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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.5 Porto jun. 2016

https://doi.org/10.21011/apn.2016.0504 

ARTIGO DE REVISÃO

Influência do Estado Nutricional na Insuficiência Cardíaca

Influence of Nutritional Status in Heart Failure

 

Bruna Domingues1; Teresa Rodrigues2; Marlene Fonseca3; Sónia Xará3

1Associação Portuguesa dos Nutricionistas, Rua João das Regras,

n.º 284, R/C 3, 4000-291 Porto, Portugal

2ACES Grande Porto VII - Gaia, Administração Regional de Saúde do Norte, Rua Bartolomeu Dias, n.º 316, 4400-043 Vila Nova de Gaia, Portugal

3Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, Rua Conceição Fernandes, s/n,

4434-502 Vila Nova de Gaia, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A Insuficiência Cardíaca pode ser causada por qualquer patologia que afete o coração e, consequentemente, condicione a sua função diastólica ou sistólica. Apesar das melhorias que se têm vindo a verificar em termos de prognóstico, os números são ainda preocupantes e a prevalência permanece elevada, sobretudo em idosos. O estado nutricional tem-se revelado intimamente relacionado com o desenvolvimento e prognóstico desta patologia, verificando-se que um grande número de pacientes com Insuficiência Cardíaca avançada apresenta também desnutrição severa (caquexia cardíaca), associada a um aumento da morbilidade e da mortalidade. Por outro lado, a obesidade parece ter um efeito protetor nesta patologia, existindo numerosos estudos que comprovam a relação entre valores de Índice de Massa Corporal elevados e menor risco de mortalidade, quando comparados com indivíduos com valores de Índice de Massa Corporal mais baixos. No entanto, e apesar de ser o método mais utilizado para caracterizar o estado nutricional, o Índice de Massa Corporal não é um bom indicador da composição corporal no que respeita à distribuição de gordura, sendo este um fator fundamental a ser estudado nestes pacientes. Assim, para melhor compreender o papel do tecido adiposo na Insuficiência Cardíaca, é premente determinar o método que melhor se adequa à avaliação do estado nutricional destes pacientes e de que forma este pode influenciar o prognóstico da doença.

Palavras-Chave: Composição corporal, Estado nutricional, Insuficiência Cardíaca

 


 

Abstract

Heart failure is a cardiovascular disease that may be caused by any condition that affects the heart and, consequently, impairs diastolic or systolic function. Despite the improvements that have been observed in terms of prognosis, the numbers are still alarming and the prevalence remains high, especially in the elderly. Among the many known risk factors, nutritional status has proved to be closely related to the development and prognosis of the pathology, verifying that a large number of patients with advanced heart failure also presents severe malnutrition (cardiac cachexia) associated with an increased morbidity and mortality. Moreover, obesity seems to have a protective effect in this condition, as there are several studies showing the relationship between higher Body Mass Index values and lower risk of mortality when compared to individuals with lower Body Mass Index . However, and despite being the most common method used to characterize the nutritional status, Body Mass Index is not a good indicator of body composition as regards the distribution of body fat, which is a fundamental factor to be studied in these patients. Thus, in order to understand the role of fat in heart failure it is important to determine the best method to assess the nutritional status of these patients and how it may influence the prognosis.

Keywords: Body composition, Nutritional status, Heart failure

 


 

INTRODUÇÃO

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças crónicas não transmissíveis são responsáveis por 36 milhões de mortes por ano, em todo o mundo, sendo a maior contribuição a das Doenças Cardiovasculares (DCV), que representam 48% dessas mortes (1). Segundo as European Cardiovascular Disease Statistics (ECDS) de 2012, as DCV continuam a ser a principal causa de morte na Europa, responsáveis por cerca de 47% das mortes nesse ano (2). Em Portugal Continental, constituem, de igual forma, a principal causa de morte, atendendo à taxa de mortalidade padronizada por DCV, no mesmo ano, de 61,4 (3).

A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma importante condição patológica, do grupo das DCV, considerada atualmente um grave problema de saúde pública à escala mundial. Estima-se que 26 milhões de indivíduos no mundo sofram de IC, dos quais cerca de 6 milhões são americanos e europeus (4). Dados do estudo EPICA (Epidemiologia da Insuficiência Cardíaca e Aprendizagem) apontam também para uma elevada prevalência de IC em Portugal, afetando 4,4% dos portugueses com mais de 25 anos, sem diferenças significativas entre géneros e com valores mais elevados na população idosa (5).

A Sociedade Europeia de Cardiologia define a IC como uma síndrome, na qual os pacientes têm sintomas e sinais resultantes de uma anomalia na função ou na estrutura cardíaca (6). Apesar das melhorias no prognóstico, a taxa de mortalidade por IC é elevada (aproximadamente 50% aos 5 anos de diagnóstico) (7).

Entende-se por caquexia, a síndrome de desnutrição grave caracterizada por perda de massa muscular (MM), com ou sem perda de massa gorda (MG) (8). A MM constitui um indicador relevante, uma vez que a sua perda acelerada ou exagerada permite distinguir caquexia de perda de peso resultante apenas da diminuição da ingestão alimentar (9). Estima-se que a prevalência de caquexia, na fase avançada da IC, seja de 5-10%. Segundo estimativas de 2014, dos 745 milhões de indivíduos que constituem a população Europeia, cerca de 1,2 milhões sofrem simultaneamente de IC e de caquexia (10). Torna-se, pois, primordial assegurar uma alimentação cuidada e personalizada, com vista a evitar ou minimizar perdas nutricionais e de peso e, dessa forma, melhorar o prognóstico do doente com IC.

Relativamente à obesidade, caracteriza-se por uma acumulação excessiva de gordura e é definida, segundo a OMS, por um Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg/m² (11). A par da obesidade, a hipercolesterolemia e a pressão arterial elevada são fatores de risco tradicionais de mortalidade na população em geral. No entanto, alguns estudos afirmam que estes fatores apresentam um efeito protetor em pacientes com IC avançada – epidemiologia reversa (12, 13). Este fenómeno, demonstrado em vários estudos realizados em pacientes idosos com IC, em que indivíduos obesos têm maior sobrevida quando comparados com indivíduos normoponderais (IMC 18,5-24,9 kg/m²), é designado “Paradoxo da obesidade” (14-20).

Face ao exposto, revela-se premente perceber qual o melhor método de avaliação da composição corporal nestes indivíduos, bem como estudar de que forma o estado nutricional pode influenciar o seu prognóstico.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

A IC pode ser causada por qualquer doença que afete o coração e, consequentemente, condicione a sua função diastólica ou sistólica (6). Por outras palavras, consiste na incapacidade do coração bombear sangue em quantidade suficiente para atender às necessidades do organismo.

Existem dois tipos de IC: com função sistólica deprimida (disfunção sistólica) e com função sistólica preservada (disfunção diastólica), sendo que o primeiro tipo caracteriza-se por diminuição da contratilidade cardíaca e da fração de ejeção e o segundo por hipertrofia ventricular, diminuição das câmaras do ventrículo e alterações na distensibilidade (6).

O diagnóstico de IC considera a presença de sinais (p.e. pressão jugular elevada, crepitações pulmonares e área de impulso apical deslocada), sintomas típicos (p.e. dispneia, edema maleolar e fadiga) e exames complementares de diagnóstico (ecocardiografia transtorácica, eletrocardiograma e dados analíticos) (6).

Existem várias comorbilidades associadas à IC, nomeadamente: angina, hipertensão arterial (HTA), diabetes mellitus, anemia, deficiência em ferro, insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva crónica, apneia do sono e depressão, sendo que a maioria está associada ao agravamento do estado clínico, considerando-se fatores preditores de um fraco prognóstico. Por este motivo, o tratamento das comorbilidades assume um papel fundamental na prestação de cuidados aos pacientes com esta patologia (21).

Quanto aos fatores de risco, a HTA, a doença coronária e as doenças valvulares e do miocárdio são as principais causas de IC em Portugal, embora outros fatores, como a obesidade, a diabetes e o tabagismo concorram igualmente para o aparecimento da doença (22).

Assim, é essencial que as recomendações para o diagnóstico e tratamento da IC sejam seguidas de forma rigorosa, sendo que diversos estudos realçam a influência do estado nutricional na progressão e no prognóstico da doença (8, 9, 23).

CAQUEXIA CARDÍACA

A definição clínica de caquexia foi proposta pela Cachexia Society, em 2006, com base na presença dos seguintes critérios: doença crónica subjacente e perda de peso involuntária de, pelo menos, 5%, em 12 meses, ou IMC inferior a 20 kg/m² e mais do que três dos seguintes cinco parâmetros: 1) diminuição da força muscular, 2) fadiga, 3) anorexia, 4) baixo índice de massa livre de gordura (perímetro muscular do braço abaixo do percentil 10 para a idade e o sexo; índice de massa muscular esquelética < 5,45 e < 7,25 Kg/m2, respetivamente em mulheres e homens), 5) parâmetros analíticos alterados - marcadores inflamatórios (aumento de proteína C-reativa (> 5.0 mg/l) e/ou de interleucina 6 (> 4,0 pg/ml), anemia (hemoglobina < 12 g/dL), albumina sérica (< 3,2 g/dL) (9).

A caquexia é uma manifestação comum nos pacientes com IC e está, normalmente, associada a aumento da morbilidade e da mortalidade (9).

As concentrações plasmáticas do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), responsável por esta síndrome, relacionam-se inversamente com o IMC em pacientes normoponderais, sendo mais elevadas em pacientes com perda de peso. Os efeitos biológicos do TNF-α, pertencente ao grupo das citocinas e segregado principalmente por macrófagos ativados em resposta a uma doença sistémica, incluem anorexia, pirexia, taxa metabólica aumentada e ativação imunitária (24).

Habitualmente, o envelhecimento está associado a um declínio progressivo da taxa metabólica em repouso (1-2% por década, depois dos 20 anos de idade), ocorrendo dessa forma um desequilíbrio entre a ingestão calórica total e o dispêndio de energia (25). No entanto, na IC, a taxa metabólica em repouso pode ser responsável por um aumento do gasto energético diário até 70% (24). Este aumento pode dever-se a um acréscimo do consumo de oxigénio pelo miocárdio hipertrofiado, a um maior trabalho respiratório, à maior atividade do sistema nervoso simpático e ao estado febril frequente em pacientes com IC grave e infeções. Todos estes fatores contribuem para o aumento do metabolismo basal e, consequentemente, do gasto energético (21).

A fisiopatologia da caquexia na IC ainda não está completamente esclarecida, contudo, a anorexia e a consequente diminuição da ingestão alimentar, o comprometimento da absorção, o aumento do gasto energético basal e as alterações imunológicas e neuroendócrinas podem explicar o seu desenvolvimento (23, 26).

Até à data não se conhece um tratamento específico para a caquexia mas sabe-se que a intervenção nutricional constitui uma parte essencial do tratamento, associando-se, em alguns casos, a exercícios de reabilitação, com o objetivo de atingir/manter um peso adequado (27).

TRATAMENTO NUTRICIONAL

Apesar de não existirem muitos estudos sobre recomendações nutricionais no tratamento da IC, alguns autores defendem que uma ingestão calórica de 28-35 kcal/kg/dia é segura e suficiente, seguindo as recomendações proteicas habituais para um adulto saudável (0,8 a 1,0 g/kg/dia), exceto nos casos em que exista desnutrição ou má absorção (aumentando para 1,5 a 2,0 g/kg/dia), ou então naqueles em que ocorra insuficiência renal (diminuindo o aporte proteico, em função da taxa de filtração glomerular) (28).

No que respeita aos micronutrientes em geral, as recomendações são idênticas às de um adulto saudável, salvaguardando os seguintes: sódio, magnésio, cálcio e vitaminas lipossolúveis (28).

A ingestão excessiva de sódio é responsável pela retenção de líquidos, por sua vez causadora de edemas – sinal típico da IC, não existindo, no entanto, consenso quanto aos valores recomendados nestes pacientes, os quais variam entre 2 a 3 g/dia (29).

A restrição hídrica nem sempre é necessária e depende da gravidade da IC. Normalmente recomenda-se uma ingestão de 1,5-2,0 L em pacientes com IC, não sendo, no entanto, claros os benefícios da restrição, por rotina, em todos os pacientes com sintomas ligeiros a moderados (6, 10, 30). No caso das vitaminas lipossolúveis, pode existir necessidade de suplementação quando se verificar má absorção de gorduras, frequente em pacientes com caquexia (28). Para além das vitaminas, os ácidos gordos ómega 3 são uma boa opção, nestes casos, pelas suas propriedades anti-inflamatórias (28). Igualmente frequente, em situações de caquexia, é a diminuição da massa óssea, pelo que os níveis de cálcio, magnésio e vitamina D também devem ser monitorizados (28).

No que concerne à via de administração, a alimentação oral é a mais indicada, mas nos casos em que não é possível fornecer, por esta via, a quantidade de alimentos recomendada, a sonda nasogástrica apresenta-se como uma alternativa. Em situações que obriguem a utilização da sonda por um período superior a quatro semanas, recomenda-se a gastrostomia endoscópica percutânea (31, 32). Se o trato gastrointestinal não estiver funcionante, será preferível recorrer a nutrição parentérica por acesso venoso central, uma vez que permite usar soluções concentradas hiperosmolares, em menores volumes (26).

Mesmo com a administração de nutrição parentérica total e com estabilização do peso, nem sempre se consegue corrigir o problema subjacente, nem impedir a perda de MM, ou reverter as alterações metabólicas (9). Ainda assim, o papel da abordagem nutricional na progressão da doença é incontestável, com uma forte influência no prognóstico (9, 23).

“EPIDEMIOLOGIA REVERSA”

Estudos recentes demonstram que valores elevados de IMC (pré-

-obesidade e obesidade), de colesterol sérico e de pressão arterial, estão associados a um aumento da sobrevida na IC. Esta situação, que alguns autores têm vindo a tentar explicar, é designada “epidemiologia reversa” e ocorre em doenças como a IC, a insuficiência renal e o cancro (12,13).

A caquexia cardíaca está associada a um estado de inflamação, resultante da translocação de endotoxinas, devido a edemas na parede do intestino, levando ao aumento de produção de citocinas em indivíduos com IC. A ação destas citocinas sobre o sistema cardiovascular é responsável por inúmeros efeitos, nomeadamente, promoção da inflamação e perda gradual de MM, diretamente correlacionados com a gravidade da IC, os quais poderão explicar o desenvolvimento de desnutrição nestes pacientes. Assim, quanto mais debilitados nutricionalmente estiverem e quanto menor for o seu IMC, mais graves serão as consequências (12, 13, 33, 34).

Outra explicação possível relaciona-se com os níveis aumentados de colesterol total, que podem significar maior reserva de lipoproteínas, as quais se ligam, de forma ativa, às endotoxinas, neutralizando-as ou removendo-as, eliminando o seu efeito prejudicial no processo de inflamação da IC (12, 13, 33, 34).

Assim, em pacientes com IC, quaisquer fatores aparentemente de, como a obesidade e a hipercolesterolemia, poderão exercer um efeito desejável sobre a longevidade a curto prazo, ao passo que as condições que são tradicionalmente consideradas protetoras a longo prazo, não têm efeitos benéficos nestes casos (12, 13, 33, 34).

IMPACTO DA OBESIDADE E DO “PARADOXO DA OBESIDADE”

Segundo a OMS, em 2014 mais de 1,9 bilhões de adultos no mundo tinham excesso de peso e, destes, mais de 600 milhões eram obesos (35).

A obesidade apresenta diversas comorbilidades, incluindo diabetes mellitus tipo 2, HTA, dislipidemia, apneia do sono, alguns tipos de cancro e, sobretudo, DCV (16), sendo que diversos estudos epidemiológicos mostram a forte relação entre valores de IMC elevados e aumento do risco e mortalidade por DCV (36-38). Relativamente à IC, estima-se que o risco aumenta 5% nos homens e 7% nas mulheres por cada aumento de 1 kg/m² no IMC (37). Sabe-se também que a duração da obesidade mórbida está diretamente associada à probabilidade de sofrer de IC (p <0,001) (38).

De facto, a obesidade tem vários efeitos adversos na estrutura e função cardiovascular, sendo responsável por um aumento do volume total de sangue e do débito cardíaco que, em parte, é causado pelo aumento metabólico induzido pelo excesso de peso corporal (39). Devido ao aumento na pressão de enchimento e no volume ventricular, os pacientes obesos têm um risco acrescido de hipertrofia do ventrículo esquerdo, bem como de outras anomalias estruturais que conduzem ao aumento do risco de IC (40). À medida que a carga de trabalho aumenta, há um espessamento do miocárdio e, por vezes, o tamanho do próprio ventrículo também aumenta, resultando numa menor elasticidade (40).

Pensa-se, pois, que a atuação mais eficaz, a longo prazo, para as alterações hemodinâmicas e cardíacas estruturais associadas à obesidade, é uma perda de peso estruturada (38, 41). Na obesidade grau II e III, uma perda de peso resultaria na redução do volume de sangue circulante, do volume sistólico do ventrículo esquerdo e do seu trabalho sistólico (41). Contudo, apesar da associação entre obesidade e risco de DCV, diversos estudos têm demonstrado a existência de um paradoxo da obesidade, sugerindo que valores elevados de IMC (pré- -obesidade e obesidade) estão associados a um melhor prognóstico e, consequentemente, a uma menor taxa de mortalidade em pacientes com IC (14, 16-20). Uma análise do IMC e da mortalidade em pacientes internados com IC mostrou que, por cada aumento de 5 kg/m² do IMC, o risco de mortalidade diminui 10% (p < 0,001) (15).

Não existe, ainda, uma explicação concreta para este paradoxo, o que dificulta a definição da melhor estratégia de abordagem do peso dos pacientes com IC. Algumas teorias defendem que o tecido adiposo providencia reservas capazes de suportar as mudanças catabólicas sentidas na IC (16), além de produzir recetores solúveis de TNF-α, que podem ter um efeito protetor em pacientes obesos com IC aguda e crónica, ao neutralizar os efeitos biológicos adversos do TNF-α (41). No entanto, outros estudos sugerem que pacientes com maior quantidade de tecido adiposo têm uma sobrevida menor (19, 37, 38). Segundo uma revisão de 2014, uma das muitas explicações para o paradoxo da obesidade, pode relacionar-se com as limitações associadas à utilização do IMC como instrumento de avaliação do estado nutricional (14).

AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO CORPORAL

A avaliação do estado nutricional através do IMC constitui um dos métodos mais utilizados na rotina clínica, dada a sua simplicidade. No entanto, este não avalia a composição corporal, nem a distribuição de gordura, sendo, por isso, um indicador limitado do estado nutricional (14).

Outro método, frequentemente usado, é a avaliação por bioimpedância, que permite estimar diferentes compartimentos corporais, além de também ser um método simples, rápido, não invasivo e de resultados reprodutíveis e imediatos. No entanto, a bioimpedância apresenta limitações no que respeita à avaliação de indivíduos com IC, frequentemente desnutridos e com alterações hídricas, dado que a sua fiabilidade pode estar comprometida em casos de desnutrição, obesidade mórbida e alterações do estado de hidratação (edemas, ascite ou balanço hidroeletrolítico alterado), obrigando a especial cuidado na interpretação dos resultados (42).

Um estudo com 344 pacientes com IC, acompanhados em ambulatório, cujo objetivo era avaliar a associação entre várias medidas de composição corporal (IMC, Prega Cutânea Tricipital (PCT) Perímetro da Cintura e Perímetro do Braço) e o risco de mortalidade por IC, mostrou que existe relação entre a PCT – método que estima a gordura subcutânea – e o prognóstico da IC (43). Pacientes que sobreviveram apresentaram uma PCT 10% superior à dos que morreram. Uma PCT de 20 mm foi observada em apenas 9% dos pacientes com IC que morreram durante o seguimento e em 22% das pessoas que sobreviveram (p=0,027) (43). Assim, os resultados do estudo sugerem que, embora o IMC seja um parâmetro antropométrico amplamente utilizado na prática clínica, a PCT é um melhor preditor de mortalidade em indivíduos com IC, tendo sido a única medida antropométrica realmente associada ao prognóstico da doença (43). Por outro lado, na análise multivariada de um estudo sobre o prognóstico de pacientes idosos com excesso de peso e com IC, nem o IMC nem a PCT apresentaram um valor preditivo independente (44), pelo que se considera serem necessários mais estudos nesta área, para obter conclusões consistentes.

Para além das medidas de MG, as medidas de força muscular são igualmente importantes e tendem a ser esquecidas. No envelhecimento assim como na IC ocorrem alterações da composição corporal, nomeadamente perda de massa magra, que afeta inevitavelmente a força muscular (8, 45).

A incapacidade funcional devida à perda de força muscular é um marcador relevante, comparativamente às mudanças da MM magra de forma isolada. Existem diversos estudos que demonstram que a força de preensão manual pode ser usada como uma técnica de avaliação nutricional. A dinamometria tem como princípio estimar a função do músculo-esquelético, sendo uma técnica não-invasiva, rápida e simples (45).

Como a força muscular reduzida tem sido associada a um aumento do risco de morte por DCV, os investigadores do Prospective Urban and Rural Epidemiological (PURE) mediram a força de preensão manual de cerca de 140 mil adultos, em 17 países, com um dinamómetro de preensão manual, concluindo que, por cada perda de 5 kg na força de preensão manual, o risco de morte cardiovascular aumenta cerca de 17% (46). Visto a IC se associar a uma diminuição da força muscular, este método pode ser uma forma prática de avaliar o risco de morte e DCV, auxiliando na prevenção e controlo das suas causas (46).

CONCLUSÕES

As DCV são a principal causa de morte no mundo, inclusive em Portugal. Neste grupo inclui-se a IC, que se apresenta, igualmente, como uma patologia associada à redução da qualidade de vida e com uma taxa de mortalidade elevada, principalmente nos idosos.

A evidência científica sugere que o metabolismo energético desempenha um papel importante na fisiologia da IC, nomeadamente na caquexia cardíaca, característica destes pacientes. Apesar de não existir um tratamento específico, sabe-se que a intervenção nutricional é indispensável no tratamento da IC.

Por outro lado, a obesidade tem-se revelado um fator protetor em pacientes com IC, apesar de ainda não estarem totalmente esclarecidos os mecanismos envolvidos. Considera-se que o paradoxo da obesidade deverá ser explorado no que concerne à sua validade preditiva para outros desfechos clínicos além da mortalidade, como sejam a qualidade de vida, as readmissões hospitalares, a capacidade funcional, entre outros.

Apesar das suas limitações, o IMC é o método mais utilizado para avaliar o estado nutricional. No entanto, a PCT (indicador da gordura corporal) e as medidas de força muscular (indicador da MM magra), têm surgido como métodos importantes na determinação do prognóstico da IC.

Assim, apesar de serem necessários mais estudos que considerem diferentes métodos de avaliação nutricional e estratégias terapêuticas, verifica-se que o estado nutricional constitui um marcador importante no desenvolvimento e progressão da IC, pelo que se revela fundamental proceder à sua correta avaliação, de forma a garantir uma alimentação cuidada e personalizada, minimizando-se perdas nutricionais e ponderais e melhorando o prognóstico e a qualidade de vida destes pacientes.

Não obstante, no que toca à alimentação, os estudos são ainda escassos e incidem maioritariamente no controlo de sódio e de líquidos, pelo que é necessário mais trabalho neste âmbito.

 

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Endereço para correspondência

Sónia Xará

Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho,

Rua Conceição Fernandes, s/n,

4434-502 Vila Nova de Gaia, Portugal

soniaxara@gmail.com

 

Recebido a 12 de abril de 2016

Aceite a 10 de maio de 2016

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