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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.12 Porto mar. 2018

https://doi.org/10.21011/apn.2018.1204 

ARTIGO ORIGINAL

Estado nutricional e Nível de Independência em pessoas idosas

Nutritional Status and Independence Level in Elderly People

Alexandra Parente1; Ana Maria Pereira2*; Augusta Mata2

1 Unidade Local de Saúde do Nordeste - Centro de Saúde Santa Maria de Bragança, Avenida Cidade de Leon, 5300-274 Bragança, Portugal

2 Instituto Politécnico de Bragança-ESSa, Avenida D. Afonso V, 5300-121 Bragança, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: A malnutrição constitui um dos principais determinantes de doença e diminuição da qualidade de vida. Um mau estado nutricional prejudica a saúde física e psicológica, predispondo ao desenvolvimento de doenças, condicionando negativamente o seu prognóstico.

Objetivos: Conhecer o estado nutricional e nivel de independência dos idosos inscritos no centro de saúde de Santa Maria de Bragança, identificando a relação existente entre as duas variáveis.

Metodologia: A partir de uma população de 5373 idosos inscritos no centro de saúde de Santa Maria em Bragança estudou-se uma amostra proporcional estratificada em função do sexo e faixa etária de 385 idosos. Desenvolveu-se um estudo quantitativo, observacional, analítico, transversal. Para a colheita de dados utilizou-se um formulário que incluía o Mini Nutritional Assessment e o Índice de Barthel.

Resultados: Como principais resultados verifica-se que 86,8% dos utentes é funcionalmente independente e 13,3% apresentam algum tipo de dependência. Através da aplicação do Mini Nutritional Assessment identificam-se 0,8% dos idosos em estado desnutrido e 24,16% em risco de desnutrição. Constata-se ainda, que os idosos independentes apresentam maior probabilidade de estarem em estado nutricional normal face aos idosos com dependência ligeira a moderada (p <0,001).

Conclusões: Com os resultados deste estudo constata-se que o estado nutricional segundo o Mini Nutritional Assessment está significativamente associado ao nível de independência desta população de idosos. Tendo em conta o número elevado de idosos em Portugal, salienta-se a importância de rastrear o estado nutricional e as suas condicionantes, como parte integrante da avaliação multidimensional e consequente intervenção nesta camada da população tendo em mente a melhoria da sua qualidade de vida.

PALAVRAS-CHAVE

Estado Nutricional, Idoso, Malnutrição, Nível de Independência

 


 

ABSTRACT

Introduction: Malnutrition is one of the main determinants of disease and decrease of quality of life. A bad nutritional status affects both physical and psychological health predisposing to the development of diseases and negatively affecting their prognosis.

Objectives: To know the nutritional status and independency level of the elderly enrolled at the Health Center of Sta Maria - Bragança by establishing the relationship between the two variables.

Methodology: From a population of 5373 elderly enrolled at the Health Center of Santa Maria in Bragança, a proportional sample stratified by sex and group of age of 385 elderly was studied. It was drawn a quantitative, observational, analytical and cross-sectional study. A structural interview was used to data collection where Mini Nutritional Assessment and Barthel Index were included.

Results: As main results, it was found that 86,8% of the elderly is functionally independent and 13,3% has any type of dependency. By the use of Mini Nutritional Assessment, 0,8% of the elderly were identified as undernourished and 24,16% were at risk of undernourishment.

It was still conclude that independent elderly have a higher probability of normal nutritional state when compared with those with mild or moderate dependency (p<0,001).

Conclusions: Results allow us to conclude that nutritional status according to Mini Nutritional Assessment is significantly associated with the independence level of this older population. Taking into account the high number of elderly people in Portugal, we highlight the importance of screening nutritional status and its determinants as part of a multidimensional assessment of the elderly and consequent intervention in order to enhance their quality of life.

KEYWORDS

Nutritional state, Elderly, Malnutrition, Independency level

 


 

INTRODUÇÃO

No final do século XX, início do século XXI, a nutrição assumiu um papel importante no âmbito da saúde pública, em particular nas pessoas idosas, sendo considerada um dos “ex-libris” do envelhecimento ativo. Com base no aumento da esperança média de vida, emergiu neste período a pertinência do estudo da relação entre nutrição e envelhecimento. Evidências epidemiológicas revelam que o risco de inúmeras patologias associadas ao envelhecimento pode ser minimizado por uma intervenção adequada nos estilos de vida, nomeadamente ao nível da alimentação (1, 2).

Um bom estado nutricional, depende de um equilíbrio entre a ingestão e as necessidades nutricionais; constitui um pilar fundamental na promoção da saúde dos idosos, permitindo a realização de atividades da vida diária e garantindo uma maior proteção contra diversas patologias (3).

Quando a ingestão alimentar é inadequada instala-se um quadro de malnutrição estando a população idosa particularmente sujeita a problemas nutricionais devido a fatores relacionados com alterações psicossociais associadas à solidão, doenças crónicas, polimedicação assim como condicionantes socioeconómicas (4, 5). Fisiologicamente, com o envelhecimento, surge também diminuição da ingestão, digestão, absorção, transporte e excreção de substâncias, traduzindo-se em necessidades nutricionais específicas nesta fase da vida (6, 7). Desta forma, uma alimentação equilibrada ajustada às necessidades dos idosos assume particular relevo na sua saúde, bem-estar e longevidade.

A malnutrição prejudica a saúde física e psicológica do idoso, predispondo-o ao desenvolvimento de doenças, ao mesmo tempo que condiciona negativamente o seu prognóstico (8-10). Tem sido identificada como uma componente de fragilidade em pessoas, aumentando consideravelmente o risco de doenças infeciosas, o que leva à redução da capacidade funcional, pelo que é um indicador importante de morbilidade e mortalidade (11).

A deteção precoce da malnutrição incluindo o risco de desnutrição, usando medidas simples, não invasivas e precisas, representa um passo importante na prestação de melhores cuidados de saúde aos idosos (12).

A prevalência da desnutrição nos idosos ronda os 60% a nível de instituições hospitalares, 40% em unidades residenciais e cerca de 5 a 10% nas pessoas idosas que residem no seu próprio domicílio ou com os familiares (13, 14). A desnutrição da pessoa idosa é muitas vezes sub diagnosticada, por ser confundida com sinais de envelhecimento, pelo que o seu reconhecimento precoce é fundamental para uma correção adequada e atempada, com benefícios na saúde e na economia (15).

A desnutrição pode estar também associada a problemas de saúde oral, fraca acuidade sensorial, modificações da dieta, diminuição da capacidade cognitiva e diminuição da autonomia física (16, 17). Esta diminuição de autonomia física e grau de dependência, relaciona-se com a incapacidade da pessoa para a satisfação das suas necessidades humanas básicas, necessitando de ajuda de terceiros para sobreviver (18). A avaliação da capacidade funcional é importante, pois além de determinar riscos de dependência futura, auxilia a equipa de saúde na tentativa de recuperar a capacidade do idoso. Considera-se pertinente o delineamento de estratégias e a implementação de medidas governamentais para a prevenção e diagnóstico precoce de situações de desnutrição nas pessoas idosas, não só na comunidade mas também a nível dos cuidados de saúde, em indivíduos institucionalizados e em estruturas residenciais para idosos. O presente estudo tem como principal objetivo caracterizar o estado nutricional dos idosos inscritos no centro de saúde de Santa Maria de Bragança, assim como relacionar o seu estado nutricional com o nivel de independência.

METODOLOGIA

Estudo observacional, analítico, de carácter transversal. Para a realização do estudo foi obtida a autorização da Comissão de Ética da Unidade Local de Saúde do Nordeste (ref:003825 de 12/10/2015). A presente investigação respeita integralmente os princípios éticos, valores e normas do código deontológico (19), em concordância também com os princípios éticos aceites pela comunidade de investigação e pela Declaração de Helsínquia tais como: consentimento informado dos participantes, confidencialidade, respeito, honestidade nas relações estabelecidas e garantia dos direitos dos que participaram voluntariamente. Em todos os casos a participação foi absolutamente voluntária, gratuita, anónima e confidencial. Foi ainda solicitada e obtida a autorização para a utilização do questionário Mini Nutritional Assessment (MNA®), no âmbito da colheita de dados e publicações resultantes da investigação.

  1. a) Instrumentos

Desenvolveu-se um instrumento de recolha de informação constituído por três partes distintas: i) Questões relativas a dados socioeconómicos, ii) MNA®, versão portuguesa; validado em 2008 (20).

iii) Índice de Barthel (IB), versão portuguesa validado em 2007 (21).

MNA® - Ferramenta de avaliação do estado nutricional de idosos. É o método de avaliação nutricional mais fundamentado sob o ponto de vista da investigação, sendo por isso o mais usado pelos profissionais de saúde que trabalham em Geriatria. É composto por duas secções, o MNA Short Form (MNA SF®) para identificação do risco nutricional e o MNA Long Form (MNA LF®) para a avaliação nutricional. O MNA SF® é composto por seis questões que avaliam a diminuição da ingestão nos últimos três meses, perda ponderal nos últimos três meses, mobilidade, se houve alguma situação de stress psicológico ou doença aguda nos últimos três meses e se há algum problema neuro psicológico, nomeadamente situação de depressão ou demência. A sexta questão diz respeito à avaliação do índice de massa corporal (IMC) ou na impossibilidade de o obter a medição do perímetro geminal. Do preenchimento destas seis questões obtém-se um score que pode ser analisado em três níveis: 1) 0 a 7 indicativo de desnutrição; 2) 8 a 11 indicativo de risco de desnutrição; 3) 12 a 14 indicativo de estado nutricional normal (22). Se o resultado indicar risco de desnutrição, segue-se para o preenchimento do MNA LF® que é composto por mais doze questões, num total de dezoito distribuídas em 4 grupos: avaliação antropométrica, avaliação geral, avaliação da ingestão nutricional e avaliação subjetiva. À semelhança do que acontece na MNA SF®, a cada resposta é atribuído um valor numérico que somados no final do preenchimento podem corresponder a: 1) desnutrição <17; 2) risco de desnutrição 17 a 23,5; 3) estado nutricional normal 24 a 30 (22, 23).

IB - Instrumento que avalia o nível de independência do sujeito para a realização de dez atividades básicas de vida diária (ABVD): comer, higiene pessoal, uso dos sanitários, tomar banho, vestir e despir, controlo de esfíncteres, deambular, transferência da cadeira para a cama, subir e descer escadas (18, 24). Permite conhecer quais as incapacidades específicas da pessoa e como tal, adequar os cuidados às necessidades (21). Cada atividade apresenta entre dois a quatro níveis de dependência, em que 0 corresponde à dependência total e a independência pode ser pontuada com 5, 10 ou 15 pontos de acordo com os níveis de dependência. A classificação varia entre 0 a 100 pontos e são considerados os seguintes pontos de corte: 90-100 Independente; 60-89 Ligeiramente dependente; 40-55 Moderadamente dependente; 20-35 Severamente dependente; <20 Totalmente dependente (24).

  1. b) População e Amostra

A população do estudo é composta 5373 utentes, com idade igual ou superior a 65 anos e de ambos os sexos, inscritos no centro de saúde de Santa Maria de Bragança.

Para selecionar a amostra procedeu-se a um processo de amostragem não probabilística visando a disponibilidade e a rapidez na recolha de dados (25). Os elementos da amostra foram selecionados entre os que foram primeiramente contactados presencialmente no centro de saúde, e em visita domiciliária. Foram definidos como critérios de inclusão da amostra: indivíduos de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 65 anos, inscritos no centro de saúde de Santa Maria de Bragança, conscientes e com capacidade de comunicação, que aceitassem participar voluntariamente no estudo. A amostra ficou constituída por 385 indivíduos, estratificados em função do sexo e grupo etário.

  1. c) Procedimentos da colheita de dados

O presente estudo foi desenvolvido no centro de saúde de Santa Maria de Bragança e a recolha de informação decorreu no período compreendido entre setembro a dezembro de 2015. Os Idosos que recorreram ao Centro de Saúde e os que foram visitados no domicílio no horário das 8h às 20h, que preenchiam os critérios de inclusão foram abordados e convidados a participarem no estudo.

A colheita de dados foi efetuada por uma única investigadora, mediante realização de entrevista e medições antropométricas. Para a realização destas, recorreu aos mesmos instrumentos e técnicas, minimizando a possibilidade de viés.

Para realizar a medição da altura utilizou-se um estadiómetro acoplado à balança (SECA®). Em idosos sem mobilização recorreu-se à fórmula para estimativa indireta da altura de Chumlea et al. (26). Para determinar o peso dos idosos que tinham mobilidade utilizou-se uma balança digital (SECA®); nos idosos sem mobilidade recorreu-se à fórmula para estimativa indireta do peso de Rabito et al. (27). O perímetro braquial foi medido no membro superior não dominante, no ponto médio entre o acrómio e o olecrânio com uma fita métrica (maleável), com a precisão de 1mm, sem compressão dos tecidos, com o idoso sentado ou em decúbito dorsal. Para determinar o perímetro geminal posicionou-se o joelho num ângulo de 90º em relação à coxa. A fita métrica foi colocada em volta da barriga da perna na porção mais larga e procedeu-se à leitura do valor obtido, sem compressão dos tecidos (28).

O tempo médio para a colheita de dados de cada participante foi de aproximadamente 35 minutos, variável de acordo com a capacidade de mobilização do idoso.

  1. e) Tratamento de Dados

O tratamento estatístico foi efetuado com recurso ao programa informático Statistical Package for the Social Sciences - SPSS for Windows, versão 20.0.

A análise estatística dos resultados obtidos foi realizada através de tabelas de contingência com aplicação do teste do qui-quadrado com o objetivo de avaliar a independência das variáveis. Posteriormente recorreu-se ao cálculo dos odds ratio e respetivos valores de prova de forma a especificar em função das variáveis independentes, os idosos com maior/menor probabilidade de estado nutricional normal segundo o instrumento MNA®.

RESULTADOS

A amostra é composta por 385 utentes com pelo menos 65 anos, dos quais 56,4% são mulheres e 43,6% são homens. Relativamente à variável idade, constata-se uma idade média de 76,39 anos com desvio padrão de 7,18 anos, a partir de um mínimo de 65 e de um máximo de 98 anos (Tabela 1).

Caraterização do Estado Funcional

A caraterização da funcionalidade por atividade (Tabela 2) revela que em todos os itens avaliados a maioria dos registos acontece na opção independente. Conforme os pontos de corte previamente estabelecidos verifica-se que a maioria dos utentes (86,8%) é funcionalmente independente e os restantes apresentam algum tipo de dependência (Tabela 3).

Caraterização do Estado Nutricional segundo o MNA®

A caraterização dos idosos segundo a triagem estabelecida pela aplicação do MNA® (Tabela 4), indica que 53,2% dos idosos não teve perda de apetite nos últimos três meses e 46,5% tiveram perda moderada de apetite. Relativamente à perda ponderal nos últimos três meses, observa-se que 92,5% dos idosos não tiveram perdas de peso, 7% perderam 1 a 3 kg e 0,5% perderam mais de 3 kg. Quanto à mobilidade verifica-se que a maioria sai do domicílio (89,1%). Dos idosos em estudo constata-se que 16,1% passaram por algum stress psicológico ou doença aguda nos últimos três meses. Quanto aos problemas neuro psicológicos, estes são do tipo moderado em 26,5% dos idosos e graves em 2,1%; Relativamente ao IMC apresentado constata-se que 86,5% dos idosos tem valores superiores ou iguais a 23 pontos e 6 idosos apresentam valores inferiores a 19 pontos.

Da aplicação do MNA, secção inicial obtém-se um score indicativo de que 289 (75%) idosos em estudo apresentam estado nutricional normal e que aos restantes 96 idosos (25%) deve ser aplicada a avaliação global do MNA®. Da avaliação global do instrumento MNA® (Tabela 5), observa-se que a maioria (71,9%) vive em casa própria, 86,5% dos idosos toma três ou mais medicamentos diferentes por dia e 24% tem escaras ou feridas cutâneas. Relativamente à alimentação destes idosos verifica-se que a maioria (78,1%) toma três refeições completas por dia; 89,6% dos idosos consome por dia pelo menos duas porções de fruta/vegetais e 51% bebe diariamente 3 a 5 copos/chávenas de água, sumo, café, leite ou chá. Constata-se também que a maioria dos idosos (70,8%) alimenta-se sozinho sem dificuldade, 69,8% dos idosos acredita não ter problema nutricional e 66,7% acredita que tem um estado de saúde pior quando se compara com outros nas mesmas condições. Quanto ao perímetro do meio braço, a maioria dos idosos apresenta valores acima da média e no caso do perímetro da barriga da perna, a maioria apresenta resultados que indicam deficit de massa magra.

Através da pontuação total obtida pelo instrumento MNA®, classificam-se 3 (0,8%) idosos em estado desnutrido; 93 (24,16%) em risco de desnutrição e os restantes 289 (75%) em estado nutricional normal. Nas mulheres, a faixa etária com maior relevância em risco de desnutrição é entre 75 a 84 anos e nos homens é a faixa dos 65 aos 74 anos (Tabela 6). Os resultados demonstram que o estado nutricional segundo MNA está significativamente associado ao nível de independência em cada uma das atividades básicas da vida diária, bem como ao nível de independência global (p <0,001). São os idosos independentes que apresentam maior probabilidade de estarem em estado nutricional normal face os idosos com dependência ligeira a moderada (Tabela 7). Pela determinação do odds ratio é possível afirmar que os idosos independentes apresentaram maior probabilidade de estarem em estado nutricional normal face os idosos com dependência ligeira a moderada, em cerca de 10 vezes. Realça-se ainda que os idosos independentes em cada uma das atividades básicas da vida diária apresentam maior probabilidade de possuírem um estado nutricional normal face aos idosos com algum grau de dependência.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

No trabalho atual constata-se uma idade média dos idosos de 76,39 anos sendo a idade média das mulheres de 76,77 anos e nos homens a média é de 75,90 anos.

No que diz respeito à aplicação do MNA® identificam-se 3 idosos desnutridos, 93 em risco de desnutrição e 289 em estado nutricional normal. Apesar da baixa prevalência de desnutrição, o número de idosos em risco nutricional é preocupante. De uma forma geral, na comunidade, os níveis de desnutrição são mais baixos do que em idosos institucionalizados. Segundo um estudo de Guigoz e Vellas (29), o MNA®foi utilizado para rastrear/avaliar 14.149 idosos, na comunidade, 3.119 em unidades residenciais e 8.596 em instituições hospitalares. Os resultados indicaram risco/desnutrição na comunidade com uma prevalência de 26%, nas unidades residenciais para pessoas idosos de 54% e 70% em instituições hospitalares. Estudos de grande escala no Reino Unido e Holanda têm mostrado também que cerca de 1 em cada 4 pacientes estão em risco de desnutrição após admissão hospitalar e muitos mais não são diagnosticados devido ao rastreio inadequado (30).

O conceito de que o estado nutricional dos indivíduos idosos é o fator chave do envelhecimento saudável tem sido corroborado por diversos estudos (31-33), verificando-se que os idosos desnutridos apresentam padrões de morbilidade e mortalidade mais graves do que os indivíduos da mesma idade com correto estado de nutrição. A malnutrição é assim identificada como uma componente de fragilidade em pessoas idosas (34), sendo muitas vezes sub diagnosticada. A deteção precoce permite uma intervenção atempada, com estabelecimento de objetivos de intervenção nutricional, implementação de suporte nutricional individualizado e a sua estreita monitorização (35).

O local onde os idosos habitam também determina o seu estado nutricional, a qualidade de vida e mesmo o seu bem-estar físico e psicológico. A maioria dos idosos da amostra habitam em “ casa própria”, o que segundo a literatura, dispõe a que os mesmos possuam condições mais adequadas para uma alimentação de qualidade, no entanto, a solidão, a falta de convívio e as dietas monótonas parecem ser fatores de risco para a malnutrição neste grupo etário (36).

A polimedicação é comum na terceira idade, pois é frequente o aparecimento de mais do que uma patologia no mesmo idoso. Na amostra em estudo 86,5% dos idosos toma três ou mais medicamentos diferentes por dia, o que segundo a literatura aumenta a probabilidade dos idosos apresentarem alterações nutricionais, quer pela própria doença, quer pela intervenção terapêutica que a patologia requer. Se por um lado, o estado nutricional do idoso interfere com a farmacocinética, o consumo de fármacos também pode condicionar o estado nutricional (37, 38).

No que respeita à dependência funcional de idosos, dados da literatura (39) também revelam que a maioria dos idosos não institucionalizados são independentes nas suas atividades de vida diária (AVD). No entanto, cerca de 50% da população idosa tem muita dificuldade ou não consegue realizar pelo menos uma das 6 atividades do seu dia-a-dia, destacando-se a dificuldade em subir/descer escadas (40).

No que diz respeito à relação entre a pontuação do MNA e a capacidade funcional, tendo em conta a realização das AVD, o estado nutricional está significativamente associado ao nível de independência do idoso, dados consistentes com o estudo de Andre et al (41), onde 94,3% dos idosos desnutridos apresentavam limitações para a realização das suas AVD, em comparação com 11,8% dos idosos bem nutridos. Um estudo realizado em larga escala nos Estados Unidos da América revela também que um estado nutricional normal estava associado a baixo risco de incapacidade (42). Conforme demonstrado na literatura, tanto o baixo peso quanto o excesso de peso em idosos residentes na comunidade, podem comprometer a capacidade funcional no individuo idoso (43), destacando-se o baixo peso como um importante fator de risco para a dependência dos idosos, independente dos outros fatores analisados (44). A compreensão sobre o grau de associação entre esses fatores pode favorecer a elaboração de propostas que visem a melhoria da saúde, nomeadamente do estado nutricional e da qualidade de vida neste grupo etário.

CONCLUSÕES

Envelhecer com autonomia, independência e qualidade de vida constitui uma aposta à responsabilidade individual e um desafio para a sociedade em geral. A evidência científica é consistente e consensual de que a malnutrição é um grave problema da saúde pública, com implicações dramáticas na saúde coletiva. A deteção precoce permite uma intervenção eficaz e proativa, com implementação de um apoio nutricional individualizado e consequente monitorização. Neste contexto, os cuidados de saúde primários representam um vetor fundamental para intervir na promoção de hábitos alimentares saudáveis e na prevenção da malnutrição. Os mesmos devem fornecer uma assistência diferenciada, pautada pela sinergia de esforços das equipas multidisciplinares.

 

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Endereço para correspondência

Ana Maria Pereira

Instituto Politécnico de Bragança-ESSa,

Avenida D. Afonso V,

5300-121 Bragança, Portugal

amgpereira@ipb.pt

 

Recebido a 14 de janeiro de 2017

Aceite a 14 de fevereiro de 2018

 

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