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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.1 Porto jun. 2015

 

CASO CLÍNICO

Diminuição do Apetite de Causa Não Orgânica na Primeira Infância

Decrease of Appetite of Nonorganic Origin in Toddlers

 

Ines Tomada1-4; Rita Morais Ferreira5; Carla Rêgo1,2,4,6

1Centro da Criança e do Adolescente do Hospital Cuf Porto, Porto

2Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica Portuguesa, Porto

3i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, Porto

4Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Porto

5Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, Vila Real

6CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Porto

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O crescimento e desenvolvimento saudável das crianças são influenciados decisivamente pela alimentação. A aprendizagem progressiva de novos sabores e texturas, e os hábitos alimentares estabelecidos nos primeiros anos de vida, são determinantes para o comportamento alimentar no futuro. Após o 1.º ano de vida, na dependência da desaceleração de crescimento, é comum as crianças apresentarem grande variabilidade do apetite, ou mesmo a sua diminuição. Uma criança saudável, que aparentemente come pouco ou recusa alguns alimentos, é motivo de preocupação para os pais/cuidadores, levando-os a procurar soluções práticas junto dos profissionais de saúde. Neste contexto, com vista à reflexão sobre as dificuldades alimentares que ocorrem na infância e a partilha de experiência nesta área, são apresentados 4 casos clínicos de diminuição do apetite de causa não orgânica na primeira infância.

Palavras-Chave: Apetite, Neofobia alimentar, Primeira infância, Recusa alimentar

 


 

ABSTRACT

The healthy growth and development of children is decisively influenced by food. The progressive exposure of children to new and different food tastes and textures, and the establishment of healthy food habits early in life, are crucial to the eating behavior in the future. After the first year of life, due to the reduction in growth rate, children often present appetite fluctuation, or even its temporary diminution. A healthy child, who apparently eats small amounts of food, or refuses some foods, is cause of concern to parents/caregivers, which leads them to ask for practical solutions from health professionals. In this context, in order to reflect on the eating problems that occur in childhood and sharing our experience in this field, it is presented four case reports of decrease of appetite of nonorganic origin in toddlers.

Keywords: Appetite, Food neophobia, Food refusal, Toddlers

 


 

INTRODUÇÃO

Desde o nascimento até aos 6 meses de vida, o leite materno (LM) em exclusivo é o alimento mais adequado para a satisfação das necessidades energéticas e nutricionais do pequeno lactente (1). A partir do 6.º mês, o LM em exclusivo deixa de ser suficiente para suprir em pleno as necessidades energético-proteicas e em micronutrientes, tais como ferro, zinco e vitaminas A e D (2). Nesta altura, respeitando a maturação fisiológica das funções gastrintestinal e renal, e o neurodesenvolvimento do lactente, deverá iniciar-se a introdução progressiva de novos alimentos até à inserção na alimentação familiar, a qual deverá ocorrer a partir dos 12 meses (2).

A transição de uma alimentação exclusivamente láctea para a dieta familiar implica um processo de aprendizagem perante novos sabores e texturas. A ausência deste processo, que deverá ocorrer entre os 8 e os 10 meses, poderá refletir-se em dificuldades na alimentação da criança não só a curto prazo, mas também no futuro (3).

A relutância em consumir novos alimentos, comportamento designado por neofobia alimentar, é uma reação característica e natural da criança perante algo que lhe é desconhecido, que não deverá ser interpretada como uma aversão permanente ao alimento (4). De facto, muitos dos alimentos rejeitados inicialmente são aceites mais tarde, uma vez que a aceitação de um novo sabor implica uma exposição repetida ao mesmo, podendo variar entre 5 a 12 exposições (5). O desenvolvimento das preferências alimentares é também influenciado pelo ambiente socioafetivo. Sem dúvida que a aceitação de um alimento/refeição é favorecida pelo estabelecimento de uma interação positiva entre a criança e o adulto, o que não acontece perante uma situação de alimentação forçada, conflito e tensão (6). Reconhece-se que a recusa alimentar acentua-se em condições de stresse, seja por supressão da sensação de fome subsequente à estimulação do sistema nervoso simpático, seja porque a criança aprende a associar as refeições a emoções intensas, o que compromete a identificação correta das sensações de fome/saciedade (7).

Após o 1.º ano de vida, e até por volta dos 4-5 anos, devido à desaceleração fisiológica do crescimento, é muito comum as crianças apresentarem grande variabilidade, ou mesmo diminuição, do apetite. De salientar que este quadro ocorre na ausência de qualquer causa orgânica, na maioria das vezes sem repercussões negativas no crescimento da criança. No entanto, perante a recusa alimentar da criança, é compreensível que os pais/cuidadores manifestando angústia, ansiedade e frustração, recorram com frequência ao Pediatra/Médico de Família e à consulta de Nutrição Pediátrica, com queixas verbalizadas por “o meu filho não come nada”, “não come o suficiente”, ou “come só alguns alimentos”.

Neste contexto, considerando o papel dos profissionais de saúde na Educação para a Saúde e na desmistificação de receios infundados, com vista à reflexão sobre as dificuldades alimentares que ocorrem na primeira infância, são apresentados 4 casos de diminuição do apetite de causa não orgânica.

METODOLOGIA

Os casos clínicos descritos, referem-se a crianças com idade cronológica entre os 13 e os 28 meses, referenciadas à Consulta de Nutrição Pediátrica de um hospital privado do Grande Porto, no primeiro trimestre do ano, por recusa alimentar, sem antecedentes clínicos relevantes nem patologias conhecidas. Todos os dados foram recolhidos de um protocolo definido aplicado na primeira consulta de Nutrição Pediátrica, para o qual contribuiu a entrevista aos pais/cuidadores e a consulta do Boletim de Saúde Infantil e Juvenil da Direção-Geral da Saúde. A avaliação antropométrica das crianças foi realizada de acordo com a metodologia internacionalmente recomendada (8), e a sua interpretação teve como referência as curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) (9). O Índice de Massa Corporal (IMC, razão entre o peso em quilogramas e o quadrado do comprimento em metros) e a sua posterior interpretação com recurso às curvas de referência de Z-score de IMC (Zs-IMC) para o sexo e idade, permitiram caracterizar o estado de nutrição. Para o efeito, consideraram-se os seguintes pontos de corte: Zs-IMC ≥ -3,0 e < -2,0 para a definição de magreza, Zs-IMC ≥ -2,0 e < +1,0 como indicador de eutrofia, e Zs-IMC ≥ +1,0 e Zs-IMC ≥ +2,0, como critérios de excesso de peso e obesidade, respetivamente (9). Os dados relativos à avaliação antropométrica ao nascimento e na primeira consulta de nutrição encontram-se descritos na Tabela 1. Considerou-se também a história clínica, incluindo a obstétrica, e os dados antropométricos dos progenitores.

Reconhecendo que o relato de uma única refeição não retrata de forma fidedigna o padrão alimentar habitual (10), a avaliação da ingestão alimentar das crianças foi realizada com recurso à história alimentar reportada pela mãe, tendo sido solicitado que esta indicasse, unicamente e com o maior rigor possível, o consumo alimentar da criança nos dias em que a mesma presenciasse totalmente as refeições. Este método permitiu conhecer aspetos qualitativos e quantitativos da ingestão habitual da criança, servindo de base para a análise breve da adequação nutricional, a qual se encontra sumariada na Tabela 2. Sucintamente, para a determinação do aporte energético e em macronutrientes, recorreu-se à Tabela da Composição dos Alimentos Portuguesa (11) e/ou à consulta da informação nutricional presente nos rótulos dos produtos alimentares mencionados, realizando-se posteriormente a análise comparativa face às recomendações atuais (12). O cálculo das necessidades energéticas foi estimado de acordo com a fórmula: Necessidades Energéticas Estimadas (NEE) (kcal) = [(89 x peso (kg) - 100) + 20] (crianças 1-3 anos). Assumiu-se a distribuição em macronutrientes na seguinte proporção: até 15% em proteínas (0,87g/kg/dia, crianças 1-3 anos), 30-40% em lípidos e 45-65% em glícidos. Realça-se que o contributo energético e nutricional do LM não foi contabilizado, dado não ser possível estimar com rigor o volume ingerido.

DESCRIÇÃO DOS CASOS

Caso 1 – Criança de 13 meses de idade, sexo masculino, saudável, primeiro filho de um casal sem antecedentes clínicos relevantes, excetuando o excesso de peso ligeiro da mãe (IMC 25,9kg/m2). Gravidez sem intercorrências, com aumento ponderal total de 9kg. Parto eutócico, recém-nascido (RN) de termo com peso e comprimento Adequados para a Idade Gestacional (AIG). A criança foi alimentada no 1.º semestre de vida com LM em exclusivo, tendo iniciado puré de legumes aos 6 meses.

A mãe recorre à consulta de Nutrição Pediátrica voluntariamente. Refere que o filho “não come nada, nem pelo menos o necessário para a idade”, receando consequências para a sua saúde. Apresenta-se angustiada e emocionalmente fragilizada. Na primeira visita, a criança apresentava desenvolvimento estaturo-ponderal e estado de nutrição adequados ao sexo e idade (Tabela 1). Atualmente, das 6 refeições diárias, 2 são constituídas por LM. A criança não tem prescrito qualquer suplemento nutricional. Verifica-se que o aporte energético diário é inferior ao estimado, assim como o teor em lípidos. Relativamente à ingestão proteica, esta é mais de 3 vezes superior às recomendações para esta idade (Tabela 2).

Caso 2 – Criança de 18 meses, sexo masculino, saudável, filho único de pais sem antecedentes clínicos relevantes, exceto excesso de peso ligeiro do pai (IMC 25,2kg/m2). Gravidez sem intercorrências, com ganho ponderal de cerca de 20kg. Parto eutócico, RN de termo, com ligeiro excesso de peso para a idade gestacional. Manteve LM em exclusivo até aos 6 meses, iniciando posteriormente papa de cereais.

Referenciado à consulta de Nutrição Pediátrica pelo Pediatra. Mãe descreve a criança como sendo “muito esquisito em relação à comida”, e que “a sua alimentação é muito limitada e monótona”. Explica ainda que a criança “apenas debica, e só raramente termina o que tem no prato”. Aos 18 meses, apresenta desenvolvimento estaturo-ponderal e estado de nutrição adequados (Tabela 1). Na história alimentar referida, apurou-se que a criança realiza 6 refeições diárias, sendo 4 exclusivamente lácteas. Aparentemente, tem um aporte diário em lípidos e glícidos adequado, no entanto, quer o aporte energético quer o proteico são superiores às suas necessidades. De referir que, com exceção do contributo proteico do LM, a ingestão proteica é 3,0 a 4,5 vezes superior ao recomendado (Tabela 2).

Caso 3 – Criança de 21 meses, sexo masculino, saudável, primeiro filho de progenitores sem antecedentes clínicos e eutróficos. Gravidez sem intercorrências, com um aumento ponderal de 12kg. Parto eutócico, RN de termo, com peso e comprimento AIG. A mãe refere que apenas ofereceu ao lactente outro alimento que não o LM aos 8 meses.

Recorre à consulta de Nutrição Pediátrica por iniciativa própria, dado que o filho tem vindo a recusar alimentar-se desde há cerca de 5 meses, situação que se agravou nas últimas semanas. A mãe mostra grande preocupação e receia repercussões no crescimento do filho. Os parâmetros antropométricos à data da avaliação (21 meses) revelam estado de nutrição adequado (Tabela 1). Ao longo do dia, a criança realiza apenas 3 refeições, constituídas unicamente por produtos lácteos. Tem prescrito pelo médico assistente um multivitamínico e um suplemento nutricional hiperenergético e hiperproteico, administrado por via oral, o qual sendo de composição bem definida, foi contabilizado para a análise quantitativa da ingestão diária. Ainda assim, verificou-se que as necessidades energéticas diárias não são supridas, havendo um défice da ordem dos 42%. Relativamente ao aporte proteico, proporcionalmente ao valor energético ingerido, este é próximo do recomendado (14,3% versus 15,0%), no entanto, desajustado quer à massa corporal da criança quer à idade (Tabela 2).

Caso 4 – Criança de 28 meses, sexo masculino, saudável, filho de pais sem antecedentes clínicos relevantes, exceto ligeiro excesso de peso da mãe (IMC 25,4kg/m2). Gravidez sem intercorrências, com ganho ponderal total de 17kg. Parto eutócico, RN de termo, com peso e comprimento AIG. Enquanto latente foi alimentado com LM em exclusivo até aos 5 meses, tendo iniciado nessa altura puré de legumes. Aos 28 meses, mantém ainda LM à noite.

Mãe recorre à consulta de Nutrição Pediátrica por iniciativa própria, referindo que o filho “recusa comer, sobretudo a sopa e a comida de prato”. Teme que a monotonia alimentar do filho tenha repercussões no seu crescimento. Refere ainda que a criança não tem prescrito qualquer suplemento nutricional. Aos 28 meses, apresenta bom desenvolvimento estaturo-ponderal e bom estado de nutrição (Tabela 1). Realiza 7 refeições diárias, das quais 3 ou 4 são exclusivamente lácteas (excetua-se o LM ingerido durante a noite). Nas restantes refeições, dada a grande preferência por fritos, a mãe oferece-lhos na expectativa de aumentar a sua ingestão alimentar, no entanto não é capaz de os quantificar. Desconhece-se a ingestão alimentar na casa da avó, tendo-se como única referência a ingestão reportada pela mãe. Embora a ingestão alimentar desta criança seja claramente variável, verifica-se que a ingestão proteica diária é 3,5 a 4,0 superior ao preconizado para a idade (Tabela 2).

ANÁLISE CRÍTICA

A redução do apetite na primeira infância, definida comumente pelos pais/cuidadores como “o meu filho não come”, é um motivo frequente nas consultas de Pediatria e de Nutrição Pediátrica. Apesar dos casos selecionados para este trabalho serem referentes apenas a crianças do sexo masculino, esta situação afeta ambos os sexos e todos os níveis socioeconómicos.

Após exclusão clínica de causas orgânicas, a grande maioria das crianças são saudáveis, mantendo um crescimento adequado à idade (casos 1 a 4). Contudo, o seu comportamento alimentar exige uma análise criteriosa, na medida em que é causador de grande ansiedade e preocupação para os pais/cuidadores, o que os leva a adotar práticas persuasivas, que para além de contraproducentes, perpetuam a situação. Neste cenário, o profissional de saúde, nomeadamente o Nutricionista, terá de apresentar argumentos de forma clara e objetiva, que contribuam para tranquilizar a família face a eventuais repercussões no desenvolvimento da criança. Em contexto de ambulatório, um dos recursos mais simples e práticos, é a avaliação do crescimento da criança, através do peso e comprimento, e do estado de nutrição determinado pela interpretação do IMC. Para além disso, a avaliação dos hábitos alimentares da criança (incluindo número, horário e local das refeições, alimentos preferidos e rejeitados, como e por quem os alimentos são oferecidos e sua aceitação), assim como a análise breve da adequação nutricional, após recolha da história alimentar e respetiva quantificação, permitirão apurar o significado das queixas “não come nada” (casos 1 e 2) e/ou “recusa alimentar-se” (casos 3 e 4). Só após a reunião destes dados é que se poderá delinear uma orientação assertiva de acordo com as características da criança e da família.

A recusa à ingestão de determinados alimentos e/ou a variação do apetite da criança ao longo do(s) dia(s), é interpretada como anorexia, quando na realidade são as expectativas dos pais relativas à alimentação da criança que não estão a ser correspondidas (13). Perante isto, é perentório explicar aos pais/cuidadores que, após o 1.º ano de vida, devido à atenuação fisiológica da velocidade de crescimento, a redução do apetite da criança é uma situação muito comum. Por outro lado, deverão também compreender que nesta fase, o interesse pelos alimentos é facilmente substituído pela enormidade de descobertas e estímulos que a criança tem à sua volta, e que a recusa alimentar corresponde muitas vezes a uma necessidade de afirmação (14).

É também importante evidenciar que, quando a introdução de novos alimentos, que não o leite, é realizada tardiamente (após 6.º mês de vida) (caso 3), todo o processo de introdução de alimentos poderá estar comprometido, aumentando o risco de dificuldades na alimentação (15).

Apesar de todas as limitações inerentes à anamnese alimentar, é muito comum verificar-se que as queixas dos pais não têm fundamento (casos 1 a 4). Nos casos descritos, constata-se que as crianças fazem um número adequado de refeições diárias (exceto caso 3); contudo, as queixas representadas por “raramente termina o que tem no prato” (caso 2), são invariavelmente sinónimo da oferta de alimentos em quantidade excessiva, desrespeitando assim quer a capacidade gástrica da criança quer a sua saciedade.

A análise breve da adequação nutricional, que teve por base a recolha de dados relativos à qualidade e quantidade de alimentos ingeridos pela criança ao longo do dia e integralmente presenciados pela mãe, permitiu verificar que nenhuma criança tinha uma ingestão energética diária de acordo com as recomendações para a idade (Tabela 2). Foi também transversal a todos os casos um aporte proteico diário excessivo face ao preconizado para a idade (entre 2 a 4,5 vezes superior). Reforça-se que nos casos em que o LM era ainda incluído na alimentação diária das crianças (casos 1, 2 e 4), o seu contributo energético-proteico não foi contabilizado, pelo que a carga proteica diária destas crianças estará seguramente subestimada. Esta sobrecarga proteica parece associar-se ao consumo liberalizado de leite e iogurte (casos 1 a 4). De facto, a queixa apresentada pelos pais/cuidadores em relação ao comportamento alimentar destas crianças, poderá ser justificada pelo efeito anorexigénico atribuído ao leite, já que a sua ingestão em excesso contribui para o aumento da saciedade, impedindo que a criança consuma outros alimentos, nomeadamente sólidos (16).

Tal como o aporte energético e proteico, o de lípidos e glícidos nem sempre foi satisfatório (Tabela 2). Estes resultados poderão não indicar necessariamente uma inadequação nutricional pontual, já que foram considerados valores mínimos e máximos no que respeita quer ao valor energético total quer aos macronutrientes em função dos diferentes alimentos/preparações culinárias ingeridas pela criança (exceção para o caso 3, em que a mãe revela total monotonia da alimentação da criança), mas ser resultante de uma má estimativa das quantidades de alimentos efetivamente consumidas pelas crianças. Por este motivo, o registo diário da quantidade de alimentos/bebidas oferecidos e ingeridos na realidade pela criança (incluindo intervalo das refeições), e dos fatores com ação positiva ou negativa no seu comportamento alimentar, constitui uma excelente estratégia para tranquilizar os pais/cuidadores, mas também o suporte para as orientações do Nutricionista na(s) consulta(s) de seguimento.

Apontam-se como limitações deste trabalho, o facto de apenas terem sido recolhidos os dados antropométricos ao nascimento e na primeira consulta de Nutrição Pediátrica, o que não permite assumir com rigor a existência de atenuação ou compromisso do crescimento da criança, conclusão que obriga à análise antropométrica pormenorizada desde o nascimento. Para além disso, toda a informação relativa à alimentação das crianças teve por base a história alimentar reportada pela mãe, e unicamente referente aos dias em que esta presenciava totalmente as refeições, não tendo sido considerado o aporte energético e em macronutrientes nas situações em que a criança realizava refeições na presença de outro cuidador. Este facto pode ter contribuído para uma estimativa pouco precisa da ingestão alimentar habitual, independentemente do erro subjacente a qualquer método de avaliação do consumo alimentar dependente da memória. De referir também que apenas foi feita uma análise breve da adequação nutricional (aporte energético e em macronutrientes), não se tendo avaliado a ingestão de micronutrientes críticos nesta faixa etária, nomeadamente de ferro, cálcio, zinco e vitaminas A e D. Por último, em nenhum dos casos foi possível determinar a ingestão hídrica diária das crianças, por dificuldades de quantificação da mãe.

CONCLUSÕES

O conhecimento das necessidades nutricionais e das particularidades das diferentes etapas de crescimento e desenvolvimento, aliados à sensibilidade acerca das repercussões dos hábitos alimentares adquiridos na infância no comportamento alimentar no futuro, são determinantes no planeamento de qualquer intervenção em idade pediátrica. Numa situação particular como as dificuldades alimentares em crianças pequenas e saudáveis, a abordagem nutricional deverá não só ser cientificamente fundamentada, mas sobretudo ser sensata face às expectativas e dificuldades dos pais/cuidadores. Isto implica que a investigação inicial não seja demasiado extensa, mas sim um processo de escuta ativa dos pais/cuidadores, individualizado e centrado na criança, de forma a estabelecer uma relação de confiança com o profissional de saúde. A transmissão de mensagens claras, precisas e consistentes, que respeitem o ritmo de compreensão e interiorização da informação, é determinante para que os pais/cuidadores sejam capazes de tomar decisões adequadas em relação à alimentação das suas crianças.

 

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    Endereço para correspondência
    Inês Tomada
    Centro da Criança e do Adolescente do Hospital Cuf Porto,

    Estrada da Circunvalação, n.º 14341,

    4100-180 Porto, Portugal

    inestomada@gmail.com


    Recebido a 28 de Janeiro de 2013
    Aceite a 7 de Outubro de 2013

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