público, como aqui. Na religião católica a fé não está puxada e a fé morta não tem proveito nenhum”. ( … ) Na sua opinião, a igreja católica anuncia algo que não existe. “É uma hipocrisia o que estão a fazer. Não há Ave Maria na Bíblia e Fátima nunca apareceu na Bíblia”, dizia antes da chegada de Edir Macedo. “Estou aqui à procura de milagres que só Deus sabe fazer”, garantiu. (Público, 12 de agosto de 2002, p. 3)

Em 6 de março de 2010, o Expresso publica a reportagem “Chegou o Tempo das Catedrais” (p. 28), cujo subtítulo informa que no ano em que a IURD completaria 20 anos em Portugal13, seria inaugurada a sua primeira catedral no Porto e em breve também a de Lisboa. Conforme procura frisar em diversos momentos, catedrais referem-se aos primeiros templos da IURD que seriam inteiramente construídos em Portugal. O emprego do termo “catedral”, apesar de também ser utilizado pelos dirigentes da Igreja, refere-se no texto à capacidade deste tipo de construção em acolher um grande contingente numérico.

Esta relação também se estabelece de modo indireto, pois não apenas se descreve logo no segundo parágrafo as dimensões da nova catedral do Porto, como na legenda da foto que ilustra a reportagem afirma-se que “hoje são 60 mil fiéis”. E uma caixa com o título “Dimensão” apresenta as seguintes informações: em 2010 a IURD tinha 5.000 templos espalhados pelo mundo, 15.000.000 de fiéis e estava presente em 177 países. Conforme concluímos, a explicitação deste tipo de informação, conjugada com a descrição de detalhes da primeira catedral, serve para referendar a ideia de que a inauguração de catedrais corresponde ao auge do que se apresentava como uma trajetória de sucesso. O que também notamos indicada na resposta dada pelo pastor entrevistado: “‘andamos a ver locais, mas será numa zona central e de dimensão igual ou superior às do Norte’. E feita de raiz. ‘O Cinema São Jorge? Não! É pequeno, isso era recuar. Agora estamos a construir catedrais’”.

Também observamos que ao compor o título, o Expresso estabeleceu uma referência à clássica obra O Tempo das Catedrais, em que Georges Duby (1976/1993), ao discorrer sobre mosteiros, catedrais e palácios, dedica a sua explanação às formas de arte criadas durante a idade média em proximidade ao poder e ao universo da alta cultura. Portanto, a mimese identificada no título foi utilizada mais como um artifício irónico, pois a considerar-se o perfil da IURD, percebe-se que as suas catedrais não se assemelham em nada ao universo estreito da alta cultura em que as catedrais góticas se inscreviam. A utilização deste dispositivo retórico procura salientar a aridez estética e intelectual da Igreja, em contraposição à sua pujança económica e “massa de fiéis”.

Identificamos a manutenção do tom de condenação moral implícito à descrição das atividades da Igreja, pois ao traçar o perfil do Bispo Fernandes, diz-se que ao se apresentar de fato completo e gravata, lembra um empresário e, conclui, “pode dizer-se que ‘negoceia’ em fé e milagres”. Em relação à coerência local deste trecho, conforme van Dijk (2002) analisa esta dimensão semântica, nota-se que a relação estabelecida entre as duas proposições é de natureza consequente, no sentido de que usar fato e gravata emerge como uma consequência da atuação do pastor como negociante de fé e milagres. Tal observação encaminha-nos para outra das noções semânticas referida pelo autor: a “implicação”. Pois, tal relação consequente estabelecida pelo texto objetiva conduzir os leitores à ideia de que a IURD atua numa ótica comercial.

A associação à nacionalidade brasileira mostra-se reduzida aqui, sendo pontuada apenas uma vez quando se afirma que o sotaque brasileiro do pastor engana, pois se trata de um português que adquiriu a pronúncia do Brasil por ter evangelizado durante 3 anos em Curitiba. Todavia, consideramos que tal relação se estabelece sub-repticiamente, por meio do estereótipo da malandragem comumente conotado aos brasileiros, quando o discurso relaciona o universo religioso - “fé” e “milagres” - ao universo comercial por meio do emprego do verbo “negociar”. Pois, o estabelecimento de tal relação possui uma carga negativa, fazendo-se presente desde o texto bíblico por meio da passagem dos “vendilhões do templo” (Almeida Revista e Corrigida, 2009, João, 2:13-16).

Mesmo esse tom medianamente ponderado acaba por ser deixado um pouco de lado no final da reportagem. Sob o intertítulo “Fé Puxada a Água Luso”, a crítica à atuação da IURD surge aí de modo mais explícito, pois lê-se que durante os cultos era distribuída água sagrada, acrescentando, no entanto, entre parênteses a palavra “Luso” (nome de uma marca comercial de água). Conforme se explica, tanto a água (Luso), quanto as rosas consagradas (do Marrocos) eram utilizadas como “acendalhas da fé”.

Em “IURD Entrou na Era das Catedrais” (8 de agosto de 2010, pp. 7-9), nota-se que o Público também recorreu à referência a Duby (1976/1993) na composição do título. Todavia, esta reportagem apresenta-se mais ampla, tanto em termos de extensão, quanto no número de fontes consultadas. Sob o chapéu “religião”, a reportagem expõe os novos projetos da IURD em Portugal por meio das citações de duas fontes, introduzidas como especialistas sobre a Igreja: as brasileiras Claudia Swatowiski e Clara Mafra. Nota-se que estas investigadoras emergem como especialistas do fenómeno iurdiano pela exposição dos seus títulos e filiação académica.

Tais citações surgem em contraposição às afirmações do Bispo Fernandes, em que este justifica, por exemplo, as novas construções da seguinte forma: “nós servimos um Deus que é grande e não aceitamos algo pequeno”. Nota-se que as citações são frequentemente empregues no sentido de dar ao discurso jornalístico um aspeto de autenticidade, todavia, esta dependência em relação a fontes legitimadas resulta na exposição de uma visão de mundo correspondente ao establishment (Teo, 2000). Assim, leigos e pessoas comuns em geral só conseguem vocalizar a sua experiência, mas não a sua opinião.

Porém, se as duas mulheres emergem no texto como fontes legitimadas de informação sobre a IURD, considerando-se o contexto português, não se pode dizer que aquilo que afirmam corresponde a uma visão do establishment sobre a IURD. Pois, muito do que dizem contradiz visões já arreigadas em Portugal sobre a Igreja. Por exemplo, Mafra responde da seguinte forma à pergunta “pode dizer-se que a IURD é também um fenómeno empresarial?”:

a IURD, para se afirmar como uma igreja benevolente, doadora de bens para o colectivo, deve contar com um capital próprio. Sem autonomia financeira, ela não conseguiria romper a redoma das elites instituídas, como as elites do Brasil, que são maioritariamente católicas. Em Portugal, as elites também têm uma longa tradição secularizante e católica. (Público, 8 de agosto de 2010, p. 8)

7. O Retorno à Cena Pública

No final de 2017, a TVI começou a veicular a reportagem O Segredo dos Deuses, em que denunciava um esquema de adoção ilegal de crianças por parte dos altos escalões da IURD. Composta por 10 episódios, a reportagem foi transmitida a seguir ao Jornal das 8. Tal denúncia obteve enorme repercussão pública ao ser exibida ao longo de vários dias durante o prime time, envolver graves acusações e apontar para uma das instituições mais polémicas presentes em Portugal.

A acusação de que crianças eram “roubadas” por membros da IURD e levadas para fora do país ressoavam temores similares àqueles ativados durante a polémica do Coliseu, em que a Igreja fora vista como uma ameaça vinda de fora que procurava destruir as bases católicas da sociedade portuguesa. Tais temores se reacenderam, pois, a suposta adoção ilegal de crianças à revelia dos pais biológicos constituía um exemplo notório de ataque à célula social da moral cristã ocidental: a família. Tanto que um grupo de “mães”, conforme foram denominadas por peça da Lusa reproduzida pelo Público em 19 de dezembro daquele ano (“Mães Manifestam-se em Seis Cidades Contra Adopções na IURD”), se mobilizou para “exigir respostas” ao poder público.

Analisamos duas peças dos respetivos jornais que se debruçam sobre a mesma informação: a investigação da denúncia pelo Ministério Público. Ambas foram publicadas em 11 de dezembro de 2017, antes de o primeiro episódio vir ao ar, mas que já gerava repercussões, pois a reportagem fora apresentada à imprensa pela direção de jornalismo do canal. Em “Ministério Público Investiga Rede de Adoção Ilegal de Crianças Montada Pela IURD” (Expresso) observamos que, pela construção do título, o que era uma denúncia, foi apresentada como um facto. Tal posicionamento prossegue no subtítulo: “reportagem da TVI revela que pelo menos uma dezena de crianças portuguesas foram ilegalmente retiradas aos pais e levadas para fora do país por pastores da Igreja Universal do Reino de Deus”.

Assim como observado nos textos anteriores, neste também se reproduzem in- formações que nos soam pouco prováveis. Por exemplo, ao explicar o nascimento da rede internacional de adoção ilegal, diz-se que na década de 1990 Edir Macedo “obrigou os bispos e pastores da Igreja a sujeitarem-se a uma vasectomia para os impedir de ter filhos biológicos, ordenando-lhes depois que adotassem crianças”. Também é mencionado um recém-nascido que fora retirado à mãe ainda na maternidade e o facto de os três filhos de uma mulher, sinalizada erroneamente como toxicodependente e seropositiva, terem sido adotados pela filha do líder da IURD. Inclusive, a ilegitimidade dos laços entre o líder da Igreja e os netos é implicitamente sublinhada no título de uma peça da Lusa também partilhada neste dia pelo Expresso: “Investigação da TVI Diz que ‘Netos’ de Líder da IURD Foram Roubados em Portugal”.

A peça do Público, “MP [Ministério Público] Investiga Rede de Adopção Ilegal de Crianças” (11 de dezembro de 2017), adota um tom menos veemente de condenação ao empregar um verbo conjugado no futuro no subtítulo: “reportagem da TVI revela que Edir Macedo, líder máximo da IURD, estará envolvido numa rede internacional de adopção ilegal de crianças”. No entanto, o diário não se furta a partilhar a espécie de exortação de Sérgio Figueiredo, então diretor de informação da TVI, no final da apresentação da reportagem à imprensa: “o Estado não esteve completamente bem aqui, mas nunca é tarde para repor a verdade”.

A assinalar que pouco mais de 1 ano após a exibição da série televisiva, o Ministério Público arquivou a denúncia porque, entre outros, a investigação conduzida desmentiu as afirmações dos pais biológicos. No início de 2020, deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social obrigou a TVI a exibir direito de resposta da IURD ao longo de 9 dias.

8. Considerações Finais

O estabelecimento do género melodrama está intimamente relacionado à revolução francesa, cujas terríveis cenas estimularam a imaginação de certas massas populares que começaram a se permitir encenar as suas emoções. Ao afirmar-se mesmo como a representação da moralidade da revolução, o melodrama se caracterizará pelas narrativas de conspirações e justiçamentos, cujas inocentes vítimas triunfam e os algozes são devidamente punidos por suas traições ao final. Como assinala Jesús Martín-Barbero (1997), tal exacerbação do emocional demarcará definitivamente o melodrama ao colocá-lo ao lado do popular, num período em que a educação burguesa começava a se manifestar na direção contrária, ao valorizar o controle dos sentimentos e o seu encerramento na “cena privada”.

Ao longo dos séculos, em seu percurso do folhetim à telenovela, o melodrama se adaptou de forma a corresponder a distintos perfis de públicos. Na América Latina estabeleceu-se como um género eminentemente audiovisual, ao passo que no Brasil o seu formato de maior expressão - a telenovela - também passou a abranger temáticas mais realistas, aproximando-se assim do quotidiano nacional (Silva, 2013).

Conforme discutimos, as telenovelas tiveram uma receção excecional por parte do público português. Tais produtos vieram somar-se a imagens já correntes em Portugal sobre o Brasil e os brasileiros, estabelecidas durante os séculos de contacto entre ambos os países. Como Júnior (2013) nota ao citar pesquisa veiculada pelo Diário de Lisboa em 1990, intitulada: “Os Portugueses Confundem Telenovela Com a Realidade”, as telenovelas passaram a representar a imagem fiel do Brasil e dos brasileiros no imaginário português.

Quando uma Igreja que atua de modo distinto às suas congéneres se estabelece no país com lógicas e ritos cuja exploração do exótico e do espetacular é a tónica, dá-se um subtil processo de ancoragem em que as ações da IURD passam a ser associadas ao enredo comum das telenovelas. Identificamos isso no discurso jornalístico, em que as supostas ações criminosas da Igreja são enquadradas sob este viés melodramático. Lembremos, todavia, que a matriz melodramática também se evidencia nos critérios de noticiabilidade (Amaral, 2007). Neste sentido, vemos na publicação de uma entrevista como a “Crime na Igreja” ou na cobertura e repercussão em torno da denúncia de adoção ilegal, já em 2017, a presença de critérios que se guiaram menos pela robustez das acusações expostas e mais pela sua capacidade de apelar aos sentimentos.

Porém, essa abordagem não se mantém sempre. Identificamos, por vezes, o esforço em imprimir-se um perfil mais analítico ao discurso sobre a IURD. Como ressalta Guilherme Dias (2006), a complexidade da atuação da IURD em Portugal não pode ser reduzida a sua associação única às imagens correntes do Brasil e dos brasileiros. No entanto, como observamos na análise às notícias, os jornais geralmente trabalham sobre essas representações sociais, sobretudo na ligação ao imaginário das telenovelas, de forma a enquadrar o fenómeno iurdiano.

Farias (1999) menciona “erróneas interpretações teológicas” presentes na cobertura jornalística da IURD na década de 1990, para então defender um esforço do meio académico no sentido de proporcionar um entendimento mais equilibrado sobre a Igreja. Porém, como afirma em outro contexto (Farias & Santos, 1999), houve a cristalização de uma imagem claramente negativa na opinião pública portuguesa, que já então parecia irrefutável. A nossa análise de peças do Público e Expresso também se encaminha para este entendimento, apesar das referidas exceções. Ainda que a sua presença mediática atual seja menor, casos como o de 2017 (O Segredo dos Deuses) sugerem que esta ênfase ao melodrama na cobertura sobre a Igreja prossegue e pode vir, mais uma vez, a se as- sociar a contextos de xenofobia e intolerância religiosa.

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1 Farias (1999) analisou peças publicadas entre 1992 e 1999 pelos seguintes veículos: Expresso, Independente, Visão, Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Correio da Manhã, Capital e Tal & Qual.

2Pensamos que o autor tenha se confundido nesta referência, pois, segundo Rafael Dias (2016), tal trecho é de autoria de José Leite Pereira, então diretor do Público no Porto, e consta na Página 4 da edição de 11 de novembro de 1995.

3A considerar-se a imagem de uma sensualidade exaltada historicamente conotada aos brasileiros (sobretudo, às brasileiras), podemos nos questionar de que forma essa imagem se chocou com o estabelecimento de uma Igreja de origem brasileira em Portugal. Em seu trabalho etnográfico no país, Clara Mafra (2002) observou que os estereótipos de virilidade e sensualidade também eram conotados aos pastores brasileiros - que não se furtavam, mesmo em tom velado e jocoso, a mencionar temas de teor sexual durante os cultos - o que servia curiosamente para referendar a sua competência em território português. A autora inclusive diz que o estilo dos pastores lembrava os “galãs das novelas brasileiras” (p. 193). No entanto, não encontramos em nenhum trabalho e nem nas peças analisadas essa relação sendo estabelecida pelo discurso jornalístico.

4Paradoxalmente, identificamos no modo de atuação da Igreja Universal do Reino de Deus também uma expressão dessa mesma colonialidade, sobretudo na sua crítica violenta às religiões afro-brasileiras. Como nos diz Mafra (2002), os pastores em Portugal ensinavam que o Brasil era a terra da Umbanda e do Candomblé, onde o diabo era incorporado e objeto de culto. Para a transmissão desta mensagem, eles descreviam alguns ritos dessas religiões durante os cultos, acentuando aspetos de impureza, perigo e crueldade.

5Em 1991, a Associação Profissional de Médicos Dentistas de Portugal começou a denunciar a presença de dentistas brasileiros a atuar ilegalmente no país, pois, como órgão responsável pela regulamentação da profissão, considerava-se o único apto a conceder a equivalência de diplomas que permitia o exercício da profissão dos dentistas brasileiros (Machado, 2003). Relativamente à problemática das trabalhadoras sexuais brasileiras, esta ficou marcada pela erupção do altamente mediatizado caso “Mães de Bragança” em 2003, concernente ao abaixo-assinado feito por mulheres desta cidade do Norte de Portugal para expulsar mulheres brasileiras por, supostamente, seduzirem os seus maridos (Pais, 2010).

6Conforme é possível verificar nos relatórios estatísticos anuais produzidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (s.d.).

7Ressalvamos, portanto, que esta espécie de contaminação do ficcional na cobertura sobre a Igreja Universal do Reino de Deus não se assemelha ao denominado “jornalismo literário”. Este, sem desconsiderar as questões éticas intrínsecas à atividade jornalística, se afirma como que imbuído de um propósito moral. Assim, apela para a importância das interpretações dos jornalistas e do emprego de técnicas literárias, responsáveis por revelar aos leitores profundas verdades sobre o comportamento humano e dar sentido a “histórias reais” (Pauly, 2014).

8Se os mecanismos comunicacionais propostos pela teoria das representações sociais dificultam uma utilização direta, enquanto ferramentas conceptuais, na análise empírica, o mesmo não ocorre nas abordagens teórico-metodológicas da aná- lise de enquadramento e análise crítica do discurso. Por outro lado, a sua combinação à teoria das representações sociais ajudaria a colmatar aquela que é identificada como uma das suas maiores deficiências: a ausência de uma discussão mais aprofundada sobre os aspetos ideológicos e de relações de poder que circundam as representações sociais (Hoijer, 2011).

9Como o autor (Júnior, 2013) também recorda, durante a polémica dos dentistas brasileiros nos anos 1990, houve declarações de membros da entidade de defesa dos dentistas portugueses - a Associação Profissional de Médicos Dentistas de Portugal - sobre os dentistas brasileiros poderem transmitir a síndrome de imunodeficiência adquirida aos utentes.

10A sacerdotisa de um terreiro, seja este das seguintes religiões brasileiras de matriz africana: Candomblé, Umbanda ou Quimbanda.

11Como indica Farias (1999), ainda antes da polémica do Coliseu, jornalistas foram atacados em abril de 1995 por membros da Igreja Universal do Reino de Deus enquanto faziam uma reportagem em Vila Nova de Famalicão. Em julho deste ano, na Póvoa do Varzim, membros da Igreja também perturbaram uma festa de Nossa Senhora de Belém, pisando em alguns tapetes típicos de flores decorativas (salientamos, contudo, que o autor não indica a fonte dessas afirmações).

12O relato de Coelho não é contraposto a nenhum posicionamento da direção da Igreja Universal do Reino de Deus ou declarações de membros da polícia, embora se afirme que o caso já se encontrava sob investigação da Direcção Central do Combate ao Banditismo. Como não encontramos mais referências a esse caso, pensamos que a denúncia tenha sido arquivada.

13Apesar de o primeiro templo da IURD ter aberto em 1989 em Lisboa, a Igreja só foi oficialmente fundada no ano seguinte.

14 Farias (1999) analysed reports published between 1992 and 1999 by the following newspapers: Expresso, Independente, Visão, Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Correio da Manhã, Capital and Tal & Qual.

15It is believed that the author misinterpreted this reference, as, according to Rafael Dias (2016), this excerpt was written by José Leite Pereira, the then director of Público in Porto, and features on Page 4 of the edition printed on the 11th of November 1995.

16The image of an exalted sensuality is historically associated with Brazilians (especially Brazilian women). Hence we may wonder how this image clashed with establishing a Brazilian Church in Portugal. In her ethnographic work in the country, Clara Mafra (2002) observed that the stereotypes of masculinity and sensuality were also associated with Brazilian priests - who did not shy away from mentioning sexual themes during meetings, even in a veiled and jocular tone - which curiously served to endorse their competence within Portugal. The author even says that the priests’ style was reminiscent of the “heartthrobs in Brazilian soap operas” (p. 193). However, no work or the analysed pieces mentioned such a connection drawn by the journalistic discourse.

17Paradoxically, an expression of coloniality can be identified in the Universal Church of the Kingdom of God’s approach, especially in its fierce criticism of Afro-Brazilian religions. As Mafra (2002) points out, priests in Portugal taught that Brazil was the land of Umbanda and Candomblé, where the devil was incorporated and an object of worship. To convey the message, they described some rites practised in these religions during the rites, emphasising aspects of impurity, danger, and cruelty.

18In 1991, the Portuguese Professional Association of Dentists began to denounce Brazilian dentists acting illegally in the country since, as the official body responsible for regulating the profession, it was deemed the only body capable of granting the equivalence of diplomas that allowed Brazilian dentists to practise their profession (Machado, 2003). Regarding the issue of Brazilian sex workers, this was marked by the eruption of the highly mediatised case “Mothers of Bragança” in 2003, concerning the petition established by women from the Northern Portuguese city to expel Brazilian women for, supposedly, seducing their husbands (Pais, 2010).

19As can be verified in the annual statistical reports produced by the Portuguese Immigration and Border Service (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, n.d.).

20It should be emphasised that this kind of fictional contamination in the coverage of the Universal Church of the Kingdom of God is not like so-called “literary journalism”. Without disregarding the ethical issues intrinsic to journalistic activity, literary journalism affirms itself as imbued with a moral purpose. Thus, it appeals to the importance of journalists’ interpretations and the use of literary techniques responsible for revealing deep truths about human behaviour to readers and giving meaning to “real stories” (Pauly, 2014).

21While the communication devices proposed by the theory of social representations are difficult to use directly as conceptual tools for empirical analysis, the same does not apply to the theoretical-methodological approaches of framing analysis and critical discourse analysis. However, combining these with the theory of social representations would help overcome what is identified as one of its greatest shortcomings: the absence of a more indepth discussion about the ideological aspects and power relations that surround social representations (Hoijer, 2011).

22As the author (Júnior, 2013) also recalls, during the controversy surrounding Brazilian dentists in the 1990s, the statements made by members of the Professional Association of Dentists of Portugal about how Brazilian dentists could transmit acquired immunodeficiency syndrome to patients.

23The name used to refer to the priestesses of the following Brazilian religions of African origin: Candomblé, Umbanda, or Quimbanda.

24As Farias (1999) points out, even before the Coliseu controversy, journalists were attacked in April 1995 by members of the Universal Church of the Kingdom of God while reporting in Vila Nova de Famalicão. In July of the same year, in Póvoa do Varzim, members of the Church also disturbed the catholic feast of Our Lady of Bethlehem by stepping on some typical decorative flower carpets (although it is worth emphasising that the author does not indicate the source of these statements).

25Coelho’s account is not counterposed to any position of members of Universal Church of the Kingdom of God or statements from the police, although it is stated that the case was already under investigation. As we could not find any further references to this case, we think the denunciation has been shelved.

26Although the first Universal Church of the Kingdom of God temple was inaugurated in Lisbon in 1989, the Church was only officially founded in the following year.

Recebido: 28 de Fevereiro de 2022; Aceito: 04 de Junho de 2022

Ester Minga é doutora em ciências da comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Atualmente é investigadora na Universidade Católica Portuguesa, no âmbito do Programa de Pós-doutoramento em Desenvolvimento Humano Integral, e investigadora integrada no Centro de Estudos de Comunicação e Cultura. Os seus interesses de investigação abrangem as representações, presentes e também promovidas pelos média, de alteridades na inter-relação entre raça, género e sexo. Email: eminga@ucp.pt Morada: Palma de Cima, 1649-023 Lisboa, Portugal

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