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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.10  Gondomar dez. 2020  Epub 17-Mar-2021

https://doi.org/10.31252/rpso.05.12.2020 

Revisão Bibliográfica Integrativa

A INFLUÊNCIA DO TRABALHO NOTURNO NO CONTROLO DA DIABETES: REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

THE INFLUENCE OF NIGHT WORK ON DIABETES CONTROL: INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

1Licenciatura em Enfermagem, Enfermeira no ACeS Famalicão - USF Joane. Morada para correspondência dos leitores: Largo 3 de Julho, 183, 4770-206 Joane. E-MAIL: helena.rafael.alves@gmail.com.

2Enfermeiro no Hospital Senhora da Oliveira - Guimarães. 4770-260 Vila Nova de Famalicão. E-MAIL: enf.tiagoalves@gmail.com.

3Licenciatura em Enfermagem, Enfermeira na Workview - Segurança e Saúde no Trabalho. 4820-005 Fafe. E-MAIL: floramarilia@hotmail.com.

4Licenciatura em Enfermagem, Enfermeira no ACeS Famalicão - USF Joane. 4770-260 Vila Nova de Famalicão. E-MAIL: sidonia.pacheco@gmail.com.

5Professor Associado na Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal. 4455-476 Matosinhos. E-MAIL: gcouto@ufp.edu.pt.


RESUMO

Introdução

A diabetes mellitus é uma doença crónica com elevada e crescente prevalência, nomeadamente entre a população mais jovem. O aumento da doença entre a população ativa pode originar um maior risco de incapacidade para o trabalho e de uma taxa mais elevada de absentismo.

Métodos

Este estudo consiste numa revisão integrativa da literatura. Após o estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão e análise dos investigadores foram selecionados quatro estudos transversais.

Resultados

Embora não exista evidência suficiente, parece existir uma tendência para níveis de glicemia mais elevados nos trabalhadores diabéticos e não diabéticos que fazem trabalho noturno. Os estudos evidenciaram que os trabalhadores noturnos têm mais fatores de risco cardiovascular, o que pode influenciar o controlo glicémico e vem ao encontro com estudos que associam o trabalho por turnos noturnos a um aumento da prevalência da síndrome metabólica, que consistem na junção da alteração lipídica (diminuição do bom colesterol ou HDL e aumento os triglicerídeos), aumento da tensão arterial, obesidade abdominal e glicemia alterada.

Discussão/Conclusão

Existe necessidade de desenvolver estudos controlados randomizados. Não obstante, o controlo mais agressivo da glicemia nos trabalhadores noturnos pode ser importante para evitar as complicações da doença. Há necessidade de investir em programas de prevenção da diabetes junto dos trabalhadores nos serviços de Saúde Ocupacional e desenvolver/ implementar intervenções direcionadas e eficazes para ajudar os trabalhadores a gerir melhor sua doença, uma vez que a prevalência de diabetes tipo 2 na população em idade laboral continua a aumentar. Pode ser necessário adequar o regime terapêutico e alimentar aos trabalhadores diabéticos que trabalham em regime noturno.

Palavras-Chave: Jornada de Trabalho em Turnos; Glicemia; Diabetes Mellitus; Revisão

ABSTRACT

Introduction

Diabetes mellitus is a chronic disease with a high and growing prevalence, particularly among the younger population. The increase in disease among the active population can lead to a greater risk of incapacity for work and a high rate of absenteeism.

Methods

This study consists of an integrative literature review. After establishing the inclusion and exclusion criteria, four cross-sectional studies were selected.

Results

Although there is not enough evidence, there seems to be a trend towards higher blood glucose levels in diabetic and non-diabetic workers who do night work. Studies have shown that night workers have more cardiovascular risk factors, which can influence glycemic control and is in line with studies that associate night shift work with an increased prevalence of metabolic syndrome, which consists of the junction of lipid alteration (decreased good cholesterol or HDL and increased triglycerides), increased blood pressure, abdominal obesity and altered blood glucose.

Discussion / Conclusion

There is a need to develop randomized controlled studies. However, more aggressive glycemic control in night workers can be important to avoid complications of the disease. There is a need to invest in diabetes prevention programs with workers in Occupational Health services and develop/ implement targeted and effective interventions to help workers better manage their disease, since the prevalence of type 2 diabetes in the working age population continues to increase. It may be necessary to adapt the therapeutic and dietary regime to diabetic workers who work at night.

Keywords: Shift Work Schedule; Blood Glucose; Diabetes Mellitus; Review

INTRODUÇÃO

A Diabetes Mellitus (DM) constitui uma doença crónica com elevada e crescente prevalência, abrangendo indivíduos cada vez mais jovens, o que determina um aumento da doença numa população com uma faixa etária produtiva. Os custos associados ao tratamento da DM e as suas complicações produzem uma sobrecarga económica para os doentes, familiares e para toda a sociedade. Estes indivíduos possuem maior risco de incapacidade para o trabalho e uma elevada taxa de absentismo1. Segundo um estudo de Breton2 (2013) verifica-se um impacto negativo da diabetes sobre absentismo, perda de produtividade, incapacidade para o trabalho e reforma antecipada. Neste estudo conclui-se que indivíduos com diabetes têm entre dois e dez dias de absentismo por ano a mais do que aqueles sem diabetes. Os Indivíduos com diabetes e complicações relacionadas tiveram mais absentismo e perda de produtividade do que indivíduos com diabetes, mas sem essas comorbilidades, e do que aqueles indivíduos sem diabetes. As causas dessas incapacidades funcionais são diversas, entre elas as complicações crónicas decorrentes da doença, excesso de peso, incapacidade física, hiper e/ou hipoglicemias3.

No trabalho por turnos, especialmente nos turnos noturnos, é mais frequente a patologia gastrointestinal, nomeadamente as úlceras péptica e duodenal, bem como alterações do sono (que se podem tornar crónicas), doença cardiovascular (incluindo dislipidemia) e diabetes. Além disso, alguns estudos associam o trabalho por turnos noturnos a um aumento da prevalência da síndroma metabólica, que consistem na junção da alteração lipídica (diminuição do bom colesterol ou HDL e aumento os triglicerídeos), aumento da tensão arterial, obesidade abdominal e glicemia alterada4. Assim, o trabalho por turnos é um fator de risco para o início de DM, em especial a sua alternância1. Entretanto, o efeito do trabalho noturno no controle glicémico de pacientes portadores de DM é pouco conhecido.

O trabalho por turnos é uma das várias formas de organização temporal do horário de trabalho, na qual diferentes pessoas ou equipas trabalham em sucessão, isto é, ocupando os mesmos postos de trabalho, a um determinado ritmo, incluindo o rotativo, continuo ou descontínuo, podendo executar o trabalho a horas diferentes num dado período de dias ou semanas5.

O trabalho por turnos é uma realidade cada vez mais comum para responder às novas necessidades das empresas. Apesar de, em alguns casos, haver um acréscimo na remuneração se o trabalho for realizado em horário noturno, há riscos para a saúde a ter em conta. Por exemplo, quem trabalha por turnos tem tendência a ingerir alimentos mais calóricos e ricos em gordura saturada6.

A alteração dos hábitos de vida, alimentares e de sono resultantes do trabalho por turnos aumenta o risco de obesidade, DM tipo II, doenças cardiovasculares, problemas digestivos e deficiência de vitamina D, sobretudo se houver baixa exposição solar. As alterações no apetite e comer fora de horas levam a uma maior apetência para alimentos e bebidas ricos em açúcares e à tentação de recorrer aos snacks (ricos em gordura saturada, sal e açúcares) em vez de se fazer uma refeição saudável e equilibrada. Como resultado, pode existir uma maior dificuldade de controlo glicémico nos doentes diabéticos que fazem turnos noturnos7.

Dos fatores mais aclamados pela evidência recente quanto às principais alterações metabólicas dos trabalhadores com diabetes que trabalham por turnos noturnos, podemos evidenciar as alterações na Hba1c, Glicose em jejum e glicose pós-prandial; a obesidade abdominal; alterações no IMC e na relação cintura quadril e risco cardiovascular. A obesidade abdominal é um dos principais fatores de risco independente para mortalidade em doentes com DM8. Nestes doentes, o excesso de peso e a gordura abdominal estão relacionados com um aumento da resistência à insulina, levando a uma maior dificuldade no controlo dos níveis de glicemia9. Este risco pode ser antecipado pelas alterações visíveis no IMC e na relação cintura-anca. A DM usualmente alinha-se com outras condições, incluindo hipertensão, hiperdislipidemia, obesidade e neuropatia dolorosa10.

As alterações do sono, falta de exercício físico e falha no controle da dieta podem aumentar a quantidade de gordura corporal, levando à resistência à insulina e aumento de peso, resultando em DM11.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, com o intuito de contribuir para o aprofundamento do conhecimento relativo às alterações metabólicas dos trabalhadores com DM que trabalham por turnos noturnos, versus os que trabalham por turno normal. O estudo seguiu as diretrizes PRISMA para a elaboração da revisão integrativa da literatura; especificação dos métodos de seleção dos estudos; procedimento de extração dos dados; análise e avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa da literatura. Ou seja: extração dos dados e apresentação da revisão/ síntese do conhecimento produzido e publicado12. A questão de revisão foi definida com base no método PICO. Os participantes (P) são os trabalhadores com DM. O interesse (I) é o trabalho por turnos noturnos. A comparação (C) é o trabalho por turno normal/ diurno. Deste modo, a presente revisão teve a seguinte questão norteadora: os trabalhadores por turnos noturnos, com DM, têm alterações metabólicas no controlo da glicose em relação aos trabalhadores do turno normal/ diurno?

Este estudo utilizou como estratégia de pesquisa a combinação de palavras-chave específicas ao tema (Shift Work Schedule, Blood glucose, Diabetes). Os termos foram utilizados em várias formas combinadas utilizando os operadores booleanos “OR” e “AND” sempre que possível. Para esta pesquisa foram utilizadas bases de dados eletrónicas Medline a partir da plataforma Pubmed, CINAHL e Scielo, a 21 de fevereiro de 2020.

Foram definidos os seguintes critérios de seleção de estudos para a revisão: incluídos os estudos primários, em línguas inglesa, portuguesa e espanhola e publicados entre 2008 e 2019. Foram excluídos os estudos de revisão sistemática, estudos que não incluem participantes diabéticos e estudos publicados em outras línguas que não as acima referidas.

Três autores revisores analisaram independentemente os títulos e os resumos dos estudos resultantes da pesquisa eletrónica inicial. Foram obtidas cópias completas de todos os artigos relevantes e potencialmente relevantes, ou seja, dos artigos que aparentemente tinham critérios de inclusão, ou em que existia informação insuficiente no título e no resumo para tomar uma decisão clara. Nos casos em que houve discrepância de opinião na inclusão dos artigos, procedeu-se à análise dos estudos até se chegar a um consenso.

Detalhes dos estudos e dos resultados obtidos foram colhidos utilizando uma forma predefinida desenhada para esse propósito. Os detalhes dos estudos foram introduzidos na tabela 1 “Características dos estudos incluídos” e os resultados obtidos foram introduzidos numa tabela separada por cada um dos três autores revisores e analisados relativamente às diferenças. Os dados foram incluídos quando existiu um consenso. Foram extraídos os seguintes detalhes: métodos dos estudos, participantes (tamanho da amostra, idade, sexo, critérios de inclusão e exclusão), interesse (trabalho em turnos noturnos) e resultados.

A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi avaliada por três avaliadores utilizando uma versão modificada de um instrumento de avaliação critica, adaptada por Crombie13. Este instrumento é constituído por 16 itens, sendo que é atribuído um ponto, caso esteja presente no estudo o que o item expressa e zero pontos quando ausente ou pouco claro. A pontuação máxima (indicando alta qualidade) é 16, a menor pontuação possível será zero. A qualidade metodológica de cada estudo foi subsequentemente classificada como baixa (0 a 5 pontos), moderada (6 a 11 pontos) ou alta (12 a 16 pontos), semelhante ao procedimento descrito por Geytenbeek14. Quaisquer desentendimentos entre os revisores foram resolvidos pela construção do consenso.

Contudo, antes de atribuir a pontuação, era necessário esclarecer um dos itens da avaliação para garantir que os revisores fossem consistentes na sua abordagem. Os revisores reconheceram que é improvável que o desenho do estudo responda a todos os possíveis vieses, portanto, o item de avaliação número 11 “Atenção aos possíveis vieses' foi pontuado positivamente se o documento reconheceu o impacto potencial de todos os prováveis vieses.

Tabela 1 Características dos estudos incluídos 

Código Autores/ Ano / Local Objetivo Tipo de estudo Participantes Intervenções Resultados
E1 Henry Asare‐ Anane, et al., 2015, Gana Obter informação sobre a relação entre o trabalho por turnos e o risco cardiovascular. Estudo transversal
Amostra de conveniência, consecutiva, de trabalhadores numa empresa do Gana (total de 200 participantes) entre os 20 e os 59 anos de idade.
Foram excluídos trabalhadores com história familiar de DCV, grávidas, puérperas e trabalhadores que admitiram comer durante turno da noite.
Grupo trabalhadores por turnos rotativos (n=113).

Grupo de trabalhadores do turno normal (n=87) (grupo controlo).
Exposição ao trabalho noturno está significativamente associada a um aumento do IMC e da relação cintura-quadril.
A Hba1c, a glicose em jejum e glicose pós-prandial está significativamente aumentada nos trabalhadores por turnos rotativos.
O colesterol total e os triglicerídeos e PCR estão aumentados significativamente nos trabalhadores por turnos.
E2 Ticiana C. Rodrigues, et al.,
2008, Porto Alegre
Investigar a relação entre trabalho em turnos e pacientes diabéticos tipo 2. Estudo transversal
95 diabéticos que trabalham num Hospital no Brasil em diferentes funções, 71 do sexo feminino e 24 sexo masculino com 47 anos de média de idade
Foram excluídos trabalhadores diabéticos com turnos rotativos
Todos os trabalhadores estavam a trabalhar pelo menos há 6 meses no mesmo turno.
-Grupo de trabalhadores noturnos (n=28)
-Grupo de trabalhadores diurnos (n=67) - grupo controlo
-Amostra de conveniência
-Todos os participantes têm consentimento informado assinado
Dados foram colhidos pelo Serviço de Medicina Ocupacional do hospital entre janeiro de 2004 e julho de 2006.
Não se verificou diferença no IMC dos diferentes grupos
O perímetro abdominal é significativamente superior nos trabalhadores noturnos.
Os resultados laboratoriais em relação ao controlo glicémico (glicose em jejum e HbA1c) e perfil lipídico não foram diferentes nos dois grupos.
Não houve diferença em relação á presença de nefropatia diabética e síndrome metabólica.
E3 Navarro, Daniel et al., 2019, Nevada Las Vegas Avaliar o autocontrolo dos trabalhadores com diabetes tipo 2 que trabalham por turnos.
Estudo transversal descritivo
Amostra 86 trabalhadores com DM2 numa unidade de cuidados de saúde primários.
Foram excluídos indivíduos com menos de 21 anos de idade; Pessoas com diabetes que sofreram AVC ou EAM; Indivíduos com distúrbios psiquiátricos, tomando medicamentos psicotrópicos ou com problemas cognitivos; Indivíduos que não falam inglês; Indivíduos que não trabalham
Divididos em 2 grupos:
trabalhadores do turno normal (45) (grupo controlo) e trabalhadores por turnos noturnos (41)
Não há diferença no auto-controlo da DM (Glicose, atividade física, cuidados de saúde) entre os 2 grupos.
O controlo dietético apresentou tendência estatisticamente significativa entre os grupos, para aqueles com diabetes, um padrão de turno de trabalho exige mudanças necessárias nos horários das refeições e nos hábitos alimentares.
Os trabalhadores por turnos referem ter mais alterações nos padrões de sono quando comparados com o grupo de trabalhadores do turno normal.
Trabalhadores por turnos referem mais complicações (mialgias nos MI, infeções fúngicas, dormência nas pernas e pés, tonturas, alterações da visão)
E4 Juha Park et al., 2019, Korea Verificar se o trabalho noturno afeta de alguma forma o controlo da HTA e da DM
Estudo Transversal
631,418 participantes, 365,553 do sexo masculino e 265,865 sexo feminino entre os 20 e os 65 anos de idade.

Estavam incluídos 36,914 trabalhadores com diagnóstico de HTA e 13,826 trabalhadores com diagnóstico de DM.
Os trabalhadores foram divididos em dois grupos:
Grupo de trabalhadores exclusivamente diurnos (n=560,968) destes, 311,713 são do sexo masculino e 249,255 do sexo feminino (grupo controlo) e grupo trabalhadores a fazer exclusivamente turnos noturnos (n=70,450), destes, 53,840 são do sexo masculino e 16,610 do sexo feminino.
Os trabalhadores por turnos noturnos são significativamente mais jovens que os trabalhadores do turno normal.
Os trabalhadores por turnos noturnos têm um IMC superior aos trabalhadores do turno normal
Os trabalhadores por turnos noturnos fumam mais, mas consomem menos bebidas alcoólicas que os trabalhadores do turno normal
A TAS e TAD é significativamente mais elevada nos trabalhadores por turnos noturnos
Os valores da glicose em jejum também são significativamente superiores nos trabalhadores por dos turnos noturnos.

RESULTADOS

Depois da estratégia de pesquisa, foram encontrados 31 estudos nas bases de dados da Pubmed, Scielo e CINAHL. Foram analisados os títulos e resumos das referências, sendo excluídos 18 da revisão e quatro por repetição (tabela 1). Obtiveram-se cópias da totalidade dos artigos (n=9) para submetê-los a uma avaliação posterior. Após avaliação, um dos artigos foi excluído por ser uma revisão da literatura e quatro por os participantes não serem diabéticos ou terem sido excluídos os diabéticos. Por fim, apenas quatro estudos foram incluídos na revisão (Figura 1). Os dados extraídos de todos os estudos foram incluídos numa tabela-roteiro, individualmente, que inclui os critérios de análise dos artigos (Tabela 1).

Figura 1 Estratégia de seleção dos artigos para o estudo (PRISMA 2009 Flow Diagram) 

Nesta revisão integrativa apenas foram incluídos estudos observacionais analíticos (estudos transversais). Os estudos transversais são pouco dispendiosos, relativamente rápidos de executar e largamente usados. No entanto, este tipo de estudos são susceptíveis aos chamados viés de prevalência/ incidência, que acontecem quando o efeito de determinados fatores relacionados com a duração da doença é confundido com um efeito na ocorrência da doença. Quando encontramos uma associação entre uma exposição (por exemplo, turnos noturnos) e um efeito (dificuldade de controlo da glicemia), podemos ter a tentação de concluir que existe uma maior possibilidade de doença entre os expostos ou, então, de exposição entre os doentes. Porém, tal não é correto uma vez que, tendo sido feita, simultaneamente, a medição da causa e do efeito, não podemos discernir se foi a causa que levou ao efeito ou o contrário. Portanto, a capacidade destes estudos para demonstrar uma relação de causa efeito é menor e, por isso, o nível de evidência é mais baixo15.

Independentemente da escolha do desenho do estudo, é importante prestar atenção ao planeamento do estudo, à forma como foi definida a população, à seleção da amostra, ao tipo de variáveis utilizadas, à colheita e análise dos dados de modo a que, controlando o maior número de viés possível, se possa garantir que o estudo tem validade interna.

Podemos verificar que existem artigos com atribuições de qualidade diferentes, consideramos que, tendo em conta a pontuação obtida, a maioria dos artigos (E1, E3, E4) apresenta uma qualidade alta, sendo que apenas 1 (E2) tem uma qualidade moderada.

DISCUSSÃO

Relativamente aos estudos incluídos, verificamos que estes diferem entre eles em método, tipo de participantes, medidas de resultado e período em que decorre o estudo. Somente uma pequena parte dos resultados dos estudos é apresentada nos artigos.

Alterações na Hba1c, Glicose em jejum e glicose pós-prandial

Nos estudos analisados, o controlo da glicemia parece ser afetado pelo trabalho por turnos. O estudo E1 refere que a Hba1c, a glicose em jejum e glicose pós-prandial está significativamente aumentada nos trabalhadores por turnos rotativos/noturnos. Este facto é atribuído ao período de sono reduzido comum entre os trabalhadores do turno noturno, prejudicando o metabolismo da glicose.

Nos estudos E3 e E4 os valores médios da glicose em jejum também são significativamente superiores nos trabalhadores dos turnos noturnos. No E4 os autores consideram que a diferença poderia ter sido ainda mais significativa visto estarem incluídos trabalhadores saudáveis no turno da noite (apenas 2,1% de diabéticos no turno da noite). Neste caso, poderemos ter um viés de seleção, ou seja, um erro resultante do procedimento utilizado para selecionar os participantes e dos fatores que influenciam a decisão de participar num estudo16.

Apenas o estudo E2 refere que os resultados laboratoriais em relação ao controlo glicémico (glicose em jejum e HbA1c) não foram diferentes nos dois grupos. Contudo, neste estudo os trabalhadores avaliados são funcionários de um hospital terciário, referência no tratamento da DM, que talvez possam representar uma população diferenciada e com elevado grau de informações sobre a sua doença, o que pode contribuir para um melhor controlo metabólico. Este facto pode representar um viés de seleção16.

Nos estudos analisados pode existir um viés de casos prevalentes, quando se utilizam casos diagnosticados com a doença há muito tempo. Por exemplo, o doente com diagnóstico de diabetes há mais tempo, pode ser um doente que tenha alterado o seu estilo de vida, cumprindo o regime terapêutico, ou, por outro lado, pode ter mais complicações associadas à diabetes e uma progressão mais grave da doença16.

Outros dados podem justificar a dificuldade do controlo da glicemia nos doentes diabéticos que fazem trabalho noturno. Os estudos analisaram fatores como as alterações do índice de massa corporal (IMC) e relação cintura-anca, prevalência de fatores de risco cardiovascular e de complicações da diabetes e fatores relacionados com o trabalhador diabético.

Alterações no IMC e na relação cintura-anca

Dos estudos encontrados, o E1 indica que a exposição ao trabalho noturno está significativamente associada a um aumento do IMC e da relação cintura-anca. No E4 os trabalhadores por turnos noturnos têm um IMC superior aos trabalhadores do turno normal.

Segundo estes estudos o IMC elevado dos trabalhadores que trabalham por turnos noturnos, pode estar associado à adoção de estilos de vida não saudáveis, como comer à noite durante o trabalho noturno, expondo as pessoas ao ganho de peso.

Apenas o E2 refere que não se verificou diferença no IMC dos diferentes grupos. No entanto, o perímetro abdominal é significativamente superior nos trabalhadores noturnos. Neste caso, apesar de outros fatores de resistência à insulina não estarem presentes, a obesidade abdominal é considerada um fator de risco independente para a mortalidade em pessoas com Diabetes17.

Fatores de risco cardiovascular e complicações da diabetes

O estudo E1 refere que o colesterol total e os triglicerídeos e PCR estão aumentados significativamente nos trabalhadores por turnos noturnos. No entanto, o estudo E2 refere que os resultados laboratoriais não foram diferentes nos grupos, em relação ao perfil lipídico [triglicerídeos, colesterol total, LDL (lipoproteína de baixa densidade) e HDL (lipoproteína de alta densidade)]. No estudo E4 não foram avaliados estes parâmetros.

Relativamente à hipertensão, o estudo E1 revela que esta foi mais prevalente entre trabalhadores por turnos rotativos/ noturnos com idade entre 30 e 49 anos. No estudo E2 os autores observaram que ela é mais prevalente nos trabalhadores noturnos com idade inferior a 50 anos. O estudo E4 diz que a tensão arterial sistólica e diastólica são significativamente mais elevadas nos trabalhadores por turnos noturnos. No estudo E3 os trabalhadores por turnos referem mais mialgias nos membros inferiores (MI), infeções fúngicas, dormência nas pernas e pés, tonturas e alterações da visão. Porém, no estudo E2 não houve diferença em relação à presença de nefropatia diabética e síndrome metabólica. Os restantes estudos não fazem esta análise.

Fatores relacionados com o trabalhador diabético

No que diz respeito à adesão ao regime terapêutico, o estudo E3 refere que não há diferença no autocontrolo da DM (glicose, atividade física, cuidados de saúde) entre os dois grupos. Nenhum dos estudos analisados faz referência à adesão ao regime medicamentoso. Não existe referência ao tipo de medicação que o doente está a fazer (antidiabéticos orais e/ ou insulina) nem à adesão do doente à terapêutica. Os doentes podem apresentar valores de glicemia alterado por estarem medicados de forma diferente ou não cumprirem o regime medicamentoso. Trata-se de um viés de diagnóstico ou deteção: ocorre quando a exposição, por vias diretas ou indiretas, condiciona uma maior probabilidade de deteção da doença já existente, dando a falsa ideia que a origina. Por outro lado, conhecer o regime medicamentoso seria interessante para tentar compreender se os trabalhadores noturnos têm necessidades diferentes16.

Outro aspeto abordado pelos diferentes estudos relaciona-se com a qualidade do sono nos trabalhadores por turnos. O estudo E3 diz que os trabalhadores por turnos referem ter mais alterações nos padrões de sono quando comparados com o grupo de trabalhadores do turno normal. O mesmo acontece no estudo E4 em que trabalhadores noturnos tiveram um tempo de sono insuficiente e menor qualidade do sono, quando comparados com os trabalhadores do turno normal.

CONCLUSÃO

Não há evidência suficiente sobre o impacto do trabalho noturno no controlo glicémico nos trabalhadores com diabetes. Apenas foram incluídos quatro estudos transversais, com menor capacidade para demonstrar uma relação de causa-efeito e, por isso, nível de evidência mais baixo.

Não obstante, nos estudos incluídos na análise parece existir uma tendência para níveis de glicemia mais elevados nos trabalhadores diabéticos que fazem trabalho noturno. Além disso, estes estudos evidenciaram que os trabalhadores noturnos têm mais fatores de risco cardiovascular, o que pode influenciar o controlo glicémico. Nenhum dos estudos faz referência ao regime medicamentoso e à adesão dos trabalhadores ao mesmo. Por isso, é difícil compreender o efeito que a terapêutica pode ter no controlo da glicemia.

Embora não exista evidência suficiente, o controlo mais agressivo da glicemia nos trabalhadores noturnos pode ser importante para evitar as complicações da doença. Há necessidade de investir em programas de prevenção da DM junto dos trabalhadores nos serviços de Saúde Ocupacional e desenvolver/ implementar intervenções direcionadas e eficazes para ajudar os trabalhadores a gerir melhor sua doença, uma vez que a prevalência de diabetes tipo 2 na população em idade laboral continua a aumentar. Pode ser necessário adequar o regime terapêutico e alimentar aos trabalhadores diabéticos que trabalham em regime noturno.

Existe, ainda, necessidade de desenvolver estudos controlados randomizados bem concebidos que demonstrem a influência do trabalho noturno no controlo da diabetes. É de igual forma importante considerar o regime medicamentoso dos trabalhadores diabéticos sujeitos a análise.

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Recebido: 23 de Outubro de 2020; Aceito: 07 de Novembro de 2020; Publicado: 05 de Dezembro de 2020

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