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Comunicação e Sociedade

versión impresa ISSN 1645-2089versión On-line ISSN 2183-3575

Comunicação e Sociedade vol.44  Braga dic. 2023  Epub 31-Dic-2023

https://doi.org/10.17231/comsoc.44(2023).4744 

Varia

A Erosão da Proximidade: Questões e Desafios do Jornalismo Local na Sociedade Contemporânea

1 Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Braga, Portugal


Resumo

O enfraquecimento do jornalismo local, que tem perdido meios e influência, é traduzido por fenómenos como os “desertos de notícias”, em mapeamento num número crescente de países. Em Portugal, um estudo recente aponta para que mais de metade dos municípios se encontrem carentes de cobertura noticiosa sedeada no território. Este artigo propõe um balanço e uma reflexão em torno das questões e desafios que enfrenta atualmente o jornalismo local, a partir da revisão da literatura recente. É apresentado como o elo mais fraco na crise global dos média, sendo o mais afetado pela falência do negócio tradicional e pela concorrência das plataformas. Contudo, é-lhe também reconhecida uma flexibilidade singular para singrar num contexto de adversidade. O encerramento de meios locais, a difícil sobrevivência dos que ficam e a resistência dos jornalistas em deixar os públicos serem parceiros na definição do que é notícia são alguns dos fatores a contribuir para um momento de erosão da proximidade, com alguns sinais positivos. Entre esses sinais, está o consenso em torno da importância do jornalismo local e um crescente interesse da academia por este campo de estudos.

Palavras-chave: proximidade; audiência; jornalismo local; desertos de notícias; plataformas

Abstract

The decline of local journalism, which has lost resources and influence, is reflected in phenomena such as “news deserts” that are increasingly prevalent worldwide. A recent study suggests that over half of the municipalities lack local news coverage in Portugal. This article proposes an analysis and reflection on the issues and challenges currently affecting local journalism, drawing on a review of recent literature. It is presented as the weakest link in the global media crisis, grappling with traditional business bankruptcies and platform competition. However, it is also uniquely adaptable to endure in an adverse context. The closure of local media, the struggle for survival among the remaining outlets, and the reluctance of journalists to involve audiences in defining news contribute to the erosion of proximity, albeit with some positive signs. Among these signs is a widespread acknowledgement of the significance of local journalism and a growing academic interest in this domain.

Keywords: proximity; audience; local journalism; news deserts; platforms

1. Introdução

Numa era marcada pela emergência de “desertos de notícias”, várias circunstâncias concorrem para a crise do jornalismo local. Desde logo, a falência do negócio tradicional do jornalismo, capturado pelas novas exigências do ambiente digital e, sobretudo, pela imbatível concorrência das plataformas - que são, neste jogo de poderes, uma espécie de Golias sem adversário à altura. Junta-se a este o fenómeno da emancipação da audiência, que mudou de posição no tabuleiro deste jogo de poderes, passando de recetora a ativa criadora e disseminadora de conteúdos - e a elemento central do “negócio da atenção”.

Neste contexto, o jornalismo local enfrenta vários desafios, entre eles o de encontrar um modelo de negócio adaptado às circunstâncias e que preserve a sua bandeira de proximidade. Debate-se ainda com a necessidade de gerir a tensão com a audiência, que reclama (e exerce) uma crescente influência no processo noticioso. As questões e desafios deste momento - marcado pela diminuição de meios locais nos territórios e consequente erosão da influência do jornalismo de proximidade -, têm sido registados pela literatura, com particular ênfase nos últimos 15 anos. O crescente interesse da academia pelo jornalismo local dos últimos anos revela como este se tem tornado um empolgante campo de estudos - também ele com questões e desafios.

Este artigo dedica-se a apresentar as principais conclusões veiculadas pela literatura académica mais recente sobre o universo próprio do jornalismo local, procurando estimular a reflexão sobre fatores menos explorados. Em particular, o papel que os próprios jornalistas desempenham nessa erosão da proximidade, uma vez que há estudos que apontam para que a presença no território, por si só, não seja garantia de estar próximo dos públicos. A cultura profissional, as ideias que os jornalistas têm sobre a sua legitimidade social e o seu papel também contam. Como sublinham Jerónimo et al. (2020), é preciso questionar se estamos “suficientemente perto”.

2. As Questões

2.1. Negócio em Ruínas e Concorrência das Plataformas

“Crise”, “disrupção”, “pressão” e “declínio” são palavras muito utilizadas para descrever o atual momento do jornalismo e, em particular, do jornalismo local. É consensual que a transição digital abalou as fundações do negócio dos média tradicionais, num contexto agravado pela crise económica de 2008 e pela emergência das plataformas digitais como imbatíveis concorrentes no mercado publicitário. Desde o final de 2019, adveio ainda o fortíssimo impacto da pandemia de COVID-19 (Harris, 2021; Newman, 2022; Schulz, 2021).

Parece ser também consensual que os média locais e regionais têm sido o elo mais fraco dessa crise global, face à deslocação da audiência e receitas publicitárias para as grandes plataformas, com o encerramento de muitos títulos (alguns históricos) e grandes cortes de recursos noutros (Schulz, 2021). De acordo com Schulz (2021), “os jornais locais em particular foram severamente afetados pela disrupção tanto do comportamento do consumidor como dos modelos de negócio e a pandemia apenas aumentou as pressões” (p. 42). O Reuters Institute Digital News Report 2022 (Relatório de Notícias Digitais do Reuters Institute 2022) assinalou o reforço da influência das plataformas digitais num “incrivelmente competitivo mercado pela atenção” (Nielsen, 2022, p. 5). No prefácio deste relatório, Nielsen (2022) afirma que

a maioria dos meios noticiosos continua a lutar num impiedoso ambiente online em que o vencedor-leva-quase-tudo, onde o grosso da atenção da audiência e investimento em publicidade vai para as plataformas digitais, e onde muitas novas vozes - que vão dos criadores e influenciadores aos ativistas e políticos - estão a abrir o seu próprio espaço, competindo diretamente com os jornalistas por atenção. (p. 5)

Como tendências atuais, destacam-se “o enfraquecimento da ligação entre o jornalismo e muito do seu público, e o uso dos média por parte das pessoas mais jovens de formas que desafiam as abordagens tradicionais ao negócio e à prática do jornalismo” (Nielsen, 2022, p. 5) - leia-se preferência pelas plataformas no acesso a notícias e informação em geral. Maiores níveis de desconfiança e a escusa voluntária de notícias foram outras das principais tendências identificadas. Nos 46 países estudados, apenas em sete não se registaram quedas na confiança nos média tradicionais e, na grande maioria deles, os cidadãos continuam a não estar dispostos a pagar para ler notícias. Quando a subscrição de notícias acontece, normalmente vai para as grandes marcas nacionais (Newman, 2022, pp. 10-11).

Para Sjøvaag e Owren (2021), o jornalismo local sofreu de forma particularmente aguda pela falência do seu modelo de negócio “guarda-chuva” - que lhe garantia, na repartição do mercado publicitário, a fatia dos anunciantes que procuravam alvos locais. A algoritmização da publicidade representou um forte abalo para o setor. No entender dos autores, os jornais locais revelaram-se “mais vulneráveis” do que os jornais nacionais, já que estes possuem a capacidade corporativa de conquistar novos mercados. Um relatório do International Press Institute (Park, 2021) sublinha essa concorrência desigual:

a perturbação foi particularmente aguda nos média locais porque as oportunidades de publicidade oferecidas pelos algoritmos das grandes plataformas são os que mais diretamente replicam a oferta tradicional dos média locais (pense-se na poderosa oferta “perto de mim” do Google). Os maiores anunciantes, e frequentemente nacionais, também preferem o lugar à escala, ultrapassando os muito menores (e particularmente start-ups) atores locais. (p. 35)

Recentemente, o Governo australiano deu o pontapé de saída para aquilo que poderá ser “uma trajetória global no sentido de uma mudança regulatória” (Bossio et al, 2022, p. 136) ao implementar uma lei que obriga as grandes plataformas digitais a negociar com os média locais o direito de partilhar as notícias destes. A entrada em vigor do “Australian News Media and Digital Platforms Mandatory Bargaining Code” (Código Australiano de Negociação Obrigatória de Plataformas Digitais e Meios de Comunicação) levou o Facebook a retaliar, bloqueando as partilhas de vários meios noticiosos australianos durante alguns dias. A regulação das plataformas é um aceso debate em curso.

2.2. Os Desertos de Notícias

O encerramento de jornais locais, expressivo e acentuado nos últimos 15 anos, recebeu um nome impactante nos Estados Unidos: “desertos de notícias”. Desde então, este encerramento dos jornais locais até ao ponto de deixar comunidades, e até regiões inteiras, sem qualquer representação de média tradicionais tem sido mapeado noutros países. O projeto liderado por Penelope Abernathy - o The Expanding News Deserts1 - recolhe dados desde 2005, apontando como causas destes desertos de notícias o encerramento dos jornais locais, o desemprego de jornalistas, as concentrações de propriedade e a emergência de novos média, mais ligados a causas (políticas ou sociais). Muitos dos jornais sobreviventes - entre eles, alguns vencedores de Prémios Pulitzer e títulos históricos - tornaram-se “meros ‘fantasmas’ ou fachadas do seu ser anterior” (Abernathy, 2020, p. 5).

Este desaparecimento de jornais e jornalistas locais, deixando a paisagem preenchida por sobreviventes e fantasmas, é o retrato dos desertos de notícias: “uma comunidade, rural ou urbana, onde os residentes têm acesso muito limitado a notícias do tipo credível e compreensivo que alimentam a democracia ao nível da base” (Abernathy, 2020, p. 18). O momento que vivemos deu dramática eloquência ao fenómeno. A pandemia “expôs as profundas fissuras que sorrateiramente debilitaram a saúde do jornalismo local nos últimos anos, ao mesmo tempo que nos lembraram quão importantes a informação e notícias credíveis e atempadas são para a nossa saúde e da comunidade” (Abernathy, 2020, p. 5).

Ainda nos Estados Unidos, Ferrier et al. (2016) salientaram que, sendo reconhecida a missão dos jornais de “satisfazer necessidades críticas de informação”, poder-se-á falar de risco para a democracia. Envolvidos noutro projeto de monitorização - o Media Deserts Project2 -, estes autores preferem a definição de “desertos de média”, considerando-a multidimensional e mais suscetível de incorporar camadas de análise - como o acesso e os algoritmos, por exemplo.

O fenómeno está também a ser mapeado no Brasil desde 2017, pelo projeto Atlas da Notícia (https://www.atlas.jor.br; Silva & Pimenta, 2020). Segundo o seu relatório mais recente, são já desertos de notícias 52% dos municípios brasileiros, onde residem 29.000.000 de pessoas. A maioria destes “desertos” encontra-se na região norte do país, onde também mais novos meios noticiosos têm surgido, em formato online (Belda & Pimenta, 2022).

Também o Local News Research Project (https://localnewsresearchproject.ca) do Canadá se dedica, desde 2008, a identificar desertos de notícias, combinando mapeamento digital com análise de conteúdo. E, noutra latitude, encontramos o The Australian Newsroom Mapping Project (https://anmp.piji.com.au), vinculado ao Public Interest Journalism Iniciative, um observatório independente e sem fins lucrativos. Apresenta os dados através de um mapa interativo, no qual se podem vislumbrar os desertos de notícias da Austrália, onde o número de jornais locais baixou 15% entre 2008 e 2018, deixando dezenas de territórios sem um único meio noticioso local (Australian Competition and Consumer Commission, 2019).

Em Portugal, também se mapeiam desertos de notícias, com um primeiro contributo a ser dado pelo estudo de Jerónimo et al. (2020), que atualizou aquele que era o último grande retrato do setor, publicado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), de 2010 (Martins & Gonçalves, 2010). Jerónimo et al. (2020) assinalaram o “decréscimo significativo na paisagem mediática local, em particular a partir de 2004” (p. 814).

A tendência inscrevia o nosso país na crise generalizada do jornalismo local, ainda que Portugal continue a revelar “uma certa vitalidade nos média locais”, constituindo até “um caso paradigmático no contexto europeu”, assinalaram os autores (Jerónimo et al., 2020, p. 814). Muitos deles, porém, eram constituídos por redações pequenas e baixos salários, com fragilidade financeira, nas quais resiste, apesar de tudo, o compromisso com “um jornalismo que é fiel a valores tradicionais e que procura corresponder às necessidades da comunidade” (p. 814).

No primeiro esforço de mapeamento dos desertos de notícias portugueses, Ramos (2021) descreveu uma mancha de 18,5% dos municípios nessa situação - a grande maioria deles situada em territórios de baixa densidade populacional e baixo rendimento per capita, no interior do país. O estudo foi aprofundado no ano seguinte, a partir de uma base de dados construída pelos autores, a partir dos registos mais atuais da ERC e depois do depuramento da lista, assim como da verificação da real atividade dos meios em cada região (Jerónimo et al., 2022). Os resultados apontam para que mais de metade dos concelhos portugueses seja um deserto de notícias ou se encontre na iminência de se tornar um (Figura 1).

Fonte. Retirado de “Mapas dos Desertos de Notícias: Portugal”, por P. Jerónimo, G. Ramos, & L. Torre, 2022, de Desertos de Notícias Europa 2022: Relatório de Portugal, p. 24. Copyright 2022 de Pedro Jerónino, Giovanni Ramos, Luísa Torre e Daniel Baldaia

Figura 1 Mapa dos desertos de notícias de Portugal 

Os autores assinalam que dos 308 concelhos do país, 166 (53,9%) são já um deserto, um semi-deserto ou estão ameaçados pela carência de notícias. E que um quarto dos municípios (25,3%) “não têm cobertura noticiosa satisfatória ou frequente” (Jerónimo et al., 2022, p. 20). É de destacar a inexistência de jornais impressos em 59% dos concelhos portugueses e ainda, sem surpresa após o primeiro estudo de Ramos (2021), a interiorização do fenómeno - 80% destes desertos e semi-desertos de notícias concentram-se nos municípios do interior, nas regiões Norte, Centro e Alentejo.

Também é reforçada a correlação entre desertos de notícias e baixa densidade populacional (58% dos concelhos menos habitados estão nessa condição), com alguns dados demográficos avançados no relatório do projeto MediaTrust.

Mais de 13,4% dos cidadãos do país vivem em desertos de notícias ou em comunidades em risco de se tornarem desertos de notícias. São 1.390.493 pessoas que vivem nos 78 concelhos com cobertura menos regular de notícias ou nos 88 concelhos com apenas um meio de comunicação que cobre notícias locais com mais frequência. (Jerónimo et al., 2022, p. 21)

Num estudo que apela à inclusão de outras dimensões e abordagens na pesquisa necessariamente complexa dos desertos de notícias, Agnes Gulyas (2022) apurou que 10% das zonas mais pobres do Reino Unido são também aquelas mais desguarnecidas de meios noticiosos locais. Neste primeiro estudo sobre os desertos de notícias britânicos, a autora defende que “estudar as desigualdades espaciais devia ir além de apenas reconhecer variações entre diferentes localidades e ter como objetivo identificar como e porquê o contexto geográfico contribui para a desigualdade e está relacionado com desigualdades sócio-económicas pré-existentes” (Gulyas, 2022, p. 25).

2.3. Proximidade Real e Imaginada

Mergulhando num dos “desertos de notícias” dos Estados Unidos, Mathews (2020) dedicou-se a analisar o impacto do encerramento de um jornal local com 99 anos. Os resultados apontam, como sugere o autor do artigo, para “um impacto negativo no sentido de comunidade dos membros daquela comunidade, com os participantes a sentir a falta de celebrar encontros e a assinalar um aumento do isolamento e orgulho diminuído na sua comunidade” (p. 1250). Binns e Arnold (2020) referem-se a outra consequência, num estudo que analisou o encerramento de jornais locais, no Reino Unido, e a redução do número de jornalistas naqueles que permanecem ativos: a falta de cobertura de casos criminais, que leva a uma redução de escrutínio sobre a ação e a investigação da polícia.

Também na Europa, desta vez na Suécia, um estudo de M. Karlsson e H. Rowe (2019) aponta para o risco da exclusão de territórios. Os autores constataram que as notícias sobre as comunidades sem jornais locais estavam a ser dominadas por fontes institucionais e a serem sobretudo noticiadas pela ocorrência de crimes - um sinal de que as organizações noticiosas queriam fazer o mesmo trabalho, à distância e com menos recursos.

A ausência de uma redação parece resultar num efeito de diluição, produzindo histórias que são viáveis em diversos meios noticiosos (e possivelmente municípios). Ou, dito de outra forma, a ausência de uma redação num município parece ter como resultado menos notícias dirigidas especificamente àquele município. (Karlsson & Rowe, 2019, p. 22)

Importa salientar ainda que, para os autores (Karlsson & Rowe, 2019), estas evidências explicam que, para o jornalismo de proximidade, “presença” deve ser entendida como permanência: “presença não é entendida como simplesmente estar na cena ocasionalmente ou quando algo dramático acontece, mas uma presença que tem longevidade de maneira a que os jornalistas se familiarizem com as pessoas, com a comunidade e os seus assuntos” (p. 16).

Porém, a presença pode não significar, por si só, um maior envolvimento com a comunidade, de acordo com Jacob L. Nelson (2021). Num estudo sobre a forma como dois jornais de Chicago, nos Estados Unidos, procuravam aproximar-se dos seus públicos, o autor descreveu como as diferentes estratégias estavam sobretudo relacionadas com a conceção da audiência. Uma equipa procurava apresentar as reportagens de forma apelativa, confiando no retorno da métrica de audiências; a outra procurava levar para as notícias assuntos da vida quotidiana, nomeadamente de comunidades sub-representadas.

O autor assinala que os primeiros encararam o assunto como “um problema de distribuição”, ao passo que para os segundos era “um problema de representação” (Nelson, 2021, p. 13). Nelson (2021) sugere que se tenha em conta, na ponderação da proximidade, aquele que considera ser “um dos aspetos mais importantes - contudo menos estudados - do jornalismo: a relação entre a forma como os jornalistas percecionam e procuram alcançar as suas audiências” (p. 18).

A emergência do público como participante ativo na produção e distribuição de conteúdos, que constituiu a revolução da era digital, parece esbarrar na inércia do jornalismo em deixar-se desafiar. Foi já em 2006 que o professor de jornalismo Jay Rosen escreveu no seu blogue PressThink - Ghost of Democracy in the Media Machine (https://pressthink.org) o conhecido ensaio “The People Formerly Known as the Audience” (As Pessoas Anteriormente Conhecidas Como Público; Rosen, 2006). Em maio de 2021, Rosen, cuja defesa do jornalismo cidadão é célebre, declarou na rede social Twitter que os prestigiados Prémios Pulitzer de jornalismo “deviam ser expeditos em criar uma categoria especial onde as pessoas anteriormente conhecidas como público fossem reconhecidas por cometer jornalismo”. Menos de um mês depois, regozijou-se quando a adolescente norte-americana Daniela Frazier recebeu uma citação especial nesses prémios (Fu, 2021) por ter filmado e divulgado nas redes sociais a morte de George Floyd às mãos de um agente da polícia (que viria a ser condenado por homicídio), em maio de 2020. O vídeo foi detonador de protestos contra a violência policial e racismo - alimentando o debate sobre se os cidadãos podem ou não praticar “atos de jornalismo” (Fidalgo, 2021).

Os média sociais empurraram a oferta noticiosa para um novo paradigma - a “desagregação de notícias” (Jurno & D’Andréa, 2020; Newman et al., 2021). “O produto jornalístico de um jornal, fornecido na forma de um agregado organizado para a audiência, transforma-se em muitos pedaços isolados de conteúdo oferecidos de forma personalizada para utilizadores dispersos”, assinalam Jurno e D’Andréa (2020, p. 508).

Para o jornalismo local, isto significou perder importância como principal fonte de informação na sua região de influência. De acordo com o Reuters Institute Digital News Report 2021 (Relatório de Notícias Digitais do Reuters Institute 2022; Newman et al., 2021), no que diz respeito aos média locais, os média sociais e a pesquisa direta absorvem a maior fatia da busca por informação sobre lojas e restaurantes (49%), serviços locais (47%), ou coisas para fazer na área do utilizador (46%). E, embora estas pesquisas encaminhem o público para conteúdos dos média locais, “em muitos casos, a informação a ser procurada está contida dentro da plataforma, tornando-a um destino por si própria” (Schulz, 2021, p. 45).

Numa análise à ação do Facebook desde 2017, no âmbito do Facebook Journalism Project junto do jornalismo local (apostando em parcerias, financiamentos de projetos e treino de jornalistas), Jurno e D’Andréa (2020) consideram que se pode falar neste momento de uma “plataformização do jornalismo”. A gradual penetração da lógica da plataforma no processo jornalístico tem uma “dimensão fortemente normativa e prescritiva” que se “apropria e tensiona valores e práticas” (p. 519).

3. Os Desafios

3.1. Os Novos Jogadores no Campo das Notícias

A expressão de Jay Rosen parece manter atualidade, perante a crescente atenção e abordagens à problematização da relação entre o jornalismo e os seus públicos. Vos et al. (2018) falam de uma negociação permanente de legitimidade social do jornalismo. Sendo a audiência quem julga a legitimidade social do jornalismo, mas também partindo dela a base do “mercado da atenção”, “os jornalistas deram por si numa relação complexa com a audiência” (Vos et al., 2018, p. 1009) - que se torna ainda mais complexa quanto mais habilitada se torna a audiência a interferir no ambiente digital. Os jornalistas, que eram os “únicos guardiões do capital jornalístico” (Vos et al., 2018, p. 1009), enfrentam os cidadãos como novos jogadores.

Em causa, ficam algumas funções consideradas fundacionais, como o de cão de guarda e gatekeeper. Os jornalistas enfrentam a tarefa permanente de negociar a sua legitimidade (Vos et al., 2018), dando conta que público local tende a ver o jornalismo de forma mais negativa que os seus praticantes, enquanto valoriza menos as funções de cão de guarda e de disseminador imediato de notícias, e mais a de funcionar como fórum da comunidade. Vos et al. (2018) concluem que, caso os jornalistas dessem mais atenção ao público na produção noticiosa, “poderia daí resultar um jornalismo mais ativo e intervencionista” (p. 1024), deixando um apelo para mais pesquisa sobre “o desalinhamento entre o jornalismo e a visão pública do papel do jornalismo” e sobre os mecanismos pelos quais o público influencia o jornalismo (p. 1024).

Outras questões emergiram da revisão que Harcup e O’Neill (2017) fizeram da sua taxinomia de valores-notícia apresentada em 2001 - e uma referência no campo do estudo do jornalismo -, a partir da revisão do estudo clássico de John Galtung e Mari Ruge3. A emergência dos média sociais influenciou diretamente o conjunto atualizado de valores-notícia, com um novo a destacar-se: o potencial de partilha (shareability, no original inglês).

Pode haver poucas dúvidas de que os média digitais podem ajudar a desafiar a agenda noticiosa convencional, mas as histórias mais populares não refletem este ideal democrático. Em vez disso, o valor notícia mais comum é o entretenimento; tais histórias parecem ser partilhadas pelos leitores online porque são divertidas, e partilhá-las pode alegrar o dia. (Harcup & O’Neill, 2017, p. 1480)

Estes autores, contudo, sugerem que se olhe para esta revisitação como ignição de debate e futura pesquisa, uma vez que outros fatores estão envolvidos na escolha que os jornalistas fazem dos assuntos que se tornam notícia. Isto porque, salientam, “quem está a escolher as notícias, para quem, em que meio e por que meios (e recursos disponíveis), pode muito bem ser tão importante como os valores-notícia que possam ou não estar inerentes a cada potencial história” (Harcup & O’Neill, 2017, p. 1483) - e é esta razão pela qual quando se pergunta a um jornalista porque é que algo é notícia e ele responde “porque sim!”, “haverá sempre um elemento de verdade nessa resposta” (p. 1483), sublinham.

Para Jacob L. Nelson (2021), é precisamente esse “palpite especializado”, hoje combinado com a métrica de audiências, que leva os jornalistas a decidir o que consideram que o público deseja. Contudo, para este autor, os jornalistas perseguem desde sempre uma “audiência imaginada” e as histórias que contam “são moldadas e restringidas pelas suposições que fazem acerca das pessoas que querem alcançar” e que “se tornaram mais importantes nos anos mais recentes” (p. 2). “À medida que a indústria de notícias tenta superar a sua atual crise de diminuição de receita e confiança pública, o seu foco tem crescentemente virado para acolher um público que dantes estavam todos muito satisfeitos em amplamente ignorar” (Nelson, 2021, p. 2).

O panorama mudou com a necessidade de cativar a lealdade da audiência, num “consenso emergente” que agrega jornalistas, responsáveis pelos média, investidores e investigadores, e cuja colocação em prática (e teorização) tem recebido vários nomes, como “envolvimento” (engagement), “participação”, “jornalismo recíproco” ou “public-powered” - com o esforço de terminologia a sinalizar que

todos eles identificam os problemas da profissão [de jornalista] perante a noção de que as audiências não estão mais dispostas a tolerar uma relação unilateral, na qual a dinâmica de poder é distorcida e o seu contributo é raramente solicitado ou valorizado. (Nelson, 2021, p. 3)

Nelson (2021) defende, assumindo uma “contra-narrativa” (p. 5), que os jornalistas devem assumir, com “humildade jornalística” (p. 6), que nunca vão conseguir conhecer completamente quem é a sua audiência e que, no limite, estas tentativas de envolvimento com ela poderão funcionar como “um meio de melhorar o jornalismo do que como um meio de aumentar o público leitor” (p. 6). Apesar desta viragem para a audiência, o autor assinala que “não há uma conceptualização consistente das audiências das notícias” (Nelson, 2021, p. 144), apesar da recolha de dados sobre ela ser cada vez mais sofisticada, e que os jornalistas sempre se basearam em “intuição e convicção” (Nelson, 2021, p. 145) para determinar quem elas são e o que pretendem das notícias.

3.2. Interrogar a Proximidade na Prática

Aqui chegados, interrogamo-nos se o mesmo acontece no jornalismo local, tradicionalmente orientado por uma conduta de proximidade. Um estudo de Jerónimo et al. (2020) põe o dedo na ferida daquilo que Érik Neveu (2001/2005) aponta como um dos perigos da mitologia profissional, alimentado por serem geralmente os jornalistas a desenvolver teorias sobre as suas práticas.

A prática de um jornalismo de proximidade imaginado está por vezes distante da realidade. Os jornalistas locais não estão sempre tão disponíveis ou próximos das comunidades como reclamam. Quando isto acontece, é mais para responder às necessidades jornalísticas (fazer notícias) do que para procurar um diálogo permanente com os cidadãos. (Jerónimo et al., 2020, pp. 818-819)

Em vários países, sublinham os autores, a literatura dá conta de um manifesto transversal aos jornalistas locais, que reclamam para si um estatuto de autoridades nas suas comunidades. Jerónimo et al. (2020) cruzaram as perceções que os jornalistas locais têm sobre proximidade com a forma como tiram partido do ambiente digital para o exercer. Foi registada alguma subutilização do ambiente digital nas rotinas de produção, apesar de os resultados apontarem para a integração total do Facebook e do Twitter nas rotinas dos jornalistas locais. Neste estudo, realizado na região Centro (onde mais meios regionais e locais se concentram em Portugal), conclui-se que as ferramentas digitais são usadas mais como um meio de recolher informação e menos como forma de envolvimento com os cidadãos - e parece haver uma divisão nas posições dos jornalistas. “Nem todos parecem estar dispostos a estabelecer um diálogo permanente com os cidadãos, tecnologicamente mediado” (Jerónimo et al., 2020, p. 823), referem os autores.

Foi precisamente no campo do jornalismo local que Boesman et al. (2021) procuraram pôr à prova o “ideal de jornalismo participativo”, que entendem dominar a prática e o estudo contemporâneos do jornalismo, com a literatura a dar conta de resultados diferentes e até contraditórios quando se trata de aferir se os jornalistas e o público expressam diferentes conceções daquilo que é notícia. Com uma abordagem inspirada no já referido estudo de Harcup e O’Neill (2017) e outros, e amparados por pesquisa própria que apontava para uma escassa participação da audiência na fase inicial do processo noticioso, os autores procuraram analisar se os valores-notícia do público desafiavam os jornalistas.

A escolha daquela fase inicial da produção das notícias (seleção e enquadramento) deve-se ao facto de ser esse o momento quando os jornalistas erguem mais barreiras de proteção da sua autoridade profissional e prerrogativas para decidir o que é notícia. Os resultados anteriores “não sugerem necessariamente que os jornalistas não vêem valor na audiência como geradora de ideias e/ou como fonte, mas que estão inseguros sobre com organizar e monitorizar de forma exata as contribuições dela” (Boesman et al., 2021, p. 144). Esta conclusão, com base em pesquisa feita na Holanda, vai ao encontro dos resultados daquele estudo português.

Boesman et al. (2021) escolheram analisar a prática dos jornalistas locais no embate com o seu público precisamente por aqueles se posicionarem como “membros da comunidade antes de serem jornalistas” (p. 146), procurando compreender se são, de alguma forma, desafiados por valores-notícia sugeridos pelo público. Num estudo levado a cabo em três redações, observaram que a audiência desafiou os jornalistas nos seguintes termos: deveriam reconsiderar aquilo que é mais recente (embora não aquilo que é urgente), “esquecer a elite no poder” (proeminência), passar do conflito à construtividade (tornar as notícias mais orientadas para as soluções) e apostar mais em reportagens ligadas à história da comunidade e à natureza.

Em resumo, os jornalistas foram desafiados em valores-notícia tradicionalmente não negociáveis: o recente, a novidade e a relevância. E, ainda, no que diz respeito à sua independência, uma vez que abrir a produção noticiosa ao ideal de participação pode também significar ter de lidar com cidadãos zangados, com agendas próprias ou à procura de publicidade grátis. Boesman et al. (2021) sublinham a importância de aprofundar o conhecimento daquilo que torna algo noticiável do ponto de vista do público. “Em vez de considerar as sugestões da audiência como uma questão binária de noticiabilidade (ou não), os jornalistas fariam mais justiça à participação dela focando-se em como tornar o seu contributo noticiável” (Boesman et al., 2021, p. 159).

Tornar o contributo da audiência noticiável foi uma das tendências comuns entre 30 projetos de média locais descritos num relatório do International Press Institute (Park, 2021), que dá conta da revitalização de notícias locais em projetos de vários países do mundo. “Os média locais bem-sucedidos têm uma noção clara da sua missão, visão editorial e audiência (ou potencial audiência). Esta confiança está na base de uma reconfiguração do jornalismo para corresponder às necessidades da sua comunidade” (Park, 2021, p. 4). Em comum, as estratégias desses média locais de diferentes continentes caraterizam-se por refletir e criar simultaneamente a comunidade, ter noção da complexidade e diversidade culturais e ainda “parecer-se com a sua comunidade” (Park, 2021, p. 4).

Por outro lado, encontra-se nestes projetos “um envolvimento da comunidade transversal ( … ) ao processo editorial” com um sentido de equidade e inclusão (e até de criação de literacia e formação de jornalistas cidadãos), um “jornalismo de serviço” e um esforço de compreender e tornar os eventos relevantes para as audiências locais. “Não há modelo certo nem errado, mas apenas um bom produto. Os média locais estão a encontrar maneiras de chegar à sua audiência, onde quer que ela esteja”, pode ler-se no relatório (Park, 2021, p. 6).

Estudos recentes de Jenkins e Nielsen (2019, 2020) apontam para uma capacidade específica dos jornais locais em responder a este desafio, embora constrangidos pela transição tecnológica e geracional. Os autores assinalam a busca de novas estratégias de sustentabilidade financeira dos projetos, que passa também pela componente editorial, notando-se a coexistência de abordagens do jornalismo dito de qualidade e popular. O interesse em preservar os seus valores tradicionais (presença histórica, valores profissionais e confiança dos leitores) e a ênfase dada à proximidade e serviço público mantêm-se presentes enquanto se procura a conquista de audiências online, num fenómeno que leva os autores a qualificar os jornais locais como “organizações ambidextras” (Jenkins & Nielsen, 2020, p. 485).

3.3. O “Retorno ao Local” na Investigação

A crise de sobrevivência dos média locais, plasmada na emergência de teorizações como a dos desertos de notícias, despertou um maior interesse pelo estudo do setor, que Jerónimo e Correia (2020) poetizaram como um “retorno ao local” no campo dos estudos sobre o jornalismo.

Após um período de discursos em torno da globalização, potenciados pelo desenvolvimento tecnológico, mas sobretudo pelo aparecimento da Internet, a tendência agora parece ser a de apelar a um retorno ao local. Na essência deste retorno, está o reconhecimento da importância de (re)visitar territórios e comunidades e (re)descobrir identidades. (Jerónimo & Correia, 2020, p. 11)

A literatura de anos recentes reconhece o contributo dos média locais para a criação de coesão e identidade social, esclarecimento democrático da comunidade e produção noticiosa de proximidade… apesar de todos os seus defeitos, também identificados por muitos estudos. “Há uma forte evidência de que o jornalismo local, apesar das suas falhas, é realmente mais informativo e ajuda as pessoas a acompanhar os assuntos públicos locais” (Nielsen, 2015, p. 18). O autor destaca resultados de pesquisas que sugerem que o jornalismo local “ajuda a gerar altos níveis de envolvimento cívico e político” e ainda “contribui para a integração da comunidade, representa as comunidades e ajuda a unir as pessoas” (Nielsen, 2015, p. 18). Para Brian McNair (2006),

se as notícias são a nossa janela para o mundo, as notícias locais são a nossa janela para a parte do mundo que efetivamente habitamos ( … ), dizem-nos o que está a acontecer nas nossas ruas e traseiras. Paroquial por definição, o jornalismo local é parte do cimento social que liga as comunidades entre si e é ampla e acertadamente visto como um elemento essencial na construção da identidade local. (p. 37)

Na mesma altura, Aldridge (2007) colocava a tónica na posição de charneira:

os média locais podem ter falta de glamour, mas a sua importância não levanta dúvidas. A comunidade de residência é, como Friedland tão vividamente expressa em termos habermasianos, a “costura” entre o sistema e a mundividência (2001: 374). Para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, as necessidades quotidianas são cumpridas e as rotinas regulares desempenhadas dentro de um território familiar. (p. 161)

Vários anos e grandes transformações depois, esta visão prevalece. Jenkins e Nielsen (2019) referem-se aos média locais como “pilares”. Carlos Camponez (2011) descreve este jornalismo a partir da sua dimensão simbólica, como um “pacto comunicacional realizado no contexto de comunidades de lugar - isto é, comunidades que se reconhecem com base em valores e interesses construídos e recriados localmente, a partir de uma vivência territorialmente situada” (p. 36).

Isto leva-nos à reflexão de Nielsen (2015), que afirma que “jornalistas e académicos são e têm sido ambivalentes em relação à qualidade do jornalismo local” (p. 1). É um setor que tem defeitos “terríveis” - e ele salienta, como exemplo, a postura servil perante os poderes locais e os ilustres, ou mesmo os anunciantes. Chamaríamos aqui também o contributo de Ross (2006), que encontrou nos média locais a reprodução do mesmo “circuito de sentido” dos média nacionais, privilegiando a perspetiva e a voz de uma elite masculina e branca, apesar da imprensa local “ter mais liberdade para promover perspetivas mais diversas porque não está ligada a uma agenda nacional” (p. 232).

Também podemos referir a propensão do jornalismo local para produzir “histórias suaves”, promovendo “representações do idílio rural” como um desses efeitos controversos da proximidade com a comunidade (Freeman, 2020, pp. 14-15). Este sentido de preservação da imagem da comunidade em detrimento da fidelidade a valores-notícia tradicionais do jornalismo (como o conflito e a controvérsia) deve ser analisado à luz da especificidade do jornalismo de proximidade - o caso do jornal local que assumiu uma posição de “bússola moral” na cobertura noticiosa de um assunto fraturante em vez de “ideias normativas sobre o papel do jornalismo”, relatado por Hess e Waller (2020, p. 586).

Leupold et al. (2018) concluíram, no âmbito de um estudo em jornais locais na Alemanha, que o jornalismo local se carateriza por “um estilo de reportagem dócil e acrítico, que enfatiza os aspetos positivos dos atores da sociedade civil e vida da comunidade” (p. 4), confirmando outros estudos prévios que davam conta de uma “falta de jornalismo crítico, de investigação e sobre temas conflituosos” (p. 4). Os média locais preferiam enfatizar as notícias ligadas à coesão social, como aquelas sobre relações em rede, confiança nas instituições, identificação e respeito pelas normais sociais.

Retomando o raciocínio de Nielsen (2015) sobre a ambivalência, a literatura sugere que, apesar dos seus “defeitos terríveis”, o jornalismo de proximidade é também visto como “terrivelmente importante”, ao ser um fórum de debate e um eixo da comunidade.

A realidade do jornalismo local provavelmente não se encontra entre estes dois extremos, mas na sua combinação. Como o jornalismo, em geral, o jornalismo local pode bem ser frequentemente terrível e, apesar disso, terrivelmente importante. O jornalismo local nem sempre desempenha bem os seus papéis, mas os papéis que desempenha são importantes. (Nielsen, 2015, p. 1)

Michael Schudson (2019) sugere uma conciliação, afirmando não haver divergência entre a aceleração da sociedade e a permanência, ou mais lenta mudança, de alguns valores. Afinal, adianta o autor, o mundo é composto por justapostas camadas a diferentes velocidades.

Mesmo que vivamos culturalmente mais e mais online, também vivemos como sempre vivemos, num só lugar e num só tempo. Carregamos dispositivos através dos quais estamos em contacto com um mundo mais vasto, mas estamos em contacto a partir das nossas casas, vizinhanças, locais de trabalho, a preocuparmo-nos com as nossas próprias famílias, amigos e vidas amorosas, e com se há leite suficiente no frigorífico para o pequeno-almoço de amanhã. (Shudson, 2019, p. 79)

Por essa razão, mesmo havendo “muitas razões para preocupação sobre um contexto em rápida mudança para o jornalismo”, “devemos dar esta total consideração às impressivas continuidades do jornalismo” (Schudson, 2019, p. 79).

Guimerà et al. (2018) tinham já declarado ser esta “vibrante linha de investigação” (p. 6), com quatro principais ramificações: o impacto das transformações do setor dos média locais na vida das comunidades, a crise económica dos média locais e a emergência dos meios hiperlocais, a participação e o conteúdo produzido pelo público, e, ainda, as mudanças na cultura jornalística local. Entre as lacunas a preencher no campo, os autores identificavam a necessidade de teorizar e melhor delimitar “um objeto de estudo que é por definição heterogéneo e altamente dinâmico” (p. 7) e aprofundar o conhecimento sobre a origem das mudanças no setor, observando a evolução dos projetos noticiosos ao longo de várias décadas - e não só a partir do advento do jornalismo digital. Os autores sugerem ainda um reforço da perspetiva da audiência, de forma “a aprofundar a relação sobre a redistribuição de legitimidades na produção noticiosa local e a posição dos profissionais de média num ecossistema repleto de novas vozes que nem sempre conseguem ser ouvidas” (Guimerà et al., 2018, p. 8).

Gulyas e Baines (2020) apelam também ao investimento

numa maior consciência das ligações históricas. Os média locais têm uma longa história e, não obstante, ao nosso entendimento do desenvolvimento histórico do setor, das suas continuidades e descontinuidades, e de como as suas histórias e legados contribuíram para as estruturas e realidades contemporâneas é, sem dúvida, limitado. (p. 17)

Estes autores (Gulyas & Baines, 2020) reforçam o apelo de Guimerà et al. (2018) para que seja mais bem conhecida a realidade de outros países, fora daqueles onde se concentra o grosso da pesquisa deste campo, de forma a ampliar o panorama e a possibilidade de estudos comparativos.

Gulyas e Baines (2020) comprovaram o interesse crescente sobre essa linha de investigação, numa pesquisa na base de dados Web of Science Core Colletion, que revelou que cerca de 70% dos artigos sobre jornalismo, média e notícias locais entre 1977 e 2019 tinham sido publicados nos 10 anos anteriores - e cerca de metade nos últimos cinco. Os autores assinalam as “significativas variações geográficas na cobertura dos países” (Gulyas & Baines, 2020, p. 1), com cerca de 40% dos estudos a emanarem só dos Estados Unidos; 8,5% do Reino Unido, 7,5% da Austrália; e 5% do Canadá. Os restantes 38% do interesse académico estava disperso por 60 países.

Os mesmos autores salientam a necessidade de aperfeiçoar, aprofundar e precisar novas e clássicas terminologias e conceitos como “local”, “jornalismo local” e “comunidade”, perante os estudos recentes que “sugerem estar a ter lugar uma transformação na forma como as comunidades são percecionadas no campo [dos média e jornalismo locais] - menos como um objeto, mais como um processo e prática, como ação, atividade, propósito” (Gulyas & Baines, 2020, p. 4).

Alinhadas com esta inquietação, Hess e Waller (2020) referem que, sendo importante analisar o que é dito (e por quem) nas notícias locais, interessa também analisar o que não é dito, pela eloquência que o que fica por dizer (e, eventualmente, também por quem) pode comportar. “Habitualmente visto como não democrático, em oposição binária à voz, e como uma barreira para minorias (e às vezes também para os próprios jornalistas), o silêncio permanece subanalisado e sub-teorizado nos excessos palavrosos da era digital” (Hess & Waller, 2020, pp. 586-587). Este interesse crescente pelo campo dos média locais tem uma singularidade, apontam Guimerà et al. (2018): “[é] frequentemente acompanhado por um sentido de urgência, pela sensação de estar a abordar um objeto de estudo em perigo de extinção, e pelo desejo de contribuir para a sua sobrevivência” (p. 5).

4. Conclusão

No âmbito de uma crise generalizada dos média, está em curso uma reconfiguração do jornalismo local ao nível das suas práticas e estratégias de envolvimento com a audiência, modelos de negócio, formatos noticiosos e, também, de uma certa reflexão sobre valores jornalísticos. Nos últimos anos, o interesse da pesquisa por este campo de estudos floresceu e chegou também a um lugar de reflexão sobre o seu caminho. Há apelos para o apuramento do rigor terminológico e para o estudo de realidades sub-representadas na literatura. E há também apelos para a criação de um sentido partilhado, que possa abarcar o interesse comum de mapear, compreender e até amparar o jornalismo local na sua sobrevivência - e, mais do que isso, no seu progresso e sustentabilidade.

Como principais questões que se colocam ao campo, elencamos a falência do modelo tradicional de negócio e a concorrência das plataformas, a emergência dos desertos de notícias e a erosão da proximidade na prática profissional. Quanto aos desafios, destacamos aqueles colocados pela emancipação das audiências, que empurram os jornalistas para uma revisão e embate com os seus valores-notícia tradicionais e os seus rituais de prática profissional, assim como um interesse florescente da academia por este campo de estudos.

Agradecimentos

A autora Dora Mota agradece à Fundação para a Ciência e Tecnologia o financiamento através de uma Bolsa de Doutoramento com a referência 2023.02037.BD.

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1Este é um projeto do Center for Innovation and Sustainability Media, da Hussman School of Journalism and Media, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos da América, cujo site é https://www.usnewsdeserts.com.

2O Media Deserts Project é uma iniciativa conjunta da E.W. Scripps School of Journalism, do Departament of Geography e da Voinovich School of Leadership and Public Affairs na Universidade de Ohio, nos Estados Unidos. Pode encontrar-se em https://www.mediadeserts.wordpress.com.

3O estudo de Galtung e Ruge, intitulado “The Structure of Foreign News” (A Estrutura das Notícias Estrangeiras), foi publicado no Journal of Internacional Peace Research em 1965 (Harcup & O’Neill, 2001, p. 261).

Recebido: 14 de Abril de 2023; Aceito: 17 de Outubro de 2023

Dora Mota é jornalista desde 1999 e doutoranda em Ciências das Comunicação na Universidade do Minho, onde investiga sobre a relação entre o jornalismo local e os seus públicos, com ênfase nos novos projetos portugueses de proximidade. Depois de se licenciar em Comunicação Social, trabalhou em jornais e revistas nacionais, tendo passado os mais recentes anos da sua carreira na redação do Porto do Jornal de Notícias, uma das maiores do país. Desde outubro de 2023, é bolseira de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Email: doramota22@gmail.com Morada: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal

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