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Acta Portuguesa de Nutrição

On-line version ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.31 Porto Dec. 2022  Epub July 20, 2023

https://doi.org/10.21011/apn.2022.3110 

Artigo de Revisão

DETERMINANTES NAS PREFERÊNCIAS ALIMENTARES E SELETIVIDADE ALIMENTAR EM CRIANÇAS

DETERMINANTS OF FOOD PREFERENCES AND FOOD SELECTIVITY IN CHILDREN

Marisa Martins Gerardo1 

Tamires Pavei Macan1  * 

1 Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, Edifício 1, Piso 2, 8005-139 Faro, Portugal


RESUMO

A presente revisão narrativa procurou determinar os principais fatores influenciadores das preferências e escolhas alimentares, bem como do desenvolvimento de seletividade alimentar, durante a infância. Assim, foram descritos possíveis determinantes presentes desde a preconceção até ao fim da introdução alimentar, período este caracterizado como o mais influente no desenvolvimento destas preferências. Os principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento das preferências alimentares e da seletividade alimentar nas crianças mencionados nesta revisão foram: os fatores biológicos; a introdução alimentar; as práticas parentais; os fatores psicológicos, sociais, culturais e económicos e a influência do marketing. A intervenção nestes determinantes funde-se com a prevenção de maus hábitos alimentares e também com a promoção da saúde em todo o ciclo de vida.

PALAVRAS-CHAVE: Crianças; Introdução alimentar; Preferências alimentares; Preferências inatas; Seletividade alimentar

ABSTRACT

This narrative review aimed to determine the main factors influencing food preferences and choices, as well as the development of food selectivity, during childhood. Possible determinants presente from preconception to the end of food introduction were described, a period characterized as the most influential in the development of these preferences. The main factors responsible for the development of food preferences and food selectivity in children mentioned in this paper were: biological factors; the food introduction; parenting practices; psychological, social, cultural and economic factors and the influence of marketing. Intervention in these determinants merges with the prevention of bad eating habits and also with the promotion of health throughout the life cycle.

KEYWORDS: Children; Food introduction; Food preferences; Innate preferences; Food selectivity

INTRODUÇÃO

As preferências e comportamentos alimentares desenvolvidos nos primeiros anos de vida moldam as escolhas alimentares na vida adulta, que se repercutem na qualidade da dieta. Durante esta fase inicial, toda a novidade dá lugar a transtornos como a neofobia e a seletividade alimentar (1, 2).

Existem preferências alimentares inatas que proporcionam desde início uma predisposição a determinados sabores e tipos de alimentos, nomeadamente a resposta positiva ao doce e ao salgado e a resposta negativa ao amargo. Estas preferências inatas podem ser modificadas por múltiplos fatores biológicos, sociais e ambientais, existindo ainda uma predisposição genética para a recusa de novos alimentos que deve ser contrariada de modo a impedir a evolução de um quadro de seletividade alimentar (3, 4). As preferências alimentares e a seletividade alimentar desenvolvidas durante a infância vão ser as bases das práticas alimentares futuras (1), ainda que possam sempre ocorrer alterações ao longo da vida. Posto isto, identificar os seus determinantes, possivelmente modificáveis, torna-se importante na intervenção precoce da promoção de hábitos alimentares saudáveis ao longo da vida (5).

A aprendizagem de novos sabores e o desenvolvimento de preferências começa no útero e desenvolve-se maioritariamente durante a primeira infância através de experiências sensoriais; da oferta alimentar; do contexto envolvente; da influência dos media; entre outros (4, 5). A intervenção nestes determinantes funde-se com a prevenção de maus hábitos alimentares, mas também com a promoção da saúde em todo o ciclo de vida. O objetivo desta revisão passa por determinar e entender os fatores responsáveis pelo desenvolvimento das preferências alimentares e da seletividade alimentar nas crianças, uma vez que os comportamentos adquiridos nestas idades trespassam para a adolescência e para a vida adulta, tendo o potencial de promover ou não a saúde dos indivíduos.

METODOLOGIA

As bases de dados utilizadas foram: Pubmed, Elsevier, Medline e Google Scholar. A pesquisa pretendeu a identificação de artigos publicados em inglês e português. Foi dada prioridade aos artigos publicados nos últimos 10 anos, no entanto foram selecionados artigos relevantes publicados desde 2013 a 2022. Foram selecionados 21 artigos. A pesquisa procurou os fatores que influenciam as preferências alimentares e desenvolvimento de seletividade alimentar em crianças. Os termos de pesquisa inseridos na pesquisa avançada, recorrendo aos operadores AND e OR, incluíram “early taste experiences”; “early food preferences”; “food preferences in childhood”; “food preferences”; “food choices”; “food preferences development”; “sensory learning”; “children’s eating behaviour”; “food selectivity” “factors influencing”; “determinants”; “causes”.

Preferências Inatas - Determinantes Biológicos

As preferências inatas determinam escolhas alimentares desde o nascimento. Após a conceção, é possível observar uma preferência pelo sabor doce (1, 5 - 8), por alimentos com alta densidade energética (3, 7) e pelo sabor salgado (7, 8).

Um estudo (7) realizado com bebés prematuros entre as 33 e 40 semanas pós-conceção, identificou respostas de sucção mais fortes e frequentes em bicos de látex com sacarose, do que sem sacarose, o que demonstra que esta preferência é inata. As sensações experienciadas ao saborear algo doce são mediadas por recetores gustativos periféricos e por múltiplos substratos cerebrais, que estão associados a comportamentos relacionados com a recompensa (6). A preferência prematura ao doce pode ainda estar relacionada com o seu efeito calmante e analgésico, verificado em bebés recém-nascidos (6, 9).

Esta atração, é ainda explicada pelo facto de este ser o sabor predominante do leite materno (6) e porque o mesmo pode ser reconhecido como indicador de alimentos com maior densidade calórica (3, 8), outra das preferências inatas e que podem ser resultado de uma resposta inata adaptativa de sobrevivência.

A resposta positiva ao sabor salgado também se dá desde muito cedo, ainda que não tanto como nos dois indicadores anteriores. Recém-nascidos não reagem tanto ao sabor salgado como ao doce, sendo que só a partir das duas semanas se consegue verificar uma reação significativamente positiva (8).

A aversão ao sabor amargo, que se dá desde a conceção, vai influenciar as escolhas alimentares (7). Conhecem-se, atualmente, 25 recetores do sabor amargo (6, 7). O TAS2R38 é um destes e a sua variação genética traduz-se em diferenças individuais na sensibilidade gustativa para o composto amargo, 6-n-propiltiouracil (PROP), presente em alguns hortícolas. Ou seja, crianças com pouca sensibilidade ao PROP podem ser mais propensas a aceitar hortícolas do que crianças com alta sensibilidade. No entanto, foi demonstrado que as relações genótipo-fenótipo são modificadas com a idade. Apesar do genótipo ser o mesmo, verificou-se um fenótipo diferente entre crianças e adultos, tendo os últimos uma menor sensibilidade (6). Tem-se, portanto, que o genótipo encontrado nas crianças não é fator determinante nas escolhas alimentares ao longo da vida, ocorrendo uma modificação, algures durante a adolescência (6).

Outro determinante biológico é a predisposição para a aversão a novos alimentos (neofobia) desde o nascimento até aos seis anos de idade (4).

Se estas tendências alimentares inatas não sofressem alterações por outros estímulos, toda a saúde seria comprometida, já que as nossas necessidades biológicas estão em constante mudança.

Exposição Pré-natal e Aleitamento

As tendências inatas podem ser contrariadas desde os momentos da preconceção. A capacidade para detetar sabores e cheiros desenvolve-se durante a gestação, no útero. O contacto do feto com o líquido amniótico, que pode conter aromas provenientes da dieta da mãe (1, 3, 7), bem como o leite materno após a conceção, são de extremo interesse para exposição a novos sabores e prevenção de seletividade alimentar (1, 7, 10). Crianças cujas mães têm uma dieta saudável apresentam uma maior probabilidade de aceitar esses alimentos (7). Estudos comprovam os benefícios do aleitamento materno em relação às fórmulas infantis (11). Enquanto o aleitamento materno expõe a criança aos sabores da dieta da mãe, que se alteram constantemente (5); as fórmulas infantis expõem as crianças a sabores que não são familiares e cuja probabilidade de estarem presentes na dieta familiar é reduzida (7).

Inicialmente, estes são os estímulos com mais influência nas preferências alimentares. Estudos sugerem que crianças alimentadas pelo leite materno apresentam menor seletividade alimentar e estão mais disponíveis a experimentar e aceitar novos sabores e alimentos (5, 8).

Introdução Alimentar

A fase da introdução alimentar é considerada um momento de aprendizagem e de desenvolvimento dos sentidos. É recomendado que se inicie a introdução de alimentos aos 6 meses de idade, no entanto, estudos sugerem que quanto mais cedo começa a introdução, maior é a aceitação de novos alimentos (12). Devido à neofobia normal durante a introdução de alimentos, até aos seis anos, a introdução pode apresentar alguma resistência por parte das crianças, tal, trata-se de uma defesa adaptativa à segurança alimentar das mesmas (5). Crianças com menos de 24 meses são mais recetivas a experimentar novos alimentos do que crianças mais velhas, tornando-se a partir desta idade mais difícil a aceitação de novos alimentos e o combate à neofobia característica desta fase (2). O grupo dos hortícolas, especialmente os hortícolas verdes, deve ser introduzido primeiro do que o grupo das frutas, uma vez que as preferências inatas das crianças ao doce, poderão interferir com a aceitação do amargo, aversão inata (7). Estudos comprovaram que começar pelos hortícolas aumentava a aceitação dos mesmos, algo que começar com o grupo da fruta não proporcionava (11).

Exposição

A seletividade alimentar, pode desenvolver-se durante a introdução alimentar, em conjunto com a neofobia. Um dos processos associados à introdução alimentar é a exposição repetida. São necessárias várias exposições a um alimento até que este seja aceite. Ainda que não haja um consenso entre autores no número de exposições necessárias, o recomendado inclui-se entre as 6 e as 15 exposições (1, 5, 10, 13). Este processo é denominado familiarização e demonstra ter um papel determinante na aceitação dos alimentos durante a introdução alimentar, especialmente de hortícolas (2, 5, 13).

Estudos demonstraram uma relação positiva entre a exposição repetida e o alimento a ser introduzido (11). Quanto à aceitação de novos alimentos, esta foi associada à diversificação ou exposição variada (11).

Aspetos Sensoriais

Um estudo recente verificou que o conhecimento das crianças sobre alimentação, ainda que reduzido, não se traduz diretamente em escolhas alimentares saudáveis, uma vez que a saúde é uma questão de baixa prioridade para esta população. As preferências alimentares, por sua vez, vão ter um papel muito mais pesado no que toca às escolhas da criança. Por isso, quando lhes é atribuída a autonomia de escolha, as crianças tendem a valorizar mais a vertente gustativa do alimento do que o seu valor nutricional (14).

A vertente gustativa dos alimentos, ainda que uma das principais, não é a única a atuar sobre as preferências alimentares. Todos os sentidos estão envolvidos na escolha alimentar e a sensibilidade sensorial individual é determinante tanto nas preferências como na seletividade. Os indivíduos interpretam a textura (15), o som, o cheiro e o aspeto visual do alimento, mesmo antes de o saborearem (10, 12, 13, 15). A diferença na sensibilidade sensorial entre crianças pode ser explicada por fatores genéticos, como já foi referido anteriormente. A nível da audição observou-se que ouvir o nome do alimento ou o próprio som da mastigação do mesmo poderia aumentar a sua aceitação pela criança (13). Considerando o sentido da visão, em casos de neofobia é observada uma rejeição automática após o contacto visual com o alimento, o que apoia a sensibilidade visual como um estímulo (12).

A sensibilidade sensorial para além de diferir consoante o indivíduo, também se altera com a idade e consoante a maturidade da criança. Num estudo realizado, crianças entre os 19 e os 26 meses, aumentaram mais o consumo de um alimento desconhecido após ouvirem uma história do que após exposição visual a outro alimento desconhecido. Já crianças de 4 a 6 anos, aumentaram mais a ingestão após serem expostas ao hortícola através de livro ilustrado (13). Outro estudo veio demonstrar a eficácia de envolver as crianças com os alimentos reais em comparação com fotografias (13).

Reforçando, o córtex orbito-frontal codifica tipos de estímulos de recompensa, com base não só no sabor, mas em todos os outros aspetos inerentes: odor; visão; temperatura; viscosidade, textura; etc (11). Por isso, é inviável dissociá-los da aprendizagem e do processo de introdução alimentos, bem como descartá-los como possíveis determinantes das preferências alimentares.

Práticas Parentais

Durante a fase da introdução alimentar e ao longo de toda a fase de crescimento, um dos determinantes das preferências alimentares são os cuidadores/pais e o ambiente familiar circundante. As práticas parentais vão ditar como as crianças se envolvem com a comida no momento da refeição e podem ser determinantes nas preferências, nas escolhas e no próprio comportamento alimentar. A introdução alimentar é guiada pelos cuidadores o que envolve uma série de outros fatores que variam de cuidador para cuidador. A influência parental é dos fatores com mais impacto a nível do desenvolvimento das preferências e de seletividade alimentar ou neofobia (16).

Uma das práticas parentais mais comuns durante a diversificação alimentar é descartar alimentos depois de ser verificada uma resposta negativa ao alimento por parte da criança (13). Como resultado, muitos alimentos não passam pelo processo de familiarização e acabam por ser eliminados do leque alimentar, isto ocorre particularmente no grupo dos hortícolas. O processo de familiarização e a diversificação alimentar devem andar em par durante esta fase. Pais que incentivam o consumo de todos os alimentos enquanto proporcionam um ambiente positivo à mesa, influenciam aceitação por parte das crianças (10). Pais com neofobia tendem a ter filhos com neofobia, pelo fato de terem medo de apresentar certos alimentos à criança ou, por terem uma dieta restrita, muitos alimentos não aparecem à mesa, cenários estes que não permitem exposição suficiente para aceitação por parte da criança (1, 12).

A pressão, a restrição, a recompensa, a modelagem e a disponibilidade são alguns exemplos de práticas no que toca às refeições, com poder para condicionar toda a experiência alimentar das crianças.

O uso de pressão para comer um certo alimento produz o efeito contrário fazendo com que a vontade da criança experimentar esse alimento diminua (1,12,13).

A restrição de alimentos à criança, pode aumentar o seu desejo e produzir um consumo compensatório no futuro, normalmente em situações emocionais negativas (1, 12). Durante um estudo, em que foram apresentados dois snacks, um restrito e outro de livre acesso, as crianças mostraram uma clara preferência pelo alimento restrito, apesar de não haver preferências por um dos dois alimentos antes do acesso ser restrito a um deles. Quando mais tarde tiveram acesso livre a ambos os snacks, as crianças mostraram maior resposta comportamental e maior ingestão do snack restrito em comparação com o snack de acesso livre (3). O controlo excessivo da ingestão alimentar, especialmente em crianças entre os 5 e os 7 anos pode ensinar as crianças a comer alimentos palatáveis de modo a gerir emoções negativas (1). Tanto esta prática como a pressão para comer, vão alterar mecanismos essenciais como a sensibilidade à fome e à saciedade, causando assim um desajuste na autorregulação da ingestão de alimentos de acordo com as suas necessidades (1, 12, 13).

A recompensa com comida, principalmente com comida anteriormente restrita, pode também desenvolver quadros de compulsividade alimentar em momentos negativos (1). Por essa razão, esta prática deve ser feita com recurso a outros objetos, como recompensa, por exemplo, por experimentar novos alimentos (10). Antes dos 6 anos recompensar com elogios verbais pode também ser mais eficaz, segundo alguns estudos, na promoção de uma alimentação saudável e na prevenção de uma alimentação não saudável (17).

A modelagem tem lados positivos e negativos. Foi demostrado que as crianças estavam mais aptas para comer um alimento quando os adultos também o comiam, do que quando o alimento era apenas oferecido. O desejo por parte das crianças de comer um alimento desconhecido também aumentava quando observavam um adulto comer esse alimento (8). Este efeito pode desenrolar-se em situações em que os pais praticam uma dieta saudável, mas também quando os pais não o fazem, transmitindo assim, um efeito de modelagem negativo (17).

Diferentes práticas formam diferentes estilos parentais. Um dos maiores estudos neste tópico, distinguiu duas dimensões do comportamento parental, características de quatro estilos parentais, a exigência e a responsividade. A exigência caracteriza-se por imposições, disciplina e supervisão. A responsividade corresponde a uma maior empatia e sensibilidade para com a criança, que vai promover a sua autorregulação e individualidade. Os quatro estilos parentais distinguidos foram: o permissivo, de baixa exigência e alta responsividade; o orientador, de alta exigência e alta responsividade; o não envolvido, de baixa exigência e baixa responsividade; o autoritário, de alta exigência e baixa responsividade. Dentro dos quatro, o estilo que melhor se relaciona com o comportamento alimentar das crianças é o orientador, conciliando as exigências racionais e a supervisão com o afeto, a aceitação e o envolvimento com a criança, caracterizando-se por uma boa estrutura do ambiente, comunicação e autorregulação (4). Estas práticas e estilos, ainda que designados como parentais, podem ser abrangidos a todos os cuidadores com contacto direto com a criança, principalmente se este for recorrente.

Determinantes Psicológicos

Traços da personalidade das crianças podem ser determinantes na ingestão alimentar futura. A timidez está relacionada com o aumento do risco de desenvolvimento de neofobia e seletividade alimentar. Já o temperamento, pode influenciar as preferências alimentares futuras indiretamente, uma vez que pode influenciar a interação cuidador- criança e afetar as práticas de alimentação (18).

A relação mãe-criança, sendo esta, habitualmente, a principal cuidadora, influencia no desenvolvimento de preferências e perturbações alimentares. O estado psicológico e emocional da mãe impacta a oferta alimentar, já que a oferta é por vezes centrada nas expetativas e preocupações do adulto e não nos sinais da criança. Alterações no estado psicológico e emocional da criança, dependentes de fatores como, ambiente familiar, interação mãe-criança, práticas parentais, entre outros, podem levar ao desenvolvimento de perturbações do comportamento alimentar e ao desenvolvimento de mecanismos como fome emocional, ingestão emocional desajustada ou modificações no apetite, capazes de comprometer a sua relação com a comida a longo-prazo (1, 18).

Determinantes Sociais, Económicos e Culturais

Sociais

A alimentação é uma das nossas atividades mais sociais e culturais. As influências sociais estão comprovadas como tendo um papel determinante das tendências alimentares das crianças. O contexto social pode ajudar na introdução e aceitação de novos alimentos, combatendo a seletividade e neofobia alimentar (10). Dos 2 aos 5 anos a influência social é maior quando os modelos são familiares à criança, como os pais, podendo ainda esta influência ser potenciada por encorajamento verbal (10).

A observação e imitação do comportamento alimentar, quer seja dos pais ou de crianças mais velhas, também desempenha um papel importante nos primeiros anos de vida, a este processo dá-se o nome de aprendizagem social (2, 8).

Os contextos sociais no momento da refeição, a aprendizagem social, a partilha de refeições e a criação de rotinas, quando praticados de forma positiva, são chave para a adoção de uma alimentação saudável (1, 2, 8).

Económicos

Pais com melhores rendimentos económicos terão melhores oportunidades para expor os seus filhos a uma seleção mais ampla de alimentos, proporcionando uma melhor oferta e uma maior diversificação alimentar. Níveis de conhecimento elevado estão associados a níveis económicos maiores, que por sua vez está relacionado com uma melhor oferta alimentar por parte dos pais (1, 10). No entanto, o fator económico não se pode dissociar do comportamento e escolhas dos pais, ainda que estes tenham de facto acesso a mais oportunidades. Estudos revelaram que pais mais velhos, com níveis de escolaridade mais altos e com mais conhecimentos de nutrição, demonstraram melhores escolhas alimentares, e mais conhecimento sobre como escolher e preparar os alimentos (19).

Culturais

As diferentes abordagens culturais à alimentação e aos alimentos são determinantes das preferências alimentares futuras das crianças. Questões como a religião ou a própria localização geográfica vão proporcionar um ambiente e perfil alimentar capazes de originar preferências completamente distintas. As crianças são expostas a diferentes alimentos, sabores, intensidades, texturas e a aprendizagens distintas, mas que fazem parte do processo de socialização (1, 18).

Influência do Marketing Alimentar

Estudos internacionais observaram que a maioria dos anúncios destinados às crianças são de produtos alimentares e que os alimentos promovidos são dos que menos se adequam a uma alimentação saudável (4). Aproximadamente a partir dos 24 meses, as crianças começam a apresentar desejo de consumir certos produtos alimentares, como consequência da atuação dos média, sendo que os alimentos em causa são normalmente açucarados, salgados ou refrigerantes (1, 20).

As crianças são um público mais suscetível do que o geral, por interpretarem os anúncios e o marketing geral como factual. Assim, torna-se ainda mais fácil para os media conseguir uma influência sobre as preferências das crianças, através da televisão, internet, embalagens de produtos e jogos (21). Esta influência vai preconizar maior preferência e procura pelos alimentos apresentados, o que define o marketing alimentar como um fator de risco no desenvolvimento de obesidade infantil e outras doenças (21). Apenas por volta dos 7 anos é que as crianças começam a entender o poder persuasivo do marketing, período em que maior parte das preferências alimentares já foram formadas (8).

ANÁLISE CRÍTICA

Diversos fatores têm influência nas preferências alimentares das crianças. Estes fatores não podem ser dissociados uns dos outros, uma vez que interagem entre si e funcionam como um todo no desenvolvimento da criança. Inicialmente as preferências são guiadas por fatores biológicos, que ainda que variem individualmente, privilegiam o doce, o salgado e os alimentos calóricos, negligenciando o sabor amargo, presente em muitos hortícolas. Estas preferências inatas podem e devem ser alteradas uma vez que não são promotoras de uma alimentação saudável. A dieta materna durante o período preconceção e aleitamento, incluindo o mesmo, tem um papel inicial fundamental a contrariar esta monotonia, facilitando a introdução alimentar. Fatores associados à fase da introdução alimentar, como as práticas parentais, as políticas das escolas, a influência do marketing, são relevantes, uma vez que é nesta fase que são desenvolvidas maior parte das preferências futuras e modificáveis. O contexto circundante constituído pelo plano social, cultural e económico proporciona o ambiente envolvente que também, devido a características específicas, vão modificar as preferências alimentares das crianças. Estes são os principais determinantes das preferências alimentares nas crianças, possíveis alvos de modificação para eventual promoção da alimentação saudável ao longo da vida.

CONFLITO DE INTERESSES

Nenhum dos autores reportou conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO

MMG: Conceptualização, investigação e redação do artigo; TPM: Supervisão, revisão e validação do artigo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido: 01 de Julho de 2022; Aceito: 06 de Dezembro de 2022

*Endereço para correspondência: Tamires Pavei Macan Escola Superior de Saúde da Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, Edifício 1, Piso 2, 8005-139 Faro, Portugal tamirespavei@gmail.com

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