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Media & Jornalismo

versión impresa ISSN 1645-5681versión On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.21 no.38 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

https://doi.org/10.14195/2183-5462_38_15 

Recensões

Recensão: HATE: why we should resist it with free speech, not censorship.

1 Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Portugal. pedro_am_martins@hotmail.co.uk

Strossen, N.. (, 2018. )., HATE: why we should resist it with free speech, not censorship. ., Oxford University Press, .


Em 2020, apesar da pandemia do Covid-19, a “cultura do cancelamento” domina as agendas mediáticas de muitas publicações. Muitos activistas mostram-se revoltados perante declarações que consideram preconceituosas e decidem apelar à sua supressão. Contudo, esta “intolerância com os intolerantes” (Popper, 2013) levanta objecções de diversas personalidades. No dia 7 de Julho, a revista mensal norte-americana Harper’s Magazine acabava de publicar uma “Carta pela Justiça e pelo Debate livre”. Os seus diversos signatários afirmavam a sua oposição à cultura do cancelamento e à intolerância de opiniões divergentes. Para estes 153 intelectuais, a resposta ao denominado “discurso de ódio”, i.e., a “todas as formas de expressão que espalhem, incitem, promovam ou justifiquem o ódio baseado na intolerância”, estaria no contra-discurso, i.e., em “qualquer discurso que rebata ou responda a um discurso com uma mensagem com a qual o emissor discorde” (Strossen, 2018). A mesma premissa de defesa “do valor do contradiscurso robusto e até cáustico” já havia sido apresentada dois anos antes por uma das personalidade envolvidas, a antiga presidente da American Civil Liberties Union (ACLU), Nadine Strossen.

Na sua obra mais recente, “HATE: Why We Should Resist it With Free Speech, Not Censorship”, a professora de Direito Constitucional da New York Law School aponta para o contradiscurso como uma forma “muito mais efectiva” de combate ao discurso intolerante “que as leis anti-discurso de ódio”.

Strossen vê nas leis proibidoras do discurso de ódio uma forma de controlo da liberdade de expressão, direito cuja essencialidade defende contra qualquer tipo de restrição. Enquanto “um dos pilares do Estado Democrático de Direito” (Rizato Júnior e Rosa, 2016), este direito fundamental estende a sua protecção à capacidade para expressar “o tipo de pensamento que odiamos” (Strossen, 2018). No mesmo sentido, o seu constrangimento com vista a controlar os extremismos pode facilmente resvalar para “uma nova censura”, passível de capacitar os poderes públicos para “punir outros tipos de discurso que expressem opiniões desfavoráveis”, além de representar um sinal de “falta de confiança na liberdade e na democracia” (Strossen, 2018).

No entanto, diversas vozes se levantam apontando para o exemplo máximo do preconceito: a regime nazi que governou a Alemanha de 1933 a 1945. Quanto sofrimento não teria sido poupado se a República de Weimar tivesse um corpus legislativo condenador do discurso de ódio? Tendo em conta os “mais de 200 processos por discurso antissemita” interpostos nos seus tribunais, podemos ver que “a Alemanha pré-hitleriana tinha leis anti-discurso de ódio” muito semelhantes às actuais. (Borovoy, 1988). Serão ignoráveis “as penas de prisão até três anos” por insulto às comunidades religiosas e de dois anos por calúnia ou difamação, pelas quais Julius Streicher, o director do jornal próximo do Partido Nacional-Socialista, o Der Stürmer, foi condenado mais do que uma vez? Serão ignoráveis as “36 ocasiões” nas quais o mesmo jornal “foi confiscado ou os seus editores levados a tribunal” (Rose, 2010)? Na realidade, estes processos apenas serviram para “Streicher se apresentar como um mártir e uma vítima”, granjeando “um apoio cada vez maior”. O mesmo não teria sido possível se “as suas falas racistas tivessem sido feitas num clima de debate livre e aberto” (Rose, 2010).

Mas o “efeito boomerang” e o “efeito fruto proibido” dos processos judiciais contra o discurso de ódio (Strossen, 2018) não são as únicas marcas de ineficiência que a antiga presidente da ACLU aponta às leis dele proibidoras. Além de “aumentar o desejo da audiência para adquirir” esse material discursivo e de “a tornar mais recetiva a ele”, a condenação oficial de falas discriminatórias pode tornar a sua identificação mais difícil. A dificuldade em saber se todos os elementos afectados por essa fala “se sentiram individualmente visados” (Machado, 2007) e a “definição vaga e demasiado ampla do conceito de discurso de ódio” (Strossen, 2018) são acompanhadas pela adopção do “discurso codificado”, camuflando opiniões preconceituosas “através de uma retórica mais subtil” ou da sua expressão fora do olhar público, como é o caso da sua utilização anónima nas redes sociais. Sendo proferido de forma camuflada ou oculta, o discurso de ódio torna-se mais difícil de identificar, criando também obstáculos à identificação de quem o profere e das raízes para a sua utilização.

A ineficiência das leis supramencionadas pode ainda ser vista na ausência de “impactos positivos em termos de redução da discriminação” por parte dos países que as adoptaram (Strossen, 2018). O próprio Parlamento Europeu reconheceu, numa moção aprovada a 6 de Março de 2013, que o racismo e a xenofobia se encontravam em crescimento, apesar da legislação anti-discurso discriminatório. A realidade é que esta legislação, por si só, “não promove a igualdade de forma efectiva” (Strossen, 2018).

Nadine Strossen segue as recomendações das Nações Unidas sobre o combate ao ódio nacional, racial e religioso, ao propor “mais discurso como resposta estratégica ao discurso de ódio, promovendo a diversidade, dando voz às minorias e fortalecendo-as”, com vista a conseguir mudar “aquilo que os indivíduos pensam e não apenas aquilo que fazem”. Esta mudança de pensamento poderia ser alcançada não apenas através do debate, mas também através do protesto, do humor, ou do silêncio, com vista a não dar publicidade aos interlocutores de discurso odioso. Contudo, deve frisar-se que não interagir com estes interlocutores nunca deve equivaler a silenciá-los. Sobretudo porque a exposição a falas odiosas é vantajosa quer para uma melhor utilização das diversas formas de contradiscurso, quer para o fortalecimento pessoal dos próprios indivíduos afectados.

Como dizia Nelson Mandela, “se podemos ser ensinados a odiar, também podemos ser ensinados a amar”. É no sentido de ensinarmos quem odeia a aprender a amar que devemos interagir com eles e mostrar-lhes um novo caminho. Citando as palavras com as quais Strossen acaba o seu livro, “devemos todos exercer o mais essencial de todos os direitos, para promover esta causa vital: o direito a não ficar calado”.

Referências bibliográficas

Borovoy, A. A. (1988). When Freedoms Collide: The Case for Our Civil Liberties. Lester & Orpen Dennys. [ Links ]

Machado, J. (2002). Liberdade de Expressão: Dimensões Constitucionais na Esfera Pública do Sistema Social. Coimbra Editora. [ Links ]

Popper, K. (2013). The Open Society and Its Enemies: New One-Volume Edition. Princeton University Press. [ Links ]

Rizato Júnior, W. A. e Rosa, A.R. (2016). Liberdade de Expressão em John Locke. Revista de Teorias da Democracia e Direitos Políticos, 2 (1), 230 - 248. http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2525-9660/2016.v2i1.1114 [ Links ]

Rose, F. (2010). The Tyranny of Silence. Cato Institute. [ Links ]

Strossen, N. (2018). HATE: Why We Should Resist it With Free Speech, Not Censorship. Oxford University Press. [ Links ]

Recebido: 21 de Agosto de 2020; Aceito: 07 de Janeiro de 2021

Pedro Maia Martins é Mestrando em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi o último editor de País e Mundo do Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra. Colabora neste no momento com a Vila Nova Online e a Revista Bica. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6347-9985 Morada institucional: Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Departamento de Filosofia, Comunicação e Informação. Departamento de Filosofia, Comunicação e Informação. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Largo da Porta Férrea. 3004-530 Coimbra

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