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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.20 no.37 Lisboa dez. 2020

https://doi.org/10.14195/2183-5462_37_6 

ARTIGO

Vida Mundial Ilustrada e a rádio

Vida Mundial Ilustrada and the Radio

Rogério Santos*

* Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas. Centro de Estudos de Comunicação e Cultura - CECC rogerio.santos@netcabo.pt


 

RESUMO

O artigo analisa as peças noticiosas sobre rádio saídas na revista Vida Mundial Ilustrada (1941-1946), publicação semanal generalista que atingiu 278 edições. A revista editou, no total, 131 páginas sobre a realidade nacional e internacional da rádio, incluindo uma secção própria (de novembro de 1943 a março de 1945), e em géneros noticiosos como entrevistas e notícias breves. Durante a II Guerra Mundial, a rádio desempenhou um papel importante no entretenimento e informação da população portuguesa, através da escuta de emissões internacionais, caso da BBC.

Palavras chave: rádio; revista; locutor; cantor de rádio


 

ABSTRACT

The aim of this chapter is to analyze the radio news edited in Vida Mundial Ilustrada (1941-1946), a weekly newspaper that reached 278 editions. The magazine published 131 pages about the reality of national and international radio and with various news genres in all editions, including a full-page section (between November 1943 and March 1945). During World War II, radio stations played an important role in the entertainment and information of the Portuguese population, mainly by listening to international broadcasts such as BBC.

Keywords: radio; magazine; announcer; radio’s singer


 

O artigo analisa as peças noticiosas sobre rádio na revista Vida Mundial Ilustrada (1941-1946). Para apoio teórico, utilizo conceitos e práticas como construção de magazine (Cardoso, 2015), agendamento e relação entre problemática e acontecimento (Traquina, 2000, 2002), discurso jornalístico (Ponte, 2004), inovação (Correia e Baptista, 2007) e fotojornalismo (Sousa, 2002). A escolha pelas notícias sobre a rádio justifica-se pela investigação feita pelo autor sobre o tema. Durante algum tempo, a revista editou uma secção de página inteira sobre rádio e em igual destaque que as áreas de literatura, teatro, cinema e assuntos dedicados à mulher.

A partir da compreensão das notícias, constituo biografias pessoais e empresariais, tema essencial da História, ciência social que determina o artigo, e articulável com os Estudos do Jornalismo, área privilegiada de trabalho de Nelson Traquina. Estendi esta opção à informação sobre rádio e concluí pela abordagem regular de personalidades marcantes na época, nomeadamente locutores, que dão voz ao microfone, e cantores, que alegram os ouvintes quando os escutam na rádio. Na revista, os agentes culturais ligados à rádio foram sempre tratados com muita simpatia e, ao revelarem pequenos segredos pessoais, tornaram-na elemento ideal para estabelecer intimidade entre celebridades e o seu público, quase fazendo esquecer o papel dos media como intermediários de comunicação de massa.

Como perfil da revista, ela dirigiu-se a um público com curiosidade política, intelectual, social e estética, incluindo o apreço pela fotografia. A par do programa da Emissora Nacional Serões de Trabalhadores, em organização com a FNAT, empresas privadas como a de Francisco Igrejas Caeiro começariam a organizar espetáculos itinerantes pelo país. Se parece existir um tom ligeiro na escrita destas matérias, houve preocupações jornalísticas para atingir os interesses do público-alvo da publicação. Para melhor aproximação aos leitores, os jornalistas apostaram em géneros noticiosos como a entrevista e a notícia breve. Apesar da grande popularidade de locutores e artistas da rádio, o decorrer dos anos fez esquecer os sucessos e transformou as então estrelas em figuras anónimas e ignoradas. O artigo pretende recuperar essa memória e perceber a cultura e a política da época através da revista.

A principal questão de investigação residiu na busca de valores proeminentes nas notícias sobre rádio. Ela levou-me a querer saber que estruturas, colaborações, estéticas e linhas ideológicas se fizeram sentir na rádio no período atravessado pela II Guerra Mundial e consequências indiretas no nosso país, a par do rigor censório exercido sobre a atividade.

Estrutura da revista

A Vida Mundial Ilustrada (1941-1946) saía à quinta-feira e teve 278 edições. Começou com 20 páginas por número, subiu para 24, com regularidade a partir do segundo semestre de 1942, e terminou em 32 páginas, num total de mais de 6500 páginas publicadas. O preço inicial foi de 1$00 (capa a preto e branco), cresceu para 1$20 (fevereiro de 1943, com capa impressa a três cores), 1$50 (novembro de 1943), 1$80, até acabar em 2$00. A capa passou a quatro cores em julho de 1945. A mudança gráfica, em novembro de 1943, com o segundo editorial de sempre da publicação, foi ainda ocasião para começo da edição da página de rádio. A página feminina e a página de utilidades, com anúncios a produtos novos, arrancaram em abril de 1944. Páginas específicas como literatura fizeram parte da estrutura da revista desde o seu início.

O ano de fundação da revista foi o da recordação da exposição dos centenários, ocorrida em 1940, com a propaganda do regime a promover a ideia de país excecional, próspero e ausente da violenta conflitualidade causada pela II Guerra Mundial. Havia opiniões divergentes a traçarem um quadro de pobreza intelectual em Lisboa (Eliade, 2008, p. 33). Na altura da saída da revista, a opinião pública interna, dividida entre anglófilos e germanófilos, inclinava-se já para a primeira, levando José Augusto França (2014) a indicar essa tendência como marca da revista. Para o historiador, se Vida Mundial, surgida em 1939 como documentário semanal da imprensa e a viver da seleção de artigos nacionais e traduzidos, teve um grande sucesso, Vida Mundial Ilustrada teria uma opção anglófila bem informada, conveniente ao governo (França, 2014). Na realidade, parece-me necessário matizar esse posicionamento, pelo menos até finais de 1942, com equilíbrio entre posições próximas quer das democracias europeias quer do poder ditatorial.

A redação e administração funcionavam na rua Garrett, 80, 2º, Lisboa, com o telefone 25844, passando, em outubro de 1943, para a travessa da Emenda, 69, 2º, e o mesmo telefone, junto “ao Calhariz de nobres tradições”, como se escreveu. Previa-se uma tiragem inicial de cinco mil exemplares por número e preço de 1$00, “destinada à inserção gráfica dos mais importantes acontecimentos dos vários países”, reservando capa da revista e um mínimo de três a quatro páginas para os acontecimentos da vida nacional (29 de março de 1941, SNI, ANTT, Caixa 691). A edição gráfica era executada nas oficinas Bertrand, na travessa da Condessa do Rio, 27, Lisboa, cobrando esta um valor até mil escudos por edição (14 de março de 1941, SNI, ANTT, Caixa 691) e libertando a revista de encargos com pessoal de composição e impressão.

O proprietário e editor da revista, Joaquim Pedrosa Martins, depositara dezasseis mil escudos como garantia da publicação da revista (31 de março de 1941, SNI, ANTT, Caixa 691). Nascido em 1914 em Lisboa e engenheiro de profissão, Joaquim Pedrosa Martins era já dono de Vida Mundial. A propriedade da revista aqui estudada passaria para Vida Mundial Editora, a partir de novembro de 1943, quando se escreveu o segundo editorial da publicação e a coincidir com nova linha gráfica, remetendo o fundador para um lugar mais recatado.

Quanto ao diretor da revista, José Cândido Godinho (1898-1950), apresentou um percurso iniciado na política, mas migrando para o jornalismo. Ele concorreu às eleições autárquicas de novembro de 1922 em Setúbal, concelho de nascimento. Das cinco listas, a independente de partidos pertencia-lhe, embora apoiado pelo jornal Semana de Setúbal (Alho, 2010, p. 53). Poucos meses depois, passou a representante local do Partido Republicano Radical (Ferreira, 2019, p. 89). Em março de 1925, surgia o Diário do Povo, jornal dedicado ao desporto e ligado ao mesmo partido, com José Cândido Godinho a secretário de redação (Fernandes, 2011). Em 1925, era um dos diretores da publicação Os Sportsinhos, de estímulo das atividades desportivas das crianças. José Cândido Godinho também dirigiu a Vida Desportiva, iniciada em 1927, e foi ainda diretor da revista Vida Mundial (1939), a sair ao sábado.

Vida Mundial Ilustrada (1941-1946), com subtítulo Semanário Gráfico de Atualidades, teve apenas três editoriais assinados pelo diretor, a mostrar que a orientação da publicação não necessitava do permanente discurso direto do seu responsável. Do primeiro editorial, o diretor escreveu sobre a necessidade da revista, a significar progresso e cultura conquanto em momento de grande dramatismo e violência mundial. No editorial, José Cândido Godinho propunha que, pela ilustração, esclareça e informe e oriente o público - com esse poder de verdade que mais do que a palavra falada ou escrita, a imagem traduz - sobre os rumos que o mundo está seguindo. Um jornal, além disso, que constitua um documento de literatura e do jornalismo.

Assim, literatura, cultura, comentário político internacional, fotografia e desenho estariam juntos desde o número de lançamento. A primeira página literária foi assinada por Ramada Curto, mas o responsável inicial da página seria Álvaro Salema, passando para Luís Forjaz Trigueiros no verão de 1943 e regressando a Salema em novembro de 1945. Francisco Veloso assinou sempre a análise política internacional. Uma secção prolongada no tempo foi “Calçada da Glória”, de Luís de Oliveira Guimarães, com histórias sobre personalidades importantes do país, acompanhadas com desenhos. “História da II Guerra Mundial”, de Carlos Ferrão, iniciada em novembro de 1941, com análise dos seus principais intervenientes e locais dos maiores combates, a parecer um folhetim com muitos episódios, foi outra secção duradoura. Fernando Fragoso editou a página de cinema, a partir de 1943. Por vezes, imprimiu-se uma secção de “Atualidades Gráficas”, com fotografias de acontecimentos nacionais.

Muito atenta ao discurso jornalístico, Cristina Ponte (2004) escreveu sobre folhetim e jornalismo de interesse humano, que adoto aqui ao avaliar os textos de Luís de Oliveira Guimarães e, em menor grau, Carlos Ferrão. Depois de situar o começo do folhetim na imprensa e a polémica que esse formato narrativo pode adquirir num jornal, ela apontaria a técnica do episódio (do folhetim), a jogar “com múltiplas peripécias, rudes, inesperadas e comoventes, tudo devidamente seriado para que se mantenham a curiosidade e a expectativa” (Ponte, 2004, pp. 46-47). O folhetim surgia assim como compromisso entre literatura e jornalismo, dada a sucessão de episódios cativar o leitor. A revista semanal adaptar-se-ia bem à ideia de folhetim.

De outros colaboradores de Vida Mundial Ilustrada, saliento António Botto, Castro Soromenho, Félix Bermudes, Gentil Marques, João de Barros, Manuela de Azevedo, Maria Archer, Mário Domingues, Marques Gastão, José Ribeiro dos Santos, Rogério de Freitas e Gentil Marques. Ao longo da vida da revista, publicaram-se contos de colaboradores acima identificados, a que se juntaram Fernando Namora, Aquilino Ribeiro e Alice Ogando (Mary Love). Os contos eram acompanhados de ilustrações do mesmo modo que as figuras políticas e militares destacadas em cada edição (“Figuras da Vida Mundial”), algumas de grande interesse gráfico, além da página humorística, em especial nos anos finais da revista. Por isso, nomeio ilustradores como Stuart Carvalhais, Santana, Rudy e Zeco (Borges Correia). Pela rápida apresentação dos colaboradores da revista, aliada à marca gráfica e visual, conclui-se pela sua qualidade. A estrutura fixa seria pequena, com o diretor a partilhar trabalho com a chefe de redação Manuela de Azevedo (1911-2017), cargo que ocupou em parte significativa da vida da publicação. Tal foi evidente na passagem da fase inicial da publicação com muito espaço dedicado à fotografia para um maior equilíbrio com textos de análise (e entrada de notícias sobre rádio). Também uma página de humor ou desenhos existiu com maior força no período em que foi chefe de redação. Ela foi a primeira mulher a possuir carteira profissional de jornalista em Portugal e, conhecida pela verticalidade intelectual e política, ajudaria a fixar a identidade democrática da revista, afastando-a de hipotéticas derivas favoráveis às forças alemãs na guerra. Apesar da ficha técnica excluir nomes além de proprietário e diretor, a revista contaria com recursos usados na publicação irmã Vida Mundial. A saída de Manuela Azevedo para o Diário de Lisboa no final de 1945 contribuiria para a perda de qualidade e desaparecimento da revista no ano seguinte.

O segundo editorial da publicação surgiu em novembro de 1943. Após justificar o aparecimento da revista dois anos antes, o diretor José Cândido Godinho dissertou sobre os seus objetivos finais, o de refletir não apenas a realidade nacional, mas projetar a vida mundial. As restrições impostas pela guerra limitariam os objetivos.

No final de 1943, chegara o momento da renovação, com a revista como outra - sendo a mesma. É outra pela sua estrutura, numa arrumação gráfica que constitui um cometimento revolucionário no nosso meio, e na nossa imprensa, pela variedade dos seus assuntos, pela forma objetiva como estes são tratados. Torna-se, assim, mais eclética, mais completa, mais uma revista dos tempos em que vivemos.

O terceiro editorial seria escrito na última edição, a 19 de setembro de 1946, onde se indicava que a interrupção por algum tempo se devera a dificuldades diversas, entre as quais asde execução gráfica, apontando para a transição de revista semanal para mensal. Na realidade, a Vida Mundial Ilustrada deixaria de se publicar. Depois, em julho de 1948, a empresa proprietária de O Século comprava a própria Vida Mundial, onde esta era composta e impressa e funcionava a redação e administração, a exigir mais trabalho de redação, página humorística de desenhos e romance em folhetim (França, 2014). Na nova fase, a revista permaneceu sob a direção de Cândido Godinho até ele morrer em 1950. Entrevistas e referências a figuras da oposição democrática indiciariam uma disposição favorável ao triunfo dos aliados na II Guerra Mundial, aludida atrás, caso de entrevistas com Norton de Matos e Alves Redol e reportagem sobre o professor Joaquim de Carvalho na universidade de Montpellier. Contudo, ainda no primeiro número, por exemplo, combinar-se-iam títulos como “Se a Inglaterra for invadida” e “Fátima pela paz do mundo e de Portugal”. A escolha de contistas acima identificados refletiria algum equilíbrio, embora pendesse para figuras menos alinhadas com o regime. A batalha de Estalinegrado, terminada em fevereiro de 1943, e o desembarque na Normandia, em junho de 1944, mostrariam as mudanças de rumo na guerra. A linha geral da revista seguiu estas marcas temporais e clarificou as suas opções. Do ponto de vista organizativo, uma homenagem ao diretor da revista (junho de 1946) permitiria conhecer as ligações à imprensa, cultura e arte, fotógrafos, caricaturistas, artistas da rádio, editores, realizadores de cinema, tradutores, comerciantes e industriais gráficos, tudo atividades e funções na cadeia de valor da edição impressa.

Conteúdos da revista

A Vida Mundial Ilustrada assumiu-se como publicação dedicada à atualidade gráfica dos acontecimentos. Em termos de jornalismo, uma revista define-se como possuidora de trabalho imaginativo, apoiada na imagem e no design e sem a pressão diária que condiciona a imprensa diária (Cardoso, 2015, p. 57). O artigo aqui segue, além disso, a divisória entre ocorrências naturais e informação agendada (Traquina, 2000; Molotch e Lester, 1992). Segundo Molotch e Lester (1992), os acontecimentos podem ser naturais (desastre como terramoto, acidente como queda de avião) ou provocados por interesses de uma ou mais entidades (revelação de escândalo). Para Traquina (2000), o campo noticioso envolve agentes especializados na elaboração de notícias, pelo que separa o agendamento em três parcelas: mediático, público e político. O agendamento remete para o trabalho constante de promotores de acontecimentos e para os interesses próprios que colocam, ou, de outro modo, para as arenas públicas em que acontecimentos e temas são apropriados e desenvolvidos. Visto retrospetivamente a partir da internet, os meios de comunicação de massa tinham velocidade menor na divulgação dos acontecimentos: a imprensa menos que a rádio e a televisão, os semanários menos que os diários. Em momentos cruciais, a imprensa fazia sair edições ao longo do dia, se as novidades fossem muitas, caso de situações dramáticas durante a guerra, período em que a revista se publicou. Com a rádio, a atualidade ficou facilitada, nomeadamente com a edição de noticiários em cada hora. Ao menor tempo de promoção do evento corresponde mais emoção e menor distanciamento e reflexão; a um maior tempo de divulgação corresponde menos atualidade e mais capacidade analítica. Na revista, o agendamento seria contrabalançado pela menor importância da atualidade e pelas decisões tomadas em reunião de redação, com as notícias a pesarem menos que as reportagens e entrevistas temáticas. Nesta linha, prefiro o termo temática a problemática, pois a última coloca ênfase no agendamento e torna o jornalismo demasiado responsável nas decisões políticas fundamentais, o que uma revista como Vida Mundial Ilustrada não pretendia atingir. Conquanto as novidades fossem enquadradas na terminologia deacontecimento, como observou Nelson Traquina, a manutenção das secções da revista estimulou a continuidade temática.

Parto da análise das capas, a maioria delas destinada a apontar temas desenvolvidos no interior, mas quase sempre sem ligação à atualidade. Tal tornou-se mais nítido nos números editados depois de 1943, em que a revista destacou artistas de cinema americano. Mesmo na primeira centena de edições, algumas capas referiam acontecimentos recentes, mas a escolha obedeceu a critérios estéticos mais do que atualidade, exemplificadas em fotografias sobre vida rural, moda e entretenimento. No interior da revista, e em especial nas secções fixas, o principal critério de publicação foi a tematização e não a ocorrência. Como revista semanal, a análise tinha um impacto mais interpretativo que informação imediata, com entrevistas e reportagens. No caso de notícias breves, havia uma ligação mais direta à atualidade. No conjunto, pesaria muito a oportunidade fotográfica, com imagens a preencherem uma parcela significativa de cada página da revista.

Jorge Pedro Sousa (2002), que analisou o fotojornalismo durante e após a II Guerra Mundial, chamou a atenção para o crescimento de agências fotográficas e dos serviços fotográficos das agências de notícias. Para ele, houve diversas vias de desenvolvimento: a fotografia jornalística e documental encontrou outras formas de expressão, a rotinização do trabalho fotojornalístico produziu imagens em série de fait-divers e a foto de ilustração distinguiu as vedetas e estrelas do cinema e dos media (Sousa, 2002, p. 21). As fotografias publicadas na Vida Mundial Ilustrada cumpriam estes requisitos, com imagens fornecidas por agências internacionais embora não identificadas. Por seu lado, a infografia ocuparia um lugar incipiente. Para Ribeiro (2008), a infografia, fronteira entre texto e imagem, acompanha as notícias de rutura (acontecimentos imprevistos e de grande impacto na vida e na opinião pública), o que não se verificava totalmente na revista. Em número de julho de 1942, a retratar a evolução da guerra, o texto foi ilustrado com mapa do Egito e as forças militares em confronto. Ainda sobre a II Guerra Mundial, um número de junho de 1944 apresentou um novo mapa da Europa a indicar as posições de alemães e de aliados.

Na minha leitura da revista, encontro três fases, a primeira das quais possuía muitas fotografias de militares e dos diferentes exércitos em combate na II Guerra Mundial (Alemanha, Inglaterra e Itália), em territórios da Europa e do Médio Oriente, em especial até dezembro de 1942. No caso destas fotografias, houve um predomínio inicial da realidade alemã, talvez relacionado com facilidade de obtenção das imagens. Também Salazar e Carmona surgiram em algumas capas. Embora não tão datado, encontro uma segunda fase, com motivos mais populares, como na época das vindimas ou do verão e da praia, várias com identificação de fotógrafos portugueses. A capa de número de abril de 1943, com fotografia de homem no mar, tem estética neorrealista, algo não comum no conjunto das capas. Uma terceira e mais nítida fase, foi aquela em que as capas traziam fotografias de estrelas de cinema, a antecipar o fim da II Guerra Mundial, a vitória dos aliados e o novo predomínio da cultura americana, aqui em muitas notícias breves. Diversas imagens traziam estrelas em fato de banho, com preferência pela elegância das suas pernas. Juventude e beleza feminina eram, aliás, visíveis na maioria das capas a partir de julho de 1944, a atrair o público masculino.

 

 

 

 

 

Informação radiofónica

A informação radiofónica na Vida Mundial Ilustrada aqui trabalhada preencheu 131 páginas (ou partes de páginas) sobre a realidade nacional e com diversos géneros noticiosos. Excluí da análise textos sobre as realidades inglesa, espanhola, americana e brasileira. Do total, destaco 62 páginas inteiras sob o título de secção Rádio (com variados géneros dentro) e doze capas. Dos géneros jornalísticos indico-os no Quadro 1, com relevo para breves, com blocos escritos em 67 páginas, seguindo-se 55 entrevistas, 18 notícias e 13 notícias sobre concurso levado a efeito pela revista.

 

 

Cada bloco de notícias breves engloba diversas notícias. Embora distorça a metodologia habitual, contei o bloco como unidade. A notícia breve representa o valor noticioso da atualidade, pelo que realcei os blocos, devidamente sinalizados com filete e título, e não a totalidade das notícias breves. A média de extensão da notícia breve tinha à volta de quatro a seis linhas e incluía críticas a programas e autores, notícias de cantores e canções para rádio, pagamento a colaboradores da rádio, passagem de discos antigos e “arranhados” e confraternizações, entre escrita séria e irónica.

Destaco o elevado número de entrevistas feitas a gente da rádio. O género permite verificar a existência de novidade em termos jornalísticos - a criação de publicações dedicadas ao consumo de massas com a publicitação de vedetas e celebridades. Ainda num tempo sem televisão, o conhecimento público de locutores e de artistas da rádio processou-se deste modo. Também significativo, no conjunto da informação sobre rádio, o uso de reportagens e fotorreportagens (12) e fotografias e desenho com legendas (13), sem contar com as capas dedicadas às estrelas da rádio (cantores e locução). Destas, indico Milita Meireles, Maria da Graça, Maria Gabriela, Gina Esteves, Maria Sidónio, todas cantoras, Maria Eugénia Branco (três vezes) e Óscar de Lemos, artistas de cinema, Maria Matos (teatro) e Fernando Pessa (locutor). A primazia foi dada às estrelas femininas e a repetição de Maria Eugénia deveu-se ao seu papel no filme A Menina da Rádio. Algumas das cantoras seriam capa por causa de concurso de artistas da rádio, com a revista a promovê-las numa altura em que se encontravam na lista dos candidatos mais votados. Todas as cantoras teriam vida curta de estrelato, desaparecidas após o casamento.

Se Vida Mundial Ilustrada tinha como principal público-alvo pessoas interessadas em política e cultura, a massificação de informação sobre vedetas e celebridades atingiria depois públicos mais populares com revistas como Flama e Plateia, aliás notabilizadas pela produção de concurso de rainhas e reis da rádio ao longo das décadas de 1950 e 1960, quase todo o período a incluir já televisão em Portugal.

A página dedicada à rádio iniciou-se em 11 de novembro de 1943 e desapareceu em 8 de março de 1945, indicador da influência do popular filme A Menina da Rádio (1944) e de jornalistas encarregados da sua escrita. O tema principal do filme, realizado por Artur Duarte, com Maria Eugénia Branco no principal papel feminino e António Silva, Maria Matos, Ribeirinho, Óscar de Lemos e Fernando Curado Ribeiro em outras personagens, era a origem das estações de rádio e a vedetização dos seus artistas. Os jornalistas mais identificados nos textos da revista seriam Repórter 1 (16 textos) e Repórter 2 (11). A pesquisa histórica não permitiu apurar os seus nomes. Os depois radialistas conceituados Domingos Lança Moreira (quatro textos) e Fernando Curado Ribeiro (11) assinariam nomeadamente entrevistas a figuras da rádio, com o segundo a ficar responsável da secção de rádio e dos seus editoriais, como forneço adiante. Lança Moreira escreveu entre julho e outubro de 1942. O primeiro trabalho de Fernando Curado Ribeiro assinado na revista foi em outubro de 1944, a coincidir com a rubrica de breves Gongs, a substituir À Escuta. Uma rubrica nova, Nota da Semana, aparecia na edição de 12 de outubro de 1944. A entrada de Fernando Curado Ribeiro deve ter-se feito nessa altura, popularizado já por filme atrás indicado. Na Nota da Semana de 26 de outubro de 1944), ele escreveria:

Num país pobre de meios de divulgação e de transporte, a Rádio tem ascendência e prestígio notáveis. Tal é o nosso caso. Deve ser fundamental a importância da Rádio na educação da massa popular, além da sua preponderância como fonte informativa. A par deste aspeto, a Rádio deve representar ainda por excelência a distração do povo - a mais barata, a mais cómoda, a mais compreensível. Depois, a Rádio é ainda a fonte musical de inesgotáveis recursos e, consequentemente, o melhor meio transmissor da Arte.

Na Nota da Semana de 2 de novembro de 1944, Fernando Curado Ribeiro defendia que a rádio não é uma “série de independentes trabalhos e funções”, mas “um conjunto de esforços dirigidos”, que aparece pela voz do locutor e sem esquecer “dificuldades, restrições, tabus, impossibilidades e contingências que a nossa Rádio, em especial, suporta”. Aqui, uma crítica disfarçada à censura sobre os media exercida pela ditadura. Numa outra Nota da Semana, ele faria um alvitre sobre a rádio particular bem feita, mas que as autoridades de telecomunicações nunca atenderiam. As estações centralizadoras - assim designadas durante a II Guerra Mundial e anos seguintes por uma estação emitir, na sua frequência, a programação das outras estações amadoras - de Lisboa e Porto emitiam em frequências próximas, interferindo nas emissões. O Porto não ouvia Lisboa e vice-versa e, no meio do país, as interferências mútuas não permitiam acompanhar nem uma nem outra.

Os nomes ventilados nas notícias, entrevistas e reportagens - a mostrar as vedetas de então e, em simultâneo, a radiografia cultural da época - incluiriam cantores (Maria Sidónio, José Badajoz, Maria da Graça, Luís Piçarra, Maria Gabriela, Gina Esteves, trio Lamiti, Cidália Meireles, Milita Meireles, Irmãs Remartinez, Excêntricos do Ritmo), artistas (Maria Eugénia Branco, Óscar de Lemos, Irene Velez, Carmen Dolores), estrelas da rádio (Mimi Extremadouro, Arménio Silva), locutores (Manuel Lereno, Francisco Igrejas Caeiro, Alfredo Quádrio Raposo, Jorge Alves, Maria Leonor Magro, Fernando Pessa, José Castelo, Artur Agostinho, Francisco Mata, José de Oliveira Cosme, José Fernandes, Joana Campina Miguel, Domingos Lança Moreira, Fernando Curado Ribeiro, Rui Ferrão, Humberto Mergulhão, Pedro Moutinho), escritores (Alice Ogando, Olavo d’Eça Leal, Adolfo Simões Müller), dirigentes de estações (Manuel Bivar, António Joyce, Álvaro de Andrade, Fernando Laranjeira, Américo Santos, Júlio Nogueira), compositores ou dirigentes musicais (Pedro de Freitas Branco), estações (Emissora Nacional, Rádio Clube Português, Rádio Peninsular, Rádio Graça, Clube Radiofónico de Portugal, Rádio Clube Lusitânia) e personagens de programas (Senhor Zacarias).

A incidência da informação iria para locutores e artistas da rádio e não programas, com realce para viagens de trabalho fora do país (Brasil, Estados Unidos, Inglaterra) ou situações pessoais (casamentos, estágios). Um dos programas identificados foi Programa da Manhã, da Emissora Nacional. O locutor José Castelo mereceu notícia por regressar da BBC. Sobre a parte técnica das estações, foi dado relevo às antenas de Castanheira do Ribatejo, de melhoria das emissões em ondas curtas para as colónias e regiões com emigrantes portugueses.

A publicação mostraria de forma discreta as suas posições políticas, já assinaladas e que explico melhor à frente quando escrever sobre um concurso lançado em 1944. Assim, felicitava Rádio Atlântico por alguns dos programas saírem da rotina das estações amadoras e indicava as novas instalações da estação e os novos projetos. A revista dava parabéns à Rádio S. Mamede e José da Costa Pais igualmente pelas modernas instalações. As duas rádios pugnavam por valores da oposição democrática. Um louvor seria dado a Portuense Rádio Clube devido a emissões em direto. Ao contrário, viriam críticas à Rádio Continental, acusada de sectarismo injustificável por passar só música séria. O historiador sentiu-se incapaz de vislumbrar a razão do comentário, a não ser que tal significasse estética antiquada. Sabe-se que o proprietário da estação tinha posicionamento político fascista, mas aqui não se juntam opções estéticas e políticas. Além disso, o critério musical dos jornalistas da revista era variado, caso do elogio a programa de Ideal Rádio pela transmissão de música de concerto. Também Rádio Luso foi criticada por transmitir 70% de música alemã nas suas emissões. A notícia acabaria a sugerir uma questão de gosto: “parece-nos que, com vantagem para os seus programas, podia transmitir música de outra nacionalidade. Por exemplo: música italiana, japonesa”. Isto é, países então ao lado da Alemanha na II Guerra Mundial. No final desta, Rádio Luso foi comprada pela Mocidade Portuguesa. Por seu lado, Rádio Graça aparecia como símbolo da má qualidade e da pedinchice constante, situação vista como geral nas rádios locais.

Num critério de jornalismo de proximidade, no final de 1944, Vida Mundial Ilustrada entrevistaria dirigentes das estações locais, então chamadas de postos amadores: Rádio Peninsular, Rádio Graça e Clube Radiofónico de Portugal. A revista recebia cartas elogiosas e cartas anónimas, aqui com ameaças e injúrias, com o jornalista a reagir e aludir a “senhores” que massacravam os ouvintes com péssimas locuções, canções e recitações. Duas notas suplementares, uma delas a crítica aos discos velhos e riscados. Outra: para locutores com vozes detestáveis, o articulista sugeria que a censura radiofónica estendesse aí a sua atividade.

Como hoje, os locutores movimentavam-se então de estação para estação. Sobre o locutor José do Nascimento perguntar-se-ia pelo seu paradeiro, a deixar perceber que a aventura nas Emissões Atlântico fracassara. Algum tempo depois, seria noticiado por serviço de locução e encarregado da programação de Rádio Clube Português. Do mesmo modo, consegue-se entender o movimento de pessoal da Emissora Nacional pelas notícias da revista. No começo de novembro de 1944, Jorge Pereira Alves e Fernando Curado Ribeiro pediam demissão, seguindo-se Áurea Reis, Olavo d’Eça Leal e Maria de Rezende. Era parte significativa da geração inaugural da estação. Fernando Pessa já saíra para a BBC. A segunda geração de locutores afirmar-se-ia, apesar de alguns não aguentarem a pressão do regime político após o final da guerra e acabarem despedidos.

Na Emissora Nacional, entrariam Etelvina Lopes de Almeida e Alberto Represas (final de novembro de 1944). Este trabalhara já em Voz de Lisboa, Emissões Atlântico, Rádio S. Mamede e Clube Radiofónico de Portugal, tendo várias dessas pequenas estações um perfil próximo dos aliados da II Guerra Mundial, o que traria dissabores posteriores a algumas delas. Etelvina Lopes de Almeida fizera uma curta carreira de cantora, ao lado da irmã, numa época em que grupos vocais de irmãs eram vulgares, como Irmãs Martinez, Irmãs Meireles, Irmãs Santos e Trio Lamiti. No início de fevereiro de 1945, surgia o convite para Artur Agostinho ingressar na Emissora Nacional, depois também muito conhecido como repórter desportivo.

Um concurso, lançado na edição de 24 de fevereiro de 1944, visaria a escolha da vedeta portuguesa mais popular em atuação nos microfones da rádio. Os leitores da publicação podiam participar e votar no artista da sua simpatia, desde que indicassem nome e morada daqueles e estação onde o artista votado costumava atuar. Isto quer dizer que os cantores tinham fidelidade às estações (ou etiquetas de música), daí se chamarem artistas da rádio. No final do concurso, houve uma festa de consagração da vedeta mais popular. Como recompensa para os leitores, estabeleceram-se prémios, como recetor de rádio, relógio e garrafas de vinho do Porto. Cada número da revista trazia um cupão para o concurso.

O concurso tinha por detrás de si um contexto social e político. Em dezembro de 1943, fundara-se o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), quando se percebeu que a II Guerra Mundial estava a ser ganha pelos aliados. Em outubro de 1945, sucedia-lhe o Movimento de Unidade Democrática (MUD), para preparar eleições e criar o debate público em torno da democracia parlamentar, a desejar o desaparecimento da cena de Salazar e do seu regime. De modo quase inconsciente, o concurso serviria como simulacro do futuro democrático, com cada leitor da publicação a votar livremente no seu artista candidato.

Na sua investigação, Correia e Baptista (2007) considerariam a censura como grande fator de bloqueio do jornalismo e encontrariam sinais de transformação em finais da década de 1950, devidos essencialmente aos vespertinos, caso do Diário Ilustrado (1956), a apostar em jornalistas jovens, assinando muitas reportagens, e em repórteres fotográficos, numa espécie de continuidade da estrutura de Vida Mundial Ilustrada, a meu ver a revista pioneira na tentativa de democratizar o país através dos media.

Destaque de algumas peças

Aqui, dou privilégio aos trabalhos de dois colaboradores da Vida Mundial Ilustrada: Domingos Lança Moreira e Fernando Curado Ribeiro. Apesar de os seus contributos se estenderem por pouco tempo, a participação deles na revista demonstrou que o trabalho de locutor não é isolado, mas feito em relação com a comunidade produtiva. Outro elemento daqui retirado é a ausência prévia de formação académica ou profissional, ambos aprendendo no decurso da atividade. O futuro imediato, no caso de Fernando Curado Ribeiro, significou um contacto internacional e maior conhecimento, passando por Congo Belga, Bélgica, França e Inglaterra, exemplo antecedido por Jorge Alves.

Já quanto a Domingos Lança Moreira, depois da colaboração na revista, ele especializou-se numa área, constituindo até uma empresa, a dos relatos e comentários desportivos. Ele começou a sua carreira em Rádio Voz de Lisboa, passou para Rádio Clube Português e Emissora Nacional, onde chegou no verão de 1944. Para a revista, escreveu quatro peças (entrevistas, reportagem), com trabalhos a corresponderem a uma ideia de biografia de carreira, entre consagrados e recém-chegados à atividade. Um dos trabalhos foi a entrevista a José Fernandes Badajoz (1920-2000), conhecido como cavador e poeta e que apresentaria as suas canções em Rádio Clube Português. Na altura da entrevista, o cantor amador entusiasmara-se com a proposta de cantar em rádio, onde obteria grande êxito. Cavador de profissão, ele interessara-se pelas artes desde a adolescência. Hoje, o seu nome corresponde a rua em Colares. Se este texto destacava a música popular rural, outro texto relevava a música erudita, com entrevista a três cantoras (Maria Adelaide Robert, Arminda Correia e Maria Teresa Dinis Sampaio). Na peça sobre o trovador rural, a ênfase colocou-se na espontaneidade; na outra, realçou-se o longo curso de aprendizagem e atualização da formação. O terceiro trabalho foi a entrevista a Manuel Lereno (1909-1976), voz da Emissora Nacional e instrutor de locução na Mocidade Portuguesa, a indicar um engajamento político preciso. A colaborar com a Emissora Nacional como leitor, entraria como locutor. Já em 1974, em desacordo com o rumo da revolução política, saiu zangado da rádio. Muito tempo depois, Lança Moreira escreveu sobre Jorge Alves, regressado dos Estados Unidos para casar.

Outro colaborador de grande relevo em Vida Mundial Ilustrada foi Fernando Curado Ribeiro, de que se destacariam a direção da página de rádio e oito entrevistas. Antes de escrever na revista, foi entrevistado e considerado um dos artistas mais inteligentes da geração. Então, a referência era a sua interpretação em A Menina da Rádio. Nascido em Lisboa, ele entraria no grupo musical Excêntricos do Ritmo. Vencedor de concurso para locutor da Emissora Nacional, seria proibido de cantar, para não acumular funções. A protestar contra a decisão, um grupo de mais de cem costureiras enviaria um abaixo-assinado.

Fernando Curado Ribeiro começaria as suas entrevistas com Olavo d’Eça Leal (1908-1976), escritor, tradutor, artista gráfico, locutor e ator. Sobre a locução, este responderia ter um tempo e o microfone ser “uma válvula de escape”. Vaidoso a falar da sua atividade literária, considerava ter material para editar muitos volumes. Na realidade, publicou diálogos radiofónicos Falar por Falar (1943), A Voz da Rádio (1944) e Nem Tudo Se Perde no Ar (1946), e vários livros. Depois, o editor de Vida MundialIlustrada entrevistaria Francisco Igrejas Caeiro, que ganhara em jovem o concurso À Procura de um Ator e de uma Artista e, logo depois, se oferecera para colaborar no teatro radiofónico da Emissora Nacional, ficando como locutor. Ele defenderia um misto de rádio pública e rádio comercial, com cada estação a criar programas de acordo com o seu público, o que seria o futuro do próprio locutor após o saneamento político da rádio do Estado em 1949. A seguir, Caeiro criou o programa itinerante Companheiros da Alegria, proibido quando admitiu a sua admiração por Nehru, num momento em que as relações diplomáticas de Portugal com a União Indiana estavam cortadas. Ele seria readmitido na rádio pública e eleito deputado após 1974.

Aproveitando uma estada no Porto, onde contactou estações locais para relatório destinado ao SNI, Fernando Curado Ribeiro entrevistou Júlio Nogueira, diretor de Rádio Clube Lusitânia. O locutor e redator desconhecia a posição de oposicionista em Júlio Nogueira, que o levara à prisão, e acreditou no que ouviu: a crítica da rádio portuense comercial (com venda de recetores de rádio e instalações sonoras) e semicomercial (exploração de dedicatórias para aniversários e batizados até cinco escudos) e o elogio às amadoras (com defesa da cultura e da arte). A entrevista seria utilizada, logo a seguir, para a polícia política proibir Júlio Nogueira de emitir de modo definitivo. O entrevistado seguinte seria Jorge Alves (1914-1976), que trocara a Emissora Nacional pela National Broadcasting Corporation (NBC) como locutor da secção portuguesa, com salário mensal de 850 dólares, então uma pequena fortuna, seguindo-se a entrevista a recém-entrada na Emissora Nacional, Joana Campina Miguel. Na estação, entrevistador e entrevistada cruzaram-se apenas durante quatro meses, mas isso serviu para se apaixonarem, casarem e rumarem ao Huambo (Angola) em 1949, depois do despedimento dela por razões políticas. Em 1950, já separados, tomaram rumos distintos de vida, ela mantendo-se na rádio do Huambo e ele em direção ao Congo, como locutor e chefe da secção portuguesa da rádio da então colónia belga.

Fernando Curado Ribeiro entrevistaria ainda Rui Ferrão, José Fernandes e Álvaro de Andrade. O segundo dos entrevistados receberia uma medalha olímpica de 1940 da Alemanha já nazi, a mostrar simpatias políticas específicas. Já Álvaro de Andrade seria apresentado como dirigente de jornal da rádio, realizador de anuário radiofónico, antigo adjunto da repartição dos serviços de produção da Emissora Nacional, delegado de Rádio Clube de Moçambique e ex-chefe de redação de Rádio Semanal. Apesar de não assinadas, Fernando Curado Ribeiro teria ainda entrevistado Artur Agostinho e Maria Leonor (Magro).

No final de 1944, Fernando Curado Ribeiro passou a colaborar com Rádio Clube Português, a significar que a passagem por Vida Mundial Ilustrada se deu quase no intervalo entre o emprego na Emissora Nacional e em Rádio Clube Português, além da interpretação em diversos filmes. A página de rádio serviria igualmente para preparar ideias para livros seus sobre rádio. Depois de cessar a colaboração dele, a secção de rádio na revista perdeu importância e desapareceu.

Publicidade

A revista publicitou recetores e emissões internacionais de rádio. Vários aparelhos anunciavam-se como recetores de ondas médias e curtas, e reprodução automática de discos, com “produção do após-guerra, englobando por isso as mais recentes inovações da técnica” e indicação de ser “um recetor de dimensões normais com caixa de madeira finamente polida e bem acabada, apto a satisfazer as maiores exigências” (24 de dezembro de 1945). Ou ainda: “A música e a palavra são ouvidas com perfeição absoluta. Recetor destinado aos ouvintes de sentido e gosto apurados” (mesma data). Também discos e gira-discos seriam publicitados, em especial cursos de línguas.

Num dos anúncios da Philips, à imagem do recetor juntava-se a fotografia do locutor brasileiro Luiz Gonzaga, que trabalhara na secretaria de Finanças do Estado do Rio de Janeiro e no Ministério da Agricultura antes de ir para a rádio americana de Shenectady WGEA, como locutor de noticiários e de programas. O anúncio dizia: “Oiça América! Oiça os noticiários em português, mas oiça-os bem, servindo-se de um Philips 1941” (maio de 1941). Isto é, a estação caucionava a qualidade do recetor e este recomendava a escuta da estação. Noutro anúncio, Lana Turner (1921-1995), conhecida pelo filme O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes (1946), aparecia como madrinha de um recetor (fevereiro de 1946).

Quanto a publicidade das estações, no primeiro número houve referências à BBC (identificada como “A Voz de Londres Fala e o Mundo Acredita”) e Voz da América, a indicar apoio dos aliados à revista. Mas, depois, apareceria publicidade às emissões alemãs e italianas em português, conquanto aquelas se publicassem em apenas duas edições. A referência às emissões do centro imperial da rádio italiana (EIAR) terminaria em 1943, quando a posição de Mussolini começava a fraquejar no interior do fascismo. As emissões, em português e compostas de noticiário e atualidades, decorriam em vários horários do dia, quase todos os dias, com destaque para o período após jantar, com duração de quinze minutos. A maioria das emissões era em ondas curtas, mas havia algumas em ondas médias e longas. As emissões italianas tinham noticiário, comunicados de guerra do quartel-general, conversação em língua portuguesa e lições da universidade radiofónica italiana.

A publicidade às emissões radiofónicas internacionais fazia-se com preocupações estéticas, mormente a da BBC, com 25 imagens distintas (desenhos ou fotografias da torre de Londres, parlamento, Big Ben, locutor Fernando Pessa, microfone ou antena de emissão). O design da publicidade da Voz da América também incluiu imagens reconhecidas como a estátua da Liberdade ou arranha-céus de Nova Iorque, o mesmo acontecendo com o grafismo da publicidade das emissões italianas.

Observações finais

A rádio desempenhou um papel importante no entretenimento e informação da população portuguesa durante a II Guerra Mundial, através da escuta de emissões internacionais, apesar da distorção da realidade dada pela ditadura. O peso da censura era tão grande que a Emissora Nacional reportava ocorrências dois ou mais dias depois do acontecimento, com a hierarquia política a limpar o que indiciasse insurgência. A publicidade às estações internacionais incluía frequências, comprimentos de ondas e horas de emissão, a facilitar a escuta. A revista integrou entrevistas e reportagens aos locutores da secção portuguesa da BBC, indicador da inclinação política da revista a favor dos aliados. Fernando Pessa assumiria uma posição de quase herói, pelo destaque noticioso e pelo grafismo de um anúncio da BBC. A revista aproximou-se das posições dos aliados no decorrer da II Guerra Mundial face à hesitação inicial de apoio às ideias germanófilas.

As notícias publicadas deixariam, muitas vezes, antever a história da cultura nacional (tendências, gostos, personalidades). Interpreto as notícias isoladas e agrego-as numa história maior, quase até ao entendimento social. Os factos isolados assumiriam, ao longo do tempo e dentro de uma temática, maior representatividade, contextualização e compreensão, a ir além da distinção entre acontecimento e problemática, embora nem sempre percetível. Um exemplo: Domingos Lança Moreira, nas entrevistas, deu-nos a perceber gostos pessoais e da época, caso da música de concerto, algo que não aplicaria no percurso profissional, dedicado ao desporto. Dos trabalhos na revista, não se poderia saber da sua prática desportiva, dividida em múltiplas modalidades (basquetebol, remo, natação, atletismo, râguebi, luta livre e ténis de mesa). A análise de conteúdo, porque concentrada num tempo, não permite ir além da notícia escrita, sem a compreensão da personalidade e seu contexto.

Uma revista é um projeto coletivo, de estrutura, mas as colaborações pessoais contam muito. Seria uma espécie de fortuna: a secção de rádio na revista teve um período rico quando Fernando Curado Ribeiro ficou à sua frente, com notícias, editoriais, entrevistas e reportagens. Nem antes nem especialmente depois a rádio foi tão bem trabalhada. No caso de Vida Mundial Ilustrada, ela veiculou valores como cultura urbana e associou-se a modas (roupa, penteados, adereços, tipos musicais, consumos). No caso do concurso de cantores da rádio mais populares, a leitura ao longo de semanas revelou a sociedade e os seus gostos. Se, nas semanas iniciais, a liderança competiu a uma cantora, o vencedor seria Luís Piçarra (1917-1999), tenor e com formação em canto lírico, atuando em óperas e operetas, notabilizado na música ligeira, com carreira internacional nas décadas de 1940 e 1950, percurso longo face a algumas das concorrentes e cuja fama desapareceu com o tempo. O concurso agregar-se-ia a outra razão: lançado em época de revitalização política interna, com a criação de estruturas democráticas (MUNAF e MUD), a votação dos ouvintes e leitores da revista nos cantores simularia a vontade de cada cidadão votar nas eleições previstas.

Sobre a secção de rádio, a informação no seu conjunto foi mais sobre personalidades do que de acontecimentos. Ainda longe do aparecimento da televisão, o reconhecimento de locutores e artistas da rádio deu-se pela mediatização na revista, incluindo pormenores considerados íntimos dos agentes culturais, como escrever que Fernando Curado Ribeiro estava sem namorada, a provocar paixões e esperanças junto de fãs, em especial porque, no mesmo momento, ele aparecia em filmes no papel de galã. Vivia-se na dita idade dourada do cinema português, com filmes como os interpretados por Curado Ribeiro. A música, através da rádio, e o cinema fariam sonhar de novo as populações após o pesadelo da II Guerra Mundial. A rádio conheceria um grande desenvolvimento, primeiro com a estação de propriedade do Estado e a veicular as suas posições de ditadura e censura, depois com as estações privadas a contribuírem para o entretenimento de massas.

 

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Arquivos

Arquivo Nacional Torre do Tombo

Hemeroteca Digital da Câmara Municipal de Lisboa RTP

 

Financiamento e Agradecimento

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto PTDC/COM-JOR/28144/2017 - Para uma História do Jornalismo em Portugal.

Agradeço a Gonçalo Pereira Rosa o ter chamado a atenção para a riqueza de informação sobre a rádio publicada na revista. Obrigado ainda ao mesmo investigador por dar a conhecer documentos existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo acerca da revista. A totalidade desta está disponível em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/VidaMundial/VidaMundial.htm.

 

Submetido | Received: 2020.01.07. Aceite | Accepted: 2020.05.13

 

Nota biográfica

Rogério Santos é licenciado em História e mestre e doutor em Ciências da Comunicação. Os dois últimos graus foram obtidos com teses orientadas pelo professor Nelson Traquina. Foi professor associado e coordenador da área científica de Ciências da Comunicação na Universidade Católica Portuguesa. Tem publicado livros sobre história da rádio e das telecomunicações, jornalismo e media.

CIÊNCIA ID: 3E1A-050C-0FED

Email: rogerio.santos@netcabo.pt

Morada institucional: Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas. Investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Cultura - CECC: Palma de Cima, 1649023 Lisboa, Portugal

 

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