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Media & Jornalismo

versão impressa ISSN 1645-5681versão On-line ISSN 2183-5462

Media & Jornalismo vol.22 no.41 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.14195/2183-5462_41_11 

Recensão

Recensão: Trump and us: What he says and why people listen

1 Instituto de Comunicação da NOVA - ICNOVA, Portugal estrela.serrano@sapo.pt

Hart, Roderick. (, 2020. )., Trump and us: What he says and why people listen. ., Cambridge University Press, .


Trump and us é um livro baseado e inspirado na campanha presidencial de 2016 de Donald Trump. O autor, Roderick Hart, é titular da Shivers Chair em Comunicação e Professor na Universidade do Texas, Austin, ex-reitor do Moody College of Communication e diretor fundador do Annette Strauss Institute for Civic Life. São conhecidos os seus trabalhos nas áreas da análise do discurso, media e política e estudos presidenciais. Hart criou o programa DICTION para análise de texto assistida por computador, ferramenta em que baseia os dados deste livro.

Trump and us é um fresco sobre uma sociedade profundamente dividida na escolha eleitoral entre dois candidatos à presidência dos Estados Unidos - a democrata Hillary Clinton e o republicano Donald Trump -, a qual, segundo o autor, se traduziu numa das eleições “mais torturadas da história americana” (p. 4). Hart fornece evidências empíricas e elementos de reflexão sobre o papel determinante dos sentimentos e das emoções na eleição de Trump, sublinhando o desencontro entre a cobertura jornalística dos media de grande audiência e os interesses e expectativas dos apoiantes de Trump. Hart partilha a perplexidade de Clinton perante a sua derrota eleitoral e adota como um dos pontos de partida da sua investigação a questão que ela coloca no livro What happened: “Porque é que 62 milhões de americanos votaram em Donald Trump?” Nesse livro, Clinton tenta encontrar as razões que levaram esses milhões de pessoas - muitas das quais concordaram que Trump não era adequado para o cargo - a votar numa pessoa tão manifestamente desqualificada para ser Presidente. Hart afasta-se, contudo, da análise de Clinton sobre os motivos da sua derrota eleitoral, optando por explorar aspetos culturais da política americana e atitudes comportamentais dos apoiantes de Trump suscetíveis de justificarem a vitória do candidato republicano. Apoiado num extenso conjunto de indicadores quantitativos complementados com análises qualitativas, além de testemunhos de jornalistas e académicos, Hart procede a uma aprofundada análise do discurso político de Trump (p. i, prefácio).

O título do livro - Trump and us -, ao estabelecer uma separação entre “ele” (Trump) e “nós” (o povo), remete para o conceito de populismo, tal como definido por Mudde e Kaltwasser (2017) - visão que divide a sociedade em dois campos antagónicos: o “povo puro” versus a “elite corrupta”. A analogia é desenvolvida pelo autor na Parte II, a partir da afirmação do próprio Trump “I am a populist” (pp. 47-48).

Trump and us possui uma estrutura híbrida, distinta do modelo canónico de trabalhos académicos, embora contenha todos os seus elementos definidores. Os títulos das seis partes que organizam o livro nomeiam sentimentos (feelings) que o autor identifica na retórica de Trump: confinado, ignorado, encurralado, sitiado, cansado, resoluto, os quais funcionam como bússolas organizadoras da leitura. Cada parte subdivide-se em capítulos cujos títulos apontam para aspetos da personalidade de Trump: A chegada; A simplicidade; O populismo; As paixões; As “estórias”; Os medicamentos; As novidades; A espontaneidade; As lições.

A metodologia usada por Hart permitiu-lhe captar e sistematizar aspetos da personalidade de Trump até aí não abordados noutros estudos de campanhas eleitorais. O corpus em que a análise se baseia não se apresenta sistematizado nem delimitado, estendendo-se por todos os capítulos do livro enquanto os instrumentos de análise abrangem a panóplia dos usados no campo das ciências da comunicação: análise de discurso, análise de conteúdo, análise comparativa, entrevistas, além de um vasto conjunto de depoimentos de académicos, políticos, jornalistas e público anónimo. Para além da uma extensa base de dados quantitativa completada com análises qualitativas dos seus discursos, Hart analisa também as publicações de Trump na rede social Twitter. Em cada capítulo, Hart procura o vínculo entre a retórica de Trump e os sentimentos de grande parte do seu eleitorado que vê nele o líder capaz de responder às suas inquietações e ansiedades. O livro mostra como Trump foi capaz de criar um laço emocional com aqueles que se sentem “confinados, ignorados, encurralados, sitiados, cansados” face aos líderes tradicionais e as suas propostas. Hart avalia negativamente a retórica de Trump em 2016, baseada nas emoções e medos, quando comparada com a de outros candidatos presidenciais desde 1948, embora reconheça a sua eficácia e a sua originalidade. O autor identifica em Trump “o estilo paranoico”, conceito adoptado em 1964 por Hofstadter como “modo de expressão” e “retórica” da política americana, caracterizado por uma visão conspirativa, exagerada, suspeita e apocalíptica do mundo. Para Hart, Trump explorou esses sentimentos na campanha presidencial e durante a sua presidência. Segundo Hart, no uso do estilo paranoico (pp. 125-126) Trump duplica os resultados de Hillary Clinton, apesar de esta ter ultrapassado no uso desse estilo os candidatos democratas dos últimos anos. Este dado aponta para o crescimento do populismo identificado também em estudos de campanhas eleitorais em países europeus.

Hart salienta o desfasamento entre, por um lado, a cobertura jornalística dos media tradicionais e a elite dos comentadores e, por outro, aquilo que os apoiantes de Trump queriam ouvir (p. 141). Trump percebeu isso e não poupou críticas aos media nas suas intervenções públicas, provocando nos que o apoiavam sentimentos de raiva e revolta. Escalpelizando discursos, entrevistas, depoimentos, conferências de imprensa e outras intervenções públicas de Trump, Hart identifica emoções primárias traduzidas numa linguagem grosseira e agressiva que, em sua opinião, passou despercebida aos jornalistas, incluindo os acreditados na Casa Branca. Para Hart, a presidência de Donald Trump não pode ser entendida sem ter em conta essa mistura de palavras e emoções.

A eleição de Trump foi objeto de estudo por parte da academia, sendo vários os livros publicados sobre a sua estratégia de comunicação, em particular o uso da linguagem.

Quase no final do livro, no capítulo “My challenges” (p. 231), Hart escreve sobre o desafio que foi para si “explicar a multidimensionalidade de um homem unidimensional” constatando a dificuldade de escrever sobre Trump sem o caricaturar porque “Trump é tão estranho e tão ultrajante que provoca até o observador mais objetivo, polarizando o seu público para defendê-lo ou condená-lo”. Hart consegue analisar Trump sem perder a objetividade do académico, apoiando-se em numerosas evidências e numa capacidade analítica e interpretativa derivada da sua longa experiência de cientista social. O livro tem ainda a particularidade de revelar as perplexidades do autor perante os resultados da sua própria investigação aos excessos retóricos de Trump.

Bibliografia

Clinton, H. R. (2017). What happened. Simon & Schuster [ Links ]

Mudde, C., & Kaltwasser, C. R. (2017). Populismo: uma brevíssima introdução. Gradiva [ Links ]

Recebido: 29 de Março de 2022; Aceito: 04 de Julho de 2022

Estrela Serrano é doutorada em Sociologia da Comunicação, da Cultura e da Educação (ISCTE) e investigadora no ICNOVA. Foi vogal do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), docente do mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação ISCTE e fundadora e diretora do curso de Jornalismo na ESCS. Morada: Universidade Nova de Lisboa, Instituto de Comunicação da NOVA, Av. de Berna, 26-C - Lisboa 069-061, Portugal

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