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Media & Jornalismo

versión impresa ISSN 1645-5681versión On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.21 no.38 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.14195/2183-5462_38_7 

Artigo

Jornalismo especializado em economia: news to use e os “novos” formatos jornalísticos em tempos de crise económica e financeira em Portugal no Jornal de Negócios e Diário Económico

Journalism specialized in economics: news to use and the “new” journalistic formats in times of economic and financial crisis in Portugal in newspapers Jornal de Negócios and Diário Económico

1 Instituto de Comunicação da NOVA - ICNOVA, Portugal. mafalobopereira@gmail.com


Resumo

Em Portugal, o jornalismo económico surge após o 25 de Abril de 1974 e começou a ganhar relevância após a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1986. O crescente interesse do público pela economia conduziu à criação de secções/editorias especializadas em temas económicos. Mas a grande afirmação do jornalismo económico deu-se aquando da crise económica internacional de 2008 que levou mais tarde à intervenção do FMI, BCE e da Comissão Europeia (troika) em Portugal no período entre 2011-2014, período em que a economia dominou a vida política, social e económica, e passou-se a adotar “novos” formatos no jornalismo económico, de modo a satisfazer as necessidades de cidadãos, através de um tipo de informação útil - news to use - um formato que complementa/aprofunda a notícia. Através da técnica qualitativa da entrevista, foram realizadas sete entrevistas a jornalistas do Jornal de Negócios e do Diário Económico, de forma a percebermos como se consolidou a utilização desses formatos, ao mesmo tempo que percebemos a práxis do jornalismo económico em contexto de crise económica e financeira. Os resultados mostram que a crise económica e financeira teve reflexos no jornalismo económico português pela adoção de novos formatos jornalísticos que procuraram esclarecer e aprofundar os temas que mais preocupavam e inquietavam os cidadãos num momento crítico da sociedade portuguesa.

Palavras-chave: jornalismo especializado; jornalismo económico; formato jornalístico; news to use; crise económica e financeira

Abstract

In Portugal, economic journalism emerged after April 25, 1974 and began to gain relevance after Portugal's entry into the European Economic Community (EEC) in 1986. The growing public interest in the economy led to the creation of sections/editorials specialized in economic issues. But the great affirmation of economic journalism took place at the time of the international economic crisis of 2008, that later led to the intervention of the IMF, ECB and the European Commission (troika) in Portugal from 2011 to 2014, in which the economy dominated political, social and economic life, and began to adopt “new” formats in economic journalism, in a way to satisfy the needs of citizens, through a type of useful information - news to use - a format that complements/ deepens the news. Through the qualitative technique of the interview, seven interviews were carried out with journalists of the economic newspapers Jornal de Negócios and Diário Económico in order to understand how the use of these formats was consolidated, at the same time we understand the praxis of economic journalism in the context of economic and financial crisis. The results show that the economic and financial crisis had repercussions in Portuguese economic journalism through the implementation of new journalistic formats that sought to clarify and deepen the issues that most concerned and disturbed citizens at a critical moment in portuguese society.

Keywords: specialized journalism; economic journalism; journalistic format; news to use; economic and financial crisis

Introdução

Este artigo analisa a forma como a crise económico-financeira de 2008 com origem nos EUA, e que se arrastou ao resto da Europa em 2009 transformando-se na crise das dívidas soberanas dos Estados obrigando à intervenção da troika em Portugal no período de 2011 a 2014, levou a imprensa económica nacional a adotar “novos” formatos jornalísticos para tornar a informação mais compreensível e esclarecedora para a opinião pública.

Embora a adesão de Portugal à CEE tenha sido um marco na afirmação do jornalismo económico, a crise económica e financeira mundial que teve início nos EUA em 2008, e que se estendeu depois ao resto da Europa na chamada “crise das dívidas soberanas” levando mais tarde à intervenção da troika em 2011 em Portugal, configurou uma forma específica de fazer jornalismo económico que se diferencia da forma de fazer jornalismo generalista, e que se foi afirmando ao longo dos tempos em função dos contextos históricos, políticos, económicos e sociais (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). A crise económica e financeira, colocou aos jornalistas económicos vários desafios, não só em termos do volume de informação que tiveram de tratar, mas também a nível do esforço que tiveram de fazer para conseguirem transmitir conteúdos de forma simples e acessível para o público que não era leitor habitual de jornais económicos, e que neste período passou a consumir informação económica. A descodificação de conceitos, a simplificação da linguagem e a forma de apresentação dos conteúdos, revelou-se neste período muito importante para o jornalismo económico, em que um dos objetivos dos jornalistas da área, era contribuir para que o comum dos cidadãos percebesse as causas e as consequências das medidas de austeridade impostas pela troika a Portugal, e o impacto que essas medidas inscritas no ‘Memorando de Entendimento’ (MoU) iria ter nas suas vidas do ponto de vista pessoal e profissional.

O jornalismo económico, cuja função principal é fazer a cobertura e debater temas afetos à economia, negócios, finanças e mercados, conheceu uma grande expansão em Portugal com o deflagrar da crise em 2008 nos EUA. Embora ao jornalismo generalista seja reconhecido como tendo como objetivo principal atender ao interesse público, privilegiando a informação para a cidadania e para a democracia, e ao jornalismo económico o objetivo de satisfazer o interesse de um público mais específico, no período da intervenção da troika em Portugal, o público em geral começou a interessar-se mais pela economia, obrigando o jornalismo económico a massificar-se (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). Os jornalistas da área económica sentiram que estavam perante um público cada vez mais diversificado, menos segmentado, que não tinha por hábito ler publicações económicas, mas que começou a dar mais atenção a este tipo de jornais, obrigando o jornalismo económico a fazer um esforço de adaptação na forma de apresentar e descodificar os conteúdos económicos para que a informação fosse útil e compreensível ao comum dos cidadãos.

O objetivo geral deste artigo consiste em abordar os “novos” formatos adotados pela imprensa económica utilizados para esclarecer/aprofundar aspetos relacionados com a notícia principal no contexto da crise económica e financeira. Como objetivos mais específicos procuramos: 1) contribuir para um conhecimento mais aprofundado do jornalismo económico e da sua práxis, que, em alguns aspetos, se distingue de outras formas de fazer jornalismo: 2) analisar o tipo de formatos utilizados complementares às notícias de modo a entender os processos produtivos da notícia económica em contexto crise. Face ao objetivo principal e aos objetivos específicos, recorremos à técnica de investigação qualitativa - a entrevista semiestruturada (sete entrevistas a jornalistas da área económica de dois jornais especializados em economia: Jornal de Negócios e Diário Económico).

Jornalismo especializado em economia: It might be economics, but it’s still journalism

Uma das principais características do jornalismo especializado em economia é a linguagem especializada. Os jornalistas “introduzem no discurso noticioso uma linguagem académica e tecnicista e um vocabulário recheado de estrangeirismos, neologismos, siglas e gráficos. Os textos, tornam-se, por isso, herméticos, razão pela qual dever ser veiculado por jornalistas especialmente treinados na área da economia” (Quintão, 1987, p. 168). No exercício do jornalismo económico, a necessidade de especialização é maior que em outras áreas. Na cobertura da macroeconomia ou do setor financeiro, é necessária uma especialização que deve obedecer a alguns requisitos (Caldas, 2005; Kucinski, 2007). A simplicidade da linguagem deve fazer parte do jornalismo económico, não só porque o jornalista deve escrever de forma clara e objetiva como deve evitar o jargão económico - “o economês” - para que o leitor entenda, porque “a linguagem do jornalismo é uma só. O texto sobre défice fiscal do Governo deve ter a mesma simplicidade, objetividade e clareza de outro que descreve um confronto entre polícias e traficantes” (Caldas, 2005, p. 1).

Os jornalistas ao fazerem a seleção, hierarquização, descodificação, contextualização e construção de sentidos são responsáveis pela transformação dos acontecimentos em notícias, e têm a responsabilidade de tornar as notícias compreensíveis para os cidadãos: “a não simplificação da linguagem no jornalismo económico tem consequências negativas” (Caldas, 2005, p. 5). Isto porque a “utilização de uma linguagem conceptualmente distinta da linguagem coloquial utilizada pelos leitores acaba por agravar o distanciamento destes do universo abordado nos artigos, tornando mais fácil a manipulação dos conteúdos em causa “(Caldas, 2005, p. 27).

A linguagem especializada do jornalismo económico tem as suas fontes, que podem ser os especialistas numa determinada área, as assessorias de imprensa e os porta-vozes institucionais. A especialização permite aos jornalistas a compreensão e a interpretação das informações sobre um determinado assunto, e evita que fiquem sujeitos à dependência das fontes e à sua influência ideológica (Perez Leite, 2010, p. 55). Por outro lado, nem todas as fontes transmitem a informação aos jornalistas por meio de uma linguagem simples. Ao recorrerem a alguns eufemismos para transmitir informação mais desfavorável, e a adjetivos positivos para situações neutras e favoráveis, as fontes cumprem o seu papel: passar uma imagem positiva de um Governo ou “aliviar” o impacto de uma medida menos favorável junto da opinião pública (Quintão, 1987, p. 103; Perez Leite, 2010, p. 56). Paul Krugman nobel da economia em 2008, destaca a importância de falar de economia de forma que todos entendam:

É extremamente importante. Se tivéssemos um mundo em que houvesse um consenso de peritos e as pessoas deixassem que fossem os peritos a resolver as questões, não seria tão importante. Mas não temos. Temos alegados peritos a discutirem uns com os outros e temos de fazer esse apelo diretamente ao público. Temos de explicá-lo. Os economistas sempre foram parcos em explicações simples. Sempre houve melhores comunicadores em biologia e física, do que em economia, o que é um absurdo pois a economia é algo que afeta a vida das pessoas (Guerreiro & Gonçalves, 2012, p. 9).

Um estudo da Universidade da Columbia de Michael Arkus faz algumas recomendações para quem faz jornalismo económico: “quando em causa estiverem questões especialmente complexas, o jornalista deve construir analogias que facilitem a compreensão do leitor e deve concretizá-las através da citação de exemplos” (Arkus citado em Martins, 2007, p. 21). Nesse mesmo estudo, Watts considera que um profissional de informação que queira ser um jornalista de imprensa especializada em economia “não pode deixar de dominar as técnicas da escrita, da boa comunicação e não somente ser alguém capaz de dominar o vocabulário desta área” (Watts citado em Martins, 2007, p. 21). Sobre a forma da escrita, Arkus elenca alguns conselhos de como escrever bem na área do jornalismo económico que não diferem muito do jornalismo generalista: “o lead deve ter ação, o jornalista deve criar um cenário capaz de inserir o leitor no artigo” (…), e “deve ser fornecido ao leitor nos últimos parágrafos um enquadramento do tema” (Arkus citado em Martins, 2007, p. 21). Watts num outro artigo “It might be economics, but it’s still journalism” defende que “ser um bom comunicador também significa que temos de ser jornalistas especializados, e não especialistas em finanças ou economia” e que temos de continuar a fazer o que todos os jornalistas fazem, julgando as coisas com os mesmos instintos. Os critérios de avaliação de um assunto para merecer uma abordagem jornalística especializada devem ser os mesmos de qualquer jornalista generalista: “é novidade? é importante? é diferente? é interessante? porque razão interessa? de onde vem esta informação? será que a fonte de informação tem interesse em ver a história apresentada de uma maneira especial? com quem mais posso falar para confirmar se aquela informação é precisa, justa e equilibrada? falei com todos os envolvidos na história, de modo a cruzar a informação? já falei com especialistas para saber o que pensam sobre isso?” (Watts citado em Martins, 2007, p. 22).

Watts apresenta ainda dez passos para melhor divulgar os assuntos económicos, e lembra que o jornalista ao escrever sobre temas económicos deve abordá-los “como se contasse a história a alguém da sua família ou a um amigo” (Watts citado em Martins, 2007, p. 22). Deve abandonar os vícios da linguagem especializada e hermética dos profissionais da área retratada, e não deve publicar informação que o próprio não consiga compreender. Os números devem ser utilizados de forma equilibrada e distribuídos pelo texto como um todo e não aparecerem reunidos num bloco compacto e incompreensível. Os números devem servir de instrumentos de apoio, e não de elementos preponderantes dos artigos. As “estórias” devem ter citações, vozes de pessoas, para que não se tornem relatos abstratos. Os artigos devem ser compreendidos por um leitor sem formação específica (Martins, 2007, p. 22). O conceito de jornalismo económico coloca ainda em evidência este tipo de jornalismo como um tipo diferente do jornalismo generalista, mais do que em qualquer outra especialidade temática - desportiva, cultural, política, etc. Por um lado, não só única e exclusivamente reforça a dimensão informativa, mas principalmente valoriza a componente explicativa (Vunge, 2017).

Por outro lado, o jornalismo económico estabelece ainda uma relação com a lógica capitalista e empresarial que torna a notícia num produto. Esta é a lógica que preside às agências de notícias económicas e financeiras (por exemplo, o caso da Bloomberg e Reuters) cujo métier é produzir e vender notícias. Para alguns autores esta lógica afeta a credibilidade, colocando dúvidas sobre a veracidade e o rigor da informação. Para outros a credibilidade não é afetada e a afirmação dos conglomerados funciona como uma prova do seu valor e credibilidade (Vunge, 2017). A informação é cada vez mais um fator de interesse nos mercados que determina preços e opções empresariais, condiciona e determina as lógicas e os fluxos dos mercados. Um dos elementos do sistema económico e financeiro que joga de forma direta com a informação é o Mercado de Capitais. Este funciona numa lógica da informação e transparência, de informação sobre economia, mas também sobre política e questões sociais (Vunge, 2017).

O jornalismo económico tem como objetivo informar sobre temas económicos e deve ser exercido por profissionais com conhecimento específicos sobre os assuntos. Não é igual ao jornalismo generalista na forma como se constroem as notícias, entrevistas ou crónicas, uma vez que exige um trabalho diferente. O jornalista de economia e finanças deve ter a capacidade de saber ver a informação que está por detrás dos números. As exigências são muito maiores (Noyola Valdez, 2013).

O jornalismo económico, que para muitos pode apenas parecer um código cifrado, um emaranhado hermético de gráficos e números destinado apenas à leitura de iluminados especialistas, é um guia de sobrevivência indispensável para a vida quotidiana: “é lá que estão as notícias sobre juros e inflação, tarifas públicas e aluguer, golpes e trambiques sobre o preço da carne e do feijão, o emprego perdido e o salário reduzido. A política, economia, jornalismo, cidadania e liberdade, “tudo está profundamente imbricado” (Caldas, 2005, p. 9).

O jornalismo económico (economic journalism) também aparece como um termo controverso. É um género reconhecido no Reino Unido, mas que não existe nos EUA, onde apenas existem dois géneros: o business journalism e o financial journalism. A imprensa vive numa relação simbiótica com a estrutura económica. Ao contrário, Portugal tem um jornalismo de negócios (business journalism) mas tem muito pouco jornalismo financeiro (financial journalism) (Mata, 2015).

Ao servir um leitor específico no capitalismo contemporâneo, o jornalismo económico não existe sem um certo tipo de leitores, assim como o jornalismo financeiro não existe sem uma classe de investidores. Em contraste com os EUA - com as suas reformas capitalizadas, ou o Reino Unido com a sua finança internacional - Portugal (comparativamente) tem poucos indivíduos com riqueza em capital. O jornalismo de negócios (business journalism) existe porque há uma classe de profissionais com carreiras em empresas e indústrias que procuram nos títulos económicos saber mais sobre o seu mercado de trabalho e como podem gerir as suas carreiras (Mata, 2015). O jornalismo económico procura ainda “trazer as faces ocultas da vida económica e da vida política. Entender a indústria, a finança e o comércio (…) e através de novos formatos, cria conhecimento e altera as relações do próprio capitalismo” (Mata, 2015). Para além disso, ajuda a compreender as dimensões nacionais e internacionais, financeiras e monetárias, fiscais e sociais.

Para Pamela Kluge (1991, IX) no “Guide to Economics and Business Journalism” o “jornalismo sobre economia e negócios é arriscado. Todos os dias existe a possibilidade de se cometer erros, mal-entendidos e representações imperfeitas. A troca de um ponto decimal pode causar um desgosto de dimensões desconhecidas. E a diferença entre ‘sem crescimento’ e ‘crescimento zero’ pode desencadear um intenso debate nas colunas das cartas ao diretor do jornal” (Kluge citada em Martins, 2007, p. 41). No mesmo sentido, o jornalista Rui Peres Jorge do Jornal de Negócios, revela que no jornalismo económico, ao contrário de outras áreas do jornalismo especializado, “uma notícia dada de forma errada em política pode ter, e terá com certeza, consequências negativas sobre a realidade (…) mas é um pouco diferente, quando uma notícia não é bem dada em economia que pode fazer uma pessoa perder dinheiro” (Jorge, comunicação pessoal, 7 de novembro, 2016). Por exemplo, no caso das avaliações regulares ao programa de ajustamento da troika, ou seja, a forma como o Governo português implementava as medidas de austeridade, podia ter consequências positivas ou negativas para a economia, porque “Portugal passar ou chumbar numa avaliação pode significar taxas de juros mais altas ou mais baixas, investidores a ganhar ou perder dinheiro, o Estado português pagar mais pelos juros e pela dívida que emite, e, portanto (o jornalismo económico), tem essa evidência” (Jorge, comunicação pessoal, 7 de novembro, 2017), isto é uma responsabilidade acrescida de ser esclarecedor e refletir de forma clara e concreta o que se está a passar na economia.

Géneros e formatos jornalísticos no jornalismo: uma funcionalidade textual

Para cumprir a sua função de transformar os acontecimentos em notícias, os jornalistas recorrem a um conjunto de técnicas jornalísticas que facilitam a seu trabalho. A redação jornalística obedece a critérios jornalísticos e à estruturação dos conteúdos de forma a tornar a leitura das notícias coerente. Os géneros jornalísticos constituem-se como modalidades discursivas que têm funções e intenções específicas, quer se trate de uma informação, uma opinião, ou uma interpretação. O género informativo aparece normalmente na forma de notícia, tendo por objetivo comunicar o facto noticioso, a opinião surge em forma de artigos e críticas, existe argumentação, direcionando o leitor para um determinado ponto de vista ideológico ou de valores, e o género interpretativo aprofunda e explica a notícia. Neste último pode também existir informação sob a forma de crónica e comentário. Vários autores têm contribuído para a classificação dos géneros e formatos jornalísticos. Marques de Melo (2010) dedicou-se a estudar os géneros e formatos jornalísticos presentes no jornalismo (brasileiro), e classificou-os como sendo informativo, opinativo, interpretativo e utilitário. O autor considera a comunicação estruturada em categorias funcionais, em que as unidades de mensagem se agrupam em classes (géneros) que se desdobram em tipos (formatos) (Melo, 2009, p. 35). Embora o conceito de género seja transversal e abranja desde as espécies biológicas até aos objetos comunicacionais, no campo das ciências da comunicação, aparece relacionado com a “forma, conteúdo e estrutura” (Bakhtin, 1986, p. 60). Por outro lado, para McQuail (2003, p. 336), o género mediático é definido apenas como categoria de conteúdo, que tem várias características, e tem uma função própria que pode ser informativa, de entretenimento, ou ambas, compatibilizando forma e conteúdo. Os géneros são instrumentos que ajudam a indústria mediática a produzir conteúdos, fazendo parte de uma estratégia de comunicabilidade (Martín-Barbero, 2008, p. 303). Uma das correntes associadas ao estudo dos géneros e formatos - o funcionalismo - revela que os conteúdos são moldados por categorias funcionais que se reproduzem em classes (géneros), que por sua vez são organizadas em formas de expressão com características comuns (formatos) e subdivididas em espécies (tipos) (Melo & Assis, 2016, p. 45). Os media, e de modo particular o jornalismo, não apresentam uma única forma de tratar os acontecimentos, mas antes se organizam de modo a estruturar e adequar a apresentação desses acontecimentos em função dos conteúdos. O género remete assim, para agrupamento, ao passo que formato (Ferreira, 1999, p. 929) remete para a composição, uma variante do género, que funciona como instrumento adotado para comunicar com o público e fazer com que este possa agir no contexto da sociedade, aquilo que McQuail (2003, p. 339-340) baseando-se nos estudos de David L. Altheide e Robert P. Snow, identificou como sendo uma “lógica mediática”, que se serve de várias especificações que ajustam os meios às suas necessidades e às da audiência.

É sobre os formatos mediáticos e formatos - tipo complementares (enquanto variantes do género notícia) que vamos (a partir das entrevistas realizadas aos jornalistas de um tipo específico de jornalismo especializado como é o jornalismo económico) analisar de que forma os “novos formatos”, surgem e/ou consolidam-se como resposta social num período crítico da sociedade portuguesa como foi a crise económica e financeira.

Metodologia

O objetivo geral deste artigo consiste em abordar os “novos” formatos adotados pela imprensa económica utilizados para esclarecer/aprofundar aspetos relacionados com a notícia principal no contexto da crise económica e financeira. Como objetivos mais específicos procuramos: 1) contribuir para um conhecimento mais aprofundado do jornalismo económico e da sua práxis, que, em alguns aspetos, se distingue de outras formas de fazer jornalismo: 2) analisar o tipo de formatos utilizados complementares às notícias de modo a entender os processos produtivos da notícia económica em contexto crise. Face ao objetivo principal e aos objetivos específicos, recorremos à técnica de investigação qualitativa - a entrevista semiestruturada (sete entrevistas a jornalistas da área económica de dois jornais especializados em economia: Jornal de Negócios e Diário Económico). Os jornalistas selecionados para as entrevistas correspondem, por um lado, àqueles que assumiram funções de direção nos jornais no período em análise, e por outro, (após a análise de conteúdo às peças jornalísticas relativas à intervenção da troika através de uma base de dados criada em SPSS) àqueles que escreveram mais peças jornalísticas durante a intervenção da troika em Portugal (2011-2014) (ver tabela 1). A entrevista seguiu um plano de perguntas previamente estabelecido, mas não apresentou um formato tão rígido e o entrevistador fez sempre certas perguntas principais, mas foi livre de alterar a sua sequência, ou introduzir novas questões em busca de mais informação, admitindo alguma flexibilidade (Barata, 2002; Bryman, 2012; Brinkman & Kvale, 2015; Cohen, Manion & Morrison, 2007; Espírito Santo, 2010; King & Horrocks, 2010; Silverman, 2011).

Tabela 1 Identificação do nome dos jornalistas entrevistados, pertinência da sua escolha, entidade a que está associado e data da entrevista 

Fonte: Conceção própria

A escolha do Jornal de Negócios e do Diário Económico justifica-se pelo crescente interesse dos cidadãos no período da crise económica pelos jornais especializados em economia. “Durante a intervenção da troika o público começou a interessar-se mais pela economia, obrigando o jornalismo económico a massificar-se” (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). Os jornalistas da área económica sentiram que estavam perante um público cada vez mais diversificado, menos segmentado, que não tinha por hábito ler publicações económicas, mas que começou a dar mais atenção a este tipo de jornais (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). Tiago Freire, sub-diretor do Diário Económico revela que “as pessoas ligavam para o jornal, com perguntas práticas, muitas vezes por e-mail, outras vezes por telefone, a perguntarem coisas muito específicas, muitas vezes questões pessoais, e quando havia perguntas mais generalizadas, e se houvesse interesse nisso, fazia-se uma notícia mais descodificada, à base de glossários, simuladores, explicadores, um certo tipo de conteúdos que se desenvolveu nesta fase” (Freire, comunicação pessoal, 28 de julho, 2015).

Breve caracterização dos jornais

A escolha dos jornais também se justifica pela sua importância enquanto jornais direcionados essencialmente para a área económica. O Jornal de Negócios é um diário de economia e finanças. Propriedade do grupo Cofina, surgiu como semanário a 8 de janeiro de 1998, dois meses depois de ter nascido na Internet, e passou a diário a 8 de maio de 2003. O primeiro diretor foi José Diogo Madeira, de novembro de 1997 até março de 2000. Em 2007 assume a direção Pedro Santos Guerreiro, jornalista que se manteve na direção até 2013, altura em que assume esta posição a jornalista Helena Garrido. O Jornal de Negócios, tem conhecido vários diretores ao longo dos anos. Depois do período da intervenção da troika, é Raul Vaz que assume a direção em 2016 até novembro de 2017. Desde então o atual diretor é o jornalista André Veríssimo. O Jornal de Negócios venceu o Prémio Excelência Jornalismo Económico 2012, promovido pela Ordem dos Economistas, após uma primeira nomeação para o prémio em 2011. Como colunistas, conta com Helena Garrido, João Quadros, Camilo Lourenço, Baptista Bastos, Bagão Félix, José Cutileiro, Leonel Moura, entre outros. Foi a 23 de novembro de 1997, que nasceu na internet, e o website do Jornal de Negócios assumiu-se como a primeira publicação online de economia e finanças em Portugal. O diário está presente no meio online, através do websitewww.jornaldenegocios.pt.

O Diário Económico começou a ser publicado a 30 de outubro de 1989 em formato tabloide, de segunda a quinta-feira sob a direção de Jaime Antunes. Era uma extensão do Semanário Económico, que saía às sextas-feiras, e foi pela primeira vez para as bancas a 16 de janeiro de 1987. O estatuto editorial do diário inspirava-se no Semanário Económico e sublinhava: O Diário Económico é uma iniciativa dos jornalistas, independente de forças políticas e de interesses económicos. O Diário Económico é um jornal de informação económica e financeira nacional e internacional. O Diário Económico é, também, um meio de informação dos principais acontecimentos da vida política, social e cultural portuguesa e internacional. Assume-se como um jornal cujo conteúdo refletirá o funcionamento de uma Economia de mercado. Compromete-se a não usar as informações a que tenha acesso para outros fins que não a divulgação noticiosa” (Económico, 2014, pp. 24-25). A 19 de Abril de 1995 surgia com um novo formato, um novo grafismo e uma nova estratégia e passava a sair de segunda a sexta-feira. Os objetivos da publicação prendiam-se com dar o essencial das notícias no plano económico, abordar importantes acontecimentos nacionais e internacionais, bem como das áreas dos media, cultura e desporto, apresentando-se com um novo posicionamento: “No universo dos jornais económicos de qualidade, surge o Diário Económico”. Os objetivos eram: “o antigo Diário Económico era até agora um jornal essencialmente dirigido aos especialistas de economia. O novo Diário Económico é agora um jornal completo. Um jornal com uma visão aberta sobre o mundo, com toda a informação política, económica e social para todos os que decidem, diariamente” (Económico, 2014, p. 24). No estatuto editorial referia que o Diário Económico é “um jornal de informação económica e financeira, que noticiará igualmente os principais acontecimentos políticos, sociais, culturais e desportivos de Portugal e do mundo” (p. 24). Em 1998, o Diário Económico lançou o seu website, e em janeiro de 2001 fez uma primeira tentativa com uma edição de fim-de-semana que durou um ano. Em novembro de 2008 voltou a fazer nova tentativa quando o Semanário Económico foi reconvertido na edição de fim-de-semana, mas não foi bem-sucedido. Em janeiro de 2009, foi lançado o novo website (www.economico.pt). No primeiro trimestre de 2009 foi lançado o económico.TV, uma televisão corporativa, e em agosto de 2009, o Diário Económico passou a ser vendido em formato digital, como mesmo layout do jornal. A 23 de outubro de 2009 foi a primeira sessão experimental da ETV (Economico TV). Em abril de 2010 passou a estar disponível na rede da Zon, operador de televisão por cabo. Em fevereiro de 2011 a PT disponibiliza a ETV na grelha do MEO. O Diário Económico foi considerada a principal instituição de jornalismo económico em Portugal e pioneira no projeto multiplataforma que integrava o Diário Económico, www.economico.pt ETV, Económico Mobile e Económico Conferências, e em que predominava a informação económica, financeira, empresarial, política e social. Os jornais que lhe antecederam foram o Jornal do Comércio e o Comércio do Porto. O objetivo do Económico era fazer informação que marcasse a agenda, que mexesse com a vida dos leitores, e fosse uma referência no mundo da Economia e dos negócios. O Jornal tinha uma visão económica de Portugal e do Mundo, mas não se considerava um jornal especializado em economia (Económico, 2014, p. 25). O Diário Económico mereceu duas distinções: a Prata e o Bronze dos prémios Malofiej por trabalhos de infografia. Em 2016, Portugal tinha três diários económicos: o Diário Económico, o Jornal de Negócios e o Oje. O Diário Económico, entretanto, fecha em julho de 2016, mas surge pouco tempo depois, em setembro de 2016, o Jornal Económico (ex-semanário Oje) que acolhe grande parte dos jornalistas que faziam parte do Diário Económico. O Jornal Oje existia apenas em formato digital e o Jornal de Negócios ainda perdura, não tendo sofrido qualquer ajustamento e tem-se mantido estável ao longo dos últimos anos.

Análise e discussão

Os usos e as gratificações no jornalismo económico: a consolidação do formato news to use

Helena Garrido, no auge da crise económica e financeira em Portugal era diretora do Jornal de Negócios. Na entrevista revelou as alterações na forma de fazer jornalismo económico assim que teve início a crise de 2008 com a falência do Banco Lehman Brothers. Nesta fase notou-se por parte dos leitores preocupações com as suas poupanças em que o Jornal de Negócios teve como prioridade responder às preocupações das pessoas. O jornal adotou um estilo de jornalismo que até à crise económica nunca tinha desempenhado, um tipo de jornalismo que é muito o “ADN” jornalístico dos EUA, e que foi visível no período da troika - o jornalismo denominado de news to use - de tipo útil, mas que em Portugal ainda só tinha havido pequenas experiências (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015):

Um jornalismo de tipo útil, que é muito o ADN dos EUA há muitos anos, e que de repente aqui começa a revelar-se e a afirmar-se, sobretudo nesta fase, em que nós tivemos de avançar com este tipo de papel, reagir quase diretamente às questões que as pessoas nos colocavam em relação à segurança dos seus depósitos bancários. Esta foi a primeira grande fase, o primeiro grande impacto em termos de conteúdo editorial da crise (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015).

Assim, o primeiro impacto da crise económico-financeira para Helena Garrido em termos de conteúdo editorial foi quando se procurou responder às preocupações das pessoas. Os jornalistas tiveram de reagir quase diretamente às questões que as pessoas colocavam em relação à segurança dos seus depósitos. O segundo impacto está relacionado com a fase em que os países vão caindo (Grécia, Irlanda) e posteriormente vem a fase da resistência do Governo Português ao pedido de ajuda externa. O acompanhamento deste processo foi diário, e coube ao Jornal de Negócios fazer o pedido de ajuda externa, indiretamente, através de uma entrevista dada por escrito pelo ministro das Finanças Teixeira dos Santos ao jornal, que acabou por precipitar o pedido de ajuda sem o conhecimento prévio do primeiro-ministro José Sócrates (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). Na terceira fase, já com a troika em Portugal, o jornalismo económico regressa ao jornalismo news to use na área da macroeconomia. Foi a grande afirmação do jornalismo económico na fase da troika - o jornalismo de tipo útil - que não existia em Portugal, mas que era muito usado nos EUA há vários muitos anos, sobretudo, o económico e financeiro, onde existem muitas revistas, e quase todos os jornais de referência têm secções do tipo, ‘como poupar’, ‘onde investir o seu dinheiro’, ‘como encontrar emprego’, ‘como preparar um currículo’, etc. (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). O jornalismo económico português influenciado pelo ADN (matriz) original dos EUA, acaba por ser um jornalismo de tipo utilitário que procura informar e esclarecer ao mesmo tempo os cidadãos, do que propriamente ser jornalismo de investigação. Elisabete Miranda do Jornal de Negócios, considera que no jornalismo económico em Portugal os jornalistas vivem momentos gratificantes quando uma peça jornalística consegue provocar, por exemplo, a inflexão de uma política, com consequências na vida das pessoas, e essa forma de fazer jornalismo inscreve-se “no jornalismo mais utilitário ao escrever-se sobre segurança social e fiscalidade, temas que se prestam muito ao esclarecimento direto dos cidadãos, em que aspetos as escolhas políticas vão influenciar as suas vidas, de que modo é que se devem preparar, e como se devem ajustar” (Miranda, comunicação pessoal, 17 de novembro, 2016). Essa forma de fazer jornalismo contribui para uma maior proximidade e contato com os leitores, e, por isso mesmo, o jornal tem vindo a diversificar o tipo de leitores. Antes da crise o jornal servia um determinado tipo de leitores (classe A e B - classe média alta) e com a intervenção da troika, os jornalistas da área económica perceberam um novo alcance quando começaram a ser contactados por leitores que “não estávamos à espera que nos contactassem” (Miranda, comunicação pessoal, 17 de novembro, 2016). De repente percebeu-se que “há muitas pessoas, se calhar, com menos níveis de literacia, às quais a informação chega, e que acabam também por nos ler, acabam por não ficar totalmente esclarecidos e telefonam-nos e acabam por tirar dúvidas complementares. Esses são momentos muito gratificantes” (Miranda, comunicação pessoal, 17 de novembro, 2016).

No passado em Portugal, já tinha havido pequenas experiências, quer no Jornal de Negócios quer no Diário Económico, mas sem grande expressão. “Exista uma revista que foi lançada pelo jornal Público e que fechou - a “Carteira”. Havia ainda alguns nichos, mas não estava massificado e não tinha ainda contagiado os jornais ditos de referência de economia” (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). A grande afirmação e massificação (massificação no sentido de ser mais abrangente) do jornalismo do tipo news to use “só começa a verificar-se quando as pessoas são confrontadas com a possibilidade de falência de um banco, algo que nunca tinha sido pensado, mesmo no 25 de abril de 1974, quando os bancos foram nacionalizados” (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). Entre 2007 e 2008, as pessoas foram confrontadas novamente com a possibilidade de os bancos poderem falir. Este receio foi visível na Europa, “como se viu em outros países, com filas de pessoas a querer levantar o seu dinheiro (caso da Grécia) e a querer perceber como tudo funcionava para salvaguardar as suas poupanças” (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). No Jornal de Negócios em toda a ‘era’ da troika, a abordagem que os jornalistas fizeram dos temas “foi uma abordagem de informação, manifestada em múltiplos formatos jornalísticos: o que é que vai mudar? Tudo o que fossem propostas da troika que afetassem a vida das pessoas, a abordagem ia sempre no sentido da abordagem utilitária. Foi a grande novidade no jornalismo económico no período da troika” (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). Também os jornalistas de outras publicações que trabalhavam na editoria de economia quando inquiridos sobre se o jornalismo económico tinha evoluído para um jornalismo de tipo news to use, durante o período da crise económica, a maioria considerou que sim (Lobo, 2019, p. 235).

Helena Garrido sempre trabalhou a área da macroeconomia no jornalismo económico. A informação macroeconómica era uma informação clássica - a la Financial Times - de análise de grandes agregados. No período da troika a abordagem das editorias de economia passou a ser uma abordagem de informação útil, num formato esclarecedor, de compreensão e aprofundamento dos temas, ao mesmo tempo que se fazia a análise dos grandes números, dos impostos e dos seus efeitos, com simulações, folhas de cálculo no website do jornal, para que as pessoas pudessem escrever o seu rendimento e ver o efeito que aquilo dava” (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015). Isto massifica-se no tempo da crise. “Se se comparar, por exemplo, o que é hoje um jornal de economia com o que era há dez anos, verifica-se que hoje, o formato news to use está muito mais presente. No Jornal de Negócios, antes da crise económico-financeira, segundo Helena Garrido:

Basicamente o que nós fazíamos era: as receitas fiscais vão aumentar, não sei quantos por cento, e o que nós fizemos no período da troika foi, além de dizer que as receitas fiscais iam aumentar, explicávamos às pessoas como é que aquilo ia acontecer e que efeitos é que ia ter no seu bolso etc. Tivemos muitos trabalhos desse género, por exemplo, quando Vítor Gaspar (ministro das finanças no período da intervenção da troika) anunciou em outubro de 2012, o “enorme aumento de impostos” para 2013 (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015).

É neste sentido que a jornalista Marta Moitinho Oliveira do Diário Económico considera que o jornalismo económico pautou-se por um tipo de jornalismo com peças de teor mais explicativo. As peças jornalísticas informativas (notícias) eram complementadas com peças de teor mais explicativo durante o período da intervenção da troika, expressas no formato jornalístico ‘análise ou inquérito’. As medidas implementadas pela troika interferiam na vida das pessoas, e tornava-se necessário explicar às pessoas o impacto das mesmas nas suas vidas:

As medidas tratavam de cortes e direitos que as pessoas tinham adquirido e havia um interesse acrescido pela informação sobre como é que as medidas as iriam afetar tanto do ponto vista pessoal como profissional. O jornal de economia tinha muito esse papel de explicar, mensalmente, em que aspeto as medidas podiam refletir-se nas suas vidas pessoais, e na vida em geral de cada uma das pessoas (Oliveira, comunicação pessoal, 26 de novembro, 2016).

O jornalismo económico em Portugal ganhou um grande peso com a crise económica e financeira. Para Tiago Freire - na altura subdiretor do Diário Económico - existiu um antes e um depois da falência do Lehman Brothers em 2008 para o jornalismo económico no sentido em que “há um maior interesse por parte dos leitores por temas económicos. Os cidadãos procuraram mais informação especializada, e tanto os jornais generalistas como as televisões e as rádios, passaram a tratar de temas que não eram normalmente abordados. Passaram a falar em termos que antes não eram ouvidos tão frequentemente como “rácio da dívida pública sobre o PIB (Produto Interno Bruto), termos demasiado esotéricos, demasiado herméticos que as pessoas não tinham interesse” (Freire, comunicação pessoal, 28 de julho, 2015).

As mudanças editoriais foram visíveis ao nível do formato jornalístico ‘Perguntas & Respostas’ (P&R) em que foi recorrente o uso de glossários, simuladores, explicadores (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015; Freire, comunicação pessoal, 28 de julho, 2015). Este formato complementou a notícia ao longo do período da troika. Para Catarina Duarte do Diário Económico existiram muitos pontos de leitura na forma de “perguntas frequentes” ou “explicadores” quando os assuntos eram mais técnicos. Este formato tinha como objetivo sistematizar a informação porque “está provado que quando uma pessoa abre o jornal, e a mancha de texto é enorme, a sua atenção dispersa” (Duarte, comunicação pessoal, 3 de novembro, 2016).

Para Marta Moitinho Oliveira, o formato jornalístico ‘Perguntas & Respostas’ (P&R) passou a ser utilizado de forma muito frequente no período da troika porque “as medidas eram muitas, em muitas áreas, e depois elas iam mudando, iam surgindo outras novas, e não era suposto haver mais medidas, mas afinal tinha que haver mais medidas, e, portanto, justificava-se muito a utilização desse formato que passou a ser muito utilizado” (Oliveira, comunicação pessoal, 3 de novembro, 2016). Para Rui Peres Jorge do Jornal de Negócios “as peças com a designação ‘Perguntas & Respostas’ (P&R), ‘saiba quais são’, ‘ideias-chave’, ‘o que muda’ etc., são peças com formatos complementares ao género informativo (notícia), que podem também aparecer em outros géneros” (Jorge, comunicação pessoal, 7 de novembro, 2016). O jornalista assume que as pessoas hoje se interessam cada vez mais por temas económicos. Isso foi notório no período da intervenção da troika quando “de repente ouvimos pessoas falar com algum conhecimento sobre agências de rating que é uma coisa que há seis anos atrás era bastante “esotérico” e agora discutimos, se somos lixo, se não somos lixo” (Jorge, comunicação pessoal, 7 de novembro, 2016). Atualmente, as preocupações quotidianas das pessoas passam muito pelas questões económicas e estão presentes, por exemplo, em questões como “se os bancos estão seguros, não estão seguros, é mais rentável ou mais arriscado pôr dinheiro em fundos de investimento, pôr dinheiro em ações, quais são os cuidados que temos que ter com isso” (Jorge, comunicação pessoal, 7 de novembro, 2016). E o Jornal de Negócios no período da crise económica e no contexto da intervenção da troika, recorreu muito a formatos explicativos para ajudar as pessoas a fazer opções mais seguras. A mesma importância por este tipo de formato foi partilhada por Francisco Ferreira da Silva, então subdiretor do Diário Económico, “porque ajuda o leitor a perceber do que é que estamos a falar, e torna a leitura mais fácil em vez de seguir tudo num encadeado da mesma notícia” (Silva, comunicação pessoal, 25 de outubro, 2016). A notícia apresentada no formato jornalístico explicativo, está, normalmente, relacionada com a notícia principal, não sendo necessário fazer referência à fonte que já aparece mencionada no texto da notícia principal. Esse formato de peça faz parte do esforço que o jornalismo económico português tem vindo a fazer nos últimos anos, de ir ao encontro das necessidades das pessoas, de conquistar e alargar o leque do público/leitor (Miranda, comunicação pessoal, 17 de novembro, 2016). Helena Garrido, reforçou a dimensão que o formato jornalístico ‘Perguntas & Respostas’ (P&R) ganhou no período da intervenção da troika (ver tabela 2). Por exemplo, “o formato ‘Perguntas & Respostas’ (P&R), o ‘saiba tudo’, ou as ‘dez principais mudanças’, é uma forma de organizar a informação de forma sistematizada que passou a afirmar-se bastante nesta fase da troika” (Garrido, comunicação pessoal, 17 de julho, 2015).

Assim, paralelamente ao género jornalístico notícia que predominou no contexto das avaliações da troika, tanto no Jornal de Negócios como no Diário Económico, houve necessidade de recorrer em alguns momentos às peças mais explicativas para aprofundar alguns tópicos sobre a notícia principal relativamente às medidas a implementar ou sobre medidas adicionais, embora no caso do Diário Económico o jornal optasse por complementar, esclarecer, aprofundar ou sistematizar alguns elementos da notícia principal, por vezes no formato de ‘caixas’, ou em ‘colunas/breves’. Para Catarina Duarte “a ideia era sempre simplificar, desconstruir, não partir do princípio que o meu leitor sabe e que tenho de escrever para ele de uma forma diferente” (Duarte, comunicação pessoal, 3 de novembro, 2016).

Tabela 2 Formatos identificados nos jornais económicos - Jornal de Negócios e Diário Económico no período da crise económica e financeira 

Fonte: Conceção própria a partir das entrevistas realizadas

Conclusões

O fenómeno da crise económica e financeira começou a ganhar visibilidade mediática em 2008 e a provocar mudanças nas práticas e rotinas dos jornalistas da área da economia, das empresas e das finanças, obrigando-os a adotar uma linguagem mais universal ajustada à complexidade dos temas abordados, e a uma logística de produção jornalística que teve de ir ao encontro das expectativas de um público massificado, diversificado e menos segmentado. Reconheceu-se, desde então, que houve alterações na forma de fazer jornalismo económico assim que começou a crise, em que o Jornal de Negócios e o Diário Económico começaram a fazer peças complementares com formatos direcionados para o esclarecimento e/ou aprofundamentos das questões económicas. Face ao volume de informação a tratar e à complexidade dos temas, os jornalistas da área económica adotaram diferentes estratégias no tratamento e apresentação das notícias de modo a refletir de uma forma simples, mas ao mesmo tempo esclarecedora, o que se estava a passar na economia, e procurar responder aos anseios e inquietações dos cidadãos, empresas e instituições.

No final de 2009 e início de 2010, surgem os primeiros sinais da crise das dívidas soberanas. No Jornal de Negócios, o impacto que a crise começou a ter em termos de conteúdo editorial foi numa primeira fase procurar responder às preocupações das pessoas relativamente à segurança dos bancos cabendo ao jornal o papel de mediador entre as preocupações das pessoas e o próprio sistema financeiro. Este papel de mediador foi reforçado no período entre 2011 e 2014, porque embora os jornais económicos estivessem muito dependentes das fontes oficiais no período da intervenção da troika (Lobo, 2019, p. 290) ocorreu no jornalismo económico uma mudança nas rotinas e nos conteúdos editoriais, que impuseram novas dinâmicas e novas práticas que não eram utilizadas até então, para tornar os conteúdos mais entendíveis. O interesse acrescido dos temas económicos e da economia por parte dos cidadãos comuns, porque tudo o que aconteceu no período da troika afetava as suas vidas de forma direta, levou a que os jornais económicos tivessem sido os grandes intermediários na explicação das medidas constantes do Programa de Ajustamento Português (PAEF), o que fez que com que o jornalismo económico ascendesse a um patamar superior e ganhasse um peso que, até à intervenção da troika, não tinha (Lobo, 2019, p. 291). O jornalismo económico ganhou um novo impulso neste período sobretudo devido à vertente prática que adotou, de um jornalismo de tipo útil - news to use -, que quase não existia em Portugal, mas que já era muito usado nos EUA. As peças noticiosas das avaliações ocuparam páginas inteiras nos jornais e foram complementadas com peças de cariz explicativo/complementar e/ou de sistematização - formato ‘análise ou inquérito’ e ‘Perguntas & Respostas’ (P&R). Antes do período da intervenção da troika, os jornais económicos dirigiam-se a um público muito específico e especializado, mas com a intervenção os jornalistas viram-se confrontados com a necessidade de chegar a um público mais alargado, menos segmentado, mais diversificado que obrigou a mudanças editoriais, não só na ‘forma’ como nos ‘conteúdos’ que foram apresentados (recorrendo a formatos jornalísticos explicativos), mas também a mudanças ao nível da linguagem utilizada, empreendendo um tipo mais acessível, substituindo os termos técnicos - o chamado “economês” - por termos mais simples que tornassem mais fácil perceber as relações de causa e efeito das medidas ao longo do PAEF. A linguagem afastou-se cada vez mais de um estilo hermético e técnico, passando a aproximar-se mais à do jornalismo generalista, permeável a uma linguagem de fácil entendimento por parte do cidadão comum. Isto, porque, no jornalismo económico no contexto da intervenção da troika, houve uma maior preocupação em ajudar as pessoas a compreender a economia, a tomar melhor decisões no campo pessoal e profissional, e daí uma maior preocupação pela descodificação dos assuntos e simplificação da linguagem.

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Recebido: 30 de Setembro de 2000; Aceito: 10 de Março de 2021

Mafalda Lobo é doutorada em Estudos de Comunicação: Tecnologia, Cultura e Sociedade na especialidade de jornalismo pela Universidade do Minho e investigadora integrada do Instituto de Comunicação da Nova (ICNOVA) e investigadora do CECS (UMinho) na área dos media, jornalismo, política e comunicação política. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4056-3767 Ciência Vitae: https://www.cienciavitae.pt/D013-6000-7812 E-mail: mafalobopereira@gmail.com Endereço Institucional: Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Comunicação da Nova, Av. De Berna, 26 C - Lisboa 069-061, Portugal

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