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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.21 no.39 Lisboa dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.14195/2183-5462_39_7 

Artigo

Infografia digital: O género jornalístico que emergiu do trauma para prenunciar o rumo de uma nova cultura visual mediática

Digital infographics: The journalistic genre that emerged from trauma to foreshadow the course of a new visual culture for the media

Assunção Gonçalves Duarte1 
http://orcid.org/0000-0002-8231-3945

1 Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Instituto de Comunicação da NOVA ICNOVA, Portugal. assuncaoduarte@campus.fcsh.unl.pt


Resumo

Os ataques terroristas do dia 11 de setembro de 2001 nos EUA são apontados por jornalistas e infografistas como o evento propulsor para a emergência da infografia digital enquanto género jornalístico do início do século XXI. Este artigo reflete sobre as circunstâncias dessa emergência e procura identificar o seu impacto no género, no jornalismo e nas audiências, recém chegados ao mundo digital. É analisado um curto período da história recente do jornalismo digital (2001-2002), que se revelou transversal aos diferentes países do mundo ocidental, inclusive Portugal. Esta reflexão emana do projeto de investigação (PTDC/COM-JOR/28144/2017), desenvolvido no ICNOVA, com o objetivo de traçar a história da Infografia Digital em Portugal nas duas primeiras décadas deste século. Para tal foi feito o mapeamento de trabalhos infográficos digitais identificados como inovadores em dois certames que premeiam o género (os Obciber e os Malofiej), foi feita uma análise a trabalhos não incluídos no certame, mas produzidos pelos jornais considerados à época como os mais inovadores no meio digital, e foram ainda realizadas várias entrevistas a infografistas e editores online nacionais que testemunharam o percurso evolutivo deste género.

Este artigo em particular, analisa seis trabalhos de infografia digital produzidos entre 2001 e 2002 sobre os atentados do 11 de setembro, por dois dos jornais mais premiados nos Malofiej nos anos iniciais da infografia digital: o elmundo.es e o nytimes.com. Para a realidade nacional, foi escolhido um trabalho sobre o tema, publicado pelo jornal português que mais cedo introduziu o género na sua versão online: o publico.pt.

Os resultados indicam que as circunstâncias do nascimento da infografia digital jornalística, sob a pressão do primeiro evento traumático de repercussão global da Era Internet, deixaram marcas profundas na história das primeiras experiências de produção de conteúdo visual original para a web. Essas circunstâncias determinaram as sinergias que mais tarde abriram caminho para as formas multimédia, cross-media e transmedia do jornalismo digital e são um testemunho claro de um processo de mediatização da história que colocou pela primeira vez a internet lado a lado com os atores principais habituais (TV, rádio e jornais). Foi o impacto, emocional e político, à escala global do evento do 11 de setembro de 2001 que garantiu que jornalistas e audiências reconhecessem a internet como meio de comunicação social informativo de pleno direito e coube à infografia em versão digital dinâmica e interativa ser um agente privilegiado desse reconhecimento, o que lhe garantiu, ainda que temporariamente, o título de formato bandeira para um jornalismo em busca do seu papel principal no novo meio.

Palavras-chave: infografia; história; jornalismo; narrativa digital; ataques 11 de setembro

Abstract

For most journalists and infographic designers, the 11 September Attacks in the USA are the pivotal moment for the emergence of digital infographics as a journalistic genre in the beginning of the 21st century. This article reflects on the circumstances of this moment and seeks to identify its impact on the evolution of infographics, journalism and audiences, all newly arrived in the digital world. For this paper, we analysed a short period in the recent history of digital journalism (2001-2002), which portraits a common history between Western world countries, including Portugal. This investigation come from a broader research project (PTDC/COM-JOR/28144/2017), which aims to draw the history of Portuguese Digital Infographics in the first two decades of this century, and also shares its scientific method: content analysis of digital infographics examples identified in two events that reward the genre (Obciber and Malofiej), digital infographics analysis outside the event when produced by the newspapers considered as the most innovative in the digital environment at the time, and interviews with Portuguese infographic designers and online editors who witnessed the genre evolution.

This paper focuses on 5 digital infographics reporting the September 11 Attacks events. They were created between 2001 and 2002 by two of the most awarded newspapers in Malofiej awards for the early years of digital infographics: elmundo. es and the nytimes.com. To represent portuguese reality, it was chosen a digital infographic published by the first portuguese newspaper that introduced the genre in its online version: publico.pt.

The results of this investigation highlight the birth of journalistic digital infographics framework - under the pressure of the first traumatic event of global repercussions in the Internet Era - as the definition engine which deeply marked itself in the history of the first experiences producing original visual content for the web, inside and outside journalism. These circumstances set the synergies that later paved the way for the rise of multimedia, cross-media and transmedia forms in visual digital narratives for journalism and are a clear testimony to a process of history mediatization that, for the first time, placed the internet side by side with the usual main actors (Tv, radio and newspapers). It was the emotional and political impact in a global scale of the September 11 Attacks that made journalists and audiences recognize the web as a fully-fledged informative social communication medium. Infographics in its digital version - dynamic and interactive - was the privileged agent of this recognition, ensuring to itself, albeit temporarily, the flagship role for a journalism in search of its main role in the new medium.

Keywords: infographics; history; journalism; digital narrative; September 11 Attacks

Pone los pelos de punta recordar cómo se tomaron algunas decisiones esa tarde. Recordar cómo redactores que habían llegado a las siete de la mañana seguían allí al filo de la medianoche y volvieron a la mañana siguiente a las siete y así un día tras otro. No sólo no decían nada; se peleaban por estar allí (Mas, 2011). Fernando Mas - subdiretor do elmundo.es na altura

11 de setembro de 2001: o primeiro evento mediático de repercussão global da Era Internet deixou marcas no jornalismo

Na manhã do dia 11 de setembro de 2001 ocorreu o maior atentado terrorista em território americano de que há memória1. Quase três mil pessoas morreram e o mundo não voltou a ser o mesmo. O tempo decorrido desde que o ataque foi detetado, com o primeiro embate de um avião sequestrado numa das Torres Gémeas do World Trade Center (WTC) de Nova Iorque - em pleno coração de uma das mais emblemáticas cidades da cultura ocidental - até ao momento em que outro avião atingiu o complexo, foi mais que suficiente para que a segunda colisão fosse transmitida em direto pelas televisões de todo o mundo.

A cobertura dos média nas 24 horas que se seguiram foi feita com ardor e diligência por televisões e rádios, com diretos e atualizações permanentes, e nas edições especiais dos jornais do dia seguinte. Mas o que aconteceu durante essas 24 horas, revelou que o impacto de um evento desta envergadura, transmitido à escala global, despertou uma necessidade de informação que foi muito além da que os média tradicionais eram capazes de satisfazer. Foi aí que a internet, ainda nos seus primórdios, revelou pela primeira vez todo o seu potencial como meio de informação.

Segundo notícias da época, os principais sites noticiosos internacionais “entupiram” depois dos embates dos aviões no WTC (Reuters, 2002) e os grandes portais americanos de então (AOL Time Warner, Microsoft e Yahoo!) registaram um aumento record nos seus acessos (SapoTek, 2002). Uma das maiores empresas americanas de estudos de audiências na web da época, a Jupiter Media Metrix, confirmou que cerca de metade dos utilizadores de internet nesse dia o faziam, pela primeira vez na história do novo meio, em busca de sites de informação. Por exemplo, o site da CNN registou um aumento nos acessos de 141% em relação ao mês anterior desse mesmo ano e os outros sites informativos não ficaram atrás (Público, 2001). O que explica esta procura de notícias extra quando os canais de televisão e as emissoras de rádio transmitiam informação permanente, com diretos e atualizações constantes, numa plena abundância de imagens e vídeo recolhidos localmente e transmitidos sem aparente censura?

Quem testemunhou o evento, independentemente da sua história pessoal ter estado ligada às vítimas americanas, viveu como seu o clima de tensão e o sentimento de vulnerabilidade que emergiram do ataque. Enquanto o vídeo e a fotografia transmitidos non stop pelas televisões saturavam emocionalmente as notícias sobre o acontecimento, acentuando o trauma e a confusão, incapacitando a compreensão e a chegada a um explicação racional sobre o que tinha e estava acontecer, a internet surgiu como um agente distanciador, capaz de oferecer o que os outros meios não ofereciam: o acesso ao email e à consequente comunicação em tempo real entre pessoas para comentar e expressar o que sentiam (o email revelou-se nesses dias o principal meio de contacto); a criação imediata de sites onde era possível colocar mensagens de pesar, divulgar listas de desaparecidos ou de vítimas confirmadas e despistar informação falsa gerada pelo pânico; a articulação entre o site noticioso e os recém-criados sites de apoio às vítimas, com recolha de donativos2; e a promoção do computador a suporte privilegiado onde tudo se desenrolava, inclusive no local de trabalho, sem ninguém ter de parar para olhar para um ecrã de TV.

No conteúdo informativo jornalístico online surgiram duas novidades que os meios tradicionais não conseguiam oferecer tão eficazmente: uma atualização ao minuto, independente dos horários dos telejornais ou das edições impressas do dia seguinte e, a grande inovação, o acesso a informação não linear, num formato hipertextual, capaz de ser gerido por quem lê. Atualizar-se com as notícias online dependia apenas da vontade de clicar num site noticioso, da escolha entre ouvir ou ver algo novo, ou rever informação repetida, ou de aceder às novas narrativas visuais interativas (infografia digital) onde era possível gerir o conteúdo, à medida da curiosidade e da disponibilidade de cada utilizador. E, não menos relevante, era possível fazer tudo isto de forma gratuita.

É neste contexto que surgem as narrativas da infografia interativa e animada que permitem visualizar o “invisualizável” e responder à necessidade de explicações racionais sobre acontecimentos tão marcantes e dramáticos.

We didn’t really knew what we were doing at the time, but it was great to be able to take some chances and see what could work (Cairo, 2016). Alberto Cairo infografista do elmundo.es na altura

O mundo parou, mas o jornalismo digital despertou

Enquanto o mundo parava para ver as Torres Gémeas desfazerem-se em cinza, o jornalismo digital acelerava vertiginosamente, definindo nessas 24 horas muitas das características que iriam marcar o seu futuro a nível internacional. A forma como os jornais recém-chegados ao novo meio se adaptaram - criando versões mais simplificadas das suas páginas sobrecarregadas de acessos; utilizando janelas pop-up que garantiam ao visitante acompanhar a visualização dos diretos em vídeo ao mesmo tempo que podia ler ou ver outras notícias; mostrando que conseguiam manter atualizações ao minuto com conteúdos diferenciados dos apresentados pela TV, o meio por excelência da cobertura do 11 de setembro (SapoTek, 2002) - revelou ao mundo um jornalismo capaz de encontrar um lugar de destaque no novo medium. Esse período pronunciou quais seriam as características mais atrativas e diferenciadoras do jornalismo digital: a oferta de informação gratuita, geograficamente transversal, acessível em qualquer parte do mundo, atualizada ao minuto, marcada por uma visualidade apelativa e capaz de integrar a participação de quem vê através do comentário, da interação, da apropriação ou da partilha.

Com o 11 de setembro de 2001, os recursos que a internet começara a oferecer no final da década de 90 do século XX ganharam credibilidade para o jornalismo e para as audiências, que se apercebem pela primeira vez do que significa um fenómeno de informação globalizada no novo meio. Foi como se a Internet atingisse a sua maioridade (Salvaguerria, 2003).

Emociona recordar cómo se transformó la página de elmundo.es: tan sólo permanecieron la cabecera y el cuerpo central de información. Nada más. El resto (entonces la navegación era vertical y en la derecha había un hueco destinado a promociones y poco más) quedó en blanco. Todo se improvisó. Todo se fue construyendo a medida que se sucedían los hechos (Mas, 2011). Fernando Mas - subdiretor do elmundo.es na altura

A infografia digital destacou-se no conteúdo criado de raiz para a web

É neste momento revolucionário para o jornalismo online que surgiu a infografia digital para viver a sua golden age entre 2002 e 2004-6, uma época em que o género rimava com inovação, capacidade técnica e competência tecnológica. É relevante lembrar que a infografia digital já existia na internet desde que, em finais dos anos 90 do século XX, se começaram a fazer as primeiras experiências com o novo meio3. Mas, para o jornalismo, o formato parecia prometer algo que ainda ninguém sabia bem o que poderia ser. Com os ataques do 11 de setembro a sua função ficou clara. Dados sobre a velocidade dos aviões, mapas das rotas percorridas pelos terroristas, animações com o movimento dos bombeiros e das pessoas no interior dos edifícios, tudo o que se escondia atrás da nuvem de fumo filmada, fotografada e exibida até à exaustão, estava agora visível à distância de um clique. A infografia apresentava, como já o fazia no papel, uma análise lógica e construtiva de um evento complexo, mas que podia agora ser gerida pelo visualizador-leitor promovido a utilizador, capaz de dosear um conteúdo traumático, apaziguando a tensão e a vulnerabilidade que as fotografias e o vídeo avivavam.

Metodologia

Os primeiros trabalhos de infografia digital estão perdidos na amnésia digital

A investigação sobre a emergência da infografia digital encontra sérias dificuldades na visualização dos trabalhos infográficos digitais, produzidos e divulgados entre 2000 e 2006-2008. Socorremo-nos dos certames Malofiej e Obciber4 para identificar os trabalhos premiados como inovadores entre pares, mas existem diversas falhas de arquivo, principalmente nas edições mais antigas dos Malofiej, as mais relevantes para este artigo. Existem algumas listas de trabalhos premiados e medalhados omissas e, mesmo quando o trabalho aparece identificado, só alguns dos mais antigos continuam ainda hoje acessíveis online. Os links nos sites oficiais dos dois certames direcionam frequentemente para páginas dos media premiados que já não existem, que dão erro no servidor, ou que abrem a branco o local onde a infografia digital terá sido publicada. Em diversas infografias sobrevive apenas um excerto do texto original ou uma imagem estática, onde todos os conteúdos dinâmicos, de animação ou de interação exploratória, estão perdidos. O mesmo aconteceu na pesquisa feita no arquivo.pt ou no internet archive.org5 e nos próprios media premiados cujo arquivo é deficitário nos primeiros anos de entrada no mundo digital.

Existem algumas justificações compreensíveis para que este arquivo seja omisso. Estão diretamente relacionadas com o período tumultuoso vivido pelos jornais nesses anos de adaptação ao novo meio, onde a preocupação estava centrada no “criar conteúdo” e não no “preservar conteúdo”, um conteúdo que ainda não se sabia muito bem como gerir. Mas a justificação mais determinante encontra-se na permanente evolução tecnológica que em pouco anos tornou obsoletas as versões mais antigas dos dispositivos de hardware (computadores, tablets e smartphones), obrigando a uma permanente migração para novos softwares de criação e visualização de conteúdo digital (linguagens de programação e edição, browsers e aplicações). Um exemplo emblemático desta situação ocorreu já no início de 2021, quando foi oficialmente descontinuada uma das ferramentas mais utilizadas a nível mundial pelos jornalistas e infografistas do início deste século. O desaparecimento do suporte ao software Flash da Adobe fez com que muitos dos trabalhos ainda acessíveis e visíveis online no início desta investigação, deixassem de o estar. Existem algumas soluções de recurso para conseguir uma visualização, ainda que deficiente, mas exigem competências informáticas.

Esses trabalhos, que vão ficando progressivamente perdidos, vivem hoje apenas na memória de quem os criou e premiou ou no arquivo avulso de alguns infografistas. Morrem numa amnésia digital que vai muito além do desaparecimento dos primeiros exemplares de infografia jornalística digital. Uma amnésia que prenuncia um progressivo apagamento da própria história da World Wide Web (Cádima, 2020).

Uma amostra figurativa de uma etapa histórica do jornalismo visual digital

Para este artigo conseguimos reunir uma amostra reduzida, mas representativa, do que terão sido os trabalhos mais inovadores produzidos em infografia digital durante o 11 de setembro. Escolhemos cinco trabalhos infográficos produzidos entre 2001 e 2002, encontrados através da pesquisa em arquivo.pt e internet archive.org e cruzados com links encontrados nos arquivos de cada um dos jornais que os produziram. Esses média foram selecionados por terem sido os jornais mais medalhados pelo seu desempenho na categoria de infografia digital no certamente internacional Malofiej (o nytimes.com e o elmundo.es). Até à data da conclusão deste artigo, por falhas no arquivo digital e dificuldades de acesso ao arquivo em papel do certame, não foi possível confirmar se as infografias desta amostra foram premiadas nos Malofiej. Sabemos que os jornais que os produziram receberam prémios nas edições de 2001 e 2002, mas não sabemos quais os trabalhos que foram premiados. Mas ao cruzar a informação da revisão da literatura de autores especializados em infografia e em história do ciberjornalismo (Cairo, Bastos) com as entrevistas feitas aos jornalistas e infografistas que à época trabalharam o formato (Mário Cameira, Vítor Higgs e Luís Taklin6), percebemos que as infografias selecionados para a amostra incluem diversas características consideradas inovadoras para os trabalhos criados nessa época. Incluímos na amostra um sexto trabalho publicado pelo jornal publico.pt nesse período. Apesar de em 2001 e 2002 o Público ainda não ter sido premiado pela sua infografia digital nos Malofiej, a escolha deve-se ao facto deste jornal ter sido o primeiro título nacional a publicar infografia digital original em 2002, e também dos primeiros que, à data do 11 de setembro de 2001, já publicavam infografia importada e adaptada à realidade nacional. É também um dos primeiros jornais nacionais a abraçar o novo género e a ser, anos mais tarde (em 2014), o primeiro jornal português a receber uma medalha nos prémios Malofiej por um trabalho de infografia digital.

Esta amostra reduzida foi ainda integrada na amostra de 59 trabalhos, analisada na investigação sobre a História da Infografia Digital em Portugal, e que serviu como guia de referenciação para situar o momento de análise (2001-2002) na trajetória de evolução traçada pelo género nas duas primeiras décadas deste século.

nytimes.pt, elmundo.es e publico.pt: o 11 de setembro de 2001 na infografia

Os trabalhos analisados para este artigo representam o início da segunda fase do desenvolvimento histórico da infografia jornalística. (ver Figura 1)

Figura 1: As 4 fases da evolução histórica da infografia jornalística. Fonte: Elaboração própria sobre revisão da literatura (Cairo, Ribas, Manovich) 

A primeira fase da evolução histórica da infografia jornalística faz parte da história recente do jornalismo iconográfico mundial. Apesar de haver registos da sua existência esporádica na imprensa a partir do século XVIII, inclusive em Portugal7, a sua aceitação em larga escala como género jornalístico de pleno direito, teve início apenas no final dos anos 80 e início dos anos 90 do século XX, graças ao advento dos computadores de secretária (Macintosh) e dos seus softwares (MacDraw e Adobe Illustrator). A chegada dos computadores às redações permitiu ao jornalista-infografista ser independente dos artistas e dos processos gráficos tradicionais, já que podia assegurar no seu ecrã todas as etapas de produção de uma infografia impressa tradicional.

Com a mudança dos jornais para a internet (entre 1995 e 2000), através da transposição dos conteúdos das edições impressas para o novo meio na etapa shovelware do recém-criado ciberjornalismo (Bastos, 2015), a infografia, ainda no auge da sua popularidade recém-conquistada, acabou por participar também no processo de adaptação das redações ao novo potencial tecnológico. À medida que os utilizadores começavam a ter acesso à internet - primeiro no trabalho e mais tarde em casa - surgiu uma procura, ainda que residual, por notícias e informação no novo meio, o que levou as redações a iniciar experiências com as novas ferramentas de software disponibilizadas pela evolução das tecnologias de informação.

Sabemos que a partir de 1997 já era produzida alguma infografia digital a nível internacional (ler nota 3), mas foi a “tempestade perfeita” provocada nas redações pelos acontecimentos do 11 de setembro que fez os infografistas acelerar a fundo e abandonar o espaço familiar da infografia estática para inaugurar um novo formato digital, onde o grafismo animado utiliza o novo meio para criar novos recursos de linguagem e exibir o conteúdo informativo de forma interativa.

Nesta segunda fase evolutiva da infografia jornalística, marcada pelo protagonismo digital, mais do que oferecer-nos uma história visual pré-definida, a infografia digital inova ao tornar-nos capazes de criar a nossa própria história e conhecimento (Danziger, 2008). Nesses primeiros anos, a infografia é absorvida por designações abrangentes como “gráficos animados”, “infografia 2.0” (Cairo, 2008), infografia “animada” ou infografia “multimédia” (Ribas, 2004).

O tratamento infográfico dado ao evento do 11 de setembro de 2001 refletiu-se nos prémios atribuídos na 10.ª Edição dos Prémios Malofiej que teve lugar em 2002. Foi possível identificar e visualizar o trabalho vencedor da categoria Print desse ano, um dossier infográfico produzido pelo jornal NYTimes e dedicado exclusivamente ao tema dos ataques terroristas do 11 de setembro do ano anterior. (ver Figura 2)

Figura 2: O trabalho vencedor do prémio BEST OF SHOW na Categoria Digital da 10.ª edição dos Prémios Malofiej de 2002. Legenda: New York Times, Best coverage portfólio: “September 11TH Special” publicado em 2001 Fonte: Site SND-Malofiej 

Como já foi referido, até à data de conclusão deste artigo, não encontramos registos no arquivo de imagem do trabalho vencedor na categoria de infografia digital.

Dinamismo exploratório: a inovação introduzida pela infografia digital

A interatividade de uma infografia implica a possibilidade que é dada ao leitor-visualizador para se tornar utilizador, para modificar o caminho pré-definido da narrativa visual, quer seja através de um interface de navegação (botões, scroll, etc.) quando a infografia é digital, quer seja através do destacar, dobrar ou cortar partes de uma folha, quando a infografia é impressa. O grau de interatividade da infografia permite classificar os leitores-visualizadores-utilizadores como Passivos, quando não têm qualquer intervenção, ou Ativos, quando precisam de intervir e manipular de alguma forma a infografia para aceder ao seu conteúdo.

Na época dos ataques terroristas do 11 de setembro, poucas publicações faziam trabalho gráfico digital semelhante aos que analisamos neste artigo e, ao visualizarmos o trabalho publicado pelo nytimes.com, no dia 11 de setembro de 2001, percebemos como a infografia começou desde o início, a desenvolver um estilo original para a web. (ver Figuras 3 e 4)

Figura 3: Página do nytimes.com a 11 de setembro de 2001 atualizada às 6:58 PM. Legenda: No menu Multimedia desta página é possível encontrar um link de acesso para a infografia interativa que selecionamos para análise. Fonte: Site internet archive.org 

Figura 4: O trabalho de infografia selecionado do jornal digital nytimes.com. Legenda: Imagens dos diversos ecrãs disponibilizados pela infografia publicada pelo nytimes.com no dia 11 

Ainda que continue a ser utilizada para complementar o texto escrito, como na infografia impressa, este exemplo já apresenta um carácter autónomo na página e o menu de interação, no canto superior direito, permite ao leitor-visualizador-utilizador circular pelo conteúdo, detendo-se em cada ecrã o tempo que desejar, alheio a uma leitura cronológica imposta.

A infografia da Figura 4 parece associar imagens fotográficas sobre o evento ao conteúdo ilustrado. Não conseguimos saber que tipo de imagens poderiam estar visíveis, uma vez que já não estão disponíveis online, mas é significativo o facto do ecrã em que aparecem, precisar de um novo clique para ser exibido. Foi criado um espaço intermédio que serve de amortecedor entre a ilustração e a imagem que pensamos ter sido real, uma qualidade diferenciadora e apaziguadora face ao momento então vivido onde uma saturação de imagens chocantes proliferava nos diferentes meios jornalísticos. Nesta infografia já é possível detetar recursos que foram considerados inovadores nas edições dos dois anos seguintes no certame Malofiej: a valorizada da interação do tipo Exploratório (menus de navegação, clickON) que exigia ao utilizador níveis elevados de atenção e ação, e a valorização do registo pictográfico herdado da imprensa (Ilustração e Mapas) complexificado com visualizações e modelos (3D). Estas características também se encontram no trabalho infográfico publicado no jornal elmundo.es. (ver Figura 5 e 6)

Figura 5: Página do elmundo.es do dia 17 de setembro de 2001 atualizada às 1h42. Legenda: Esta página apresenta no menu Graficos um link de acesso para a infografia interativa que selecionámos para análise. Fonte: Site internet archive.org 

Figura 6: A infografia selecionada do jornal digital elmundo.es. Legenda: Imagens dos diversos ecrãs disponibilizados pela infografia disponível no elmundo. es no dia 17 de setembro de 2001, no menu Graficos sob o título “Las rutas de los aviones secuestrados”. Fonte: Site internet archive.org 

Neste exemplo detetamos alguma evolução nessas características inovadoras: a introdução da animação e do movimento que dão maior autonomia à imagem, o número de opções de navegação é mais alargado (menus e controlo NEXT e PREV) e a confirmação de uma entrada definitiva nas narrativas multimédia (a navegação na ilustração é complementada com fotografias reais).

A pesquisa feita às diferentes edições dos dois jornais publicados online no próprio dia dos ataques e no dia seguinte, permite perceber que este tipo de infografias foi criado com alguma regularidade e bastante rapidez. O trabalho apresentado da Figura 4 está datado para o próprio dia 11 de setembro e, no arquivo do elmundo. es, temos acesso a uma página datada desse mês, com um especial dedicado ao atentado, onde figuram vários tipos de infografias digitais criadas sobre o evento o que testemunha o empenho da redação em apostar no novo formato, independentemente da sua exigência a nível técnico (ver Figura 7).

Figura 7: Páginas do jornal digital elmundo.es disponibilizados durante os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001.  

Legenda: Infelizmente apenas conseguimos visualizar dois dos trabalhos disponibilizados nesta página. (ver Figura 8 e 9).

Figura 8: Infografia do jornal digital elmundo.es sobre o 11 de setembro de 2001 

Figura 9: Infografia do jornal digital elmundo.es sobre o 11 de setembro de 2001. Fonte: Arquivo do elmundo.es e internet archive.org 

O mesmo acontece com as páginas referentes às horas e dias imediatos ao ataque criadas pelo nytimes.com, onde podemos perceber que existiram mais links para trabalhos de infografia sobre o tema e que agora já não estão acessíveis. (ver Figura 10)

Figura 10: Páginas do jornal digital nytimes.com disponibilizadas nas 24 horas que se seguiram aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001 

É importante realçar que estas imagens dos ecrãs principais, das páginas das versões digitais destes dois jornais, demonstram uma atualização permanente ao longo das horas, oferecendo conteúdos escritos diversificados (notícias, links para sites de ajuda às vítimas, etc.), e a informação visual inovadora oferecida pela infografia. Uma exuberância de conteúdo que parece retirar qualquer protagonismo às edições impressas das versões em papel desses jornais publicadas no dia seguinte aos ataques. Quem acedeu regularmente ao site do NYtimes, durante todo o dia 11 de setembro, dificilmente se poderia surpreender, impressionar ou mesmo entusiasmar com a primeira página da sua versão em papel do dia 2 de setembro. (ver Figura 11)

Figura 11: Primeira página da edição impressa do NYTimes-12 de setembro de 2001. Fonte: Arquivo NYTimes 

O jornalismo português não passou ao lado desta revolução. Embora não tivesse tido o protagonismo destes dois jornais, introduziu atualizações constantes, comentários nos artigos, ligações para fóruns de discussão e também alguma infografia, mas estática. O Público foi dos primeiros jornais nacionais a incluir infografia digital animada no seu site durante os ataques. Para além da infografia estática criada para visualização no meio digital, incorporou também infografia animada, importada de jornais estrangeiros (neste caso do elmundo.es) adaptando-a ao contexto português. O trabalho analisado neste artigo é claramente um exemplo dessa situação. (ver Figura 12 e 13)

Figura 12: Página do publico.pt do 27 de novembro de 2001 atualizada às 22h38. Legenda: Esta página apresenta no menu Infografia um link de acesso para a infografia interativa que selecionámos para análise. Fonte: Arquivo.pt 

O recurso à importação e tradução ou adaptação dos trabalhos realizados em jornais inovadores internacionais acabou por se revelar uma boa opção estratégica para o jornal já que ajudou a criar competências na redação para a criação dos primeiros trabalhos originais.

Figura 13: A infografia selecionada do jornal digital publico.pt. Fonte: Arquivo.pt 

É o caso da infografia publicada em 2002, criada pelo infografista Mário Cameira, para assinalar a triste efeméride de um evento igualmente traumático que marcou a atualidade nacional: a queda da Ponte de Entre-os-Rios, que arrastou consigo várias viaturas, entre elas um autocarro de turismo, provocando vários mortos. (ver Figura 14) Esta é considerada a primeira infografia digital nacional. (Cardoso, 2010, Fidalgo, 2015, Cameira, 2019).

Figura 14: A primeira infografia digital produzida de raiz em Portugal. Legenda: Foi publicada pelo jornal publico.pt em 2002 sob o título: “Cronologia da Tragédia de Entre-os-Rios”. Fonte: Arquivo.pt 

Ainda que recorrendo de forma muito limitada às características inovadoras já aqui identificadas, a aposta pioneira feita com esta infografia granjeou ao publico.

pt a fama de órgão arrojado e moderno entre pares e audiência, com competências para manter o jornalismo nacional a par do que de melhor se fazia lá fora.

À medida que os acontecimentos do 11 de setembro foram alterando a forma de ver o mundo e de ver o novo meio web, a infografia digital sofreu uma evolução significativa nos meses que se seguiram, impulsionada pelo sucesso conseguido entre infografistas e audiências. Até ao ano seguinte, os trabalhos dedicados ao tema sucederam-se. Exploravam agora novos dados, “desenterrados” dos escombros do evento mediático: o número de objetos encontrados, as gravações das conversas telefónicas entre as vítimas e os seus familiares durante o ataque, informações detalhadas sobre os grupos de terroristas envolvidos no acontecimento e as ações do governo norte-americano para defender os EUA do terrorismo islâmico.

No exemplo encontrado no nytimes.com, que partilha o mesmo nome de um artigo em texto onde se contam as histórias das derradeiras conversas mantidas pelas vítimas via telemóvel (“102 MINUTES: Last Words at the Trade Center; Fighting to Live as the Towers Die”), podemos testemunhar uma clara evolução do género. (ver Figura 15)

A visualização animada dos modelos 3D, criados para mostrar o exterior e o interior das Torres Gémeas, é agora muito mais sofisticada do que nos trabalhos criados no próprio dia dos ataques. O mesmo acontece com a dinâmica utilizada para a abertura dos ecrãs e a forma como estes se sucedem durante a navegação, agora com um dinamismo mais fluído, garantido pela a animação de transição. É também notória a partilha mais acentuada do grafismo e da estética da cultura dos vídeo jogos.

Figura 15: Infografia publicada no jornal nytimes.com em Maio de 2002. Fonte: Internet archive.org 

O som incorporado da voz de vários jornalistas do NYtimes a descrever algumas das cenas animadas que aparecem no ecrã (facilmente ligado ou desligado pelo utilizador) e a personalização com as histórias e imagens das vítimas, são traços inovadores que vieram para ficar no género, como comprovam os trabalhos premiados na categoria digital dos Malofiej dos anos seguintes.

O destaque vai também para a interação do tipo exploratório (menus de navegação, clickON e jogo), cada vez mais user-friendly, que mostra já a tendência evolutiva para interações cada vez mais simples, imediatas e intuitivas (apoiadas apenas em ações de scrollDOWN, NEXT e PREV) que mais tarde vão garantir a transposição para o uso nos ecrãs dos tablets e dos telemóveis.

Uma adaptação ao trauma

A infografia digital produzida à pressão no dia dos atentados terroristas do 11 de setembro de 2001, na sua simplicidade e modesta qualidade gráfica, quando comparada com a atual, enquadra um paradoxo interessante. Na mesma medida em que já comunga das características globais da visualidade digital na web dos dias de hoje - habita um espaço fluído, esporádico e interrompível, onde cada participante poderá criar uma versão diferente para si do que vê, arriscando uma perda de conteúdo, de referência e promovendo a falha na atenção - ela conta com o fator novidade do meio onde se insere, para potenciar exatamente o oposto: a pausa, o foco da atenção e a capacidade de criar mnemónicas visuais intensas sobre os temas retratados. Ao focar-se no outro lado das imagens reais mostradas pela fotografia e pelo vídeo, ela criou memórias não traumáticas, promovidas por uma maior resistência visual proveniente do acesso fácil e repetível ao seu conteúdo.

Ela promoveu e enfatizou o processo temporal e permitiu revisitar o passado sob diferentes ângulos, mas de forma quase imediata através da visualidade. As memórias que ficaram não foram apenas as das imagens de vídeo com as torres a desfazerem-se em cinza. Foram também as imagens da infografia digital que ilustrou o momento. Não só marcaram a memória como também a futura cobertura de eventos do género. Desde o 11 de setembro tornou-se impensável deixar de recorrer à linguagem iconográfica desenvolvida naqueles meses nas redações dos jornais para cobrir eventos deste género. E, tal como já acontecia com a fotografia em que o poder da autenticação parece ser mais forte do que o da própria representação, a infografia digital criou um dinamismo próprio. Libertou-se do tempo e, numa amplitude mais abrangente do que a própria fotografia, garantiu uma autenticação do real representado, expondo a sua manipulação já que ela faz parte do próprio processo de autenticação do mesmo.

Outro fator interessante que podemos associar aos primórdios da infografia digital é o facto de existiram conteúdos para os quais ela parece ter estado mais naturalmente vocacionada nas primeiras fases do seu desenvolvimento histórico: os eventos traumáticos e complexos, com repercussão à escala global (nacional ou internacional). A situação do 11 de setembro repetiu-se com a invasão do Iraque em 2003 e com os ataques terroristas de Madrid em 2004. Em Portugal tivemos o caso particular da queda da Ponde de Entre-os-Rios, que iniciou o Público na produção original de infografia para o meio digital.

Digital technology stresses process and performance over product, malleability over closure. It allows us to reach back in time and change certain pictorial values and perspectives, permitting individual users to insert their own desires, needs, pleasures, and narratives into preexisting visual representations (Koepnick, 2004).

Infografia digital: um formato que mostrou bem cedo ser um produto genuíno do seu meio

Regressar ao passado com nova visualidade, cedo tornou a infografia digital o género certo para os temas intemporais e de revisitação histórica. O que acontecera na cultura visual mediática do final do século XX, que apostara na sobrecarga crescente da informação visual violenta via fotografia e vídeo, foi considerado um fracasso para o jornalismo visual na sua componente cívica. Ao contrário do que era inicialmente esperado, a exposição a esse tipo de visualidade, em vez de criar vínculos com as temáticas visadas, capazes de motivar uma ação conjunta para resolver as situações mais problemáticas, potenciou a indiferença e a desorientação face ao que poderia ser feito (Lipovetsky e Serroy, 2014). Mas a forma como o evento traumático do 11 de setembro foi trabalhado no novo meio, permitindo “ver sem ver”, em movimento, comentar, partilhar e articular um site informativo com sites de ajuda, apontaram um novo caminho a seguir na produção de informação. Neste sentido, podemos encarar o desenvolvimento do jornalismo digital garantido durante o 11 de setembro, como um desenvolvimento ocorrido na esfera do jornalismo cívico, onde a infografia digital contribuiu como narrativa positiva de penetração imediata, potenciadora de vínculos reais com os temas abordados, e capaz de orientar o cidadão para a tomada de decisões e ações conscientes e informadas.

Conclusão

Não tivesse acontecido o 11 de setembro de 2001 e as narrativas visuais do jornalismo online poderiam não ter enveredado pelo dinamismo da interação exploratória que exigia elevados níveis de atenção por parte dos leitores para se transformarem em utilizadores. Se não fossem as repercussões deste evento à escala global, as audiências talvez não tivessem tido interesse e paciência em explorar este tipo de notícias visuais que desafiavam as suas competências como novos utilizadores num meio ainda tecnologicamente imperfeito. Foram também as narrativas visuais do jornalismo, produzidas neste contexto, que potenciaram “vícios” de utilização para o novo meio: o acesso a conteúdo atrativo, descomplicado, gratuito e sempre capaz de entreter. Este curto período da história recente do mundo digital criou momentos robustos e altamente saudáveis para o jornalismo, mas também proporcionou outros menos brilhantes que levantaram o véu sobre um futuro mais negro que haveria de se abater sobre a indústria da informação. O jornalismo online deste período sofreu óbvias carências tecnológicas associadas ao novo suporte: falta de velocidade nas redes, fraca literacia mediática de jornalistas e audiências, e baixa taxa de utilizadores, já a adivinhar os problemas da futura exclusão digital. Sofreu também da imaturidade editorial para o meio e da primeira proliferação das notícias falsas, por via do fácil aparecimento de vozes paralelas com diferentes versões sobre a informação estabelecida. Mas o que a história do jornalismo pode recordar do dia 11 de setembro de 2001, é um enquadramento ideal, um equilíbrio perfeito entre a extrema atenção das primeiras audiências da internet, ávidas por saber e experimentar, e a extrema dedicação dos jornalistas infografistas para os quais, ainda hoje, este foi o momento que mudou para sempre a sua forma de fazer notícias.

Dele saíram formatos linguísticos novos, específicos da rede e plenamente jornalísticos, mas que marcaram igualmente o que viria a ser o futuro das narrativas visuais da cibercultura. A infografia digital assumiu-se como suporte e interface na exploração individual de uma história visual, marcando a experiência da audiência. Esta mudança também promoveu novos recursos iconográficos que se estenderam tanto ao jornalismo gráfico como ao jornalismo do texto, expressos na inúmera simbologia de navegação e personalização (play, explore, write comment, share, make a Gif, etc.) disponibilizada em maior ou menor quantidade pelos sites jornalísticos nacionais e internacionais. Apesar do esforço e da energia aplicados à criação de conteúdos jornalísticos originais para a internet ter claramente apostado na infografia digital, a crise e a indefinição vivida no jornalismo digital das primeiras décadas deste século, afetou o seu futuro como género. Sendo um formato de informação que exigia mais investimento na produção e no tempo, em momento de crise, teve de partilhar o protagonismo vivido nos primeiros anos com a experimentação de formatos mais eficientes financeiramente, como o podcast, os feeds, os vídeos ou as galerias de fotografias. Se para alguns a infografia digital foi um fracasso no novo meio, marcada apenas por uma breve história de brilhantismo, para outros ela continua a ser até hoje um dos géneros mais interessantes de comunicação de informação visual que emergiram do jornalismo online. Atualmente, a infografia digital considerada inovadora sobrevive nos formatos longform autónomos que marcam presença nos jornais que desde o início os adotaram, integrando cada vez mais as narrativas de reportagem multimédia, onde o leitor-visualizador-utilizador passou a fruidor, num conceito mais abrangente de slow journalism ou num espaço

intermédio que o transporta para os formatos mais recentes do storytelling jornalístico.

Referências bibliográficas

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Notas

1 O dia 11 de setembro de 2001 foi marcado por uma série de ataques suicidas ocorridos nos Estados Unidos. Dezanove terroristas, coordenados pela organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda, sequestraram quatro aviões comerciais de passageiros de companhias aéreas norte-americanas e fizeram-nos colidir intencionalmente, com todos os passageiros a bordo. Dois aviões colidiram com as Torres Gémeas do complexo empresarial do World Trade Center, no centro da cidade de Nova Iorque, um terceiro contra o edifício do Pentágono, na sede do Departamento de Defesa dos EUA, perto da cidade de Washington, e o quarto num campo aberto próximo de Shanksville, na Pensilvânia.

2 Os sites dedicados à recolha de fundos para ajudar as vítimas, os bombeiros e os seus familiares, tiveram um número de visitas muito significativo. O Tributetoheroes.org foi visitado por 2,1 milhões de pessoas, o Libertyunites.org por 733 mil e a American Liberty Partnership angariou cerca de 58 milhões de dólares nos dias que se seguiram aos atentados (Público, 2001)

3 Mesmo tendo encontrado dificuldades na visualização dos trabalhos de infografia digital publicados nessa época, por falhas no arquivo, é razoável assumirmos que o género já tinha sido introduzido por alguns jornais digitais de então. A comprová-lo está o facto dos Prémios Malofiej, que premiavam internacionalmente os melhores trabalhos de infografia jornalística impressa desde 1993, começarem em 2000 a incluir no certame uma categoria dedicada à infografia digital, reconhecendo-a como género distinto da infografia em papel.

4 Os Prémios Malofiej são organizados pela SND (Society for News Design) desde 1993, uma organização internacional de profissionais de jornalismo com membros pertencentes a mais de 50 países. A competição promove a inovação e a originalidade na infografia jornalística e realiza-se anualmente em Pamplona, Espanha. É aberta à participação de jornais e revista de todo o mundo. Premeia infografia impressa e digital. Os prémios ObCiber foram criados pelo Observatório do Ciberjornalismo em 2008, um núcleo de investigação da Universidade do Porto, que analisa regularmente a evolução do ciberjornalismo em Portugal. Incluem nas categorias premiadas a infografia digital.

5 O arquivo.pt e o Wayback Machine (internet archive.org) são dois projetos de arquivo na internet que regularmente gravam conteúdo digital. Tiram periodicamente uma fotografia (snapshot) dos diferentes sites que existem online, arquivando-as para visualização futura, conservando grande parte da sua estrutura de navegação, mesmo que remeta para páginas ou recursos não arquivados como imagens, vídeos, infografias ou gifs animados.

6 Mário Cameira, na altura infografista e web designer no Público e mais tarde do The Times; Vítor Higgs, diretor-adjunto e de arte no Diário de Notícias; e Luís Taklin, fundador e diretor de arte da Anyforms, uma agência nacional de design criada em 2001 para a produção de infografia jornalística e institucional.

7 Uma das primeiras infografias de imprensa publicadas em Portugal, apontada como a segunda mais antiga do mundo até ao momento, foi descoberta na Gazeta de Lisboa Ocidental. Aparece na sua edição de 21 de janeiro de 1723 e mostra o desenho de uma baleia que terá encalhado no Tejo onde acabou por morrer. Os autores da ilustração “expõem à estampa dos curiosos com as medidas e todos os seus membros e uma breve descrição da sua estrutura” (Ribeiro, 2008).

Recebido: 10 de Fevereiro de 2021; Aceito: 01 de Setembro de 2021

Assunção Gonçalves Duarte é designer e escritora de conteúdos freelancer. Está a fazer o doutoramento em Medias Digitais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O seu projeto de investigação está associado ao INOVA Media Lab e é sobre o tema “GIFs animados no jornalismo online: impacto nas narrativas visuais do jornalismo e na cultura participativa”. Morada institucional: ICNOVA. Avenida de Berna, 26-C / 1069-061 Lisboa, Portugal

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