INTRODUÇÃO
Os acrilatos e metacrilatos são derivados de sais ou ésteres do ácido acrílico; constituem uma vasta gama de compostos pertencentes à classe dos plásticos e resinas sintéticas, cuja estrutura química tem em comum o ácido acrílico. São amplamente utilizados em produtos cosméticos, restauros dentários, próteses dentárias, equipamentos cirúrgicos, dispositivos médicos, utensílios domésticos, materiais de construção e tintas de impressão, entre outros produtos (1,2). Os monómeros acrílicos são submetidos a uma reação de polimerização, sendo necessário um catalisador, como um agente químico ou físico (como a luz ultravioleta - UV) para que esta reação ocorra, na qual o radical vinilo constitui o grupo reativo (3).
Desde há mais de 70 anos que têm sido descritos casos de dermatite de contacto alérgica (DCA) ocupacional (3). Para que ocorra esta sensibilização e posterior desencadeamento das lesões, contribuem particularmente os monómeros acrílicos, uma vez que os subprodutos e produtos da polimerização são pouco sensibilizantes (3,4).
A DCA causada por sensibilização aos (meta)acrilatos ocorre principalmente em esteticistas, dentistas/ técnicos de dentária, trabalhadores das indústrias de fibra de vidro, impressão, colas e/ ou tintas (5). No ambiente doméstico, as principais fontes de exposição aos acrilatos (para além dos produtos ricos em acrilatos usados durante a auto-manicure), são o material absorvente para fluxo menstrual (6), incontinência urinária (7), pensos adesivos (7), entre outros. Recentemente, o uso de produtos ricos em acrilatos nas técnicas de manicura, especificamente o uso disseminado de unhas de gel, resultaram num aumento da frequência de casos de sensibilização entre as esteticistas e seus consumidores (8,9). As unhas de acrílico e de gel não se polimerizam completamente após a mistura, com ou sem endurecimento através da luz UV e, portanto, os monómeros ainda estão presentes quando as unhas são aplicadas (10). Unhas ‘postiças’ não contêm monómeros de acrilatos logo, não é através do seu uso que existe sensibilização causada por esses alergénios. No entanto, o composto químico presente em quase todas as colas utilizado para fixar este tipo de unhas foi descrito como possível alergénio sensibilizante (11). Dado a relevância do problema na área profissional da elaboração de unhas artificiais, devem ser fornecidas recomendações para a proteção adequada dos trabalhadores e implementar técnicas para diminuir o contacto direto com estes sensibilizantes (12). Para estes trabalhadores, como equipamentos de proteção individual recomendam-se o uso de luvas de Polietileno/ Etilvinil-álcool, com luvas de nitrilo por cima, máscaras protetoras, óculos de proteção e fardamento adequado (13).
O objetivo deste estudo foi identificar e caracterizar os casos de DCA causados por acrilatos nos doentes que recorreram ao departamento de alergologia cutânea do Hospital de Braga, durante um período de sete anos.
MATERIAL E MÉTODOS
Efetuou-se um estudo observacional retrospetivo através da análise dos processos dos doentes com DCA aos (meta)acrilatos, diagnosticados no Serviço de Dermatovenereologia do Hospital de Braga (Portugal), entre janeiro de 2012 e março de 2018. Todos os doentes efetuaram testes epicutâneos, incluindo a série padrão do Grupo Português de Estudo das Dermatites de Contacto e uma série alargada de (meta)acrilatos. Os testes consistem num conjunto de unidades/ câmaras de testes epicutâneos (cada uma contendo pequenas quantidades de haptenos suspeitos), aplicadas na zona superior das costas dos utentes. As unidades/ câmaras de testes epicutâneos permanecem no local, sendo a primeira leitura realizada após três dias (72 horas) da sua colocação. Caso surjam reações adicionais, os doentes eram instruídos para regressar ao fim de sete dias para uma segunda leitura. São classificados como positivos os testes que desencadeiem uma reação de eritema, pápulas, vesículas e/ ou bolhas, sendo a intensidade da reação compreendida entre o grau fraco (+), forte (++) e muito forte (+++). Os perfis demográficos e clínicos de todos os trabalhadores foram colhidos de acordo com o índice MOAHLFA. O cálculo deste índice, permite avaliar, de uma forma rápida, as características da população estudada. MOAHLFA é um acrónimo que corresponde às iniciais de diferentes parâmetros avaliados da seguinte forma: “M” refere-se a Male (Masculino), “O” a Occupational Dermatitis (Dermatite Ocupacional), “A” a Atopic Dermatitis (Dermatite atópica), “H” a Hand Dermatitis (Dermatite das mãos), “L” a Leg Dermatitis (Dermatite das pernas), “F” a Face Dermatites (Dermatite na face) e “A” a Age (Idade).
RESULTADOS
Durante o período delineado para o estudo, foram diagnosticados 39 utentes com DCA aos (meta)acrilatos, todos do género feminino, com uma idade média de 36,5 anos |faixa etária entre os 21 e os 66 anos, sendo a mais prevalente a dos 36 aos 40 (33%)|. Apresentaram história pregressa de eczema atópico (23%) e rinite alérgica (26%). A localização mais frequente de eczema foram as mãos (87%) (figura 1).
Verificou-se atingimento do dorso e das palmas em igual percentagem dos casos (38%) e distrofia ungueal em 8% dos doentes (figura 2).
Em 33% dos doentes verificou-se eczema da face, na maior parte das vezes com envolvimento das pálpebras (figura 3).
Confirmou-se uma relação de exposição ocupacional aos (meta)acrilatos em 27 (69%) dos doentes, sendo que destes, 26 (96.3%) eram profissionais de manicura e 1 (0.7%) era cabeleireira.
O alergénio detetado mais frequentemente foi o 2-hidroxietilmetacrilato (HEMA; positivo em 97% dos casos), seguido do dimetacrilato de etilenoglicol (EGDMA; positivo em 69% dos casos), 2-hidroxipropilmetacrilato (HPMB; positivo em 54% dos casos), dimetacrilato de trietilenoglicol (TEGDMA; positivo em 26% dos casos), metilmetacrilato (MMA; positivo em 15% dos casos) e do etilmetacrilato (EMA; positivo em 15% dos casos) (tabela 1).
(Meta)acrilatos | n | % |
---|---|---|
2-Hidroxietilmetacrilato (HEMA) | 38 | 97,4 |
Dimetilacrilato de etilenoglicol (EGDMA) | 27 | 69,2 |
2-hidroxipropilmetacrilato (2-HPMA) | 21 | 53,8 |
Dimetacrilato de trietilenoglicol (TREGDMA) | 10 | 25,6 |
Dietilenoglico Diacrilato (DEGAD) | 9 | 23,1 |
Acrilato de butilo | 8 | 20,5 |
Bisfenol A - Glicidil Metacrilato(BIS-GMA) | 7 | 17,9 |
Metil Metacrilato(MMA) | 6 | 15,4 |
Uretano Metacrilato | 5 | 12,8 |
Etilmetacrilato (EMA) | 3 | 7,7 |
Outros | 3 | 7,7 |
DISCUSSÃO
Em 27 (69%) dos utentes existia uma exposição ocupacional pela utilização de produtos que contêm este sensibilizante, maioritariamente na área da cosmética, o que destaca a sua crescente importância nesta área. Outros trabalhos realizados em Portugal demonstraram que os profissionais da área da manicura representam 80% dos casos DCA ocupacional causada por (meta)acrilatos (9) e que estes englobam o subgrupo mais afetado pela DCA (14), refletindo um problema de saúde ocupacional importante. A DCA por (meta)acrilatos constitui uma causa importante de dermatose ocupacional com um impacto negativo na atividade do trabalhador que, uma vez sensibilizado, terá dificuldade em encontrar equipamentos de proteção individual eficazes (13), dado que os (meta)acrilatos são capazes de penetrar a grande maioria dos meios de proteção existente. Nestes casos, poderá haver agravamento por estas moléculas serem voláteis e poderem afetar áreas da pele expostas ao ar, como o caso da face, pescoço e antebraços. Assim, apesar de a DCA por (meta)acrilatos se manifestar maioritariamente por eczema das mãos ou pulpite digital por vezes com fissuras, alguns doentes não apresentam lesões nas mãos, mas sim na face/ pálpebras, pescoço ou antebraços, sendo certo de que se tratam das zonas de maior toque pelas mesmas.
Neste estudo, o HEMA foi o alergénio positivo mais frequente e, de acordo com estudos existentes, representa um bom alergénio de rastreio, identificando mais de 90% dos utentes. Utilizar apenas determinados alergénios mais frequentes, como o HEMA, EGDMA e HPMA, que demonstram uma boa sensibilidade, parece ser preferível como alternativa a uma série completa de metacrilatos, para evitar reações positivas fortes, observadas de modo frequente, e também servir para minimizar o risco de sensibilização (9).
CONCLUSÃO
Na população estudada, é de realçar a relação de DCA aos (meta)acrilatos com o uso/ manuseio de unhas acrílicas. Durante a integração dos trabalhadores, principalmente na área da manicura, estes devem ser informados do risco da sensibilização aos acrilatos associado a esta atividade profissional. As luvas de látex, vinil e nitrilo são rapidamente penetradas por monómeros de acrilatos e, portanto, ineficazes como única medida de proteção (15). Como descrito, para além dos óculos de segurança e do fardamento adequado, as luvas construídas por Polietileno/ Etilvinil-álcool, com luvas de nitrilo por cima, conferem proteção, contudo, podem tornar-se inadequadas para a execução de tarefas minuciosas exigidas nesta atividade. Desta forma, recomenda-se o uso de dedeiras adaptadas/ recortadas destas luvas específicas (impermeáveis aos monómeros acrílicos) e máscaras protetoras. Outras recomendações incluem a seleção de produtos e superfícies de trabalho livres de acrilatos e a troca de luvas com frequência. Para tarefas que impliquem o uso de radiação ultravioleta, o uso de dois pares de luvas de nitrilo é recomendado quando a atividade dure 15 a 30 minutos; para tempos superiores, o uso de luvas de polietileno sob as luvas de nitrilo (1). Por sua vez, a nível de medidas de proteção coletiva, que deverão anteceder as medidas de proteção individual, recomenda-se a modernização/ automatização dos processos de trabalho, sempre que possível; ventilação adequada dos locais de trabalho; rotatividade de tarefas; alterações na normal vigilância de saúde dos trabalhadores (por exemplo, pela redução do período de validação da aptidão periódica); troca da matéria prima de trabalho (quando possível); adaptação das instalações de trabalho para que seja possível proporcionar aos trabalhadores uma correta higienização das mãos; garantir uma limpeza adequada das superfícies de trabalho; atualizar as fichas de segurança disponíveis; garantir a correta formação dos trabalhadores; revalidar a avaliação dos riscos profissionais periodicamente e limitar a permanência de trabalhadores nas áreas e momentos de trabalho de maior risco.
Assim, no que concerne à saúde e segurança dos trabalhadores, certamente que esta área merece melhores medidas no âmbito da prevenção, bem como um aumento da regulamentação específica que envolva a segurança dos consumidores.