SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número30CONSUMO DE OVOS E DOENÇAS VASCULARES - QUAL A SUA ASSOCIAÇÃO?CÃIBRA MUSCULAR ASSOCIADA AO EXERCÍCIO: HÁ ALGUMA SOLUÇÃO NUTRICIONAL? índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.30 Porto set. 2022  Epub 05-Mar-2023

https://doi.org/10.21011/apn.2022.3008 

Artigo de revisão

O PAPEL DO ARANDO NA PREVENÇÃO DAS INFEÇÕES DO TRATO URINÁRIO: UMA REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA

THE ROLE OF CRANBERRY IN THE PREVENTION OF URINARY TRACT INFECTIONS: A NARRATIVE REVIEW OF THE LITERATURE

Diana Santos1 

Rui Jorge1  * 

1School of Health Sciences, Polytechnic Institute of Leiria,Campus 2, Morro do Lena - Alto do Vieiro, Apartado 4137, 2411-901 Leiria, Portugal


RESUMO

Os extratos de arando têm vindo a ser testados como suplemento nutricional eficaz na prevenção das infeções do trato urinário, sendo considerados uma alternativa natural ao uso da terapêutica antibiótica. O arando apresenta uma composição rica em flavonóides cujo papel aparenta estar envolvido na redução da prevalência e da sintomatologia das infeções do trato urinário. Ao que parece, a eficácia dos seus compostos ativos na prevenção bacteriana depende se este é consumido sob a forma natural do fruto (baga), em sumo ou, por outro lado, se é suplementado através de cápsulas, comprimidos ou produtos gelatinizados.

Os principais objetivos da presente revisão narrativa da literatura centram-se em dois pontos principais: (1) rever os argumentos existentes na literatura acerca do papel do arando na prevenção das infeções do trato urinário; (2) identificar quais os produtos à base de arando mais eficazes na prevenção deste tipo de infeções.

PALAVRAS-CHAVE: Arando; Infeção urinária; Prevenção; Suplementação nutricional; Trato urinário

ABSTRACT

Cranberries have been tested as an effective nutritional supplement in the prevention of urinary tract infections, being considered a natural alternative to antibiotic therapy. This fruit is rich in flavonoids, which appear to be involved in reducing the prevalence and symptoms of urinary tract infections. It appears that the efficacy of its active compounds in bacterial prevention depends on whether it is ingested in the form of berries, juice, capsules, tablets, or gelatinised products.

The main objectives of this narrative literature review focused on two main points: (1) reviewing the arguments in the literature on the role of cranberries in the prevention of urinary tract infections; (2) identifying which cranberry-based products are more effective in the prevention of this type of infection.

KEYWORDS: Cranberry; Urinary infection; Prevention; Nutritional supplementation; Urinary tract

INTRODUÇÃO

Estamos perante uma infeção do trato urinário (ITU) quando a quantidade de bactérias patogénicas presentes na urina é superior a 100,000 UFC/mL (1, 2). As ITU são o segundo tipo de infeção bacteriana mais comum em todo o mundo (3, 4), e a mais prevalente na comunidade, em contexto de internamento ou ambulatório (5). Podem levar a um aumento da morbilidade causando estenoses, fístulas, bacteremia, sepse, pielonefrite e disfunção renal, bem como ao aumento da taxa de mortalidade, que na população adulta/idosa, é aproximadamente de 1% nos homens e 3% nas mulheres (6).

A bacteriúria é a sintomatologia mais comum neste tipo de infeção (5), existindo outros sinais e sintomas característicos na população adulta e idosa: urina turva e por vezes hematúria; disúria; necessidade urgente e frequente em urinar; piúria; dores musculares e abdominais; náuseas e mal-estar geral (1, 4, 7). Nas crianças, os sintomas mais recorrentes são a febre, letargia, vómitos e baixa ingesta alimentar (1, 2). Na prática clínica, as ITU são responsáveis por 30 a 40% das infeções tratadas em contexto hospitalar (8), sendo um dos principais motivos para a realização de consultas médicas de emergência (9). O agente etiológico responsável pela maioria dos casos de infeção é a Escherichia coli. (E.coli), causando cerca de 70% a 80% do total de infeções (4, 7, 8). A Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis, (7, 8) Enterococcus faecalis, Staphylococcus saprophyticus (4) e as bactérias que colonizam a flora vaginal, a Ureaplasma urealyticum e a Mycoplasma hominis, também podem estar na origem deste tipo de infeções (8).

Apesar de raros, existem casos de ITU recorrente (ITUr) associados à Pseudomonas aeruginosa, podendo ser considerada a causa provável de ITU na população pediátrica. O diagnóstico das ITUr nesta população torna-se um grande desafio para os profissionais de saúde, especialmente quando se trata de crianças em estado febril (7).

Atualmente, a única terapêutica utilizada no tratamento e profilaxia das ITU, consiste no uso de antibióticos que, na maioria das vezes, é baseado numa escolha empírica, isto é, o tipo de antibiótico prescrito resulta apenas das observações históricas e do contexto epidemiológico (10).

O aumento da prevalência das bactérias resistentes responsáveis pelas ITU, está diretamente relacionado com a prescrição inadequada de antibióticos, sendo este o principal fator da resistência generalizada aos antibióticos, tanto em contexto hospitalar quanto na comunidade (11). Em Portugal, a E.coli apresenta uma resistência notável às penicilinas, cotrimoxazol e quinolonas, e baixa resistência à fosfomicina e nitrofurantoína. A Direção-Geral da Saúde (DGS) desaconselha o uso das quinolonas, uma vez que estas apresentam taxas de resistência mais elevadas, promovendo desta forma a seleção de bactérias multirresistentes. A resistência aos antibióticos é um problema de Saúde Pública atual e crescente, em contexto nacional e europeu podendo, no futuro, pôr em causa a utilidade e eficácia dos mesmos. É fundamental perceber o padrão de suscetibilidade antimicrobiano, a fim de limitar as resistências aos antibióticos. Este padrão pode variar amplamente entre regiões demográficas, dentro do mesmo país (10). Embora a utilização do arando na prevenção, no alívio dos sintomas e no tratamento das ITU seja quase ancestral, o seu mecanismo de ação ainda não é totalmente claro, sendo ainda escassas as evidências que o demonstrem (4, 7, 12, 13). Este fruto apresenta ainda outras características como: atividade antibacteriana, antiviral, anticarcinogénica e antioxidante (14, 15) e os seus fitoquímicos parecem interferir com a aderência das bactérias às células epiteliais do trato urinário, suprimindo as cascatas inflamatórias (3, 5, 16).

Dado o interesse crescente pelo arando e pelas suas características na prevenção de ITU, o objetivo desta revisão da narrativa é compilar, de forma detalhada o conhecimento existente acerca desta temática.

METODOLOGIA

A pesquisa dos artigos científicos efetuou-se entre os meses de março e abril de 2022, nas bases de dados Pubmed e ScienceDirect, utilizando as seguintes palavras-chave: “cranberry”, “urinary tract infections”, “prevention”, aplicando o operador booleano “AND”. Não foi imposta nenhuma restrição temporal ou de idioma dos artigos. Excluíram-se artigos de opinião e estudos que incidiram em animais. Após a procura de todos os artigos, obteve-se um total de 547 artigos, onde 455 foram excluídos após a leitura parcial ou integral do abstract/ resumo. Foram identificados 28 artigos potencialmente relevantes, no entanto, 5 destes artigos não abordaram os principais objetivos desta revisão, tal como demonstrado na Figura 1.

Adicionalmente, foi considerada a pesquisa na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e na Acta Médica Portuguesa, através dos quais foi possível selecionar 2 artigos.

Os ensaios clínicos aleatorizados e controlados foram preferenciais, no entanto permaneceram também incluídos estudos observacionais em humanos, estudos in vitro e revisões sistemáticas da literatura com meta-análise.

Fatores de Risco

O risco de infeção urinária estende-se a toda a população do sexo masculino e feminino, desde bebés, mulheres grávidas, idosos, diabéticos, indivíduos com disfunções da bexiga (neoplasias ou lesões da medula espinhal), pacientes com esclerose múltipla ou vírus/ doença da imunodeficiência humana (VIH/SIDA), com cateteres e em casos pós-cirúrgicos (1, 3, 5, 8, 17). Os picos de incidência das ITU encontram-se na faixa etária dos 20 anos e depois dos 85 (4).

A população feminina é mais suscetível a este tipo de infeção devido à anatomia do períneo e consequente ascensão das bactérias fecais pelo trato urinário (18) e cerca de 50% a 60% das mulheres saudáveis experiencia uma ITU, pelo menos, uma vez durante toda a sua vida (3, 13, 18).

As mulheres jovens e sexualmente ativas desenvolvem frequentemente ITU após a relação sexual, dada a deslocação das bactérias para a bexiga, sendo que 25 a 35% tem um episódio de infeção urinária recorrente (ITUr) no ano seguinte (3 -5). Na mulher adulta, o risco de desenvolvimento de uma ITU é 50 vezes superior ao do homem, sendo particularmente comum em mulheres com idade mais avançada (3,19). No que concerne às crianças, estas poderão desenvolver a infeção devido à presença de anomalias estruturais nas vias urinárias, o que as torna mais predispostas a oscilações do fluxo urinário e à entrada de bactérias desde a zona uretral até à bexiga e/ou rins (14).

O Arando como Alterativa Natural aos Antibióticos

Os antibióticos são os mais utilizados e eficazes no tratamento das ITU, principalmente em indivíduos mais velhos (15), podendo ser prescritos também como profilaxia, especialmente em mulheres em pré-menopausa (3, 4, 13).

A gestão atual das ITUr inclui tomas repetidas de antibióticos ou a profilaxia de longa duração em baixas dosagens (19, 20). As ITUr definem-se pela ocorrência de pelo menos três episódios de infeção num ano ou, pelo menos, dois episódios em 6 meses (8, 17).

Figura 1: Fluxograma da seleção de artigos 

A grande desvantagem da utilização dos antibióticos na prevenção e no tratamento das ITU prende-se no aumento das taxas de resistência bacteriana, bem como na desregulação da microbiota intestinal (3, 7, 17). Para além disto, o uso recorrente de antibióticos nas ITUr, pode apresentar efeitos secundários como infeções fúngicas das mucosas oral e vaginal, e gastrointestinais por Clostridium difficile (8, 20).

Num estudo controlado e aleatorizado com 137 mulheres de idade mais avançada, observou-se que a toma do antibiótico Trimetoprima (100 mg) durante um período de 6 meses teve uma vantagem pouco relevante na prevenção de ITUr em relação ao extrato de arando (500 mg) no mesmo período de tempo. Ademais, o uso dos extratos deste fruto torna-se bastante apelativo, uma vez que não apresenta risco de superinfeção por fungos ou pela bactéria Clostridium difficile, é menos dispendioso e uma opção natural (19). Neste sentido, o interesse na procura e no desenvolvimento de alternativas mais acessíveis, não antibióticas e naturais para a prevenção e tratamento destas infeções tem sido cada vez maior (8, 12).

O arando (Vaccinium macrocarpon), mirtilo vermelho ou também conhecido por “cranberry”, tem vindo a ser utilizado pelos índios norte- americanos para tratar as ITU e é atualmente, um fruto reconhecido como uma dessas alternativas (3, 20). É rico em água (88%-90%), frutose, vitamina C (200 mg por kg de bagas frescas) e em compostos fenólicos dos quais proantocianidinas (PAC), antocianidinas e ácidos benzóico e ursólico (1, 3, 4, 20).

São numerosos os estudos realizados in vitro que asseguram a eficácia do arando na prevenção das ITU. Estes fundamentam-se na composição específica do fruto em protoantocianidinas (PAC) e na capacidade destas em inibir a adesão das bactérias aos recetores das células uroepiteliais, interagindo com as fímbrias-p (a-galactose-1-4) das estirpes bacterianas da E.coli (1, 13, 14, 17, 20, 21) e com a superfície e virulência da Helicobacter pylori (14, 21, 22).

A Ingestão e Suplementação de Arando na Prevenção das ITU

Atualmente, são diversos os estudos que avaliam a eficácia da suplementação de produtos com extrato de arando na prevenção das ITU em diferentes subpopulações. Através dos seus resultados é possível afirmar que a suplementação parece ter um papel profilático na recorrência das infeções, no entanto, exerce baixa eficácia nos indivíduos mais suscetíveis (4). O arando é habitualmente consumido na sua forma natural (baga fresca ou seca) e em sumos, podendo também ser ingerido através de preparações galénicas variadas, tais como xaropes, cápsulas, comprimidos, pós ou em produtos gelatinizados (1, 9, 22, 23).

Na investigação, as preparações utilizadas com maior frequência são o sumo, as cápsulas e/ou os comprimidos contendo determinadas quantidades de PAC. (15). Dependendo do produto, a quantidade do composto ativo varia, por exemplo, uma cápsula poderá conter um teor de PAC equivalente a 470 mL de sumo puro deste fruto. A utilização do seu concentrado também já foi estudada em pacientes do sexo feminino com mais de 65 anos e com cateter urinário, e o uso deste tipo de preparação não parece prevenir efetivamente as ITU (15). Num ensaio clínico aleatorizado e controlado realizado em 263 crianças, que comparou o placebo com os produtos à base de arando, foi demonstrado que os produtos com arando reduziram significativamente a incidência da infeção, sendo também menor, o número total de episódios de infeção por ano (7).

De acordo com uma revisão sistemática Cochrane realizada em 2008, em 10 ensaios aleatorizados com 1 049 participantes, verificou-se que a ingestão do sumo de arando nestes pacientes reduziu o número de infeções sintomáticas num período de 12 meses, particularmente em mulheres com ITUr (2).

Noutra revisão de 24 estudos e 4 473 participantes, foi comparada a ingestão do sumo de arando com placebo e a ausência de qualquer tratamento. Verificou-se uma ligeira tendência para a diminuição do número de casos de ITU nos indivíduos que ingeriram o sumo de arando, no entanto, os casos de abandono deste grupo foram bastante significativos. Nesta revisão, o sumo de arando não pareceu ser benéfico na prevenção das ITU (1).

A ingestão do sumo deste fruto parece reduzir a prevalência da sintomatologia e do aparecimento de ITUr em populações mais suscetíveis, como é o caso das mulheres idosas e das crianças. Foi realizado um estudo duplamente cego em um grupo de mulheres idosas, a viver numa residência sénior onde foram fornecidos 300 mL de sumo de arando diariamente, por um período de 6 meses. Após o primeiro mês, observou-se uma diminuição significativa na prevalência de bacteriúria com piúria. Num ensaio clínico aleatorizado e controlado realizado em 263 crianças, que comparou o placebo com os produtos à base de arando, foi demonstrado que os produtos com arando reduziram significativamente a incidência da infeção sendo também menor, o número total de episódios de infeção por ano (7).

A eficácia do consumo das bagas de arando também já foi avaliada, através de um estudo realizado em 135 pacientes com esclerose múltipla, onde se constatou que no grupo que ingeriu menos de 8 gramas do fruto, cerca de 34,6% desenvolveram ITU, bem como em 32,4% dos indivíduos que receberam o placebo. Assim, o estudo permitiu concluir que a ingestão de arando sob a forma de baga parece não ter efeito na prevenção deste tipo de infeção (p=não significativo) (14).

Os ensaios clínicos sobre a eficácia do consumo de sumo de arando na prevenção das ITU são contraditórios, mas sugerem que as mulheres com infeções recorrentes possam receber um ligeiro benefício (23). Num grupo de pacientes que recebeu extratos de arando durante 12 semanas, a colonização e a multiplicação bacterianas diminuíram quando comparadas com o placebo. Para além disto, no grupo que recebeu o extrato, verificou-se uma redução do pH da urina e ausência de sintomas como a disúria, piúria e bacteriúria. Durante 24 semanas, 185 mulheres beberam 240 mL de sumo de arando, enquanto outras 185 ingeriram uma bebida placebo. Os resultados demostraram que o sumo de arando reduziu a incidência da infeção, tendo um efeito preventivo (8).

Por outro lado, o uso de cápsulas com 32 mg de PAC demonstrou ser uma alternativa viável ao sumo. Um estudo piloto, utilizou cápsulas com 36 a 108 mg de PAC, onde foi observada uma tendência para a diminuição da bacteriúria e piúria (24).

Num outro ensaio clínico aleatorizado e controlado de 24 semanas, foi avaliada a ingestão de doses diárias padronizadas de PAC: num grupo houve a ingestão diária de 37 mg de PAC sob forma de cápsula; noutro grupo foi utilizado um suplemento de arando comercialmente disponível, com um mínimo de 15% de PAC. Este estudo revelou que as altas dosagens de PAC não estão associadas à redução do número de infeções sintomáticas quando comparadas com as baixas dosagens. Não obstante, foi possível concluir que as altas dosagens de PAC podem ter um efeito preventivo nas ITUr sintomáticas, em mulheres que apresentem recorrências inferiores a 5 infeções por ano (9).

ANÁLISE CRÍTICA

As infeções do trato urinário constituem um problema de Saúde Pública que afeta cerca de 150 milhões de pessoas em todo o mundo e implica um gasto de milhares de milhões de euros por ano no seu diagnóstico e tratamento (5, 20, 21).

A fim de minimizar as taxas de morbilidade e mortalidade, os custos em saúde e a resistência bacteriana causada pelo uso prolongado dos antibióticos, urge a necessidade de encontrar um suplemento nutricional natural com ampla bioatividade e um papel preventivo nas ITU.

São reconhecidos os benefícios do arando na prevenção das ITU em mulheres saudáveis, no entanto, a sua eficácia é ainda controversa, dada a inconsistência nas metodologias, heterogeneidade e na variabilidade dos participantes dos estudos realizados, entre eles as crianças, mulheres grávidas e idosos (3).

De acordo com a evidência científica de que dispomos atualmente, é questionável o uso do sumo de arando como alternativa não farmacológica na prevenção das ITU, apesar da maioria dos estudos in vitro afirmar que o arando apresenta uma grande capacidade em inibir a adesão, das bactérias causadoras de infeção, às células do trato urinário (Tabela 1). In vivo, o seu uso é apoiado pela medicina tradicional como terapêutica preventiva de patologias do trato urinário (4).

A ingestão de 500 mg de extrato de arando, sob a forma de comprimido, em pacientes com lesão medular parece reduzir a probabilidade de ocorrência de ITU nestes indivíduos, em comparação com o grupo placebo. Neste estudo aleatorizado e controlado comparou-se a ingestão do comprimido, durante 6 meses, com o uso de placebo, onde foi possível observar-se uma redução da ocorrência de ITU em todos os indivíduos que receberam o extrato de arando (25).

Outros estudos com o mesmo desenho permitiram observar que as PAC são pouco absorvidas e difíceis de quantificar na urina, sendo que cada indivíduo apresenta uma absorção e microbiota intestinal variáveis, fatores que poderão explicar as diferentes taxas de eficácia das PAC nos diversos produtos que utilizam os extratos de arando (9). Por forma a serem conseguidos níveis de PAC ideais para a prevenção das ITU, os indivíduos precisariam de ingerir o sumo de arando duas vezes ao dia, numa quantidade de 150 mL ou consumir as bagas frescas por um período de tempo longo e indeterminado, o que poderia traduzir-se numa baixa adesão ou desistência por parte dos sujeitos, dado o sabor agro e a reduzida palatabilidade de ambos (1,7, 15, 22). A literatura sugere que os flavonóides podem ser facilmente degradados durante o processamento devido a distintos fatores que afetam a sua estabilidade como são a temperatura, a luz e o pH (22). Neste sentido, um desafio futuro que se coloca é a quantificação dos compostos ativos contidos nos produtos à base de arando e a avaliação da sua concentração no sangue e/ou na urina dos participantes (14, 23).

É então fundamental a normalização e a padronização das concentrações dos compostos fenólicos ativos do arando, por forma a obter-se uma formulação de um suplemento alimentar segura e confiável (1, 22).

Esta revisão narrativa da literatura apresenta algumas limitações, tais como a ausência de triangulação entre os autores aquando da seleção dos artigos científicos e, por se tratar de uma revisão narrativa da literatura, poderá apresentar subjetividade implícita a essa mesma seleção. Estes são fatores que podem tornar este artigo de revisão não rigorosamente reprodutível e induzir a potenciais vieses.

Tabela 1: Visão geral dos estudos incluídos na Revisão Narrativa sobre o Arando na Prevenção das Infeções do Trato Urinário (n=25) 

Tabela 1: Visão geral dos estudos incluídos na Revisão Narrativa sobre o Arando na Prevenção das Infeções do Trato Urinário (n=25) (continuação) 

Tabela 1: Visão geral dos estudos incluídos na Revisão Narrativa sobre o Arando na Prevenção das Infeções do Trato Urinário (n=25) (continuação) 

ITU: Infeção do Trato Urinário

ITUr: Infeção do Trato Urinário Recorrente

LM: Lesão Medular

N: Amostra da população dos estudos

PAC: Protoantocianidinas

CONCLUSÕES

Existe um interesse crescente na procura de opções naturais que substituam os antibióticos, dado que o uso regular desta terapêutica promove o aumento das taxas de resistência bacteriana e a desregulação da microbiota intestinal.

O arando, através dos seus compostos ativos nomeadamente as PAC, parece ser uma alternativa possível e provável aos antibióticos. Não estão descritos quaisquer riscos associados à ingestão deste fruto seja in natura ou sob a forma de extratos, sendo que a maioria dos estudos in vivo concluem que o seu consumo é seguro em todas as faixas etárias.

Alguns estudos observacionais em humanos sugerem que tanto a ingestão do sumo de arando como a suplementação através de cápsulas e/ou comprimidos não oferecem benefícios para a maioria dos grupos populacionais. No entanto, a maioria dos resultados encontrados na literatura preconiza, com segurança, que a suplementação com diversas formulações de arando pode ser utilizada e recomendada em mulheres adultas e idosas com infeções recorrentes de modo a reduzir a sua incidência, sintomatologia e o uso da terapêutica antibiótica.

São ainda escassos os ensaios clínicos realizados em ambiente controlado, a maioria dos estudos observacionais em humanos já efetuados, incide-se em indivíduos a viverem na comunidade, o que impossibilita o controlo da ingestão, dosagem, duração e adesão por parte dos participantes, fatores que podem alterar e enviesar os resultados.

Em suma, ressalta-se a necessidade da realização de estudos futuros que quantifiquem e padronizem as concentrações das PAC (o composto ativo responsável pela inibição bacteriana), com vista ao desenvolvimento de um suplemento alimentar eficaz, palatável e economicamente acessível. Só deste modo será possível obter-se uma alegação formal de saúde e definir qual das formulações (bagas, sumo, cápsulas e/ou comprimidos) é a mais eficaz e viável na prevenção das ITU.

CONFLITO DE INTERESSES

Nenhum dos autores reportou conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO

DS: Contribuiu para a elaboração do artigo, através da realização da pesquisa, leitura e seleção da bibliografia obtida. Redigiu o manuscrito; RJ: Coordenou todas as etapas de realização, efetuou a revisão e correção científica que deu origem à versão final do artigo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Jepson RG, Williams G, Craig JC. Cranberries for preventing urinary tract infections. Sao Paulo Med J. 2013;131(5):363. [ Links ]

2. Jepson RG, Mihaljevic L, Craig JC. Cranberries for treating urinary tract infections. Cochrane Database Syst Rev. 2009;(4). [ Links ]

3. Liska DAJ, Kern HJ, Maki KC. Cranberries and urinary tract infections: How can the same evidence lead to conflicting advice? Adv Nutr. 2016;7(3):498-506. [ Links ]

4. de Llano DG, Moreno-Arribas MV, Bartolomé B. Cranberry polyphenols and prevention against urinary tract Infections: Relevant considerations. Molecules. 2020;25(15). [ Links ]

5. Xia JY, Yang C, Xu DF, Xia H, Yang LG, Sun GJ. Consumption of cranberry as adjuvant therapy for urinary tract infections in susceptible populations: A systematic review and meta-analysis with trial sequential analysis. PLoS One Internet. 2021;16(9 September):1-17. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0256992.Links ]

6. Schwenger EM, Tejani AM, Loewen PS. Probiotics for preventing urinary tract infections in adults and children. Cochrane Database Syst Rev. 2015;2015(12). [ Links ]

7. Khan A, Jhaveri R, Seed PC, Arshad M. Update on associated risk factors, diagnosis, and management of recurrent urinary tract infections in children. J Pediatric Infect Dis Soc. 2019;8(2):152-9. [ Links ]

8. Wawrysiuk S, Naber K, Rechberger T, Miotla P. Prevention and treatment of uncomplicated lower urinary tract infections in the era of increasing antimicrobial resistance-non-antibiotic approaches: a systemic review. Arch Gynecol Obstet Internet 2019;300(4):821-8. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s00404-019- 05256-z. [ Links ]

9. Babar A, Moore L, Leblanc V, Dudonné S, Desjardins Y, Lemieux S, et al. High dose versus low dose standardized cranberry proanthocyanidin extract for the prevention of recurrent urinary tract infection in healthy women: a double-blind randomized controlled trial. BMC Urol Internet 2021;21(1):1-13. Disponível em: https://doi.org/10.1186/ s12894-021-00811-w. [ Links ]

10. Machado\ G, Marinho A, Afonso J, Freitas M, Silva M, Coelho R. Infeções do trato urinário nos cuidados de saúde primários: estado da arte. Rev Port Clínica Geral. 2022;38(2):137-45. [ Links ]

11. Garau J, Nicolau DP, Wullt B, Bassetti M. Antibiotic stewardship challenges in the management of community-acquired infections for prevention of escalating antibiotic resistance. J Glob Antimicrob Resist. 2014;2(4):245-53. [ Links ]

12. Gbinigie O, Allen J, Boylan AM, Hay A, Heneghan C, Moore M, et al. Does cranberry extract reduce antibiotic use for symptoms of acute uncomplicated urinary tract infections (CUTI)? Protocol for a feasibility study. Trials. 23 de Dezembro de 2019;20(1). [ Links ]

13. Geerlings SE. Should we prevent or even treat urinary tract infections with cranberries? “. 2011;1385-6. [ Links ]

14. Blumberg JB, Camesano TA, Cassidy A, Kris-Etherton P, Howell A, Manach C, et al. Cranberries and their bioactive constituents in human health. Adv Nutr. 2013;4(6):618-32. [ Links ]

15. Simonson W. Cranberry products for urinary tract infections. Geriatr Nurs (Minneap) Internet 2017;38(4):352-3. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j. gerinurse.2017.06.012. [ Links ]

16. Ohnishi R, Ito H, Kasajima N, Kaneda M, Kariyama R, Kumon H, et al. Urinary excretion of anthocyanins in humans after cranberry juice ingestion. Biosci Biotechnol Biochem. 2006;70(7):1681-7. [ Links ]

17. Ledda A, Bottari A, Luzzi R, Belcaro G, Hu S, Dugall M, et al. Cranberry supplementation in the prevention of non-severe lower urinary tract infections: A pilot study. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2015;19(1):77-80. [ Links ]

18. Asma B, Vicky L, Stephanie D, Yves D, Amy H, Sylvie D. Standardised high dose versus low dose cranberry Proanthocyanidin extracts for the prevention of recurrent urinary tract infection in healthy women PACCANN: A double blind randomised controlled trial protocol. BMC Urol. 2 de Maio de 2018;18(1). [ Links ]

19. Mcmurdo MET, Argo I, Phillips G, Daly F, Davey P. Cranberry or trimethoprim for the prevention of recurrent urinary tract infections? A randomized controlled trial in older women. J Antimicrob Chemother. 2009;63(2):389-95. [ Links ]

20. Hisano M, Bruschini H, Nicodemo AC, Srougi M. Cranberries and lower urinary tract infection prevention. Clinics. 2012;67(6):661-7. [ Links ]

21. Urena-Saborio H, Udayan APM, Alfaro-Viquez E, Madrigal-Carballo S, Reed JD, Gunasekaran S. Cranberry proanthocyanidins-pani nanocomposite for the detection of bacteria associated with urinary tract infections. Biosensors. 2021;11(6). [ Links ]

22. Colletti A, Sangiorgio L, Martelli A, Testai L, Cicero AFG, Cravotto G. Highly active cranberry’s polyphenolic fraction: New advances in processing and clinical applications. Nutrients. 2021;13(8). [ Links ]

23. O’Connor K, Morrissette M, Strandwitz P, Ghiglieri M, Caboni M, Liu H, et al. Cranberry extracts promote growth of Bacteroidaceae and decrease abundance of Enterobacteriaceae in a human gut simulator model. PLoS One Internet. 2019;14(11):1-14. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0224836.Links ]

24. Rowe TA, Juthani-Mehta M. Diagnosis and Management of Urinary Tract Infection in Older Adults. Infect Dis Clin North Am 2014 March ; 28(1) 75-89. 2014. [ Links ]

25. Hess MJ, Hess PE, Sullivan MR, Nee M, Yalla S V. Evaluation of cranberry tablets for the prevention of urinary tract infections in spinal cord injured patients with neurogenic bladder. Spinal Cord. 2008;46(9):622-6 [ Links ]

Recebido: 13 de Maio de 2022; Aceito: 08 de Agosto de 2022

*Endereço para correspondência: Rui Jorge School of Health Sciences, Polytechnic Institute of Leiria, Campus 2, Morro do Lena - Alto do Vieiro, Apartado 4137, 2411-901 Leiria, Portugal rui.jorge@ipleiria.pt

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons