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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.10  Gondomar dez. 2020  Epub 17-Mar-2021

https://doi.org/10.31252/rpso.01.11.2020 

Revisão Bibliográfica

SAÚDE OCUPACIONAL APLICADA À DANÇA

OCCUPATIONAL HEALTH APPLIED TO DANCE

M Santos1 

A Almeida2 

C Lopes3 

1Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho e Doutoranda em Segurança e Saúde Ocupacionais, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Presentemente a exercer nas empresas Medicisforma, Securilabor e Medimarco; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42, 4420-009 Gondomar. E-mail: s_monica_santos@hotmail.com

2Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde - Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 4420-009 Gondomar. E-mail: aalmeida@porto.ucp.pt

3Licenciada em Enfermagem, desde 2010, pela Escola Superior de Saúde Vale do Ave. A exercer funções na área da Saúde Ocupacional desde 2011 como Enfermeira do trabalho autorizada pela Direção Geral de Saúde, tendo sido a responsável pela gestão do departamento de Saúde Ocupacional de uma empresa prestadora de serviços externos durante 7 anos. Atualmente acumula funções como Enfermeira de Saúde Ocupacional e exerce como Enfermeira Generalista na SNS24. Encontra-se a frequentar o curso Técnico Superior de Segurança do Trabalho. 4715-028. Braga. E-mail: catarinafflopes@gmail.com


RESUMO

Introdução/ enquadramento/ objetivos

O setor da Dança está pouco retratado em contexto de Saúde Ocupacional e a bibliografia é razoavelmente escassa.

Neste setor o profissional pode apenas efetuar ensaios e atuações (a solo ou em equipa), pode dar aulas para eventuais futuros colegas e/ ou para leigos ou acumular ambas as vertentes.

Metodologia

Trata-se de uma Revisão Bibliográfica, iniciada através de uma pesquisa realizada em agosto de 2020 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP.

Conteúdo

A dança é uma arte complexa, cujo instrumento é o corpo. Conjuga movimento com a emoção, servindo também como forma de comunicação. Em alguns estilos de dança a rotina de treinos é muito exigente e competitiva, de forma a aperfeiçoar departamentos como força, resistência, velocidade, flexibilidade, equilíbrio e controlo. Aos treinos intensos, por vezes, associam-se algias e lesões concretas. Por exemplo, no Ballet clássico, a exigência técnica é muito elevada e desafiante e, na bibliografia selecionada, é certamente a dança mais estudada neste contexto.

A escassa bibliografia encontrada incide sobretudo nas principais lesões associadas (quer acidentes de trabalho, quer doenças profissionais); sendo que alguns artigos também destacam o eventual consumo de substâncias psicoativas em algumas modalidades específicas.

Discussão e Conclusões

Os autores elaboraram uma descrição dos principais Fatores de Risco/ Riscos Laborais deste setor, no geral; bem como listaram as Medidas de Proteção (coletivas e individuais) que consideram ser mais adequadas.

O setor da dança está muito pouco estudado pela Saúde Ocupacional, sendo pertinente a análise da realidade portuguesa, sobretudo em alguns estilos muito desenvolvidos no nosso país e sobre os quais não se encontrou qualquer bibliografia específica (mesmo em contexto internacional).

Palavras-chave: dança; bailarino; saúde ocupacional e medicina do trabalho

ABSTRACT

Introduction/ background/ objectives

The Dance sector is rarely portrayed in the context of Occupational Health and the bibliography is reasonably scarce.

In this sector the professional can only perform rehearsals and performances (solo or in a team), can teach classes to future colleagues and/ or community, or accumulate both.

Methodology

This is a bibliographic review, applied through a research carried out in August 2020, in the databases “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of systematic reviews, record of the Cochrane methodology, collection of nursing and allied health: comprehensive, MedicLatina and RCAAP ”.

Content

Dance is a complex art, with the body as instrument. It combines movement with emotion, also serving as a form of communication. In some dance styles the training routine is very demanding and competitive, in order to improve departments such as strength, endurance, speed, flexibility, balance and motor control. Intense training is sometimes associated with pain and specific injuries. For example, in classical Ballet, the demand is very high and challenging and, in the bibliography, it is certainly the most studied dance in this context.

The scarce bibliography found focuses mainly on the main associated lesions (either work accidents or occupational diseases); some articles also highlight the possible consumption of psychoactive substances in specific contexts.

Discussion and Conclusions

The authors prepared a description of the main Risk Factors/ Occupational Risks in this sector, in general; as well as listed as Protection Measures (collective and individual).

The dance sector is very little studied by Occupational Health, being relevant the analysis of the Portuguese reality, especially in some styles very developed in our country and about which no specific bibliography was found (even in an international level).

Keywords: dance; dancer; occupational health and occupational medicine

INTRODUÇÃO

O setor da Dança está pouco retratado em contexto de Saúde Ocupacional e a bibliografia é razoavelmente escassa. Entre os diversos estilos existentes, o mais estudado a este nível é o Ballet; de alguns estilos de dança encontra-se um ou outro artigo, sendo que da maioria dos tipos de dança não se selecionou qualquer trabalho publicado que dê enfase à Saúde Ocupacional.

Neste setor o profissional pode apenas efetuar ensaios e atuações (a solo ou em equipa), pode dar aulas para eventuais futuros colegas e/ ou para leigos ou acumular ambas as vertentes atrás mencionadas.

METODOLOGIA

Em função da metodologia PICo, foram considerados:

  • -P (population): indivíduos com atividade remunerada associada à Dança.

  • -I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre a Saúde e Segurança Ocupacionais dos profissionais deste setor

  • -C (context): Saúde Ocupacional nos postos de trabalho relacionados com a Dança

Assim, a pergunta protocolar será: Quais os Principais Fatores de Risco Ocupacionais dos profissionais da Dança, bem como caraterísticas da Sinistralidade, Medidas de Proteção e Doenças Profissionais eventualmente associadas?

Foi realizada uma pesquisa em agosto de 2020, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.

No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.

Quadro 1 Pesquisa efetuada 

Motor de busca Palavra- chave 1 Palavra-chave 2 e seguintes, caso existam Critérios Nº de documentos obtidos Pesquisa Pesquisa efetuada ou não Nº do documento na pesquisa Codificação inicial Codificação final
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) dance occupational -humano
-acesso a resumo
-acesso a texto completo
-publicado entre 2010 e 2020
68 A sim 2
5
8
9
15
16
18
25
30
31
32
33
35
36
50
51
A1
A2
A3
A4
A5
A6
A7
A8
A9
A10
A11
A12
A13
A14
A15
A16
8
1
3
-
15
2
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14
6
12
9
4
5
7
10
16
dance risk 997 B não - - -
+ disease 50 C sim 3
18
B1
=A7
13
-
RCAAP dança -texto integral 729 D não - - -
ocupacional 76 E sim - - -
riscos 312 F não - - -
+ adultos 239 G não - - -

No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.

Quadro 2 Caraterização metodológica dos artigos selecionados 

Artigo Caraterização metodológica Resumo
1(A2) Estudo qualitativo- Grounded Theory Esta referência bibliográfica representa um estudo brasileiro que incidiu na análise do significado que a dor tinha entre bailarinas de dança clássica, através de uma entrevista semiestruturada, numa amostra de dez indivíduos.
2 (A6) Observacional analítico transversal Este artigo indiano estudou jovens bailarinos de uma dança tradicional desse país, como objetivo de identificar a etiologia para a gonalgia, numa amostra de 50 indivíduos.
3 (A3) Estudo prospetivo ou Observacional analítico transversal Este trabalho incluiu 99 profissionais de Ballet na Croácia e Eslovénia. Os autores deram particular relevo às lesões (tendo inclusive estimado médias por número de horas de prática), eventuais correlações com variáveis sociodemográficas e consumo de substâncias psicoativas, como álcool e tabaco.
4 (A12) Observacional analítico transversal Alguns investigadores holandeses estudaram o facto da hipermobilidade significar maior aptidão para a dança e/ ou maior vulnerabilidade para algumas lesões, numa amostra de 36 bailarinos profissionais. Concluíram que esta condição parece estar associada a mais danos músculo-esqueléticos e mais sintomatologia emocional, bem como pior capacidade cardiovascular.
5 (A13) Revisão bibliográfica narrativa Uma autora inglesa redigiu um artigo relativo às lesões no pé e tornozelos dos profissionais de Ballet, relacionando por vezes várias patologias em concreto a alguns passos em específico.
6 (A9) Observacional analítico de Coorte Este projeto alemão analisou os acidentes entre bailarinos profissionais de diversos tipos de dança, numa amostra de quase 4000 indivíduos, ao longo de dezassete anos. Concluíram que alguns acidentes estão relacionados com alguns estilos de dança, bem como com algumas condições ambientais e/ ou organizacionais.
7 (A14) Revisão bibliográfica narrativa Este documento analisou a sintomatologia de músicos e bailarinos, com o objetivo de potenciar a prevenção dos problemas associados.
8 (A1) Observacional analítico transversal Trata-se de um trabalho turco, relativo a uma dança folclórica desse país. Usou-se uma amostra de 82 bailarinos e os autores deram particular destaque às lesões ortopédicas encontradas.
9 (A11) Journal Club Neste editorial o autor comenta o artigo original, com a referência 4 ou A12.
10 (A15) Observacional analítico transversal Um estudo norte-americano pretendeu avaliar a eventual eficácia na prevenção de lesões em bailarinos de dança contemporânea, através de uma intervenção educacional.
11 (A7) Observacional Analítico Transversal Investigadores australianos pretenderam comparar a morfologia óssea de praticantes de Ballet profissional e alguns atletas (33 pares). Concluíram que existiam diferenças, ainda que a dor não parecesse correlacionada com a morfologia óssea.
12 (A10) Revisão bibliográfica sistemática Um estudo irlandês pretendeu analisar a dor músculo-esquelética em praticantes numa dança tradicional desse país; contudo, não encontraram estudos muito robustos ou detalhados.
13 (B1) Observacional analítico transversal Esta investigação da Eslovénia analisou a prevalência e fatores preditivos de lesão entre bailarinos de competição de Hip Hop, numa amostra de 129 elementos. Se os fatores que predispõem a tal forem divulgados entre bailarinos e profissionais, as lesões seriam minoradas, na opinião destes autores.
14 (A8) Observacional analítico transversal Alguns investigadores espanhóis estudaram as patologias existentes nos pés dos bailarinos profissionais de Flamenco, numa amostra de 44 indivíduos do sexo feminino. Correlacionaram tal com variáveis sociodemográficas, número de horas de treino e anos de atividade. Concluíram que 75% tinha pelo menos uma patologia.
15 (A5) Observacional analítico transversal Trata-se de um artigo obtido por parceria entre investigadores portugueses e ingleses, com uma amostra de 152 elementos de jovens praticantes de Ballet, nos quais se analisou a densidade óssea, tendo concluído que esta era inferior à da população em geral.
16 (A16) Observacional analítico transversal Um estudo croata dedicou-se a analisar o eventual consumo abusivo de algumas substâncias, entre profissionais de Ballet, com uma amostra de 27 indivíduos. Os autores sugerem a existência de apoio médico e psicológico para estes profissionais, de modo a atenuar o problema.

CONTEÚDO

Noções gerais

A dança é uma arte complexa, cujo instrumento é o corpo (1). Conjuga movimento com a emoção, servindo também como forma de comunicação (2).

Em alguns estilos de dança a rotina de treinos é muito exigente e competitiva, de forma a aperfeiçoar departamentos como força, resistência, velocidade, flexibilidade, equilíbrio e controlo motor. Aos treinos intensos por vezes associam-se algias e lesões, ainda que, durante a atuação, o sorriso faça parecer que todos esses movimentos são fáceis (1) .

Por exemplo, no Ballet clássico, a exigência técnica é muito elevada (1) (3) e desafiante (3) e, na bibliografia selecionada, é certamente a dança mais estudada neste contexto. Contudo, quando se fala em lesões, em alguns artigos os autores referem-se a acidentes (laborais), noutras situações tratam-se de doenças que poderão eventualmente ser consideradas profissionais.

Fatores de Risco

Em nenhum dos artigos selecionados se encontraram referências diretas e claras aos Fatores de Risco Laborais dos profissionais da Dança.

Semiologia

Num estudo com bailarinas de um estilo tradicional indiano, entre os 13 e os 19 anos (ou seja, no início eventual da vida ativa), verificou-se que a gonalgia era razoavelmente frequente e estava associada a diminuição da força muscular, diminuição da flexibilidade e hipermobilidade (2).

Aliás, bailarinos com hipermobilidade apresentam mais sintomas músculo-esqueléticos, como astenia; ainda que no meio se possa considerar que essa caraterística potencia o desempenho. A sua prevalência entre bailarinas varia de 11 a 97% (superior à da população geral, que estará entre os 0,6 e 31,5%), consoante os estudos e depende da idade, género e etnia. Por vezes há associação a doenças hereditárias do tecido conjuntivo (como osteogenesis imperfecta, doença de Ehlers- Danlos e síndroma de Marfan); por isso, podem coexistir fraturas, deslocações articulares e hiperextensibilidade. A semiologia pode contribuir para um menor desempenho funcional e limitações nas atividades quotidianas; por vezes também se associando a depressão e ansiedade. Ou seja, mesmo em bailarinos bem treinados e em forma, a presença de síndroma de hipermobilidade pode implicar menores força muscular e capacidade cardiovascular (4).

Sinistralidade

A descrição das lesões que poderão ser mais frequentes entre os profissionais da dança está razoavelmente desenvolvida na bibliografia selecionada, quando comparadas com outros subtemas relevantes da Saúde Ocupacional.

A nível de sinistralidade em bailarinos (no geral) o pé e o tornozelo são áreas frequentemente atingidas, dada a complexidade anatómica, postura, técnica e fatores ambientais (como calçado e piso) (5). Outros descrevem que as áreas anatómicas mais acidentadas nos profissionais da dança, no global, foram o membro inferior (perna e anca), de forma estatisticamente significativa (p< 0.001); nos estilos menos clássicos também são abundantes lesões na cabeça e pescoço (também com p< 0.001). Aliás, algumas lesões demonstraram-se relacionadas com alguns estilos de dança (igualmente com p< 0.001) (6).

O risco de lesões é maior com a existência de lesões prévias e com a síndroma da hipermobilidade; a lesão também parece estar associada à composição corporal e percentagem de gordura (o risco é maior indivíduos mais magros) (7) .

No geral as lesões estão associadas a força muscular/ desenvolvimento motor insuficientes (8), técnica incorreta e/ ou alterações anatómicas (6) (8). Assim, acredita-se que programas de reabilitação que proporcionem aumento da força muscular, equilíbrio postural, propriocepção e aperfeiçoamento técnico, conseguirão prevenir algumas lesões (8). Outros realçam também a condição física global, treinos sazonais, questões psicológicas (eventualmente associadas à relação com empregador, chefia e colegas), pressão competitiva, hora do dia, tipo de chão, roupa/ calçado e/ ou adereços, arquitetura de aposentos/ escadas/ corredores e/ ou cenários, coreografia, ambiente (em contexto de temperatura, velocidade de circulação de ar e humidade) e tipo de contrato laboral; a realização de várias atividades em simultâneo (como dançar, cantar e/ ou representar) pode potenciar o acidente, tal como o número de atuações efetuadas (6) .

Para além disso, nem todas as lesões são adequadamente abordadas. Está publicado que alguns bailarinos continuam a dançar, mesmo com dor, devido ao receio de perderem parte da sua identidade e/ ou porque consideram que tal faz parte de ser bailarino. A perceção da dor é subjetiva e depende de questões fisiológicas, emocionais e experiências prévias do individuo. A desvalorização das algias pode ser vista como profissionalismo e estoicidade; contudo, tal pode ajudar a gravar a lesão. A paixão pela atividade também pode contribuir para essa atitude (1). A decisão de regressar após lesão pode ainda ser influenciada pela competição entre pares e/ ou necessidade de passar uma imagem de confiabilidade/ empenho, questões essas que também poderão interagir com a experiência/ número de anos de carreira (3).

Alguns investigadores estimaram que os bailarinos apresentam pelo menos uma lesão em cerca de 55 a 90% dos casos, sobretudo associadas a treino excessivo/ repetição de movimentos e agravamento de lesões anteriores (1).

Outros defendem que a síndroma da hipermobilidade articular potencia o risco de existirem mais lesões (como já se mencionou); ainda que esta caraterística possa, por outro lado, amortecer o impacto e, assim, atenuar a lesão (9), simultaneamente.

A maioria das lesões descritas na literatura em bailarinos de Ballet foram a nível do pé (8) e tornozelo (8) (3), nomeadamente em até 42% dos casos (5).

Quantificou-se uma média de 1,4 lesões por cada mil horas de prática no Ballet clássico; contudo, outros estudos referem o valor de 4,1 (3). A prevalência de lesões entre praticantes de Ballet varia entre 40 a 84%, consoante os estudos. Contudo, quase todos os indivíduos reportam dor crónica. No entanto, as lesões mais prolongadas (em contexto de recuperação) são geralmente a nível dos joelhos. O sexo masculino apresenta, em média, maior número de dias de afastamento (nove versus três); ainda que as praticantes de Ballet parecem interromper a atividade com maior probabilidade que o sexo masculino. Curiosamente, a idade não pareceu correlacionar-se com o risco de lesão. No entanto, esta e/ ou anos de experiência podem potenciar a tolerância à dor e assim enviesar algumas associações. As lesões neste tipo de dança eram mais frequentes ao final do dia, com estados de maior fadiga, menor preparação física, aquecimentos menos eficazes e solos desadequados. Bailarinos a frequentar uma formação relativa a prevenção de lesões em Ballet fez aumentar a preocupação e cuidados de prevenção, mas não de forma estatisticamente significativa. Estes autores também acrescentaram que formações relativas ao controlo de peso apresentaram igualmente resultados positivos (10).

A prática de Ballet é exigente para a anca, nomeadamente devido à rotação externa; determinadas morfologias podem facilitar este tipo de movimento, ainda que não haja consenso se essas morfologias implicam maior risco de lesão (11) .

No Ballet, para que o pé adquira uma postura esteticamente agradável poderão ser necessárias flexões até 100º e/ ou hiperextensão dos joelhos (10º)- em “pontas”; outros movimentos exigem flexão plantar e dorsiflexão total, com flexão dos joelhos (“demi-plie”), posições essas que colocam o pé em situação menos estável e sujeito a lesões. A anca também pode ser colocada em rotação externa (“turnout”), com o pé alinhado a 180º. A incidência de entorses no tornozelo entre praticantes de Ballet é equivalente à existente em algumas modalidades desportivas; no primeiro caso é mais prevalente na aterragem após efetuar saltos (sobretudo na posição de “demi-pointe”). Com a flexão plantar extrema o ligamento anterior talofibular fica particularmente vulnerável. Por vezes podem até ocorrer fraturas por avulsão da fíbula ou partes do tarso (5).

As lesões mais frequentes nos bailarinos de dança irlandesa, por sua vez, são também a nível do pé e tornozelo; sendo fatores potenciadores o não aquecimento, calçado desadequado e níveis mais elevados de competição. A posição típica desta dança implica membros superiores estendidos ao longo do corpo e pernas cruzadas, tornando-se relevante o impacto dos saltos. Estimou-se um risco de lesão global nestes bailarinos de 60%, nomeadamente 56% no pé e 68% no tornozelo. Lesões prévias potenciam a probabilidade de surgirem novas lesões (12), segundo o artigo em causa.

O Hip Hop surgiu na década de sessenta e foi evoluindo para diversos sub-estilos, com coreografias progressivamente mais complexas e exigentes, aos níveis cardiovascular, anaeróbico, muscular; bem como em termos de agilidade, coordenação e rapidez, o que potencia o risco de lesões. Trata-se de uma dança de competição e recreativa difundida mundialmente, mas não abundam dados relativos à sinistralidade. Um dos estudos consultados quantificou que 17% da amostra avaliada sofreu várias lesões, sendo que em 49% destas foi necessário parar a atividade durante algum tempo. A zona corporal mais frequentemente atingida foi o joelho (42%), devido à rapidez de movimentos, seguida do dorso (32%) e tornozelo (15%). Outros estimaram que 95% apresente pelo menos uma lesão musculosquelética, mais prevalente no pulso (69%), dedos e joelho (62% cada); são frequentes as entorses, distensões e tendinites. Também aqui a ocorrência de lesão prévia aumentava a probabilidade de novas lesões, mas (curiosamente) não se encontraram correlações significativas com o tipo de corpo/ composição corporal. Contudo, uma vez lesionados, mesmo com alguma gravidade, raramente interrompem a atividade. Quando comparados com os que praticam Ballet, dança contemporânea ou aeróbica, o Hip Hop parece ter mais sinistralidade (cerca de 3,4 vezes), equivalente aos ginastas, por exemplo. Ou seja, estimou-se uma média de 3,1 lesões por bailarino/ ano, segundo alguns autores. Bailarinos com mais equilíbrio sofrem menos lesões. A execução de movimentos do lado não dominante também aumenta o risco de lesão, sobretudo naqueles com coordenação motora mais assimétrica. As atuações longas também potenciam a fadiga e o risco de lesão (13) , segundo a bibliografia considerada.

Por sua vez, um estudo avaliou as lesões existentes em bailarinos de danças folclóricas turcas e concluíram que os membros inferiores, com destaque para os joelhos (nomeadamente alterações a nível dos meniscos), eram as áreas mais suscetíveis, devido ao impacto, flexões e torções, habitual nas coreografias classicamente utilizadas neste contexto (8).

Bharatanatyam, por sua vez, é uma dança tradicional indiana, realizada por um casal, com exigência para os membros inferiores, sendo possível o desenvolvimento de lesões; aliás, algumas posições não são muito diferentes das praticadas no Ballet. As lesões nos joelhos são razoavelmente frequentes (prevalência de 14 a 17%) (2).

Em danças como o Flamenco, estima-se que em média, por cada atuação, o indivíduo faça 1400 sapateados, o que implica um forte impacto no chão, coordenado ao ritmo da música. O calçado geralmente tem partes metálicas para potenciar o som e o tacão poderá ir até os 7,5 centímetros. O chão não é escolhido no sentido de atenuar o impacto ou a lesão. O calçado, nomeadamente com a inclusão de palmilhas adequadas, por exemplo, pode atenuar o risco (14).

Os bailarinos de dança Moderna/ Contemporânea, por sua vez, apresentam um nível elevado de lesões musculoesqueléticas; a sua prevenção prolonga as carreiras e diminuiu os custos associados. Nas companhias de dança de menor dimensão existem menos funcionários, situação essa que poderá coagir à atuação, mesmo com lesões minor que, entretanto, se poderão agravar (10).

Não se encontraram estudos relativos a outros tipos de dança.

Doenças Profissionais

A bibliografia relacionada com a densidade óssea de praticantes de Ballet é controversa, ou seja, se o baixo peso pode prejudicar, o impacto da dança poderá melhorá-la. De realçar que o baixo peso pode ser razoavelmente prevalente devido aos requisitos estéticos necessários neste contexto, ainda que não seja obviamente o resultado direto das tarefas laborais. Na experiência de alguns investigadores a densidade óssea demonstrou-se baixa, entre bailarinos, em ambos os sexos. A osteopenia/ osteoporose (quantificada pela densitometria) potencia o risco de fratura (15).

Entre bailarinos são reportadas com alguma frequência patologias musculoesqueléticas, a maior parte nos membros inferiores e coluna lombar, geralmente a nível dos tecidos moles e lesões por uso excessivo/ continuado (4).

A tendinite do flexor do hálux (ou tendinite do bailarino) é mais frequente no Ballet feminino devido à dorsiflexão continuada, entre “demi-plie” e “pointe” (5).

A tendinopatia do tendão de Aquiles é encontrada em ambos os sexos e em diversos estilos de dança; torna-se mais frequente com a pronação do pé e microfissuras consequentes, contato com o solo após saltar e com a existência de pé cavo (ainda que este último facilite alguns movimentos, torna o pé mais vulnerável a lesões). A rotura deste tendão é mais frequente no sexo masculino e na terceira década de vida, sobretudo durante o início do salto e aterragem no solo (5).

A flexão plantar e o valgismo podem colocar a primeira e a segunda articulação tarso- metatársica vulneráveis, podendo ocorrer lesão no ligamento/ fratura de Lisfranc (5).

A situação de “hallux rigidus” consiste numa alteração degenerativa da primeira articulação metatarsicofalangica, que cursa com algia e rigidez, impedindo alguns movimentos (5).

Também pode ocorrer inflamação próxima aos ossos sesamoides (sesamoidite) (5).

As fraturas do quinto metatarso são suficientemente frequentes para se designarem por fraturas do bailarino. As fraturas de stress ocorrem mais frequentemente nos metatarsos (63%) em contexto de Ballet; foram mais frequentes em indivíduos com treinos superiores a cinco horas diárias e amenorreia superior a três meses. A necessidade de manter um corpo elegante facilita a ocorrência da “tríada da atleta” (anorexia, amenorreia e osteoporose). Quando os músculos começam a entrar em fadiga, mais carga é transmitida ao osso e, se este estiver com menor densidade, com maior probabilidade quebrará (5).

A fasceíte plantar, por sua vez, pode ser resultado de algumas posturas mantidas e/ ou movimentos repetitivos (5).

No Flamenco, por exemplo, a maior exigência anatómica recai no pé, o que poderá potenciar algumas patologias. Um estudo concluiu que 75% das bailarinas apresentavam alterações a este nível, nomeadamente 61% com hallux valgus, 43% com hipermobilidade, 41% com dedos em garra e 31% com o quinto dedo varo (14).

O tratamento conservador no geral incluiu interromper os movimentos mais lesivos e repouso, bem como alterar a técnica de execução dos passos e/ ou calçado. Nas situações mais complicadas poderá ser necessário intervir cirurgicamente ou engessar (5).

Medidas de Proteção Coletiva

Na bibliografia selecionada não foram realçadas medidas concretas neste contexto.

Medidas de Proteção Individual

Os artigos consultados não destacaram quaisquer aspetos a este nível.

Consumo abusivo de algumas substâncias

A exigência técnica e estética diretas do Ballet, por exemplo, e/ ou a ansiedade daí decorrente pode potenciar o consumo abusivo de algumas substâncias, nomeadamente álcool (mais para o sexo masculino) e tabaco (mais para o feminino); bem como inibidores do apetite e analgésicos (3) (16) ou laxantes. O consumo de álcool e tabaco pode ajudar a lidar melhor com o stress associado à profissão, até porque geralmente estes não dispõem de apoio médico ou a nível de psicologia na instituição onde trabalham. Um estudo croata analisou o consumo de substâncias psicoativas em bailarinos de Ballet profissional e verificou que mais de um terço dos indivíduos do sexo masculino apresentava consumo excessivo de álcool e, no sexo feminino, um quinto fumava mais que um maço por dia. Cerca de um quarto consumia substâncias para melhorar o desempenho, mesmo com consequências médicas negativas. A prevalência destes consumos no sexo feminino aumentava com a idade. Aqui o consumo de cigarros foi inversamente proporcional ao nível educacional e proporcional ao consumo de substâncias dopantes (16). No Ballet, o risco de lesão, por exemplo, parece estar correlacionado com o consumo de álcool, em ambos os sexos (3). Comparativamente a desportos mais organizados, o Ballet não dispõe de supervisão/ controlo (regras anti-doping) e/ ou apoio médico direto e especializado (16).

Acredita-se que o tabaco, por sua vez, tenha um efeito anti estrogénico; para além disso, potencia a inflamação, o dano vascular e o stress oxidativo, o que poderá perturbar a densidade óssea e esta, associada a impacto, levar a fraturas e/ ou alterações tendinosas (3).

O álcool pode alterar parâmetros inflamatórios e a nível de resposta imune, bem como algumas caraterísticas do sono (duração e qualidade); sendo diurético poderá acentuar a desidratação, o que também potenciará eventualmente o risco de lesão (3).

Indivíduos mais religiosos praticavam menos doping e acreditavam que menos pessoas o faziam (16) .

Contudo, ainda assim, os resultados destes tipo de estudos poderão ter sido enviesados pelos participantes darem respostas que consideravam socialmente mais adequadas e/ ou por recearem perda de anonimato (3).

DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO

Em função da experiência clínica dos autores poder-se-ão referir como principais Fatores de Risco Laboral as posturas mantidas e forçadas, movimentos repetitivos, turnos prolongados (considerando treinos e/ ou atuações), queda ao mesmo nível, queda em altura, iluminância desadequada, radiação ótica artificial (ambas proveniente do palco/ cenários), ruido, esforço vocal (em contexto de atuação teatralizada com componente oral e/ ou como professor de dança), cronodisrrupção (associada a viagens para locais distantes executadas com espaçamentos breves ou muito breves, como nas digressões internacionais), agentes biológicos (pelo contato com os microrganismos de locais distantes e/ ou existentes nos parceiros de trabalho com os quais se tem alguma proximidade física), bem como agentes químicos (como maquilhagem oclusiva e/ ou razoavelmente tóxica).

A nível de Medidas de Proteção Coletiva, em função da experiência clínica dos autores poder-se-iam propor as seguintes: eliminação de turnos prolongados; dotar os recursos humanos em número de funcionários adequado, para evitar sobrecarga de turnos; rotatividade sobretudo entre as tarefas mais lesivas; evicção de executar as tarefas mais lesivas em situações de lesão ainda não recuperada; diminuição do volume da música usada nos ensaios e aulas; pavimentação com material adequado; eliminação de barreiras/ obstáculos no chão que possam potenciar a queda ao mesmo nível e ensaiar coreografias mais acrobáticas em áreas revestidas de material amortecedor.

Em relação a Medidas de Proteção Individual, em função da experiência clínica dos autores, poder-se-ão considerar uso de calçado, roupa e adereços com modelos e materiais adequados, bem como produtos de contensão elástica (para pulso, tornozelo e/ ou região abdominal).

O setor da dança está muito pouco estudado pela Saúde Ocupacional, sendo pertinente a análise da realidade portuguesa, sobretudo em alguns estilos muito desenvolvidos no nosso país e sobre os quais não se encontrou qualquer bibliografia específica (mesmo em contexto internacional).

AGRADECIMENTOS

Nada a declarar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido: 04 de Novembro de 2020; Publicado: 07 de Novembro de 2020

CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS

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