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Acta Portuguesa de Nutrição

versão On-line ISSN 2183-5985

Acta Port Nutr  no.32 Porto mar. 2023  Epub 31-Ago-2023

https://doi.org/10.21011/apn.2023.3204 

Artigo Original

CONHECIMENTOS SOBRE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO: ESTUDO DOS SEUS DETERMINANTES EM ESTUDANTES DO ENSINO SUPERIOR DA ÁREA DAS CIÊNCIAS DA SAÚDE

FOOD AND NUTRITION KNOWLEDGE: STUDY OF THEIR DETERMINANTS IN HIGHER EDUCATION STUDENTS FROM HEALTH SCIENCES

Ana Rita Martins1 

Alexandra Costa2 

Cláudia Silva3 

Andreia Oliveira1  2  * 

1Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, Rua Carlos da Maia, n.º 296, 4200-150 Porto, Portugal

2EPIUnit - Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Rua das Taipas, n.º 135, 4050-600 Porto, Portugal

3FP-I3ID, FP-BHS, Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa, Rua Carlos da Maia, n.º 296, 4200-150 Porto, Portugal


RESUMO

INTRODUÇÃO:

Um nível adequado de conhecimentos sobre alimentação e nutrição pode ser um fator importante para suportar escolhas alimentares mais saudáveis.

OBJETIVOS:

Avaliar o nível de conhecimento sobre alimentação e nutrição de estudantes do 1.º ciclo de estudos da área das Ciências da Saúde e os seus fatores associados.

METODOLOGIA:

Foi conduzido um estudo observacional transversal, que incluiu estudantes do 1.º ano do Ensino Superior da área das Ciências da Saúde no ano letivo de 2019/2020 (n=150). Os dados foram recolhidos através de um questionário estruturado de autopreenchimento. Os conhecimentos sobre alimentação/nutrição foram avaliados através de uma escala previamente testada na população portuguesa. As variáveis categóricas foram comparadas através do teste de Qui-quadrado e as variáveis quantitativas contínuas através do teste ANOVA.

RESULTADOS:

A percentagem média de respostas corretas na escala de conhecimentos sobre alimentação/nutrição foi de 77,9% (desvio-padrão=12,57) (variação 36%-100%). Ao analisarmos os fatores associados a um conhecimento em alimentação/nutrição elevado (>90% respostas corretas), verificou-se que este foi significativamente superior nos indivíduos que reportaram um consumo médio mais elevado de fruta e produtos hortícolas (4,6 vs. 3,2 porções/dia, p=0,019), particularmente de sopa, nos estudantes com mães mais escolarizadas (12,7 vs. 11,3 anos médios de escolaridade, p=0,039) e nos estudantes da Faculdade de Ciências da Saúde comparativamente aos da Escola Superior de Saúde (55,0% vs. 45,0%, p=0,018).

CONCLUSÕES:

Os estudantes da área das Ciências da Saúde mostraram um nível de conhecimentos sobre alimentação/nutrição relativamente elevado. Um maior conhecimento foi associado a um maior consumo de fruta e produtos hortícolas, uma maior escolaridade da mãe e ao local de Ensino (Faculdade/Escola).

PALAVRAS-CHAVE: Alimentação; Conhecimentos; Determinantes; Estudantes Nutrição

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Adequate knowledge about food and nutrition can be an important factor in supporting healthier food choices. OBJECTIVES: To evaluate the level of knowledge about food and nutrition of students in the 1st cycle of studies in Health Sciences and its associated factors.

METHODOLOGY:

An observational cross-sectional study was conducted, which included students of the 1st year of Higher Education in Health Sciences in the 2019/2020 school year (n=150). Data were collected through a structured self-completed questionnaire. Knowledge about food/nutrition was assessed using a scale previously tested in the Portuguese population. Categorical variables were compared using the Chi-square test and quantitative continuous variables with the ANOVA test.

RESULTS:

The mean percentage of correct answers on the food/nutrition knowledge scale was 77.9% (standard deviation=12.57) (range: 36-100%). When analyzing the factors associated with higher food/nutrition knowledge (>90% correct answers), it was found that this was significantly higher in individuals who reported higher average consumption of fruit and vegetables (4.6 vs. 3.2 portion/ day, p=0.019), particularly soup, among students with more educated mothers (12.7 vs. 11.3 average years of schooling, p=0.039), and among students of the Faculty of Health Sciences compared to those in the Higher School of Health (55.0% vs. 45.0%, p=0.018).

CONCLUSIONS:

The level of food and nutrition knowledge was relatively high in Health Sciences students. Extreme knowledge was associated with higher consumption of fruit and vegetables, higher maternal education, and the College/School they attended.

KEYWORDS: Food; Knowledge; Determinants; Nutrition students

INTRODUÇÃO

A literacia em saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde, define-se como o conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para acederem à informação e obterem conhecimento com o fim da promoção da saúde (1). De acordo com uma revisão sistemática (2), níveis de literacia baixos acarretam falta de conhecimento nas diversas especialidades da área da saúde e dificuldade de interpretação de conceitos/resultados médicos, uma baixa adesão a programas de rastreio e a outras medidas preventivas. Níveis de literacia baixos associam-se ainda a um maior risco de internamentos e resultados adversos em saúde (2). Em Portugal, a literacia em saúde tem tido uma especial importância na definição de políticas nesta área e o seu incremento tem vindo a ser associada a melhores cuidados de saúde (1).

A literacia em saúde inclui diversas dimensões, nomeadamente os conhecimentos na área da alimentação/nutrição. Alguns estudos mostram associações significativas entre o conhecimento nutricional e o consumo alimentar; na maioria das vezes um conhecimento nutricional mais elevado, associa-se a um maior consumo de fruta e produtos hortícolas (3, 4). Contudo, nem sempre o consumo alimentar está em concordância com o recomendado nutricionalmente. Há uma série de fatores como estilos de vida, habilidades práticas, fatores culturais e ambientais, além do gosto pessoal, conveniência ou preço, que influenciam as escolhas alimentares (5). Deste modo, um elevado conhecimento nutricional, por si só, poderá não determinar mudanças positivas nas escolhas alimentares, mas fornece aos indivíduos ferramentas que apoiam melhores escolhas para a sua saúde (5).

Estudos prévios que avaliaram o conhecimento na área da alimentação/ nutrição em estudantes universitários, mostram que estes apresentam um conhecimento alimentar e/ou nutricional reduzido, apesar de mais elevado comparativamente com as restantes faixas etárias (5 - 7). Este grupo tem uma particular predisposição para o uso de suplementos alimentares (vitamínicos, minerais, proteicos), uma vez que estudam e praticam frequentemente atividades desportivas, o que pressupõe algum interesse e potencial procura de conhecimento na área da nutrição que motive este comportamento (8). Por outro lado, tendem a possuir hábitos de vida menos saudáveis, como o consumo de bebidas alcoólicas ou de tabaco (8). Indivíduos mais escolarizados parecem, também, apresentar mais conhecimento a nível nutricional (5). Um estudo realizado em Portugal, com estudantes da área da saúde, onde se implementou pela primeira vez a unidade curricular de Educação Nutricional, demonstrou que a maioria dos estudantes reconheceu um impacto positivo da mesma no comportamento alimentar e no conhecimento nutricional (9).

O estudo dos conhecimentos alimentares e nutricionais de uma população poderá ajudar no diagnóstico da situação e na identificação de prioridades de ação para evitar ou minimizar situações de escolhas alimentares e de estilos de vida menos saudáveis. No entanto, e uma vez que a promoção de saúde não ocorre isolada do contexto, é necessário conhecer quais os indicadores sociodemográficos e de estilos de vida associados a um nível de conhecimentos em alimentação/nutrição mais reduzido. O conhecimento destes potenciais determinantes poderá auxiliar na definição de grupos-alvo de intervenção.

OBJETIVOS

Avaliar o nível de conhecimento sobre alimentação e nutrição de estudantes do Ensino Superior da área das Ciências da Saúde e avaliar os seus fatores associados.

METODOLOGIA

Seleção da Amostra

Foi realizado um estudo observacional transversal tendo como participantes estudantes do Ensino Superior da área das Ciências da Saúde. Os critérios de inclusão abrangeram adultos, de ambos os sexos, que falavam e compreendiam a língua portuguesa, matriculados na Universidade Fernando Pessoa (unidade orgânica: Faculdade de Ciências da Saúde) ou Escola Superior de Saúde e a frequentar o 1.º ciclo de estudos do ensino regular no ano letivo de 2019/2020. Foi alcançada uma proporção de participação de 84%, entre os estudantes elegíveis. Dos 165 indivíduos avaliados, 15 foram excluídos por falta de informação nas variáveis relacionadas com os conhecimentos alimentares/nutricionais. A amostra final incluiu 150 participantes.

Ética

O protocolo de estudo foi submetido à Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa, tendo obtido parecer positivo (CNU- 28112019). Cada participante forneceu o consentimento informado, por escrito, de acordo com o previsto na Declaração de Helsínquia. Garantiu-se o anonimato e a confidencialidade dos dados recolhidos.

Recolha de Dados

Os conhecimentos sobre alimentação e nutrição foram obtidos através do autopreenchimento de um questionário estruturado, aplicado entre outubro e dezembro de 2019.

O questionário que serviu de base à avaliação dos conhecimentos sobre alimentação e nutrição foi o desenvolvido por Turconi G. et al. em 2003 (10), traduzido para a língua portuguesa, adaptado e validado em jovens entre os 12 e os 19 anos por Luísa Santos (11). No presente estudo, utilizou-se a versão portuguesa do questionário (11), havendo dois grupos de questões: um que avalia os conhecimentos sobre nutrição e outro grupo que avalia os conhecimentos sobre alimentação. O primeiro grupo inclui cinco questões que incidem sobre a quantidade de energia (calorias), macro e micronutrientes de determinados alimentos. Neste grupo, para cada questão existiam quatro opções de resposta, estando apenas uma correta. O segundo grupo inclui seis questões de verdadeiro ou falso sobre, por exemplo, quais os alimentos mais saudáveis, quais os que engordam menos e qual o melhor intervalo de tempo entre as refeições. Para os dois grupos (total de 11 questões), uma resposta correta tem a pontuação de 1 e uma resposta errada a pontuação de 0.

A pontuação global de conhecimentos em nutrição/alimentação é calculada através da soma da pontuação atribuída a cada uma das questões que, posteriormente, é convertida em percentagem (âmbito de variação da escala de 0 a 100%).

Para avaliar a literacia em saúde foi aplicado o instrumento METER (Medical Term Recognition Test) (12), adaptado para Portugal por Dagmara Paiva (13), que autorizou a sua aplicação neste estudo. O instrumento METER apresenta duas dimensões: a dimensão para "palavras" (que inclui palavras existentes na alfabetização em saúde) e a dimensão para "não-palavras" (que inclui palavras não existentes na área da saúde). Cada participante selecionou os termos que considerava existentes na área da saúde. Uma sequência de respostas corretas entre 0 e 20 (0-50%) mostram baixa literacia, 21 a 34 (52,5-85%) respostas corretas mostram uma literacia marginal/média e 35 a 40 (87,5-100%) respostas corretas é indicativo de níveis funcionais de literacia.

O questionário incluiu também questões sociodemográficas, como o sexo, a idade dos estudantes (recolhida como variável contínua e depois categorizada em ≤ 20 anos e >20 anos), a escolaridade dos pais (escolaridade em anos concluída pelos progenitores, tendo sido considerada a mais elevada, seja do pai ou da mãe, categorizada em ≤ 9, 10-12 e > 12 anos) e a nacionalidade do estudante (Portuguesa vs. outra). Incluíram-se também questões relativas aos estilos de vida, tendo sido avaliado o consumo de bebidas alcoólicas (categorizado em bebedor diário, bebedor de menos de 1 copo por semana, bebedor de pelo menos 1 copo por semana e ex-bebedor), a prática de desporto ou exercício físico regular (sim vs. não), a duração do sono durante os dias da semana e fim de semana (recolhida como variável contínua, com cálculo posterior das horas médias de sono diário, estratificada por < 8 vs. ≥ 8 horas/dia), tempo de TV (< 2 vs. ≥ 2 horas/dia) e o consumo de fruta e produtos hortícolas (avaliado por um questionário qualitativo de frequência alimentar, em seguida, convertido em < 5 vs. ≥ 5 porções por dia).

No que se refere ao Índice de Massa Corporal (IMC), este foi calculado através do peso (kg) e da estatura (m) autorreportados, dividindo o peso pela estatura ao quadrado, e depois categorizado de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde (14) em: baixo peso/magreza (<18,5 kg/m2), peso normal/normoponderabilidade (18,5-24,9 kg/m2), pré-obesidade (25,0-29,9 kg/m2) e obesidade (≥30,0 kg/m2). As duas primeiras categorias, o baixo peso e o peso normal, e as duas últimas categorias, a pré-obesidade e a obesidade, foram combinadas para efeitos de análise estatística.

Análise Estatística

Os dados recolhidos foram informatizados e analisados no software IBM SPSS Statistics (versão 27). As variáveis categóricas foram descritas sob a forma de contagens e percentagens e as variáveis quantitativas através da média e do respetivo desvio-padrão (DP), uma vez que apresentavam uma distribuição normal. As diferenças entre grupos foram comparadas através do teste Qui-quadrado, no caso das variáveis categóricas, e com o teste ANOVA, no caso das variáveis quantitativas. Foi considerada um nível de significância de 5%. A consistência interna da escala de conhecimentos sobre alimentação e nutrição foi analisada através do alfa de Cronbach.

A associação entre as características dos participantes e os conhecimentos em alimentação e nutrição foi avaliada por modelos de regressão linear, calculando-se coeficientes β e respetivos intervalos de confiança a 95% (IC95%).

RESULTADOS

Os participantes no estudo eram maioritariamente do sexo feminino (74,7%), apresentavam uma média de idades de 20 anos (DP=0,30 anos) e a maioria era de nacionalidade portuguesa (92,7%). Um terço apresentava pais com mais de 12 anos de escolaridade (Tabela 1). Quase 75% dos estudantes afirmou praticar desporto ou exercício físico regularmente e a maioria era não fumador (69,3%),

Tabela 1: Características sociodemográficas, estilos de vida e estado nutricional dos participantes e distribuição da pontuação global média dos conhecimentos em alimentação e nutrição de acordo com as mesmas (n=150) 

DP: desvio-padrão

consumidor ocasional de bebidas alcoólicas (51,3%), dormia menos de 8 horas por dia, (56,0%), via mais de 2 horas de TV por dia (83,3%) e 74,0% referiu consumir menos do que 5 porções de fruta e hortícolas diariamente (Tabela 1). Cerca de 83,3% dos inquiridos autorreportaram o seu peso e estatura como compatível com o estado nutricional de magreza ou normoponderabilidade (IMC ≤ 24,9 kg/m2).

Na Tabela 2 descrevem-se os itens do domínio de conhecimentos sobre alimentação e nutrição e as respetivas respostas dadas pelos participantes no estudo. Do total de 11 perguntas que compõem este domínio, segundo a escala previamente testada numa amostra portuguesa (13), avaliou-se a consistência interna entre os vários itens na amostra deste estudo, tendo-se obtido um alfa de Cronbach de 0,308. A percentagem média de respostas corretas foi de 77,9% (DP=12,57), com um mínimo de 36% e um máximo de 100% de respostas corretas. As perguntas com mais respostas corretas foram as relativas aos conhecimentos sobre alimentação, sendo que se destacou a pergunta relativa à “carne vermelha ser mais saudável do que a carne branca” que contou com 96,7% dos estudantes a responderem corretamente. A pergunta com pontuação mais baixa foi a relativa aos alimentos com menos fibra, sendo que só 23,3% dos inquiridos selecionou a resposta correta (carne).

A Tabela 1 descreve a percentagem média de respostas corretas na pontuação global de conhecimentos em alimentação/nutrição de acordo com as características dos participantes. O sexo feminino teve mais respostas corretas (78,2% vs. 77,3%), bem como os alunos pertencentes à Faculdade de Ciências da Saúde, comparativamente à Escola Superior de Saúde (80,3% vs. 76,4%) e os indivíduos com pais mais escolarizados (>12 anos: 78% vs. ≤9 anos: 77,2%), embora as diferenças não sejam estatisticamente significativas. Também se verificaram pontuações ligeiramente superiores (mais conhecimentos sobre alimentação/nutrição) entre os inquiridos que reportaram praticar desporto ou exercício físico regularmente (78,1% de acertos vs. 77,5%), que cumpriam pelo menos 8 horas de sono diário (78,9% vs. 77,3%), que assistiam a mais tempo de televisão (≥ 2 h/dia) (78,2% vs. 77,3%) e que reportaram o uso de suplementos vitamínicos durante o último ano (79,0% vs. 77,2%). Os consumidores de mais de 5 porções de fruta e hortícolas diariamente apresentaram uma pontuação global na escala ligeiramente superior (80,8% vs. 77,1%, p=0,131). Os participantes que obtiveram um nível de literacia funcional (o que significa mais literacia em saúde) também tiveram uma maior percentagem média de respostas corretas na escala de conhecimentos sobre alimentação e nutrição, dando consistência aos nossos resultados.

Nos modelos de regressão linear, não se verificaram associações estatisticamente significativas entre as características dos participantes e a pontuação global na escala de conhecimentos sobre alimentação e nutrição (avaliada como variável contínua), tal como sugerido pelos resultados descritos anteriormente (Tabela 1). Na tentativa de perceber se uma percentagem média de respostas corretas muito elevada poderia associar-se a algumas características dos participantes, recalculou-se a distribuição dos participantes por duas categorias de acerto (>90% respostas corretas vs. ≤90%), apresentadas na Tabela 3. Verificou-se que os indivíduos com uma pontuação global superior a 90% de respostas corretas, comparativamente aos com menos conhecimentos, tinham mães com uma média de anos de escolaridade significativamente superior (12,7 vs. 11,3 anos, p=0,039), e reportaram um consumo médio significativamente mais elevado de fruta e produtos hortícolas (4,6 vs. 3,2 porções/dia, p=0,019), particularmente de sopa (0,94 vs. 0,50 porções/dia, p=0,003). Uma percentagem de respostas corretas global superior a 90% foi significativamente mais prevalente nos estudantes da Faculdade de Ciências da Saúde comparativamente aos da Escola Superior de Saúde (55,0 vs. 45,0, p=0,018). Não se encontraram outras diferenças com significado estatístico, embora se tenha verificado uma maior preponderância de participantes do sexo feminino nesta categoria de conhecimento superior (85% vs. 71%) e um maior nível de literacia em saúde (Tabela 3).

Tabela 2: Descrição dos itens que compõem a escala de conhecimentos sobre alimentação e nutrição e respetivas respostas corretas dos participantes 

F: Falso

V: Verdadeiro

*No grupo CN (grupo de questões sobre Conhecimento em Nutrição) consideraram-se quatro categorias de resposta tendo a resposta correta a pontuação de 1 e as respostas erradas a pontuação de 0. As respostas destacadas a negrito e sublinhadas correspondem às respostas consideradas corretas.

**No grupo CA (grupo de questões sobre Conhecimento em Alimentação) consideraram-se duas categorias de resposta: verdadeiro (V); falso (F), tendo a resposta correta a pontuação de 1 e as respostas erradas a pontuação de 0.

Tabela 3: Distribuição da percentagem de respostas corretas elevadas na escala de conhecimentos em alimentação e nutrição de acordo com as características dos participantes 

* p < 0,05

** p < 0,01; DP: desvio-padrão

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

No presente estudo, conduzido em estudantes do Ensino Superior da área das Ciência das Saúde, a média de acerto de respostas na escala de conhecimentos sobre alimentação e nutrição foi elevada e rondou os 78%, tendo variado de 36% a 100%. Este valor elevado já seria expectável uma vez que os participantes são da área da saúde e têm um maior envolvimento com a temática em estudo (15).

Na sociedade atual, a população tem à disposição uma grande variedade de escolhas alimentares. No entanto, esta vasta disponibilidade requer um determinado nível de conhecimento sobre o alimento e o seu conteúdo nutricional, de forma a potencializar escolhas alimentares mais saudáveis, promotoras de saúde (3, 4). O estudo dos conhecimentos alimentares e nutricionais de uma população poderá auxiliar a identificação de prioridades de ação para evitar ou minimizar situações de escolhas alimentares e de estilos de vida menos saudáveis. Assim, em teoria, este conhecimento poderá fornecer ao indivíduo ferramentas que apoiem melhores escolhas para a sua saúde, o que o presente estudo parece corroborar.

Ao analisarmos os fatores associados a um conhecimento em alimentação/nutrição elevado (>90% respostas corretas), verificou-se que o conhecimento alimentar e nutricional foi significativamente superior em inquiridos que reportaram um consumo médio de fruta e produtos hortícolas mais elevado, particularmente de hortícolas e especificamente de sopa, tão enraizada nas tradições culturais do nosso país. Alguns estudos vão de encontro a estes resultados e demonstram uma associação, apesar de fraca, entre o nível de conhecimento nutricional e um maior consumo de fruta e hortícolas (3). Num outro estudo, indivíduos com um maior conhecimento nutricional consumiam alimentos mais saudáveis (4). Estes resultados evidenciam que a literacia nutricional poderá conduzir a escolhas alimentares mais adequadas. Também verificámos que este maior conhecimento em alimentação/ nutrição ocorreu em estudantes com pais, particularmente mães, mais escolarizadas, o que apoia a importância do ambiente familiar na formação dos hábitos alimentares e na aquisição de conhecimentos sobre as melhores opções alimentares. Estudos prévios, mostraram que indivíduos mais escolarizados tendem a apresentar maiores conhecimentos nutricionais (5). No presente trabalho, o nível de escolaridade teve de ser avaliado pela escolaridade dos pais, dado todos os participantes serem estudantes do 1.º ano do Ensino Superior. Realça-se que o indicador que marcou as diferenças significativas entre o maior e menor acerto de respostas na escala de conhecimentos foi particularmente a escolaridade da mãe (e não do progenitor do sexo masculino), o que poderá ainda apoiar o papel da mãe como principal cuidadora e transmissora de conhecimentos. Esta informação vai de encontro a outros estudos também realizados, onde há uma correlação positiva entre o conhecimento nutricional e a educação materna (16 - 18).

Embora com menor relevância, também se verificou uma maior percentagem de respostas corretas na escala de conhecimentos nos estudantes matriculados na Faculdade de Ciências das Saúde comparativamente à Escola Superior de Saúde, o que poderá estar potencialmente relacionado com o conhecimento prévio destes estudantes, e com o próprio ambiente socioeconómico dos progenitores. Verificou-se esta hipótese através da comparação do número de anos de escolaridade da mãe de acordo com o local de formação (faculdade/escola), tendo-se verificado que a média de anos de escolaridade materna nos estudantes da Faculdade de Ciências das Saúde era superior aos da Escola Superior de Saúde (12,3 vs. 11,2 anos de escolaridade, p=0,062). Embora no presente estudo não tenhamos informação sobre o rendimento do agregado familiar, estudos anteriores mostram uma correlação positiva entre o rendimento e a escolaridade dos progenitores (19).

Estudos prévios mostraram que os conhecimentos em alimentação/ nutrição podem associar-se à prática de atividade desportiva (20) e à toma regular de suplementos vitamínicos (21), embora no nosso estudo estas diferenças não tenham sido relevantes nem com significado estatístico.

Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas, sendo uma das principais o reduzido tamanho amostral. Este reduzido tamanho amostral, particularmente quando tentamos comparar as diferentes categorias de mesma variável, limitou quer as análises conduzidas (impedindo a realização de modelos de regressão linear múltipla, ou seja, ajustados para potenciais confundidores), quer a interpretação da relevância das diferenças encontradas (que devido a potenciais erros aleatórios, tendem para zero, isto é, produzindo diferenças estatisticamente não significativas). No entanto, a proporção de participação foi relativamente alta, o que argumenta a favor da validade externa dos nossos resultados. O reduzido número de participantes e, essencialmente, a baixa variabilidade da exposição em estudo (conhecimentos sobre alimentação e nutrição), poderão ter condicionado a ausência de associações estatisticamente significativas. Esta baixa variabilidade (maioria dos participantes apresentou uma pontuação elevada na escala, demonstrativo de um nível de conhecimentos elevado) prende-se, fundamentalmente, com o facto de todos serem estudantes do primeiro ano da área das Ciências da Saúde e, portanto, já terem algum nível prévio de conhecimentos. O facto de ser necessário saber ler e interpretar a língua portuguesa foi também uma limitação para obtermos um maior tamanho amostral, uma vez que há uma proporção considerável de estudantes estrangeiros na Universidade. Importa, igualmente, ressalvar que a escala de conhecimentos aqui utilizada apresentou uma consistência interna extremamente baixa, corroborando a complexidade dos conhecimentos e a potencial necessidade de inclusão de outras questões que possam medir melhor o conhecimento na área das ciências da nutrição e alimentação. No entanto, o facto de esta relacionar-se com o domínio da literacia em saúde, também avaliado neste estudo, no sentido esperado (isto é, mais conhecimentos, mais literacia), confere uma maior consistência à aplicação da escala de conhecimentos.

CONCLUSÕES

Em geral, o nível de conhecimentos sobre alimentação e nutrição em estudantes do Ensino Superior da área das Ciências da Saúde foi relativamente elevado (78%). Embora as diferenças sejam relativamente pequenas e maioritariamente sem significado estatístico, os indivíduos com mais conhecimentos sobre alimentação e nutrição mostraram apresentar estilos de vida mais saudáveis, nomeadamente um maior consumo de fruta e produtos hortícolas, um indicador global de qualidade alimentar, uma prática de desporto e exercício físico mais regular, melhores hábitos de sono (pelo menos 8 horas diárias) e uma maior frequência de toma de suplementos vitamínicos, o que pode significar maiores preocupações com o estado nutricional. Numa análise adicional, os fatores que se mostraram significativamente associados a um conhecimento mais elevado (>90% respostas corretas) foram o maior consumo de fruta e produtos hortícolas, uma maior escolaridade da mãe e estudar na Faculdade de Ciências da Saúde (vs. Escola). Num estudo futuro, seria interessante comparar o conhecimento em alimentação e nutrição dos estudantes da área das Ciências da Saúde com estudantes de outras áreas e a diferença nos seus determinantes.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a colaboração de todos os colegas da Universidade Fernando Pessoa que participaram na construção do questionário a ser aplicado na recolha de dados (Unidade Curricular de Projeto de Investigação, ano letivo 2020/2021).

CONFLITO DE INTERESSES

Nenhum dos autores reportou conflito de interesses.

CONTRIBUIÇÃO DE CADA AUTOR PARA O ARTIGO

ARM: Recolha e análise de dados, interpretação dos resultados e redação do manuscrito; AC: Análise de dados, interpretação dos resultados e revisão crítica do manuscrito; CS: Interpretação dos resultados e revisão crítica do manuscrito; AO: Conceção e desenho do estudo, análise de dados, interpretação dos resultados e revisão crítica do manuscrito. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.

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Recebido: 29 de Agosto de 2022; Aceito: 29 de Março de 2023

*Endereço para correspondência: Andreia Oliveira EPIUnit - Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, Rua das Taipas, n.º 135, 4050-600 Porto, Portugal acmatos@med.up.pt

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