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Media & Jornalismo

versión impresa ISSN 1645-5681versión On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.21 no.38 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.14195/2183-5462_38_1 

Artigo

Entre o jornalismo e o ativismo: o documentário interativo enquanto meio de mobilização afetiva nas questões de género

Between journalism and activism: interactive documentary as a means of affective mobilization on gender issues

Patrícia Nogueira1  2 
http://orcid.org/0000-0002-8145-3188

Yone Salles1 

1 Instituto Universitário da Maia - ISMAI. Portugal, yonesalles@gmail.com

2 Universidade Nova de Lisboa Instituto de Comunicação da NOVA - ICNOVA (iNOVA Media Lab), Portugal. patricianogueira@ismai.pt


Resumo

Este artigo explora a fronteira entre jornalismo e ativismo através da análise de dois documentários interativos focados na representação da violência de género: Mujeres en Venta (2014), que denuncia o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, e Artigo 170 (2019), focado em testemunhos de mulheres vítimas de assédio sexual em diversos contextos. A partir da análise dos documentários, numa articulação metodológica que combina a análise de conteúdo, discurso e multimodal, argumentamos que o documentário interativo, baseado na herança das práticas documentais mais ativistas, funciona como um dispositivo estruturador da denúncia de questões de género e proporciona um encontro afetivo multifacetado com uma variedade e riqueza de testemunhos afetuosamente poderosos. Esta forma de representação de causas sociais, de acordo com esta investigação, atenua as fronteiras entre jornalismo e ativismo social e coloca em causa a isenção jornalística, mas potencia o envolvimento e mobilização afetivas do público.

Palavras-chave: jornalismo; ativismo; documentário interativo; mobilização afetiva; questões de género

Abstract

This paper explores the boundaries between journalism and activism through the analysis of two interactive documentaries, focused on the representation of women’s violence: Mujeres en Venta (2014), denouncing women’s trafficking for sexual exploitation, and Artigo 170 (2019), focused on testimonies of women victims of sexual harassment in different contexts. Through a methodological articulation of content analysis, discourse analysis and multimodal analysis of both documentaries we argue that the interactive documentary, based on the heritage of the most activist documentary practices, works as a structuring device for denouncing gender issues and provides a multifaceted affective encounter with a variety of powerful testimonies. This way of representing social issues, according to this research, blurs the boundaries between journalism and social activism, while enhances the affective engagement and mobilization of the audience.

Keywords: journalism; activism; interactive documentary; affective mobilization; gender issues

1. Jornalismo: limites e desafios

Historicamente o jornalismo e o documentário têm vivido lado a lado. Desde o desenvolvimento e expansão da televisão que os jornalistas procuraram formatos audiovisuais alternativos e encontraram na tradição documental uma linguagem apelativa para reportar as suas histórias, recorrendo principalmente a uma abordagem que se pode considerar mais expositiva, de acordo com a classificação dos modos do documentário propostos por Bill Nichols (2001).

À primeira vista jornalismo e documentário partilham princípios e caraterísticas comuns que de certa forma facilitam esta aproximação. Ambos os géneros representam eventos e histórias reais, guiados por princípios éticos, numa tentativa de comunicar uma certa “verdade”. Mas enquanto o jornalismo reclama como função social a procura de uma objetividade informativa, seguindo o princípio do contraditório ao apresentar as diferentes perspetivas sobre o tema tratado (Mertes, 2001), pelo contrário, o documentário procura apresentar um argumento sobre o Mundo, o ponto de vista do realizador sobre a história filmada, numa perspetiva subjetiva (Nichols, 2001).

Ann Hornaday (2018) considera que a missão dos jornalistas é informar, enquanto a dos realizadores de documentários é induzir emoções. A editora de cinema do jornal Washington Post mostra-se relutante em fundir estas duas práticas que na perspetiva da jornalista estão relacionadas mas são radicalmente diferentes. Para Hornaday, os documentários obedecem a convenções do cinema e usam recursos cinematográficos, tais como a linguagem audiovisual, música e montagem, para criarem histórias vívidas e apelativas, mas que contrariam o ADN jornalístico de reportar os factos, baseado em princípios de exatidão, imparcialidade, clareza e concisão.

Ciosos de possíveis intrusões, os jornalistas estão constantemente a “patrulhar as fronteiras” da profissão, estabelecendo diretrizes de verdade, imparcialidade e justiça, para garantir a qualidade informativa. Mas a introdução da imagem em movimento no espaço informativo, com o poder de emocionar e o potencial de manipular a audiência, introduziu inevitavelmente uma dose de subjetividade (Mertes, 2001).

No início do século XXI, com a convergência dos media (Jenkins, 2006) e a expansão do espaço mediático para plataformas digitais, os jornalistas enfrentam novos desafios e perceberam que a simples transferência dos velhos formatos para os novos media poderia não ser a solução adequada. Alguns órgãos de comunicação social, tais como o The New York Times e The Guardian, adotaram novos formatos digitais nativos, tais como documentário interativo, experiências de realidade imersiva e aumentada. Estes novos formatos focam-se sobretudo em histórias pessoais e na denúncia de causas sociais e políticas, ao mesmo tempo que potenciam uma maior envolvência do espectador, uma vez que pressupõem uma participação ativa na seleção e ativação dos conteúdos multimédia.

Mas se o documentário tradicional questiona noções como a objetividade e a imparcialidade jornalísticas, o documentário interativo é ainda mais disruptivo uma vez que graças à participação do público torna a narrativa maleável e imprevisível. Em alguns casos, os novos formatos interativos esbatem as fronteiras entre informação e opinião, colocando em causa os princípios mais tradicionais das práticas jornalísticas, tais como as noções de objetividade e de imparcialidade, que comumente são associadas ao bom jornalismo em oposição a um jornalismo tendencioso (Carpentier e Trioen, 2010).

Este artigo propõe investigar as fronteiras entre jornalismo e documentário, objetividade e subjetividade, imparcialidade e mobilização social. Pretende-se compreender de que forma o documentário interativo, enquanto narrativa multisequencial e intermedia, combina estes conceitos dicotómicos e quais as consequências que daí advêm.

Para isso foram selecionados dois documentários interativos, ambos focados na violência de género, enquanto casos de estudo: Mujeres en Venta (2014), um projeto transmedia, com várias componentes multimédia, entre as quais um documentário interativo que expõe a problemática do tráfico de mulheres para fins de prostituição; e Artigo 170 (2019), um documentário interativo que apresenta um conjunto de testemunhos de mulheres portuguesas de várias idades, vítimas de importunação sexual, complementado com a participação de duas especialistas das áreas jurídica e de psicologia e produzido na sequência da aprovação da adenda ao artigo 170 do código penal português, apelidada de “lei do piropo”.

Para compreender o fenómeno na sua multidimensionalidade propõe-se uma análise compreensiva, incluindo o conteúdo dos documentários, a forma como estes objetos apresentam esses conteúdos e a componente de interação, ou seja, a maneira como a audiência acede aos conteúdos e manipula a sequência narrativa.

2. Do documentário televisivo ao documentário interativo

As primeiras imagens mostram homens e mulheres à procura de trabalho nos campos agrícolas da Costa Leste dos Estados Unidos enquanto os capatazes das quintas apregoam em leilão o valor pago ao dia. À medida que os trabalhadores aceitam o pagamento anunciado sobem para camiões e desaparecem. "We used to own our slaves. Now we just rent them." - diz um dos proprietários rurais às câmaras da CBS para o documentário Harvest of Shame, de Edward R. Murrow (1960). As imagens fazem lembrar as fotografias da grande depressão, tiradas por Dorothea Lange e Walker Evans, mas em Harvest of Shame retratam afro-americanos e imigrantes brancos em 1960. Murrow justapõe imagens de miséria, fome e pobreza da vida dos trabalhadores lado a lado com as mesas fartas e recheadas com couves-de-bruxelas, feijão-verde e arando. O documentário foi transmitido nos EUA logo a seguir ao dia de Ação de Graças e tanto a justaposição de imagens como a data de transmissão do programa não foram inocentes. Além da narração ao longo do documentário tentar sensibilizar a audiência para a situação de pobreza dos trabalhadores, o programa termina com Murrow a olhar diretamente para a câmara e a pedir à opinião pública que se mobilize a favor dos direitos dos imigrantes.

O sucesso de Harvest of Shame lançou três décadas de produção de documentários na televisão americana. A maioria das estações de televisão criou equipas de produção dedicadas ao género documental e a magazines informativos. Mas os custos associados à produção de longos formatos, em especial de documentários que exigiam longos períodos de pesquisa e de filmagem, acabaram por deixar esmorecer esta união entre o jornalismo e o documentário e no final dos anos 1990 o casamento parecia destinado a desaparecer (Danto et all, 2017).

No início dos anos 2000, com a migração dos Órgão de Comunicação Social para o digital e o início da produção de documentários interativos, o casamento entre os dois géneros parece ganhar uma segunda oportunidade. Mas a introdução da interatividade no jornalismo online revela-se fundamentalmente diferente dos formatos tradicionais de produção de notícias (Neuman, 1991). Tal como lembra Amaral (2005), a transferência do formato analógico para o digital implica também uma alteração dos tradicionais modelos de edição e publicação de informação. Por outro lado, a democratização e o acesso aos equipamentos e a facilidade de produção audiovisual diminuíram o tamanho das equipas de filmagem e baixaram os custos (Nogueira, 2015), o que permitiu às redações procurarem formatos mais visuais e apelativos para informar o público.

Apesar dos formatos de jornalismo mais tradicionais se manterem relevantes, as notícias interativas representam um valor acrescido ao oferecerem conteúdos personalizados e mais gratificantes para o público (Smith & Higgins, 2013). Em Dezembro de 2012 o The New York Times foi o primeiro jornal a abrir caminho para a produção de conteúdos interativos com o trabalho Snow Fall: The Avalanche at Tunnel Creek, vencedor de um prémio Pulitzer e de um Peabody (Schlichting, 2012). Publicado dois anos mais tarde, o relatório de inovação do The New York Times (2014) considera que os novos formatos digitais oferecem a possibilidade “to get more people to spend more time reading more of their content” (2014, p. 39). Logo depois, em 2015, nove organizações, incluindo os jornais The New York Times e The Guardian, tomaram a vanguarda e aceleraram o ritmo de distribuição de conteúdos em várias plataformas e media sociais, nomeadamente no Facebook e Instagram, para oferecerem aos seus leitores formas mais interativas de acederem às notícias (Constine, 2015). Esta decisão levou também a uma mudança significativa no formato das notícias produzidas, mais adaptadas a estas plataformas digitais, e à criação de editorias específicas para produzir conteúdos multimédia, documentários interativos e experiências imersivas de realidade virtual.

2.1. Documentário interativo

O conceito de “documentário interativo” foi cunhado por Mitchel Whitelaw (2002) para se referir à relação entre os novos media e o documentário, que emergiram no início do milénio, fruto de um contexto de desenvolvimento tecnológico e da largura de banda capaz de suportar a distribuição de vídeo. Neste cenário as histórias reais tornaram-se conteúdo relevante para a criação de narrativas apelativas com base numa experiência interativa ou imersiva, tornando o documentário o parceiro ideal para a interatividade.

Assim, nas últimas duas décadas, surgiram vários documentários que incorporam uma componente de interatividade, na medida em que proporcionam ao espectador o que Janet Murray (1998) considera ser o agenciamento da narrativa, ou seja, pressupõem uma ação física de selecção e ativação de opções que permitem a criação de uma experiência personalizada, de acordo com as preferências de cada um. A forma como os conteúdos são organizados e as possibilidades de manipulação oferecidas ao público apresentam-se numa diversidade de formas, nem sempre convencionais, o que levou alguns autores (Nash, 2012; Galloway, 2013; Gaudenzi, 2013) a proporem taxonomias para classificar as diversas abordagens ao género.

Kate Nash (2012) analisa as diferentes estruturas de organização dos conteúdos alojados nas bases de dados dos documentários e classifica-os de webdocumentários narrativos, por categorias ou colaborativos. Galloway (2013) vai mais longe e propõe uma categorização de acordo com as tradições de interatividade elaboradas por McMillan (2002) em quatro categorias: passiva-adaptativa; ativa-adaptativa; expansiva e imersiva. Já Gaudenzi explora o tipo de interatividade na base de diversos documentários e apresenta uma proposta de expansão dos modos do documentário tradicional, preconizados por Nichols (2001), em modo conversacional, hipertexto, participativo e experiencial.

Independentemente do tipo de interatividade usado em cada documentário, as histórias produzidas de acordo com este novo formato abrem a narrativa e permitem a intervenção do público, possibilitando a construção de múltiplas sequências de conteúdos. Para Sandra Gaudenzi (2013), o documentário interativo suplanta a simples transição da tecnologia analógica para a digital; é a transição da narrativa sequencial para a interativa e tal como a narrativa tradicional, a interativa também produz um diálogo entre o espectador e a realidade:

Both linear and interactive documentaries try to create a dialogue with reality, but the media they use afford the creation of different products. If linear documentary demands a cognitive participation from its viewers (the act of interpretation), the interactive documentary adds the demand of physical participation (decisions that translate into a physical act such as clicking, moving, speaking, commenting etc...). If linear documentary is video or film based, interactive documentary can use any existing media. If linear documentaries are viewed through a screen interactive documentary can be viewed, or explored, on the move in physical or augmented space. (Gaudenzi, 2013, p. 32)

Segundo Gaudenzi, o documentário interativo não consiste somente na representação do real, mas apresenta-se como uma forma de construir e de representar a realidade. O público afeta a narrativa durante a navegação e, por consequência, afeta também a realidade representada no documentário interativo, numa lógica de construção de uma realidade intersubjetiva. Mas igualmente importante, de acordo com Gaudenzi, é que neste processo de exploração o próprio público é também afetado:

The inter-dependence between the user and the reality that is portrayed is what I define here as the political and aesthetical dimensions of the interactive documentary. The feed-back loop mechanisms (action/reaction) present in any interactive documentary are a simplified visualization of our constant systemic interaction with the world. The user is actively affecting the reality of the interactive documentaries while browsing it, but she is also affected by it. (Gaudenzi, 2013, p. 81)

Desta forma, os documentários interativos criam uma nova lógica de representação da realidade, cujo destaque está na relação entre os conteúdos e o utilizador/interator, quando este navega e interage, ao invés de consumir um discurso pré-determinado sobre a realidade, como acontece em documentários tradicionais ou em formatos de jornalismo convencionais. Além disso, os documentários interativos são construídos a partir da conjugação de vários media e apresentam a informação em múltiplas camadas, seja em vídeo, fotografia, som, texto ou gráficos. No fundo, estes objetos são alojados em plataformas que permitem a exploração e consumo de diversos media numa única janela e cujo consumidor será alguém habituado a lidar com diferentes plataformas (Levin, 2015).

Estas novas formas de comunicar permitem complementar os formatos mais tradicionais de jornalismo, como a imprensa e a televisão, e alcançar um público mais jovem, envolvendo-o através da interação e da possibilidade de contribuir para o desenvolvimento do jornalismo digital - algo que pode de facto levar a um novo género de jornalismo, mesmo que à partida esse não seja o objetivo (Uricchio et all, 2016). A questão é como aceitar e desenvolver esta tendência num ecossistema que se altera a cada dia, especialmente quando o jornalismo assenta em formatos e princípios há muito estabelecidos, nos quais vigoram o controlo da informação, os formatos narrativos e uma prática consolidada de distribuição das notícias.

2.2 Uma questão de género(s)

Numa cultura digital e participativa (Jenkins, 2013), as fonteiras do jornalismo são cada vez mais ténues e os jornalistas vêem-se forçados a negociar o espaço entre produtores e consumidores de informação, num ambiente digital caraterizado pela possibilidade de escolha e de participação (Carlson & Lewis, 2015; Lewis, 2012; Van Aelst et al., 2017).

O jornalismo abre-se assim a novos formatos que desafiam os limites entre objetividade e subjetividade, imparcialidade e mobilização, que se apropriam dos tradicionais géneros jornalísticos e reinventam narrativas informativas através quer da linguagem audiovisual quer de recursos interativos que permitem à audiência a manipulação dos conteúdos. O documentário interativo posiciona-se precisamente neste espaço híbrido, fazendo uso de entrevistas enquanto género jornalístico de recolha de informação, nomeadamente de testemunhos, experiências e emoções pessoais, e adotando estratégias da reportagem, ao expandir e aprofundar a temática abordada. A multiplicidade de participantes e a diversidade de experiências e de perspetivas permitem explicar a complexidade dos assuntos retratados e proporcionar à audiência uma imagem mais completa, através do cruzamento de fontes e de informações.

No entanto, ao contrário dos géneros de jornalismo mais informativos, o documentário é construído a partir da subjetividade do autor, em oposição à aclamada objetividade jornalística, fundindo os géneros jornalísticos de natureza mais informativa com géneros mais opinativos. O resultado é uma abordagem híbrida que articula a transmissão de informações e eventos com a interpretação e explicação dos factos, apresentando mesmo um ponto de vista, argumento ou tese sobre a temática abordada.

Na verdade, mesmo que de forma oficiosa, as normas profissionais do jornalismo assentes na objetividade e imparcialidade há muito que foram desafiadas, quer por produtos mediáticos alternativos quer pelos próprios jornalistas ao colocarem-se ao lado de ativistas de direitos civis e dos defensores de princípios de igualdade e dos direitos humanos (Russel, 2016), onde se podem incluir as lutas pela igualdade de género e dos direitos das mulheres. Se há estudos que defendem que os media sistematicamente dão voz a uma elite heteronormativa (Bennett et al., 2004; Kielbowicz & Scherer, 1986, p. 77; Molotch & Lester, 1975; Ryan, 1991), outros autores (Gamson, 1998; Entman, 1993; Scheufele, 1999) apontam os jornalistas, em particular de investigação, enquanto participantes ativos no processo democrático, ao colocarem na agenda temas específicos e ao apresentarem uma perspetiva particular desses temas na construção da narrativa. Certo é que os media são considerados essenciais não só para informar, como também para dar espaço à participação e representação dos cidadãos, nomeadamente de temáticas e minorias sub-representadas e/ou discriminadas (Curran, 1991; Dahlgren, 1995; Murdock, 1992).

Kitzinger (2004) nota que as notícias começaram a dar mais atenção a problemas relacionados com as mulheres, nomeadamente violência doméstica e abusos sexuais, a partir de meados da década de 1970, o que coincide com uma consciencialização de grupo relativamente a estas problemáticas e a uma teorização da forma como os media representam a violência contra as mulheres e esta é interpretada pelo público. No entanto, os media tradicionais continuaram a afastar as mulheres dos debates considerados sérios na esfera pública, nomeadamente de assuntos como política, religião e defesa, e representando-as sobretudo no papel de mães ou de prostitutas (Ross, 2004). Só nas últimas duas década é que alguns temas de discriminação de género, tais como a violência de género, casamentos forçados, mutilação genital feminina, igualdade laboral e salarial, passaram para a agenda mediática (Carter, Steiner & Allan, 2019).

O advento do digital constitui também uma oportunidade para alterar o espaço mediático, uma vez que a intervenção do público e as redes sociais participativas colocam na agenda dos media tradicionais temas relacionados com questões de género. Um exemplo incontornável é o fenómeno do hashtag #MeToo que eclodiu nas redes sociais em 2017 como forma de protesto contra a violência de género, o sexismo e outras formas de opressão feminina e ecoou nas notícias, tornando-se incontornável na agenda mediática (Mendes, Ringrose & Keller 2018).

Ora o documentário interativo apresenta-se como um espaço de encontro privilegiado entre a transmissão de informações e as práticas ativistas de disseminação de causas, uma vez que funde a linguagem dos media tradicionais com a participação e intervenção do público através da inclusão e da manipulação de conteúdos, forçando o jornalista ou documentarista a abdicar em parte do controlo da narrativa. A audiência pode, dentro de limites determinados pelo criador, aceder aos conteúdos da sua preferência, pela ordem que entender, manipular a sequência narrativa e ainda, em alguns casos, incluir conteúdos vídeo, fotografia, som, texto e grafismos. Além disso, a natureza hipermediática do documentário interativo possibilita a divulgação de segmentos mais curtos e direcionados para um público-alvo específico.

Assim, este formato combina as melhores práticas do jornalismo tradicional - investigação aprofundada, precisão, denúncia, construção narrativa - com as mais atuais funcionalidades do mundo digital - acessibilidade, multimodalidade, interatividade e, acima de tudo, envolvimento físico e afetivo da audiência, uma vez que exige uma mobilização e agenciamento para ativar os conteúdos disponíveis. Vários autores (Yaros, 2009; Wiehl, 2009, 2020; Miller & Allor, 2014) apontam que a personalização de conteúdos através da interatividade potencia o envolvimento emocional e motiva a mobilização social para criar um impacto positivo. Esta mobilização afetiva não significa necessariamente uma tomada de ação, mas contribui para fortalecer a empatia junto do público e sensibilizar a audiência para a temática exposta nos documentários, ao potenciar o que Cesar e Chorianopoulos (2009) definem como “visão conectada”.

Alguns documentários interativos têm trabalhado nesta fronteira e explorado o género enquanto forma de denúncia e de mobilização social, fazendo uso de uma polifonia de vozes para envolver o público, construir comunidades e promover a mobilização social (Husak, 2018). Os exemplos práticos passam por Highrise (Cizek, 2009-2013), um projeto colaborativo que compreende cinco documentários sobre os constrangimentos de viver em arranha-céus, Alma, a Tale of Violence ( Dewever-Plana & Fougère, 2012) que conta a história de uma jovem mulher que durante cinco anos pertenceu a um dos gangues mais violentos da Guatemala, e The Quipu Project (Court & Lerner, 2012-2018) que procura criar uma memória coletiva, dando voz a mulheres indígenas Peruanas forçadas à esterilização numa campanha do governo de Alberto Fujimori.

Neste sentido, o documentário interativo é simultaneamente um formato adotado por alguns dos mais prestigiados órgãos de comunicação social e uma ferramenta de promoção de direitos humanos, de princípios de igualdade e de mobilização afetiva e social, nomeadamente na denúncia da violência de género e na promoção de uma representação mais equitativa, promovendo um diálogo continuado tanto com as personagens sociais como com as audiências.

3. Conteúdo, forma, interação: uma articulação metodológica

Este artigo pretende compreender a forma como o jornalismo digital e o documentário interativo se cruzam para abordar temas sociais e políticos, nomeadamente matérias relacionadas com a representação de género. É objetivo central desta investigação compreender a maneira como este novo formato híbrido desafia as fronteiras entre os géneros mais tradicionais do jornalismo e as novas narrativas interativas do documentário, questionando os limites entre informação e construção da realidade. Além disso, pretende-se aferir a contribuição da interatividade para o envolvimento do público.

Tal como Herring (2004) observa, a comunicação mediada por computador apresenta desafios suplementares à investigação e pressupõe uma abordagem metodológica mais abrangente do que a análise de conteúdo tradicional. A complexidade e multimodalidade das páginas web, em particular dos documentários interativos, exige procedimentos metodológicos que suplantam a análise de conteúdo focada unicamente na comunicação verbal ou textual, incluindo diferentes elementos de análise, tais como imagem fixa e em movimento, grafismo e o próprio interface de navegação. Para tal, propõe-se uma articulação de metodologias que combina a análise de conteúdo e análise de discurso (Neuendorf, 2004), com uma exploração tridimensional: 1) a análise de discurso das entrevistas e das informações transmitidas nos documentários; 2) a tipologia de conteúdos disponíveis em cada documentário; 3) a estrutura de navegação desenhada a partir das hiperligações disponíveis.

A pesquisa começa por uma análise e categorização do discurso operado pelos intervenientes em ambos os documentários. Para tal, recorremos às funções da linguagem formuladas por Roman Jakobson (2010), formulação essa que compreende a produção de sentido a partir de uma realidade construída a priori pelo emissor, através da organização e sequenciação dos excertos das entrevistas aos intervenientes nos documentários. Influenciado pelo linguista Karl Bühler, Roman Jakobson (2010) preconiza seis funções da linguagem, definidas de acordo com os elementos que predominam no enunciado, para descrever um ato de comunicação eficiente:

função referencial - trata-se de uma comunicação descritiva, transmitida de forma realista ou objetiva, com uma função denotativa. Desta forma, a mensagem foca-se no contexto e a informação é transmitida com pouca ou nenhuma impressão pessoal do emissor. Considera-se esta função da linguagem mais próxima da imparcialidade e objetividade dos formatos tradicionais do jornalismo.

função poética - o enunciado foca-se na mensagem com uma preocupação estética, o que pode gerar interpretações pessoais. Encontra-se predominantemente no texto poético, letras de canções ou obras artísticas. Nos documentários em análise serão considerados eventuais jogos de palavras e de sons, rimas, ou discurso ritmado e adjetivado, o que influencia de modo explícito a mensagem transmitida.

função emotiva - a mensagem centra-se no próprio emissor, comumente construída na primeira pessoa e repleta de uma carga subjetiva. Apresenta um ponto de vista pessoal e revela as experiências, impressões e reflexões do emissor. Considerando que ambos os documentários contam com testemunhos diretos de vítimas de assédio ou de exploração sexual, pressupõe-se que as suas mensagens sejam sobretudo enquadradas na função emotiva, não descurando no entanto uma análise cuidada desses excertos.

função conativa - o emissor procura estabelecer um vínculo forte com o receptor através de conselhos ou apelos diretos. A mensagem é muitas vezes construída com vocativos ou na forma imperativa, tal como acontece na publicidade e nas mensagens de propaganda. No documentário interativo, este tipo de discurso revela um estímulo à mobilização do público.

função fática - a mensagem centra-se no contacto entre emissor e receptor através de mensagens para confirmar a eficácia da comunicação, ou seja para o emissor se certificar que a mensagem é transmitida e devidamente recebida, tais como “percebe?”, “veja bem” ou “certo?”. Uma vez que o discurso dos documentários é previamente editado é possível que estas interjeições tenham sido excluídas dos conteúdos finais. Ainda assim, a análise terá em consideração eventuais momentos em que o discurso corresponda à função fática.

função metalinguística - nestes casos a mensagem centra-se no próprio enunciado, referenciando, citando ou descrevendo o código de transmissão da informação. No caso das entrevistas presentes nos documentários interativos serão consideradas todas as referências à própria entrevista ou ao documentário em si, como recurso da função metalinguística.

De seguida, recorremos a uma análise de conteúdo multimodal através da exploração descritiva e interpretativa dos elementos que compõem cada um dos documentários interativos analisados, que compreende as diferentes camadas de media envolvidas na transmissão das mensagens. A diversidade da tipologia de conteúdos (vídeo, fotografia, som, texto e gráficos) potencia o envolvimento do utilizador e torna mais eficaz uma “chamada para a ação”, frequente em mensagens de ativismo (Bortoluzzi, 2009).

Por último, procuramos analisar o fluxograma de navegação de cada caso em estudo, já que os documentários interativos são compostos por elementos organizados e distribuídos por uma estrutura de navegação que possibilita a fruição dos conteúdos de forma personalizada. Ao abrir a navegação a diversas opções, os conteúdos interativos permitem a cada utilizador uma seleção de conteúdos, organizados à medida das suas preferências. Esta personalização da fruição dos conteúdos proporciona ao público um papel ativo, dando relevância aos seus interesses e motivando a interação (Brennen, 2009).

O nível de interatividade dos documentários analisados pode ser considerado a partir do número de elementos disponíveis e das opções de navegação livres (Ha & James, 1998) ou mesmo do número de ligações que permitem ao público navegar através dos conteúdos. Neste caso quanto maior for o número de ligações maior é a complexidade de escolhas oferecidas à audiência, gerando o envolvimento ativo do espectador (McMillan, 1998).

Dois documentários interativos são considerados enquanto objetos de análise - Artigo 170 (2019) e Mujeres en Venta (2014), ambos focados na violência de género com testemunhos de vítimas e a participação de especialistas nas respetivas áreas, tais como ativistas, representantes governamentais e institucionais, psicólogas e juristas.Os dois documentários enquadram-se no modo hyperlink, de acordo com a classificação proposta por Gaudenzi (2013), uma vez que permitem a navegação através dos conteúdos ao ativar hiperligações que despoletam a ativação dos elementos selecionados. Além desta estratégia de interação ser a mais usual entre documentários interativos, tal semelhança entre os objetos de estudo permite uma comparação direta do nível de interação disponível para o público e uma análise paralela de confrontação entre casos de estudo. Além disso, tanto Mujeres en Venta (2014) como Artigo 170 (2019) focam-se na violência de género e encontram-se no limiar entre documentário e jornalismo, uma vez que ambos recorrem a uma abordagem participativa através da recolha de testemunhos, complementam os depoimentos com entrevistas a especialistas e apresentam uma perspetiva maioritariamente centrada nas vítimas. Mas enquanto Mujeres en Venta (2014) aborda a temática do tráfico humano e da exploração e escravização sexual, numa denúncia clara da violação de direitos humanos e da legislação penal internacional, Artigo 170 (2019) apresenta a problemática da importunação sexual, muitas vezes desvalorizada e somente criminalizada na legislação de poucos países.

A análise destes dois documentários interativos permite analisar a violência de género de uma perspetiva plural e enquanto problemática com diferentes níveis de gravidade. É também possível aferir através dos casos de estudo que o problema da violência de género é sistémico, transversal a diversas áreas geográficas e que se encontra enraizado com diferentes níveis em diferentes culturas.

4. Artigo 170 e mujeres en venta: a denúncia da violência de género

Artigo 170 (2019) é um documentário interativo que traz histórias reais de importunação sexual vividas em situações diversas e relatadas por sete mulheres portuguesas com idades entre 21 e 39 anos. As entrevistas foram gravadas com um fundo minimalista e editadas com cortes simples que enfatizam os relatos das personagens e interferem o mínimo possível nos depoimentos recolhidos. Estes depoimentos trazem histórias verídicas do quotidiano de mulheres comuns, centrados nas vivências e emoções experienciadas em situações de importunação sexual e assédio, bem como apresentam as angústias e possíveis traumas provocados por estas experiências. Além dos testemunhos das vítimas, o documentário apresenta ainda o relato de duas especialistas que abordam a perspetiva psicológica, i. e. o impacto e as consequências que este crime pode promover na vítima, como reagir e a quem recorrer; e a perspetiva jurídica, i. e. quais as implicações legais para quem comete o crime de importunação sexual e orientações que aconselham as vítimas de como proceder.

Artigo 170 (2019) possui 20 vídeos independentes, que se complementam, divididos por temas em cinco menus principais. Conta também com dez gráficos interativos que apresentam um mapa estatístico do assédio sexual no mundo e dados sobre diferentes tipos de assédio. Estas informações representam a compilação de uma aprofundada pesquisa jornalística que reúne e organiza dados provenientes de várias fontes oficiais. No total, o documentário interativo é constituído por cerca de 80 ligações entre os vídeos, áudios, fotografias e infográficos.

Mujeres en Venta (2014), ou Women for Sale, aborda a problemática do tráfico humano para fins de exploração sexual na Argentina e mostra o panorama das redes de tráfico humano que capturam, enganam, subjugam, exploram, violam e acabam por matar mulheres naquele país. O projeto apresenta depoimentos de vítimas, que relatam as suas histórias e as experiências de outras mulheres próximas, de membros de instituições públicas, representantes de organizações de apoio às vítimas e de investigadores criminais. A narrativa interativa é construída para que o utilizador possa aceder aos conteúdos com as informações em cada etapa da exploração sexual, a começar pelo recrutamento das vítimas, passando pelas fases anteriormente descritas.

Ao longo de 136 conteúdos, revela as particularidades de cada uma das etapas deste crime, informando desde as áreas de rapto das vítimas - bairros pobres e pequenos das províncias da Argentina, Paraguai e Uruguai - às principais rotas do tráfico de pessoas e aos locais onde estas mulheres são submetidas à exploração sexual. Mostra ainda todo o trabalho de instituições no resgate de mulheres consideradas em situação de risco. Ao acionar a barra de deslocação vertical (scroll), o utilizador acede aos vários conteúdos, que vão desde um mapa colaborativo onde estão assinalados os locais da rede de tráfico, elementos sonoros, imagens fixas (fotografias ou composições fotográficas), segmentos de vídeo curtos, até materiais informativos sobre a temática com possibilidade de realidade aumentada através do uso de QR Code. A pesquisa jornalística pode ser percebida em cada uma dessas etapas e nos gráficos que apresentam os dados estatísticos sobre o tema e que complementam a experiência do utilizador. O documentário venceu vários prémios internacionais, tanto de jornalismo como em festivais de cinema.

4.1. Análise de discurso

No que se refere à análise de discurso, o documentário interativo Artigo 170 introduz um menu principal e quatro submenus, através dos quais é possível aceder aos 20 vídeos disponibilizados pelo documentário interativo. Os vídeos compreendem a duração total de 46 minutos e 24 segundos e apresentam depoimentos de sete vítimas de assédio sexual e duas especialistas, sendo uma psicóloga e outra jurista.

Ao analisar o conteúdo dos vídeos, é possível perceber a maior incidência da função emotiva: 31 minutos e 59 segundos, durante os quais as mulheres vítimas de assédio sexual vão relatando acontecimentos ocorridos, com um discurso na primeira pessoa, centrado na subjetividade das experiências vividas e relatando os sentimentos e emoções vivenciadas. Estes depoimentos começam por descrever situações específicas e rapidamente incluem a leitura subjetiva da situação relatada, bem como incluir as consequências psicológicas da situação para as vítimas, tal como é possível aferir neste excerto:

Estava um senhor a correr. Devia ter os seus cinquenta anos e estava a correr normalmente e... atacou-me. Tocou-me no corpo, agrediu-me sexualmente e tentou fazer mais coisas...eu estava deitada no chão, consegui, no entanto, no meio da situação levantar-me e pus-me a correr! (...) Isso pra mim foi traumatizante! Ainda agora é um bocado difícil falar nisso.

(Inês Kilpatrick, excerto do vídeo ‘No Parque’, no submenu ‘Em Qualquer Lugar’, Artigo 170)

A função referencial é a segunda mais identificada no documentário Artigo 170, especialmente nos vídeos com as entrevistas às duas especialistas. O discurso durante o qual é identificada a função referencial totaliza 14 minutos e 25 segundos de análises e informações sobre a temática em foco transmitidas pelas emissoras de forma objetiva, conforme as características da função referencial preconizada por Jakobson. Estes depoimentos podem ser considerados discursos de contextualização e didáticos, como por exemplo de enquadramento psicológico das situações relatadas pelas vítimas:

O assédio sexual é múltiplo e manifesta-se de diferentes formas. (...) Pode ter que ver com gestos, com olhares, com situações não muito claras, mas que incomodam as vítimas, ou então pode estar mais relacionado com uma abordagem física, com o toque e com a agressão, inclusivamente.

(Ana Sofia Neves, psicóloga, excerto do vídeo ‘O que é Assédio?’, no submenu ‘Você Não Está Só’)

Em alguns vídeos com depoimentos das vítimas de assédio é possível identificar a função conativa juntamente com a emotiva, quando as intervenientes centram o discurso num tom imperativo, interpelando o recetor da mensagem (interator), com o intuito de influenciar a posição da audiência. Estas passagens representam oito minutos e dez segundos do tempo total dos depoimentos gravados. A função conativa pode ser claramente identificada em particular no vídeo ‘Não é Engraçado!’, no submenu ‘Não Autorizado!’, como percebemos neste fragmento:

Da mesma maneira que eu estou no metro e não me viro pra uma pessoa e digo ‘olha que penteado tão feio’, ‘a senhora tá mesmo mal vestida’, ‘o senhor tá mesmo mal vestido’, qualquer comentário deste gênero, também, muito menos, vou invadir o espaço privado daquela pessoa pra lhe fazer um comentário de cariz sexual, ou pra olhar pra ela de uma forma que a deixe desconfortável. Ninguém tem esse direito! Ponto! (Inês Viegas, interveniente no documentário interativo Artigo 170)

A duração total dos vídeos (minutos:segundos) e a identificação das funções da linguagem na análise de discurso, de acordo com o modelo proposto por Roman Jakobson, apresentam os seguintes resultados:

Tabela 1 análise de discurso do documentário Artigo 170 (2019), discriminado por função da linguagem 

O documentário interativo Mujeres en Venta (2014) distribui os conteúdos por cinco capítulos: ‘Recrutamento’, ‘Rota do Tráfico’, ‘Exploração’, ‘Resgate’ e ‘Envolve-te’. Estes capítulos contêm o total de 45 vídeos, dos quais 26 apresentam depoimentos de quatro vítimas e de dois familiares, e 19 contam com especialistas na temática, entre representantes de instituições governamentais e não-governamentais, jornalistas, investigadores e agentes de polícia. É possível perceber que, no total de 56 minutos e 12 segundos de depoimentos das 25 personagens, estão presentes três funções da linguagem: emotiva, referencial e conativa.

A função de linguagem com maior expressão no discurso dos intervenientes é a função emotiva. No total são 29 minutos e 17 segundos. As mensagens caracterizam-se pela construção a partir do ponto de vista pessoal dos emissores, na primeira pessoa, com mensagens focadas nas suas experiências, impressões e reflexões. A função emotiva pode ser identificada nos relatos das vítimas e dos seus familiares, em alguns momentos com testemunhos muito sofridos das experiências de exploração sexual, como se pode aferir no excerto seguinte:

One time, he made me work with 14 men. I was very sore and the following night he made me work all the same. (Vanessa Payero, vítima de tráfico humano e de exploração sexual, vídeo do capítulo 03 ‘Exploração’)

Além do relato das vítimas, também é possível identificar um discurso com a função emotiva em alguns depoimentos dos especialistas entrevistados, representantes de ONGs e do Governo, revelando o envolvimento emocional dos profissionais com as histórias pessoais com as quais se confrontam diariamente:

I held my breath and thought: ‘My God, the truckers almost run a corporation with the girls who get to the route’. (Martha Pelloni, Coordenadora da ‘Rede Infância Roubada’, vídeo do capítulo 02 ‘Rotas do Tráfico’)

De acordo com a análise de discurso do documentário Mujeres en Venta, e tal como acontece em Artigo 170, a segunda função de linguagem mais presente no documentário Argentino é a referencial, totalizando 25 minutos e 34 segundos. A maioria dos vídeos nos quais foi identificada a função referencial apresenta os testemunhos de membros de instituições governamentais, ONGs e investigadores envolvidos no trabalho de combate ao tráfico de seres humanos e exploração sexual de mulheres. Estes depoimentos transmitem informações e conteúdos factuais, com uma comunicação mais descritiva, realista, objetiva e com poucas impressões pessoais do emissor. Nestas passagens encontra-se um discurso imparcial, centrado na objetividade dos factos, tal como acontece nos textos jornalísticos mais tradicionais:

The crime of human trafficking is a process, because it entails several stages, starting with offer or recruitment of a person (…) to exploit them in some way. The end is always exploitation but recruitment involves a process of seducing and misleading the person, while studying the victim. (Zaida Gatti, representante do Ministério da Justiça Argentino, num dos vídeos do capítulo 01 ‘Recrutamento’)

Apesar da função conativa ser mais subtil, foi possível identificá-la em breves passagens, estando presente durante apenas 51 segundos no total. Neste caso, o objetivo dos intervenientes é sensibilizar a sociedade para o problema do tráfico humano com fins de exploração sexual, como recurso para chamar a atenção e responsabilizar o interator:

If as society we don’t understand that the client, when he goes to one of these places and sees these childish bodies, almost teenage 12, 13, 14 year old girls, drugged at the brothel, and still goes to these places (…) If as a society we don’t understand that there lies the key to human trafficking, we can have all the necessary laws, but we still act as a society which allows rich men to visit these places and use theses bodies, and as a slave society to the service of the one who pays… (Adriana Dominguez, ativista da rede ‘Não ao Tráfico’, vídeo do capítulo 03 ‘Exploração’)

Apesar de na maioria dos casos uma das funções da linguagem se destacar em partes do discurso, as funções não foram analisadas isoladamente e, por isso, foi possível identificar a sobreposição de duas funções da linguagem durante alguns depoimentos. Assim, neste último excerto, além da função conativa, identificamos também a função emotiva através do apelo sentido da interveniente, com uma forte carga emocional. A ativista Adriana Dominguez utiliza as informações transmitidas para simultaneamente envolver emocionalmente o interator, apelar à sociedade que se mobilize e inclui uma reflexão e impressão pessoal sobre o papel dos cidadãos como parte fundamental no combate ao tráfico de seres humanos e exploração sexual. Neste caso, o excerto de discurso referido foi simultaneamente contabilizado enquanto função emotiva e função conativa, totalizando os seguintes resultados da análise de discurso e respetiva identificação de funções da linguagem:

Tabela 2 análise de discurso do documentário Mujeres en Venta (2014), discriminado por função da linguagem 

4.2. Análise multimodal

Artigo 170 (2019) possui um número significativo de conteúdos (40 elementos) e permite uma relativa liberdade de navegação, o que origina uma grande diversidade de possíveis combinações de conteúdos. Neste documentário interativo, o vídeo é o elemento mais expressivo, quer em termos de quantidade (20) quer em duração (46:24). Seguidamente, destacam-se os elementos gráficos que apresentam dados estatísticos sobre a temática tratada. Nestas infografias interativas é possível conhecer dados de assédio, quer em Portugal quer no resto do Mundo, e obter informações específicas sobre cada país, ao clicar ou passar o cursor do rato sobre partes do gráfico. Os elementos sonoros e as imagens fixas estão presentes nos menus de interação e ilustram as secções nas quais se divide o documentário.

A nível de interação, Artigo 170 (2019) apresenta uma distribuição de conteúdos concêntrica, a partir de um menu principal que se divide depois em quatro submenus, que por sua vez permitem o acesso aos 20 vídeos devidamente catalogados por tema. Além do acesso aleatório aos conteúdos, o documentário interativo permite também saltar dos vídeos de testemunhos diretos de vítima para uma contextualização ou explicação das especialistas entrevistadas sobre esses casos concretos (função de overlay). O número de ligações e a complexidade de interação permite ao interator uma vasta combinação de elementos e, consequentemente, uma experiência personalizada com base numa narrativa dinâmica.

Mujeres en Venta (2009) apresenta um vasto e diversificado conjunto de conteúdos, num total de 136 elementos, sendo o vídeo o tipo com maior relevância, não só em número (45) como também na duração (55:42). Seguem-se os elementos visuais (34) e textuais (26), com frases curtas e assertivas sobre a temática abordada. Os elementos sonoros, apesar de serem em número significativo (21), tratam-se sobretudo de apontamentos musicais, sem contribuírem significativamente para transmitir informação ou contextualizar. No entanto, estes são elementos significativos de envolvimento emocional e de atenção do público.

Relativamente à organização dos conteúdos, o documentário interativo está dividido em cinco capítulos e baseia-se numa estrutura de navegação linear, a partir da organização sequencial dos conteúdos disponíveis. Através da barra de deslocação vertical (scroll), o interator vai deslizando pela estrutura onde se encontram os elementos informativos disponíveis: vídeos em reprodução automática, grafismos estáticos ou dinâmicos com informações textuais e gráficas, usando a imagem fixa (fotografia ou composições gráficas) como fundo. O interator pode controlar o tempo de exposição de cada conteúdo, detendo-se sobre o elemento ou avançando mais rapidamente. O interface permite ainda recuar e rever conteúdos anteriores. No entanto, ao contrário de Artigo 170, a interação não altera o curso da narrativa nem permite reordenar os conteúdos disponíveis, limitando a personalização da experiência interativa.

Tabela 3 análise quantitativa do tipo de media e de informação em cada documentário interativo 

5. Discussão dos resultados

A análise de discurso das entrevistas dos documentários interativos Artigo 170 e Mujeres en Venta, de acordo com as funções da linguagem de Roman Jakobson, revela que a maioria dos conteúdos verbais se insere na função emotiva, seguida da função referencial e uma percentagem mais reduzida de discursos enquadra-se na função conativa.

No documentário Artigo 170 foi identificado que 58,61% da duração dos vídeos apresenta discursos com a função emotiva, com relatos maioritariamente centrados na primeira pessoa durante os quais as intervenientes partilham as suas vivências e traumas, resultado de assédio e importunação sexual. Além do testemunho subjetivo e de representação de uma problemática de género, verificam-se também excertos (14,97%) com um tom apelativo que foram enquadrados na função conativa. Esta função, de acordo com Jakobson, é centrada no recetor da mensagem para chamar a atenção e influenciá-lo, um registo próprio dos discursos políticos e de propaganda. Pouco mais de um quarto da duração total do documentário (26,42%) apresenta um discurso informativo ou denotativo, próprio da função referencial. A função referencial é encontrada em exclusivo no discurso das especialistas entrevistadas que fornecem informações sobre a temática, contextualizam e comentam os casos concretos apresentados pelas vítimas entrevistadas.

Estes resultados podem também ser explicados porque Artigo 170 opta por enfatizar os testemunhos das vítimas, uma vez que das nove intervenientes sete são mulheres vítimas de assédio e apenas duas das entrevistadas são especialistas de contextualização do fenómeno. Da mesma forma, também a maioria do tempo de discurso é atribuído às vítimas (40 minutos e 09 segundos), em comparação com a duração das entrevistas às especialistas (14 minutos e 25 segundos).

O documentário Mujeres en Venta apresenta um maior equilíbrio entre discursos focados na função referencial (45,9%) e na função emotiva (52,57%). A função referencial, com partilha de informações contextuais ou episódicas continua a ser exclusiva dos intervenientes de instituições e especialistas, mas também estes incluem elementos subjetivos e emocionais nos seus discursos e não se coíbem de apresentar apelos e potenciar o envolvimento emocional do interator perante o problema de tráfico humano e da exploração sexual de mulheres. A função emotiva, que apresenta 52,57% do discurso analisado, representa a totalidade dos testemunhos de vítimas de exploração sexual e de familiares, além de entrevistas de especialistas e representantes de instituições.

Este equilíbrio entre as funções emotiva e referencial pode ser explicado sobretudo pela duração dos vídeos de cada tipo de interveniente. Enquanto o número de testemunhos diretos de vítimas é muito inferior (seis) ao número de especialistas entrevistados (19), os vídeos das vítimas e de familiares totaliza 23 minutos e 31 segundos, enquanto os representantes governamentais e institucionais intervêm no documentário durante 31 minutos e 11 segundos.

Estes intervenientes, representantes de instituições governamentais, policiais e ativistas de ONGs, incluem também nos seus discursos apelos centrados no interator que se podem enquadrar na função conativa, representando 1,53% do tempo total dos vídeos, com o objetivo de sensibilizar o público e mobilizar uma consciência cívica.

Nos dois documentários analisados não foram identificadas passagens de discurso passíveis de enquadramento nas funções fática, metalinguística e poética.

Tabela 4 resultados percentuais de cada documentário por função da linguagem 

Relativamente à estratégia de interação, enquanto o documentário interativo Mujeres en Venta apresenta uma estrutura de navegação linear, através da qual o interator pode avançar e recuar, sem permitir selecionar diretamente os conteúdos disponíveis, Artigo 170 assenta numa organização de conteúdos mais complexa e livre de uma sequenciação temporal, que permite aceder aos conteúdos por temas. Além disso, Artigo 170 apresenta um vasto conjunto de ligações inter-conteúdos que propicia a criação de relações entre temas e abre a possibilidade de ouvir as especialistas sobre os testemunhos das vítimas de assédio ou recolher informação adicional sobre o assunto em causa. Esta estrutura de navegação mais complexa e que permite uma experiência mais personalizada oferece ao público maior sensação de controlo sobre a narrativa (Nogueira, 2020). Além disso, de acordo com Nogueira (2020), uma estrutura de navegação mais aberta e que permite maior controlo sobre a narrativa potencia o envolvimento direto do interator e alimenta sensações de infinitude e de incompletude, o que pode encorajar o público a prosseguir a performance interativa.

6. Considerações finais

O advento do digital trouxe mudanças significativas ao jornalismo e os profissionais tiveram de adaptar-se ao novo cenário informativo. Enquanto alguns cidadãos e grupos dedicados a causas políticas e sociais usam a linguagem e o formato do jornalismo para alcançar o seu público-alvo, também os jornalistas recorrem a novos modelos e práticas de produção para perseguir o objetivo de informar. Mas estas permutas não são pacíficas. No caso concreto dos documentários interativos analisados, é possível aferir uma tendência para dar voz às vítimas, quer em número de intervenientes, quer na duração das suas intervenções, privilegiando o envolvimento emocional e até promovendo a mobilização afetiva para o combate à violência de género.

Além disso, o equilíbrio de discurso entre as funções referencial e emotiva parece apontar para uma diluição das fronteiras entre jornalismo e opinião, na medida em que o registo imparcial e objetivo, identificado na função referencial, apresenta uma forte contaminação da subjetividade própria do discurso na primeira pessoa, presente nos testemunhos das vítimas em ambos os documentários interativos. No documentário Artigo 170 identificaram-se passagens enquadradas na função conativa, com apelos e vocativos, enquanto no caso de Mujeres en venta os representantes de instituições e especialistas, apesar de manterem um registo mais factual, informativo e científico do que as vítimas, apresentam excertos identificados com as funções emotiva e conativa.

Ora, não sendo esta prática de dar voz às vítimas completamente nova, até porque o jornalismo de investigação se tem posicionado maioritariamente numa perspetiva de denúncia e de defesa de direitos considerados fundamentais, é preciso considerar que as tecnologias digitais, e em particular os documentários interativos, promovem novas estratégias de envolvimento e personalização, alterando profundamente a relação entre jornalistas e o seu público. A construção das narrativas informativas tem de ser re-articulada e re-interpretada de acordo com o ambiente híbrido dos media abertos e participativos. As práticas e os formatos emergentes indicam uma mudança em direção a uma construção colaborativa, fluída e iterativa que reconfigura as fronteiras do jornalismo. A missão de refletir sobre a sociedade de forma precisa e imparcial continuará a fazer parte da génese do jornalismo, no entanto consideramos que os formatos de transmissão de informação estão em mudança e que é necessário negociar a tensão entre a reivindicação de analisar objetivamente a realidade e a participação do público no processo noticioso.

O interesse público e a influência exercida sobre a audiência são objetivos centrais nesta ecologia digital, com formatos alternativos de produção que podem enriquecer o cenário atual do jornalismo. Não só o documentário interativo permite uma segmentação dos assuntos de acordo com públicos-alvo específicos, como a própria audiência tem a possibilidade de selecionar os conteúdos que são do seu interesse e de reconfigurar a narrativa de acordo com as suas preferências. Esta personalização dos conteúdos potencia o envolvimento do público com o processo de consumo de informação e simultaneamente com as temáticas abordadas, neste caso a violência de género. Aliás, os próprios participantes que emprestam os seus testemunhos ao documentário, podem continuar a envolver-se na narrativa continuadamente.

Acresce que os documentários interativos, à semelhança dos restantes formatos digitais, encontram-se disponíveis ao público durante períodos mais longos e acessíveis em qualquer momento, a partir de qualquer meio digital. Os princípios de imparcialidade e isenção podem sair debilitados, mas reconhece-se neste género o potencial de um envolvimento a longo prazo, bem como a capacidade de mobilização afetiva para causas sociais. No limite, enquanto formato maleável e manipulável, o documentário interativo pode proporcionar sensações de controlo e de pertença e fomentar na audiência a perceção de ligação digital, identificação e afiliação, promovendo positivamente a interação com a narrativa e encorajando o público a interagir e a regressar posteriormente (Nogueira, 2020).

Além disso, estes novos formatos abrem espaço a minorias sub-representadas ou cuja representação corresponde a modelos enviesados e enraizados socialmente, tal como a representação da Mulher. Neste sentido, o documentário interativo surge com o potencial de permitir novas forma de transmitir a “verdade jornalística” (Baym, 2017), na interseção de jornalismo, testemunho, narração de histórias e ativismo.

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Recebido: 08 de Setembro de 2020; Aceito: 08 de Março de 2021

Patrícia Nogueira é Professora Auxiliar no ISMAI - Instituto Universitário da Maia e Professora Auxiliar Convidada na Universidade de Coimbra. É investigadora integrada no ICNOVA - iNOVA Media Lab e co-dirige o grupo de investigação Europeu CCVA - Cinema and Contemporary Visual Arts, integrado na NECS. Doutora em Media Digitais pelo programa internacional UT Austin - Portugal, com mestrado em Fotografia e Cinema Documental pela ESMAE. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8145-3188 Ciência Vitae: https://www.cienciavitae.pt//301B-F6A9-CBA9 Endereço institucional: Av. Carlos de Oliveira Campos, 4475-690 Maia

Yone Salles é Mestre em Comunicação Multimédia pelo Instituto Universitário da Maia em Portugal e Jornalista brasileira licenciada em 2003 pela Universidade Católica de Pernambuco (BR). Depois de 17 anos atuando como repórter, editora e produtora em grandes empresas de comunicação no Brasil, o documentário interativo tornou-se a porta de entrada para os media digitais. Trabalha em Marketing Digital, Copywriting e produtora de conteúdos na web. Endereço institucional: Av. Carlos de Oliveira Campos, 4475-690 Maia

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