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Revista Onconews

versão impressa ISSN 1646-7868versão On-line ISSN 2183-6914

Revista Onconews  no.45 Porto dez. 2022  Epub 28-Dez-2022

https://doi.org/10.31877/on.2022.45.03 

Artigo de Investigação

INTERVENÇÃO DE ENFERMAGEM PERANTE O EXTRAVASAMENTO DE CITOSTÁTICOS - UM CONTRIBUTO NA PREVENÇÃO DA QUEIMADURA QUÍMICA

NURSING INTERVENTION BEFORE CYTOSTAT EXTRAVASATION - A CONTRIBUTION TO THE PREVENTION OF TISSUE INJURY

INTERVENCIÓN DE ENFERMERÍA ANTES O EXTRAVASIÓN DE CITOSTATOS - UNA CONTRIBUCIÓN PARA LA PREVENCIÓN DE LESIONES TISULARES

Ana Marcelino1  , Concetualização, Análise Formal, Investigação, Administração do projeto, Software, Supervisão, Validação, Visualização, Redação do rascunho original, Redação

Marta Ganhão1  , Metodologia, Validação, Visualização, Redação

1Serviço de Oncologia ambulatório, Hospital Barreiro-Montijo, Montijo, Portugal,


Resumo:

Atualmente, os tratamentos oncológicos são mais complexos, exigindo enfermeiros mais capacitados para detetar e atuar precocemente perante um extravasamento com citostáticos, mas também para classificar e documentar de forma sistematizada estes incidentes.

Objetivo:

Analisar a atuação de enfermagem perante o extravasamento de citostáticos e o seu contributo para a prevenção da queimadura química.

Metodologia:

Estudo retrospetivo descritivo, baseado numa pesquisa descritiva qualitativa, no período de 2017-2021, que incluiu todos os extravasamentos com citostáticos.

Resultados:

A atuação de enfermagem permitiu que 78.6% destes incidentes não desenvolvessem queimadura química e que 66.7% recuperassem desta queimadura no D8, sem compromisso funcional ou sensorial no local.

Conclusão:

Procedimentos e algoritmos baseados em boas práticas, proporcionam cuidados mais seguros e previnem complicações associadas ao extravasamento, que podem comprometer a qualidade de vida dos utentes. A linguagem CIPE® permite um registo sistematizado e uniforme, assim como uma eficaz recolha de dados.

Palavras-chave: extravasamento; citostáticos; cuidados de enfermagem; classificação internacional para a prática de enfermagem.

Resumen:

Actualmente, los tratamientos oncológicos son más complejos, requiriendo enfermeros más formados para detectar y actuar precozmente ante la extravasación con citostáticos, pero también para clasificar y documentar sistemáticamente estas incidencias.

Objectivo:

Analizar la actuación de enfermería frente a la extravasación de citostáticos y su contribución a la prevención de quemaduras químicas.

Metodología:

Estudio retrospectivo descriptivo, basado en una investigación descriptiva cualitativa, en el período 2017-2021, que incluyó todas las extravasaciones con citostáticos.

Resultados:

La actuación de enfermería permitió que el 78,6% de esos incidentes no desarrollaran quemadura química y que el 66,7% se recuperara de esa quemadura en el D8, sin afectación funcional ni sensorial en el sitio.

Conclusión:

Procedimientos y algoritmos basados ​​en buenas prácticas, brindan una atención más segura y previenen complicaciones asociadas a la extravasación, que pueden comprometer la calidad de vida de los usuarios. El lenguaje CIPE® permite un registro sistemático y uniforme, así como una recolección de datos eficiente.

Palabras clave: extravasación; citostáticos; cuidados de enfermería; clasificación internacional para la práctica de enfermería.

Abstract:

Currently, oncology treatments are increasingly complex, demanding more qualified nurses that are able to detect and act early in the event of extravasation with cytostatics, as well as to classify and document them in a systematic way.

Objective:

To analyze the nursing performance facing cytostatic extravasation and its contribution to the prevention of chemical burns.

Methodology:

Descriptive retrospective study, based on qualitative descriptive research, in the period 2017-2021, which included all users undergoing treatment with cytostatics.

Results:

The nursing performance allowed that 78.6% of these incidents did not develop chemical burns, and 66.7% recovered from this burn on the 7th day, without functional or sensory impairment at the site.

Conclusion:

Procedures and algorithms based on good practices provide safer care and prevent complications associated with extravasation that can be very complex for patients and compromise their quality of life. The CIPE® language allows a systematic, uniform registration and data collection.

Keywords: extravasation; cytostatic agentes; nursing care; international classification for nursing practice.

Introdução

O Programa Nacional para as Doenças Oncológicas revela um crescimento de cerca de 3% ao ano de novos casos de cancro em Portugal.1 Esta nova realidade impulsionou um enorme progresso na área da oncologia, pelo que temos atualmente tratamentos mais complexos, que exigem profissionais mais habilitados.2 Desta forma, é possível alcançar melhores hipóteses de cura, assim como aumentar o tempo de vida com a doença controlada.3

Os fármacos citostáticos continuam a ser o método preferencial para o tratamento desta doença, pela sua atuação no ciclo celular. A administração destes medicamentos gera ansiedade e preocupação, tanto nos profissionais de saúde como nos utentes, em particular pelos seus efeitos adversos e requisitos exigentes quanto à segurança durante a sua administração.4 O extravasamento destes medicamentos é considerado uma das complicações mais graves, podendo ser definido como a administração inadvertida de fármacos citostáticos nos tecidos circundantes ao sistema venoso.2,4,5Também é descrito como uma emergência oncológica, pelo potencial de causar danos ou sequelas incapacitantes ao utente, que podem, contudo, ser prevenidas através do reconhecimento e tratamento imediato.5,6

Os fármacos citostáticos são classificados em cinco categorias, de acordo com o seu potencial de causar lesões nos tecidos saudáveis: vesicante, esfoliante, irritante, inflamatório e neutro. Estas lesões podem variar desde um eritema da pele a uma necrose dos tecidos moles. Os vesicantes são fármacos que podem causar mais complicação nos tecidos, como a necrose ou flíctena.4 Estes medicamentos podem ser subdivididos em fármacos que não têm ligação ao ADN (ex. alcalóide da vinca e taxanos), cujo medicamento é metabolizado e inativado pelos tecidos envolventes, ou podem pertencer ao subgrupo de medicamentos com ligação ao ADN (ex. alquilantes e antraciclinas), que causam morte celular, por entrarem rápida e diretamente nas células, produzindo lesões graves e continuadas nos tecidos.4,7Os fármacos esfoliantes apresentam menor potencial vesicante e são caracterizados por causar inflamação e descamação da pele, sem que, no entanto, ocorra necrose dos tecidos. Existe outra categoria farmacológica capaz de causar inflamação, dor ou irritação dos tecidos, sem que ocorram flíctenas: são denominados fármacos irritantes. Por sua vez, os inflamatórios são os que causam inflamação indolor, acompanhada por eritema e edema dos tecidos. A última categoria são os agentes citostáticos, classificados como neutros, uma vez que não causam inflamação nem sequelas nos tecidos.4

Tabela I Classificação dos fármacos citostáticos utilizados no hospital de dia 8  

Vesicante Esfoliante Irritante Inflamatório Neutro
Ligação ao ADN Sem ligação ao ADN
mitomicina c (agente alquilantes), vincristina, vinorelbina (alcalóides da vinca) cisplatina, docetaxel, oxaliplatina, paclitaxel, doxorrubicina lipossómica bleomicina, carboplatina, etoposido, topotecano 5-flurouracilo, metotrexato ciclofosfamida, gemcitabina
doxorrubicina, epirrubicina (antraciclinas) cabazitaxel (taxanos)

O extravasamento pode ser identificado por sintomas que ocorrem no imediato ou com atraso de dias ou semanas, tais como dor no local de punção, alteração da sensibilidade, prurido, sensação de queimadura, edema e eritema, interrupção ou mudanças na perfusão do fármaco ou ausência do retorno sanguíneo.4,7,9,12

Os casos mais graves podem incluir dor intensa e progredir para necrose e ulceração dos tecidos, com necessidade de desbridamento cirúrgico e/ou enxerto de pele, o que poderá comprometer tendões, nervos e articulações, causando, igualmente, o compromisso funcional e sensorial do local afetado.2,10A gravidade destas lesões está relacionada com o potencial vesicante do fármaco envolvido no incidente, a sua concentração, a quantidade, a duração da exposição nos tecidos, a localização da punção, o dispositivo venoso utilizado, a técnica de venopunção e a reação individualizada dos tecidos.13

A equipa de enfermagem deve estar informada e ter conhecimentos baseados em evidências recentes e atualizadas, para prevenir, reconhecer, gerir e registar o extravasamento de agentes citostáticos14, promovendo, desta forma, a administração segura destes medicamentos.7,15Destaca-se ainda a importância da identificação de fatores de risco e a implementação de medidas preventivas como um contributo fundamental para a redução do risco de extravasamento.5

O utente tem um papel preponderante na identificação precoce destes incidentes, pois é ele que deteta os primeiros sintomas de extravasamento, devendo estar capacitado, educado e esclarecido sobre os seus tratamentos para poder alertar atempadamente os profissionais na presença destes incidentes.2,5,16

A monitorização dos casos de extravasamento deve incluir todos os incidentes ou suspeitas, devendo ser um parâmetro a considerar na avaliação da qualidade dos cuidados prestados pela equipa de enfermagem, na medida que promove reflexão por parte da equipa, proporcionando a instituição de medidas corretivas.15

É importante que a documentação destes incidentes seja elaborada de forma descritiva, pormenorizada e sistematizada,10,15podendo ser realizada de acordo com os Critérios de Terminologia Comum para Eventos Adversos17 variando entre grau 2 - que se manifesta por eritema com edema, dor, endurecimento e flebite associado ao incidente - até ao grau 5, referente ao extravasamento que leva à morte.4No entanto, atualmente também é essencial o registo informatizado, acoplado ao restante processo clínico. Este pode ser realizado através da linguagem CIPE®, onde é identificada a queimadura como foco de atenção, definida como uma “Ferida traumática: rotura e perda da camada exterior do tecido da superfície do corpo ou das camadas mais profundas, devida a lesões pelo calor resultantes de exposição a agentes térmicos, químicos, elétricos ou radioativos; caracterizada por (…) grande dor, desconforto e stress, com risco de choque e com risco de vida; necrose dos tecidos, infeção da ferida, contraturas, escara hipotrófica com rigidez por espessamento, em que o cliente fica profundamente desfigurado; queimadura de 1.º grau, 2.º grau e 3.º grau”.18 Esta classificação está subdividida em: sem queimadura (na ausência de lesão), queimadura de 1.º grau (na presença de eritema dos tecidos), queimadura de 2.º grau superficial (nas lesões que envolvem a epiderme e derme), queimadura de 2.º grau profunda (quando existe envolvimento da epiderme e derme mais profunda) e, por fim, queimadura de 3.º (grau quando a lesão ultrapassa toda a espessura da pele).19

A implementação de procedimentos padronizados e baseados em boas práticas sobre a administração de agentes citostáticos, a gestão do extravasamento e a formação dos profissionais de saúde são importantes para reduzir a incidência do extravasamento e das suas complicações.5,11,20

Métodos

Estudo retrospetivo descritivo, baseado numa pesquisa descritiva qualitativa, no sentido de compreender a atuação da enfermagem perante o extravasamento de agentes citostáticos e o seu contributo para minimizar as complicações da queimadura química.

Foi realizada uma colheita de dados referente ao período compreendido entre 2017 e 2021, cujo tratamento foi efetuado com recurso ao programa Excel®, seguindo-se uma análise de conteúdos relativos à: incidência de extravasamento de citostáticos, conformidade da atuação de enfermagem e resolução da queimadura química. Neste período, foram incluídos todos os utentes maiores de 18 anos com extravasamento com fármacos citostáticos e foram excluídos todos os que ocorreram com anticorpos monoclonais, em administração isolada, ou em associação com terapêutica antineoplásica oral.

Resultados

Foram identificados todos os casos de extravasamento ocorridos no hospital de dia entre janeiro de 2017 e dezembro de 2021. Neste período, foram administrados 10547 esquemas terapêuticos, contendo agentes citostáticos com potencial para causar danos por extravasamento, dos quais 30 resultaram em extravasamento, constituindo estes a população do presente estudo. Todos os incidentes ocorreram em utentes com acesso venoso periférico, sendo mais predominantes em indivíduos do género masculino, com idades compreendidas entre os 60-79 anos (tabela II).

Tabela II Características da população 

A taxa média de incidência do extravasamento entre 2017 e 2021 foi de 0.28% e a taxa de conformidade da atuação de enfermagem de 99.5%, denotando-se um aumento da incidência e uma redução na conformidade da atuação de enfermagem.

Tabela III Dados anuais sobre o extravasamento 

2017 2018 2019 2020 2021 Média/soma
Número de extravasamentos 3 7 11 6 3 30
Incidência do extravasamento 0,19% 0,31% 0,49% 0,25% 0,17% 0,28%
Conformidade da atuação de enfermagem de acordo com o procedimento setorial 100% 99,29% 98,18% 100% 100% 99,49%

Foram identificados 30 casos de extravasamento, com 11 fármacos distintos, sendo que 21 deles foram com medicamentos que apresentavam potencial de causar complicações incapacitantes aos utentes. Excluíram-se do estudo 2 casos; um por falta de comparência do utente às vigilâncias programadas pelos enfermeiros, o outro por apresentar um registo incompleto, o que impossibilitou a recolha de informação sobre a classificação da queimadura química, como apresentado na tabela III. Confirma-se, então, a realização de 29 vigilâncias presenciais ou não presenciais, no primeiro, segundo e sétimo dia após o incidente, doravante designados por D2, D3 e D8. As vigilâncias terminaram no D8 nos casos que não desenvolveram queimadura química ou apresentaram resolução completa dos sintomas.

Dos utentes que sofreram extravasamentos, 22 não desenvolveram queimadura. Em contrapartida, 6 utentes desenvolveram queimadura química. Relativamente aos que vieram a desenvolver queimadura química, 4 apresentaram uma evolução positiva, pelo que tiveram alta no D8. Dos restantes, um dos casos aconteceu com doxorrubicina (vesicante com ligação ao ADN) e foi classificado como queimadura de grau 1 na vigilância do D8; o outro incidente ocorreu com vinorelbina (vesicante sem ligação ao ADN), cuja queimadura química foi classificada como grau 2 profunda, por ulceração, no dorso da mão, acompanhada por dor intensa e mobilização dos dedos e punho.

Tabela IV Resultados sobre a queimadura química após intervenção de enfermagem perante o extravasamento 

Classificação de acordo com potencial para causar danos nos tecidos Nome do fármaco extravasado Números de extravasamentos Sem queimadura durante as vigilâncias (D2-D8) Resolução da queimadura até ao D8 Com queimadura no D8 Vigilâncias programadas Registo completo
Grau 1 Grau 2
Vesicantes epirrubicina 4 3 1 0 0 1 1
vincristina 1 1 0 0 0 1 1
vinorelbina 1 0 0 0 1 1 1
doxorrubicina 1 0 0 1 0 1 1
cabazitaxel 2 2 0 0 0 2 2
Esfoliantes oxaliplatina 5 4 1 0 0 5 5
paclitaxel 5 5 0 0 0 5 5
docetaxel 2 0 2 0 0 2 2
Inflamatórios Não aplicável 0 0 0 0 0 0 0
Irritantes carboplatina 5 4 0 0 0 4 5
etoposido 1 1 0 0 0 1 1
Neutros gemcitabina 3 2 0 0 0 3 2
Total 30 22 4 1 1 29 29
Doentes sem queimadura química 78.6%
Resolução da queimadura química 66.7%

Discussão

A análise dos resultados possibilitou obter dados importantes para melhorar a gestão e documentação do extravasamento, assim como, compreender a queimadura associada aos fármacos citostáticos. Detetámos que 20 incidentes ocorreram na faixa etária dos 60-79 anos, considerados indivíduos com elevado risco de desenvolver extravasamentos, por apresentarem um maior número de alterações circulatórias, mobilidade das veias e aumento da fragilidade capilar.5,21

A incidência de extravasamentos obtida foi de 0.28%, ficando este valor abaixo de 1%, considerado como indicador de qualidade dos cuidados prestados.22No entanto, verificou-se um aumento desta incidência, com maior expressão em 2019. Para dar resposta a este aumento foi elaborado, em 2020, o fluxograma de atuação perante a ocorrência de extravasamento (imagem I) e atualizado o procedimento “cuidados de enfermagem: atuação perante o extravasamento de citostáticos”.

Em relação ao fluxograma elaborado (imagem I), determinou-se que, no caso de extravasamento, a equipa interrompe a perfusão do medicamento citostático, sem desconectar o sistema de perfusão, e delimita a zona afetada com caneta resistente à água.4 É importante o registo deste incidente através de imagem fotográfica, sempre acompanhado pelo consentimento informado do doente, e só posteriormente é que o enfermeiro procede à aspiração do conteúdo infiltrado pelo cateter, podendo ser removido o acesso venoso nesta fase, sem compressão do local.2 O penso a realizar deve ser oclusivo estéril e o enfermeiro deve promover a elevação do local, para reduzir a pressão hidrostática e prevenir a disseminação do medicamento nos tecidos.2,4,5,23Assim que possível, o médico deve ser informado da ocorrência, para que possa consultar o utente.2

Em relação às medidas de suporte, foi aplicada a trolamina e medidas não farmacológicas, nomeadamente a aplicação de frio ou calor por 20 minutos, de acordo com o medicamento infiltrado. Nos agentes citostáticos que não têm ligação ao ADN e na oxaliplatina foi aplicado calor, para promover vasodilatação, aumentar o fluxo sanguíneo e proporcionar distribuição do fármaco pelos tecidos.2,4,5,11,13Por outro lado, a aplicação de frio promove a vasoconstrição e diminui a velocidade de infiltração do medicamento nos tecidos circundantes, permitindo que o sistema vascular e linfático disperse o medicamento, sendo aconselhado nos medicamentos com ligação ao ADN.4,5,11,13

Imagem I Fluxograma elaborado para sistematizar a atuação de enfermagem perante um extravasamento com fármacos citostáticos 

A equipa de enfermagem capacitou todos os utentes para a elevação do local por 48h, autovigilância, proteção solar e aplicação, quatro vezes por dia, de trolamina e das medidas não farmacológicas adequadas, por 20 minutos, durante 48h. Estes utentes foram também acompanhados na sua maioria presencialmente no D2, D3 e D8, de acordo com o medicamento infiltrado.5,11,22

Em relação à conformidade da atuação de enfermagem, de acordo com o procedimento instituído, foram identificadas algumas inconformidades (tabela III), anteriores ao ano de 2019, relacionadas com o registo destes incidentes. É importante compreender que o registo é uma parte relevante dos cuidados prestados, da qualidade e continuidade assistencial15, mas também contribui para a proteção dos profissionais de saúde envolvidos no extravasamento. 10

A partir de 2020, o registo dos extravasamentos passou a ser realizado através da terminologia CIPE®, utilizando o termo queimadura. Desta forma, foi possível padronizar o registo e uniformizar conceitos, assim como, catalogar diagnósticos de enfermagem, resultados e intervenções. 18

Relativamente aos casos de extravasamento que apresentaram queimadura química, identificámos dois casos com maior gravidade, cujo período para a sua resolução foi superior ao D8, constituindo a amostra de incidentes que não tiveram resolução da queimadura no D8, 33.3%.

A queimadura química mais grave foi causada pela vinorelbina, análogo aos dados fornecidos por outros autores7, com necessidade de manter vigilância por mais tempo e acompanhamento concomitante com o médico assistente.

Destacamos que 78.6% dos casos de extravasamento com agentes citostáticos não desenvolveram queimadura química, e os restantes, apresentaram uma evolução positiva até à sua total resolução, sem que o utente tenha sido submetido a intervenções invasivas e sem compromisso funcional ou sensorial no local.

A equipa pretende prolongar as vigilâncias por mais uma semana, de modo a aumentar o tempo de acompanhamento, pois tal demonstrou ser benéfico nos casos de maior gravidade.

Não foi contemplada a 3.ª linha de atuação perante o extravasamento, por não estar disponível na instituição, sendo que alguns autores apontam como desconhecida a eficácia de alguns antídotos.4,12

Conclusão

O presente estudo confirmou que a existência de procedimentos e algoritmos baseados em boas práticas proporciona uma atuação de enfermagem padronizada, permitindo reconhecer rapidamente os casos de extravasamento, intervir precocemente e minimizar complicações.

As medidas implementadas demonstraram benefícios relevantes na prevenção e resolução da queimadura, visto que nenhum utente apresentou compromisso funcional ou sensorial no local.

O extravasamento com agentes citostáticos são um desafio no que concerne ao seu registo, pela particularidade e complexidade dos cuidados inerentes. O registo conseguido através da terminologia CIPE® garante uma documentação padronizada das intervenções prestadas, o que facilita a comunicação entre profissionais, o planeamento dos cuidados de enfermagem, assim como a recolha e análise dos resultados.

É importante desmistificar o extravasamento de citostáticos junto dos enfermeiros, por ser notória uma culpabilização associada a estes acontecimentos. Este estigma deve ser ultrapassado para conseguirmos profissionais diferenciados e capazes de atuar eficazmente na prevenção de possíveis complicações.

Considerações Éticas

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde do local do estudo

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Recebido: 28 de Maio de 2022; Aceito: 17 de Julho de 2022

Autor Correspondência: Ana Marcelino, anarlopes@chbm.min-saude.pt

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