INTRODUÇÃO
O ruido é um fator de risco laboral extensivamente abordado na bibliografia da Saúde Ocupacional; contudo, tradicionalmente é dada enfase nas consequências fisiopatológicas do mesmo, descurando, por vezes, explicações mais detalhadas relativas aos equipamentos de proteção individual e, sobretudo, medidas de proteção coletiva. Os autores pretenderam resumir o que de mais recente se publicou sobre estes dois ângulos, ainda que a generalidade dos dados salientados seja proveniente de um excelente manual da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho), devidamente identificado na bibliografia deste artigo e de acesso por qualquer motor de busca de internet generalista.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores expostos ao ruido.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre medidas de proteção coletiva e individual perante o ruido e suas especificidades
-C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho com ruido.
Pergunta protocolar: Quais as principais medidas de proteção coletiva a individual em relação ao ruido e quais as principais especificidades das mesmas?
Foi realizada uma pesquisa em setembro de 2019 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, Academic Search Ultimate, Science Direct, SCOPUS e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras/ expressões-chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RCAAP | ruido | Medidas de proteção coletiva | -texto integral -pesquisa avançada |
74 | 1 | sim | |||
0 | 2 | não | |||||||
Equipamentos de proteção individual | 145 | 3 | não | ||||||
2 | 4 | sim | |||||||
108 | 5 | não | |||||||
6 | 6 | sim | |||||||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) | Noise | -acesso a resumo -humano |
41.379 | 7 | não | ||||
Collective protection measures | 0 | 8 | não | ||||||
Individual protective measures | 0 | 9 | não | ||||||
Personal protective equipment | 49 | 10 | sim | 10 | 10.1 | - | |||
Protection | 1.337 | 11 | não | ||||||
and collective | 6 | 12 | sim | ||||||
and individual | 200 | 13 | sim | 9 119 151 |
13.1 13.2 13.3 |
- 5 - |
|||
SCOPUS | Protection | 29 | 14 | sim | 17 21 |
14.1 14.2 |
- 2 |
||
Academic Search Ultimate | Protection | 2.451 | 15 | não | |||||
and individual | 179 | 16 | sim | 2 22 32 40 61 |
16.1 16.2 16.3 16.4 16.5 |
- - 4 3 - |
|||
and collective | 11 | 17 | sim |
No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Artigo | Caraterização metodológica | Resumo |
---|---|---|
1 | Manual de Boas Práticas | Trata-se de um manual de normas nacional, orientado pela Autoridade para as Condições do Trabalho, no qual se aborda de forma muito sucinta e completa diversos aspetos associados ao ruido laboral. |
2 | Revisão bibliográfica narrativa | Trata-se de um artigo alemão que aborda o controlo do ruido especificamente em relação aos músicos. Usando como ponto de partida a legislação europeia, ele descreve as particularidades desde setor, ou seja, o facto de a produção de “ruido” ser o objetivo final e as dificuldades inerentes às medidas de proteção coletiva e individual. |
3 | Observacional transversal descritivo | Este documento brasileiro incide na eventual associação entre a disfunção temporomandibular e o uso de alguns equipamentos de proteção individual para o ruido, em trabalhadores de uma empresa produtora de tintas, usando uma amostra de 46 elementos. 87% dos indivíduos avaliados e a usar o equipamento atrás mencionado apresentavam disfunção na articulação atrás mencionada. |
4 | Estudo experimental | Trata-se de outro trabalho brasileiro que pretendeu investigar se existiam diferenças significativas na existência de formação relativa ao uso de equipamentos de proteção auricular. Foram selecionados quatro modelos de materiais diferentes e 23 trabalhadores. Concluiu-se que o treino potencia a proteção. |
5 | Estudo experimental | Esta referência bibliográfica refere-se a um estudo norte americano que pretendeu correlacionar o conforto e o patamar de atenuação de dois equipamentos de proteção, usando 23 trabalhadores. Percebeu-se que existia uma relação inversa entre conforto e atenuação. |
CONTEÚDO
Medidas de Proteção Coletiva
Apenas dois dos documentos selecionados para esta revisão destacaram algumas medidas concretas a considerar relativas à conceção/ desenho adequado do posto de trabalho, nomeadamente:
➢ usar materiais que consigam atenuar a reverberação (reflexão do som em paredes)
➢ colocar dispositivos absorventes (que conseguem atenuar até 15 decibéis) nas superfícies, para minorar a reflexão (mais eficaz no campo reverberante que no campo direto, ou seja, na fonte de ruido); geralmente são eficazes desde que a fonte do ruido não esteja muito próxima do trabalhador
➢ utilizar materiais como lã de vidro e lã de rocha (que dissipam a energia por difusão através da espessura), nas paredes ou por suspensão nos tetos
➢ colocar divisórias de formato e material que proporcionem isolamento acústico/ insonorização, na proximidade do trabalhador
➢ uso de “diafragmas” (painéis de madeira fixos na parede por suportes, também elaborados nesse material), mais eficazes para baixas frequências
➢ uso de “ressoadores” (cavidades ligadas ao ar ambiente, por uma estrutura em formato de garrafa)
➢ diminuição do ruido transmitido pela estrutura (redutores de ruido/ isoladores)
➢ construção de abrigo com isolamento acústico (exceto se o trabalhador tiver tarefas que impliquem sair dessa estrutura com regularidade); ou seja, deverá ser o último recurso a nível de medidas de proteção coletiva
➢ isolar equipamento ruidosos em área fechadas (exceto se a necessidade de aceder aos mesmos for frequente); não esquecer que quando se encapsula um aparelho ruidoso, no interior da estrutura deve existir material absorvente e o aparelho não deve tocar na parede1
➢ situar equipamentos ruidosos mais afastados do trabalhador1;2
➢ utilização de controlos remotos para trabalhar à distância, se possível
➢ afastar dos cantos e paredes do edifício os instrumentos que emitem mais decibéis
➢ ajustar parâmetros técnicos a nível de equipamentos, nomeadamente:
diminuir a velocidade dos fluxos
melhorar a qualidade da superfície
reduzir a dimensão dos obstáculos
formatar os obstáculos
colocação de silenciadores o mais perto possível da fonte
atenuar a fricção
atenuar o impacto
reduzir a energia cinética
potenciar a lubrificação
preferir métodos de corte silenciosos (por exemplo, por laser), se adequado
➢ desenhar portas e janelas com considerações acústicas
➢ escolher o material de isolamento adequado, em função da atenuação sonora, por exemplo, utilizando as seguintes estimativas como orientação geral:
gesso com 7 cms- 34 decibéis
vidro com 1 cm- 33 decibéis
tijolo cheio de 5 cms- 39 decibéis
gesso de 7 cm + fibra+ gesso de 7 cm- 54 decibéis
vidro com 0,8 cm+ caixa de ar 1,4 cm+ vidro com 1 cm- 35 decibéis
betão com 9 cm- 47 decibéis
betão com 9 cm + fibra com 5 cm + gesso com 1 cm - 61 decibéis, por exemplo
➢ colocação de barreiras acústicas o mais próximo possível do trabalhador, com altura mínima adequada (geralmente o dobro da altura do ouvido) e com largura geralmente dupla à altura, com superfície revestida por material absorvente, de forma a atenuar pelo menos 20 decibéis (se o local tiver propriedades reverberantes, a atenuação pode ser menor, nomeadamente apenas 5 decibéis, por exemplo)
➢ manutenção dos equipamentos de trabalho
➢ reparação e/ ou substituição dos equipamentos mais barulhentos1
➢ informação/ formação aos trabalhadores (relativa a utilização adequada dos aparelhos de trabalho e outras medidas para atenuar o ruido)
-
➢ medidas organizacionais do trabalho1;2
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)
Quando se ultrapassa o valor de exposição inferior (80 decibéis) o empregador deve fornecer a proteção auricular; se se atingir ou superar o valor de exposição superior (85 decibéis) o seu uso é exigido1 (após potenciação prévia das medidas de proteção coletiva1;3). Contudo, os trabalhadores e os seus representantes têm de ser consultados para a escolha de modelos. Para selecionar estes últimos dever-se-á levar em conta a existência de certificação CE (Comunidade Europeia), atenuação adequada, compatibilidade com as tarefas e outros EPIs usados simultaneamente; bem como condição física do trabalhador, aceitabilidade e comodidade que este gerará1.
A eficácia destes dependerá do tempo de utilização, uso correto, forma/ dimensão, ajustabilidade ao pavilhão auricular, pressão efetuada (na cabeça e/ ou pavilhão auricular), resistência a temperaturas extremas e material. A proteção dependerá do valor médio da atenuação acústica e desvio-padrão, atenuação de frequências (altas, médias e baixas), bem como da atenuação global1.
A atenuação deve permitir que o trabalhador fique exposto a níveis 5 a 10 decibéis inferiores ao nível de ação (15 decibéis já se considera desadequado, por diminuir a perceção dos sinais sonoros e perturbar a comunicação entre funcionários, o que poderá potenciar a recusa em usar o equipamento)1 ou a prevalência de acidentes.
Estes dispositivos podem classificar-se em protetores auriculares (duas calotes, unidas por uma banda e forradas com material acusticamente absorvente); a parte almofadada pretende potenciar o ajuste e o conforto; existem geralmente os tamanhos pequeno, médio e grande; a banda pode passar atrás ou por cima da cabeça, sob o queixo ou atrás do pescoço e tampões auditivos (que são colocados no interior ou entrada do canal auditivo)1.
Outros autores classificam-nos em circum- auriculares (ou extra-auriculares), supra-aurais ou “de concha” e os de inserção intra-auricular (ou “plugs”)3. De realçar que a proteção auricular em concha pode atenuar mais que outros modelos, sobretudo em oliva4.
Os tampões podem ser descartáveis ou reutilizáveis; os últimos geralmente são constituídos por silicone, borracha ou plástico; ou outros por espuma ou algodão. Os que são moldáveis permitem que o próprio os comprima, antes de inserir. Há ainda a possibilidade de usar modelos pré-moldados, para um individuo em específico e feitos em silicone ou acrílico, com maior flexibilidade ou rigidez, respetivamente. Também aqui podem existir três tamanhos: pequeno, médio e grande. A reutilização dos tampões descartáveis diminui a eficácia da proteção1.
No entanto, alguns modelos de proteção auricular não se ajustam ao uso simultâneo de capacetes ou a conjugação gera mais desconforto. Por vezes o trabalhador tem necessidade de usar simultaneamente proteção respiratória, óculos ou viseiras; aqui o ajuste das almofadas poderá ficar prejudicado e, por isso, poderá ser mais adequado o uso de tampões1.
Em geral, quanto mais elevada for a frequência sonora, maior será a atenuação acústica; a exceção serão os protetores auriculares acústicos específicos para os músicos1.
Poderá acontecer que a atenuação real, em ambiente de trabalho, seja inferior à testada em laboratório e registada nas caraterísticas do produto, devido às dificuldades de ajustamento dos protetores auriculares (por exemplo, devido ao cabelo comprido), colocação incorreta no canal auditivo (para os tampões), interação com outros EPIs, deterioração do equipamento e diferenças acústicas (entre o laboratório e o local de trabalho) 1.
Alguns postos apresentam particularidades em relação aos EPIs para o ruido, por exemplo aqueles em que este varia muito (desde muito intenso a nulo e com necessidade de percecionar os avisos sonoros e/ ou ter boa comunicação com os colegas); também pode ser necessário que exista um dispositivo eletrónico acoplado para comunicação entre os funcionários. Outra situação será o trabalho com humidade elevada, onde as almofadas dos protetores auriculares podem ficar desconfortáveis (e o tampão possa ser preferível) 1.
O conforto dos protetores auriculares estará dependente do peso, pressão/ força (das almofadas e/ ou banda) e do material que constitui as almofadas. Por sua vez, no caso dos tampões, realça-se a maior ou menor facilidade de inserção/ remoção e ajuste ao canal auditivo1.
Se o canal auditivo for atípico, os tampões pré-moldados poderão não constituir a melhor opção. Por sua vez, se estiver a decorrer algum tratamento no canal auditivo, poderá ser mais adequado o uso de protetores versus tampões1.
A existência de pausas no tempo de uso do EPI reduz a atenuação e a proteção1.
Aliás, no global, alguns investigadores concluíram que, em circunstâncias específicas, o conforto parece estar inversamente relacionado com a atenuação acústica5.
O treino dos trabalhadores em relação a como usar a proteção auricular é relevante e deveria ser considerada, uma vez que tal faz variar o patamar de atenuação do ruido; isso demonstrou-se mais relevante do que o nível de escolaridade, por exemplo. O modelo deveria ser escolhido em função do nível de atenuação que se pretende atingir e da adaptação do funcionário4.
Para determinar em quanto o ruido é diminuído, coloca-se o funcionário dentro de uma cabine insonorizada e faz-se algo semelhante ao audiograma com e sem proteção auricular ou então também se pode colocar um sensor próximo do tímpano4.
Um estudo concluiu que a maioria dos trabalhadores avaliados (e que usavam proteção auricular) apresentavam disfunção temporomandibular, sendo possível que tal tenha contribuído para o seu surgimento/ agravamento. As algias pré-auriculares e na articulação atrás mencionada podem contribuir para a remoção dos equipamentos por diversas vezes ao longo dos turnos, o que diminui a proteção. Quanto maior o tempo de trabalho, maior o desconforto registado. Acredita-se que ambientes mais ruidosos exigem mais atenuação, pelo que será mais provável o uso de equipamentos mais pesados e, por isso, mais associados às algias, sudorese, desconforto térmico e prurido3.
-Particularidades dos Músicos
Os tampões auditivos para os músicos têm a particularidade de proporcionarem uma atenuação uniforme para todas as frequências, de forma a não alterar significativamente a perceção da música; geralmente são feitos em silicone e moldados individualmente, com atenuação de 9 a 25 decibéis; contudo, a maioria destes profissionais necessita de algum tempo para se adaptar à alteração na perceção do som1.
Ainda neste setor profissional, as barreiras típicas podem não ser as mais adequadas; por vezes, são utilizadas conchas acústicas, para que haja atenuação dos sons produzidos por outros músicos (contudo, se mal utilizada, pode tornar o ruido ainda mais lesivo) 1.
Músicos com instrumentos com palheta (fagotes, oboés e/ ou clarinetes) ou de metal não devem utilizar tampões compressíveis, uma vez que o efeito de oclusão poderia potenciar a ressonância maxilar. Tal poderá ser atenuado com o uso de tampões pré-moldados (e sem penetração profunda no canal auditivo) ou com tampões com respiradouros 1. Não é raro que os músicos, por vezes, recusem a proteção auricular 2.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Os profissionais a exercer nas equipas de saúde ocupacional necessitam frequentemente de informação atualizada sobre medidas de proteção individual e coletiva para atenuar os efeitos do ruído em meio laboral. A bibliografia (em bases de dados indexadas) sobre estas duas temáticas não é muito abundante e/ ou de fácil acesso. No entanto, essas medidas, bem utilizadas, conseguem atenuar o ruído, promovendo um posto de trabalho mais seguro e saudável.
Seria pertinente que equipas de Saúde Ocupacional a exercer em clientes com diversos patamares de ruido, investigassem quais destas técnicas se adequam melhor a cada situação e de que forma os funcionários aderem melhor ao processo e executam a sua parte de forma mais eficaz.