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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versión impresa ISSN 2183-8453

RPSO vol.9  Gondomar jun. 2020  Epub 15-Jul-2021

https://doi.org/10.31252/rpso.08.02.2020 

Resumos de trabalhos divulgados/ publicados noutro contexto

EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL A AMIANTO - PASSADO, PRESENTE E FUTURO

OCCUPATIONAL ASBESTOS EXPOSURE - PAST, PRESENT AND FUTURE

A Correia1 

A Roque2 

R Gameiro3 

M Fernandes4 

1Interna de formação específica de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Barreiro- Montijo. Morada para correspondência dos leitores: Avenida Movimento das Forças Armadas 79C, 2830-003 Barreiro. E-mail: anaisabelb.correia@gmail.com

2Interna de formação específica de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Barreiro- Montijo. 2830-003 Barreiro. E-mail: xanalimaroque@hotmail.com

3Médica do Trabalho. 2830-003 Barreiro. E-mail: anaisabelb.correia@gmail.com

4Responsável do Serviço de Saúde Ocupacional do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo. 2830-003 Barreiro. E-mail: anaisabelb.correia@gmail.com


INTRODUÇÃO

O amianto é um conjunto heterogéneo fibroso mineral, de ocorrência natural, com diversas propriedades físico-químicas, entre as quais se destacam o bom isolamento térmico e acústico, a resistência elevada (altas temperaturas, produtos químicos, corrosão, danos mecânicos e ao fogo)1. Estas propriedades são a razão para que tenha sido muito usado no passado, principalmente na indústria da construção, estando presente em revestimentos e coberturas de edifícios à prova de fogo, telhas de fibrocimento, placas de teto falso e caldeiras, por exemplo1.

Em Portugal, desde 1 de Janeiro de 2005 que a sua utilização e comercialização está proibida, de acordo com o disposto na Diretiva 2003/18/CE, tendo sido transposta internamente para o Decreto-Lei nº 101/2005, de 23 de Junho2,3.

O amianto apresenta perigo para a saúde ao dispersar-se no ar sob a forma de fibras muito pequenas, que quando inaladas podem provocar doenças, como a Asbestose, o Mesotelioma ou o Cancro do Pulmão1,4. Trata-se de um agente cancerígeno de classe 1, ou seja, pode provocar cancro no ser humano, pelo que qualquer exposição ao amianto deve ser reduzida1,4,5. Estas fibras microscópicas, por sua vez, depositam-se nos pulmões, onde permanecem por tempo prolongado. As doenças manifestam-se vários anos ou mesmo décadas após a exposição1,6.

Contudo, se o material estiver bem conservado, não ficar sujeito a agressões diretas e nem estiver friável, a sua presença nos materiais de construção representa um baixo risco para a saúde, no entanto, a quebra da integridade do material leva à libertação de fibras para o ar ambiente1,4.

A manipulação do amianto está sujeita ao cumprimento de normas europeias e nacionais. De acordo com o Decreto-Lei nº 266/2007, de 24 de Julho, que diz respeito à proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais de exposição ao amianto, o valor limite de exposição para todos os tipos de amianto é fixado em 0,1 fibra/ cm31,4,7. Segundo a Organização Mundial da Saúde, em caso de exposição em geral da população, e atendendo ao facto que a exposição ao amianto pode dar-se por via respiratória, via cutânea e por ingestão, o limite de concentração das fibras em suspensão no ar deverá ser inferior a 0,01 fibra/ cm31,4,8.

Os autores relatam um caso de exposição ocupacional a amianto.

DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO

Apresenta-se o caso clínico de um trabalhador do sexo masculino, de 70 anos, leucodérmico, apto sem condicionamentos para o trabalho.

A nível de antecedentes pessoais há que referir uma Apendicectomia há mais de 30 anos e uma Pneumonia Adquirida na Comunidade há 2 anos, tratada com antibiótico em ambulatório, sem intercorrências. Nega outros antecedentes relevantes. Nega hábitos tabágicos, embora refira uma anterior exposição em contexto ocupacional, na Restauração.

É Gestor Hoteleiro e de Restauração há cerca de 40 anos. O seu Hotel sofreu obras de remodelação há 19 e 9 anos, onde o trabalhador manteve uma presença assídua, de forma a supervisionar os trabalhos. Para além da Gerência, também lida, quando necessário, com a manutenção dos vários equipamentos, como fogões e refrigeradores. Diariamente, a sua atividade laboral carateriza-se por se deslocar ao mercado para realizar as compras para o Restaurante, colabora no serviço às mesas e nos pagamentos ao balcão, assim como também fica encarregue da receção durante o horário noturno. Iniciou a sua atividade profissional aos 9 anos numa mercearia e, posteriormente emigrou para França aos 22 anos, onde permaneceu durante 5 anos, para trabalhar na construção civil onde construía e montava pavilhões industriais com cobertura de amianto. Refere outras ocupações como bricolage, agricultura, caça e criação de aves (nomeadamente galinhas, perus e patos).

Recorre à sua médica de família por quadro de tosse seca intermitente, por vezes produtiva de predomínio matutino, com vários meses de evolução. Nega perda de peso, anorexia, sudorese, febre, dispneia e fadiga. Ao exame objetivo destaca-se uma auscultação cardíaca rítmica e sem sopros aparentes, uma auscultação pulmonar com diminuição do murmúrio vesicular bibasal sem ruídos adventícios aparentes e sem baqueteamento digital.

Solicitou-se a realização de análises e eletrocardiograma, os quais não apresentavam alterações relevantes. Realizou também uma Radiografia Torácica que revela espessamento pleural marginal no andar médio do hemitórax direito, oclusão do seio costofrénico homolateral e extensas opacidades irregulares bilaterais nos andares médios, provavelmente pleurais, sem outras alterações aparentes da transparência pleural ou parenquimatosa. Apresentou também um índice cardiotorácico aumentado (Figura 1).

Figura 1 Radiografia torácica com opacidades irregulares bilaterais, de um trabalhador com exposição ocupacional a amianto. 

Para esclarecer estas alterações radiográficas, pediu-se uma Tomografia Computorizada Torácica, que revelou extensos espessamentos pleurais com placas cálcicas bilaterais, relacionadas com paquipleurite, sugestiva de Asbestose. O parênquima pulmonar apresenta estrias fibro-cicatriciais, particularmente nas bases, bronquiectasias de tração, enfisema para-cicatricial bilateralmente, mais evidente nas bases (Figura 2).

Figura 2 Tomografia Computorizada Torácica a revelar espessamentos pleurais com placas cálcicas bilaterais, relacionadas com paquipleurite, sugestiva de Asbestose.  

O trabalhador foi referenciado à consulta de Pneumologia, onde lhe foram pedidos novos exames. Realizou um Ecocardiograma, o qual revelou insuficiência cardíaca ligeira, sem sinais de hipertensão pulmonar ou outras alterações significativas. Para avaliar a função respiratória, realizou um Estudo Funcional Respiratório, sem alterações, sendo normais os volumes pulmonares, débitos e as resistências das vias aéreas e a difusão alveolocapilar. Perante a história ocupacional detalhada e os dados imagiológicos, diagnosticou-se Asbestose. Explicou-se a doença ao trabalhador e que não existia tratamento curativo, recomendando-se uma vigilância regular e um controlo de sintomatologia, caso esta se desenvolva. Prescreve-se a vacinação contra a gripe e pneumonia, assim como se reforçou a importância de uma vigilância anual.

Dado o diagnóstico de Asbestose, procede-se à Participação Obrigatória de Doença Profissional9,10,11. Tanto no Hotel, como no Restaurante, não se encontraram materiais com amianto. Os fatores de risco (nomeadamente mecânicos e psicossociais) a que está exposto o trabalhador são já conhecidos de outras vistorias, não limitando a sua atividade. Por parte da Saúde Ocupacional, constata-se que o trabalhador está apto e adaptado ao posto de trabalho.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A Asbestose é uma doença pulmonar fibrótica crónica, em regra de exposição ocupacional, ou pneumoconiose, causada pela inalação de fibras de amianto. A exposição prolongada a estas fibras pode provocar fibrose pulmonar e dispneia. Os sintomas podem ser ligeiros a graves e, normalmente não aparecem até vários anos ou décadas após a exposição. Normalmente, o período latente entre o pico de exposição ao amianto e o diagnóstico é de 20 a 30 anos12.

Sabe-se que quanto maior for o tempo e a intensidade da exposição ao amianto, maior será a probabilidade de ocorrência de Asbestose e de maior gravidade13.

Os sinais e sintomas tendem a ser inespecíficos, pelo que, a história ocupacional é orientadora para uma suspeita clínica. Os trabalhadores de risco são, entre outros, os construtores civis, os serralheiros, os operários de estaleiros e de ferrovias12,13.

A Asbestose assemelha-se clinicamente à Fibrose Pulmonar Idiopática. No entanto, a Asbestose normalmente tem uma progressão lenta, enquanto a Fibrose Pulmonar Idiopática progride rapidamente. Daí ser importante o estabelecimento de um nexo causal, com a recolha de uma história clínica ocupacional minuciosa12,13.

Embora inespecífica, a dispneia é um dos sintomas mais frequentes. Quando ocorre dispneia de esforço associada com crepitações na auscultação, uma avaliação mais exaustiva deverá ser considerada. Com a progressão da doença, as provas de função pulmonar revelarão um padrão restritivo. A avaliação radiológica faz-se com radiografia torácica e com tomografia computorizada torácica. A radiografia ainda é considerada o exame mais utilizado para o estudo dos trabalhadores expostos ao amianto. Podem ser observadas pequenas opacidades irregulares, maioritariamente nos dois terços inferiores dos lobos pulmonares, que sugerem compromisso pulmonar e, em estadios mais avançados, poder-se-á notar maior acentuação do infiltrado intersticial, a culminar com padrão em favo de mel. Estas alterações não são específicas de Asbestose, mas quando associadas a placas pleurais, o diagnóstico de Asbestose torna-se uma probabilidade real a ser considerada, pelo que o nexo causal deverá ser indagado. A Tomografia Torácica, usada atualmente com muita frequência, com imagens de alta resolução, também revela aumento do reforço intersticial, predominantemente nas bases, sendo o padrão favo de mel um sinal tardio.

Com uma história de exposição ocupacional ao amianto significativa e, com os achados típicos na Tomografia Computorizada Torácica, a biópsia pulmonar raramente é necessária para estabelecer-se o diagnóstico6,12,13.

Atualmente, não existe nenhum tratamento que altere o curso natural da Asbestose. O tratamento assenta no alívio dos sintomas, como da dispneia e da tosse. A cessação tabágica é fundamental uma vez que o tabaco aumenta o risco de desenvolvimento de cancro do pulmão nos indivíduos com história de exposição ao amianto. Também é fundamental a profilaxia de infeções respiratórias, sendo que os indivíduos com Asbestose deverão ser vacinados contra a gripe e pneumonia. Não menos importante, deverá ocorrer uma eliminação ou redução da exposição ao risco6,12,13.

O trabalhador deverá manter uma vigilância regular uma vez que existe um risco de progressão da doença, nomeadamente para neoplasia pulmonar. A Asbestose, de uma forma geral, apresenta uma progressão lenta, contrariamente a outras entidades relacionadas com a exposição ao amianto, como o Mesotelioma, que, por sua vez, já apresenta muito mau prognóstico. A vigilância passa por uma avaliação clínica anual, com controlo da evolução sintomática, por radiografia torácica e por provas de função respiratória. Nos trabalhadores com maior exposição cumulativa, recomenda-se o seguimento por tomografia computorizada torácica6,12,13.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1 DGS. Direção-Geral da Saúde: Saúde Pública; Amianto [Internet]. Lisboa: [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://www.dgs.pt/saude-publica1/amianto.aspxLinks ]

2 EUR-Lex: Diretiva 2003/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de março de 2003, que altera a Diretiva 83/477/CEE do Conselho relativa à proteção sanitária dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto durante o trabalho [Internet]. Jornal Oficial da União Europeia: 2003 Abr 15 [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/eli/dir/2003/18/ojLinks ]

3 DRE. Diário da República Eletrónico: Decreto-Lei n.º 101/2005 [Internet]. Diário da República n.º 119/2005, Série I-A: 2005 Jun 23 [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://dre.pt/pesquisa/-/search/226187/details/maximizedLinks ]

4 ACT. Autoridade para as Condições de Trabalho: Publicações Eletrónicas; Fatores de risco; Guia de boas práticas para prevenir ou minimizar os riscos decorrentes do amianto em trabalhos que envolvam ou possam envolver amianto [Internet]. Autoridade para as Condições de Trabalho: [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: http://www.act.gov.pt/(pt-PT)/crc/PublicacoesElectronicas/Factoresderisco/Paginas/default.aspxLinks ]

5 IARC. International Agency for Research on Cancer: IARC Monographs on the Identification of Carcinogenic Hazards to Humans [Internet]. International Agency for Research on Cancer, World Health Organization [atualizado 2019 Dez 12; citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://monographs.iarc.fr/list-of-classificationsLinks ]

6 BMJ. BMJ Best Practice: Asbestosis [Internet]. BMJ Publishing Group: 2018 [atualizado 2018 Mai; citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://bestpractice.bmj.com/topics/en-us/650Links ]

7 DRE. Diário da República Eletrónico: Decreto-Lei n.º 266/2007 [Internet]. Diário da República n.º 141/2007, Série I: 2007 Jul 24 [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/636752/details/normal?q=decreto+lei+266%2F2007++24+julhoLinks ]

8 WHO. World Health Organization: International Programme on Chemical Safety; Asbestos [Internet]. Air Quality Guidelines, Asbestos [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://www.who.int/ipcs/assessment/public_health/asbestos/en/ [ Links ]

9 DGS. Direção-Geral da Saúde: Programa Nacional de Saúde Ocupacional; Doenças Profissionais e Acidentes de Trabalho [Internet]. Lisboa: [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://www.dgs.pt/saude-ocupacional/doencas-profissionais-e-acidentes-de-trabalho/doencas-profissionais.aspxLinks ]

10 SC. Segurança Social: Participação Obrigatória/Parecer Clínico de doença profissional [Internet]. [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: http://www.seg-social.pt/noticias/-/asset_publisher/9N8j/content/participacao-obrigatoria-parecer-clinico-de-doenca-profissionalLinks ]

11 DRE. Diário da República Eletrónico: Decreto Regulamentar n.º 6/2001 [Internet]. Diário da República n.º 104/2001, Série I-B: 2001 Mai 5 [citado 2020 Jan 31]. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/315913/details/normal?p_p_auth=P3bE5ZpCLinks ]

12 O’Reilly K, Mclaughlin A, Beckett W, Sime P. Asbestos-Related Lung Disease. Am Fam Physician [Internet]. 2007 Mar 1 [citado 2020 Jan 31]; 75(5): 683-688. Disponível em: https://www.aafp.org/afp/2007/0301/p683.htmlLinks ]

13 Filho M, Freitas J, Nery L. Doenças asbesto-relacionadas: asbestos-related diseases. J Bras Pneumol [Internet]. 2006 May [citado 2020 Jan 29]; 32(2): S48-S53. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132006000800009 DOI: 10.1590/S1806-37132006000800009Links ]

A Apresentação deste trabalho foi realizada no 15.º Fórum Nacional de Medicina do Trabalho, que decorreu nos dias 21 a 23 de novembro de 2019, na Culturgest (Lisboa).

Recebido: 20 de Janeiro de 2020; Aceito: 02 de Fevereiro de 2020; Publicado: 08 de Fevereiro de 2020

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