INTRODUÇÃO
No contexto da Saúde Ocupacional, o conhecimento disponível para trabalhar com profissões que se dedicam à dança é ainda escasso, sobressaindo o Ballet como a dança mais estudada (1).
As lesões associadas frequentemente são motivo para abandono precoce da profissão de bailarino, pelo que se infere que um acompanhamento adequado da Saúde Ocupacional poderia ter um efeito salutogénico, mitigando os potenciais problemas.
Na revisão efetuada previamente sobressaíram como principais fatores de risco as posturas mantidas e forçadas, os movimentos repetitivos, os turnos prolongados e/ou muito intensos e as quedas, quer ao mesmo nível, como em altura (1); embora menos referenciados, emergiram, também, o ruído, o esforço vocal (principalmente para quem leciona), a iluminância desadequada e a radiação ótica artificial (associadas à presença em palco nas atuações), a cronodisrupção (exacerbada para quem faz digressões internacionais), os agentes químicos (como a maquilhagem oclusiva) e os agentes biológicos, devido à proximidade entre bailarinos.
Perante a escassez de evidência científica, projetou-se um estudo piloto, com o intuito de representar a situação vivenciada por estes profissionais e sinalizar potenciais problemas/ necessidades, passíveis de serem trabalhados pelas equipas de saúde ocupacional, abrindo assim a porta para a concretização de estudos mais amplos que acrescentem conhecimento sobre este setor de atividade profissional.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo observacional, exploratório, analítico transversal.
Após revisão bibliográfica (1), desenvolveu-se um questionário eletrónico que foi remetido, por email, para algumas escolas e companhias de dança, da região norte, solicitando a sua divulgação. Optou-se por um questionário anónimo, que continha na folha de rosto os objetivos e propósitos do estudo. A participação dos profissionais foi, assim, voluntária, sem que existisse qualquer interferência do grupo de investigadores.
O instrumento de recolha de dados abarcou os seguintes domínios: 1-Caraterização sociodemográfica; 2-Experiência profissional; 3-Perceção sobre os Riscos laborais; 4-Riscos psicossociais: causas de stress; 5- Utilização de equipamentos de proteção individual (EPI); 6-História de acidentes laborais; 7-Sintomatologia associada ao exercício da profissão; 8-Perceção sobre a existência de doenças profissionais; 9-Perceção sobre o apoio dado pela Saúde e Segurança Ocupacionais.
O questionário esteve disponível para preenchimento entre 20 de outubro e 31 de dezembro de 2020, tendo sido validadas para análise estatística 113 respostas.
Para o tratamento estatístico, foram utilizadas medidas de tendência central para representar descritivamente os resultados. Na análise inferencial, para testar a existência de associações entre variáveis nominais e ordinais recorreu-se ao Qui-quadrado ou ao teste de Fisher, enquanto que para as variáveis numéricas, usou-se o teste t para amostras independentes. Para valores de p<0.05 rejeitou-se a hipótese nula, ou seja, considerou-se que a probabilidade de as diferenças registadas na amostra serem devidas ao acaso, era muito pequena.
RESULTADOS
A média de idades da amostra foi de 34,77±9,34 anos, situando-se a idade mínima nos 15 e a máxima nos 57. O género feminino prevaleceu (63,7%),observando-se que a nível de escolaridade, uma ampla maioria completou o ensino superior (65,5%): licenciatura (38,1%), mestrado (22,1%) e doutoramento (5,3%)- tabela 1.
Variáveis | n | % válida | |
---|---|---|---|
Idade | [10-19 anos] | 8 | 7,2 |
[20-29 anos] | 27 | 24,3 | |
[30-39 anos] | 39 | 35,1 | |
[40-49 anos] | 33 | 29,7 | |
[50-59 anos] | 4 | 3,6 | |
Omissos | 2 | ------ | |
Género | Feminino | 72 | 63,7 |
Masculino | 41 | 36,3 | |
Escolaridade | Ensino Técnico Profissional | 13 | 11,5 |
Ensino Regular Obrigatório | 26 | 23,0 | |
Ensino Superior | 74 | 65,5 |
Experiência profissional
Os indivíduosda amostra eram, no geral, profissionalmente bastante experientes, trabalhando como bailarinos, coreógrafos e/ou professores, em média, há 14,22±7,71 anos; a experiência mínima registada foi de 1 mês e a máxima de 36 anos. A maioria dedicava-se em exclusivo à dança (63,7%) e fazia-o a tempo inteiro (54,9%), sendo poucos os profissionais a referir que trabalhavam sozinhos (11,6%). Analisando apenas os que acumulavam a dança com outra atividade laboral, constata-se que, segundo a Classificação Portuguesa das Profissões, a grande maioria trabalha noutro setor que se enquadra no grupo dos especialistas em atividades intelectuais e científicas, sobressaindo profissões como as de professor (maior prevalência na área de educação física), investigador e docente universitário (tabela 2).
Variáveis | n | % válida | |
---|---|---|---|
Trabalha noutro setor profissional | Sim | 41 | 36,3 |
Não | 72 | 63,7 | |
Quanto tempo semanal dedica à dança | Menos de 5h por semana | 15 | 13,3 |
De 6 a 20h por semana | 36 | 31,9 | |
A tempo inteiro | 62 | 54,9 | |
Com que trabalha | Sempre sozinho(a) | 13 | 11,6 |
No máximo com mais um ou dois colegas | 26 | 23,2 | |
Sempre com três ou mais colegas | 21 | 18,8 | |
É muito variável | 52 | 46,4 | |
Profissão que exerce em simultâneo com a dança | Especialistas em atividades intelectuais e científicas | 24 | 60,0 |
Técnicos e profissões de nível intermédio | 2 | 5,0 | |
Trabalhador de serviços pessoais e vendedores | 9 | 22,5 | |
Pessoal administrativo | 2 | 5,0 | |
Trabalhadores não qualificados | 3 | 7,5 |
Analisando os diferentes estilos de dança a que os profissionais se dedicam, observa-se uma grande heterogeneidade (gráfico 1), facto que vai de encontro a um dos propósitos pré-definidos para este estudo piloto. É necessário clarificar, no entanto, que a resposta relativa ao tipo de dança não foi exclusiva, ou seja, vários profissionais referiram dedicar-se, em simultâneo, a vários estilos (por exemplo, Latino Americanas e Africanas). No entanto, a maioria mantinha-se fiel ao modo de dançar, ou seja, embora variassem no estilo, optavam preferencialmente ou por dança solo (por exemplo, o Ballet, a dança Moderna/Contemporânea, a dança Urbana…) ou por dança em dupla (por exemplo, as danças Latino Americanas, as danças de Salão…).
Começando pelo Ballet, constata-se que, em média, os seus profissionais são mais velhos e, na sua maioria (73,3%), têm formação académica superior; estatisticamente, associam-se ao sexo feminino (X2= 7,021; p=0,008) e ao regime de dedicação exclusiva (X 2 = 12,204; p<0,001), sendo poucos os respondentes que mantêm outro tipo de trabalho (n=3). Um outro grupo, com caraterísticas socioprofissionais muito semelhantes, é o da dança Contemporânea.
Em sentido oposto surgem os profissionais das danças Urbanas que, em média, são mais jovens do que os restantes, possuem habilitações literárias inferiores e dedicam-se em menor percentagem à exclusividade (43%).
As diferentes inferências e conclusões obtidas estão registadas na tabela 3.
Variáveis | Lat. Amer. (n=41) | Africanas (n=35) | Brasileiras (n=3) | Orientais (n=3) | Contemp. (n=32) | Salão (n=19) | Ballet (n=30) | Urbanas (n=30) | Outros (n=14) | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Idade | Média de idades | 34,0 | 33,5 | 35,7 | 37,7 | 33,9 | 32,5 | 36,4 | 31,6 | 37,4 |
Sexo | Feminino | 52,5% | 58,8% | 33,3% | 100,0% | 69,7% | 63,2% | 8,33% | 63,3% | 64,3% |
Masculino | 47,5% | 41,2% | 66,7% | 0 | 30,3% | 36,8% | 16,7% | 36,7% | 35,7% | |
Escolaridade | Ensino regular | 31,7% | 31,4% | 66,7% | 33.3% | 21,2% | 42,1% | 20,0% | 26,7% | 14,3% |
Ens. Técnicoprofis. | 9,8% | 8,6% | 33,3% | 0 | 9,1% | 5,3% | 6,7% | 20,0% | 7,1% | |
Licenciatura | 39,0% | 45,7% | 0 | 66.7% | 45,5% | 26,3% | 40,0% | 36,7% | 21,4% | |
Mestrado | 14,6% | 11,4% | 0 | 0 | 21,2% | 15,8% | 30,0% | 16,7% | 35,7% | |
Doutoramento | 4,9% | 2,9% | 0 | 0 | 3,0% | 10,5% | 3,3% | 0 | 21,4% | |
Tempo dedicado à dança | até 5 h/sem. | 26,8% | 20,0% | 0 | 0 | 9,1% | 10,5% | 10,0% | 13,3% | 7,1% |
6 a 20 h/sem. | 19,5% | 22,4% | 66,7% | 0 | 24,2% | 31,6% | 23,3% | 43,3% | 42,9% | |
Mais de 20 h/ sem. | 53,7% | 57,1% | 33,3% | 100,0% | 66,7% | 57,9% | 66,7% | 43,3% | 50,0% | |
Tem outro trabalho | Sim | 36,6% | 37,1% | 33,3% | 33,3% | 24,2% | 31,6% | 10,0% | 36,7% | 35,7% |
Não | 63,4% | 62,9% | 66,7% | 66,7% | 75,8% | 68,4% | 90,0% | 63,3% | 34,3% | |
Outra profissão* | Act. Intel. e científ. | 42,9% | 38,5% | 0 | 100,0% | 75,0% | 66,7% | 66,7% | 40,0% | 40,0% |
Prof. Nível técnico | 21,4% | 23,1% | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | |
Comérc. e serviço | 7,1% | 7,7% | 100,0% | 0 | 12,5% | 33,3% | 33,3% | 60,0% | 20,0% | |
Administrativos | 7,1% | 7,7% | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 20,0% | |
Trab. Não qualific. | 21,4% | 23,1% | 0 | 0 | 12,5% | 0 | 0 | 0 | 20,0% |
*Segundo a Classificação Portuguesa de Profissões
As danças Latino Americanas e/ou Africanasassociam-se de forma estatisticamente significativa (Fisher= 11,456; p=0,004),com a variável tempo dedicado à dança, revelando que a probabilidade dos seus profissionais se dedicarem apenas por tempo parcial é mais elevada do que nos restantes estilos. Não é por isso de estranhar que, a par com as danças Urbanas, sejam os estilos onde a percentagem de profissionais com outro emprego é superior.
Perceção sobre os Riscos laborais
A grande maioria dos indivíduos (82,3%) considera que existem riscos laborais na sua profissão. Analisando a tabela 4 constata-se que, com maior probabilidade, são os profissionais com mais idade, mais instruídos e que se dedicam à dança mais horas por semana, os que estão mais consciencializados para a existência de riscos laborais. Distribuindo a análise pelos diferentes tipos de dança, verifica-se que os que se dedicam ao Ballet são os que percepcionam mais o risco (93,3%), estando essa diferença para os restantes muito próxima de ser considerada estatisticamente significativa (Teste Exato de Fisher: p=0,052); esse facto poderá ser justificado através da bibliografia consultada, que destaca os riscos a que estes bailarinos em específico estão sujeitos(1) (2). A consciencialização face aos riscos laborais é menos expressiva em quem pratica danças Urbanas (73,3%), o que também é congruente com a ausência de evidência científica disponível associada a este tipo de dança (3) e especialmente danças de salão (63,2%), onde a diferença para os restantes é estatisticamente significativa (X 2 = 5,622; p=0,018).
Variáveis | Reconhece a existência de riscos | Teste estatístico | ||
---|---|---|---|---|
Sim | Não | |||
Idade média dos indivíduos | 35,75±8,60 | 30,05±11,46 | p=0,052 | |
Sexo (n) | Feminino | 58 | 13 | p=0,869 |
Masculino | 34 | 7 | ||
Escolaridade (n) | Ensino obrigatório | 25 | 14 | p<0,001 |
Ensino superior | 68 | 6 | ||
Tempo dedicado à dança (n) | Menos que 5 horas/semanais | 8 | 7 | p=0,003 |
6 a 20 horas/semanais | 29 | 7 | ||
Mais que 20 horas semanais | 56 | 6 | ||
Tem outro trabalho (n) | Sim | 32 | 9 | p=0,371 |
Não | 61 | 11 | ||
Tipo de danças (n) | Latino americanas | 35 | 6 | p=0,519 |
Africanas | 30 | 5 | p=0,506 | |
Contemporâneas | 28 | 5 | p=0,649 | |
Ballet | 28 | 2 | p=0,052 | |
Salão | 12 | 7 | p=0,018 | |
Urbanas | 22 | 8 | p=0,133 |
Continuando a explorar este domínio, os profissionais foram convidados a classificar, individualmentee segundo uma escala de gravidade (1- nulo, 2-reduzido, 3-médio, 4-elevado), um conjunto de fatores de risco. Apesar de na pergunta inicial, 17,7% ter negado a existência de riscos associados à dança, a percentagem de respostas que considera o risco nulo, analisando isoladamente todos os fatores (Gráfico 2), é inferior a essa percentagem em diversos itens, nomeadamente: as posturas forçadas/ mantidas (4,5%), os movimentos repetitivos (7,1%), o manuseamento de cargas/ esforço físico (8,1%), as quedas ao mesmo nível (11,6%) e o stress (14,3%). Infere-se, por isso, que este estudo piloto possa ter contribuído para aumentar a consciencialização face à presença de alguns riscos laborais.
A análise do gráfico 2 permite ainda constatar que, quando se associamos dois níveis mais elevados de perceção de risco (médio e elevado), sobressaem, como problemáticos, a exposição a dois tipos de fatores: movimentação de cargas/esforço físico (72,9%), movimentos repetitivos (69,7%), posturas forçadas e/ou mantidas (58,9%) e quedas ao mesmo nível (52,6%), o que já seria expectável em função do tipo de atividade física exercida (3)(4); psicossociais:stress (66,9%) referenciado na bibliografia consultada (4), ainda que a dança, normalmente, está associada à obtenção de prazer (3). Assim, poder-se-á inferir que o risco de desenvolverem lesões músculo-esqueléticas é elevado (4) (5).
Em sentido oposto, associando os dois níveis mais baixos de perceção de risco (nulo e reduzido) surgem a exposição a agentes biológicos (71,1%), valor que poderá ter sido influenciado pelas pressões sentidas por estes profissionais associadas às restrições impostas pela pandemia de Covid19; as quedas em altura (68,7%), cuja exposição poderá ser variável em função do estilo de dança e coreografia (6);o desconforto térmico (64,3%), mais associado a atuações com roupa pouco adequada, em ambientes frios; a existência de turnos prolongados (54,5%), que poderá ser desvalorizado em função do prazer associado a dançar (1) e o ruído (53,6%).
A análise inferencial pelos diferentes grupos permitiu identificar apenas quatro associações estatísticas significativas: os profissionais das danças Latino Americanas (Teste Exato de Fisher: p=0,030) e Africanas (Teste Exato de Fisher: p=0,035) atribuem maior gravidade à exposição a agentes biológicos, provavelmente por trabalharem como professores, em estilos de dança em dupla, o que os obriga a dançar com muitas pessoas diferentes em cada aula;as danças Africanas, associadas a uma menor perceção de gravidade relativamente ao stress (X 2 = 9,221; p=0,026) e o Ballet, que se associa a uma maior exposição ao esforço físico/ manuseamento de cargas (X 2 = 9,221; p=0,026), que poderá ser atribuído não só à exigência física dos movimentos, como também às horas dedicadas ao aperfeiçoamento da dança (1) (2), tal como já foi definido anteriormente.
Será importante referir que nas opções do questionário não constava o esforço vocal como fator de risco, facto que foi evidenciado por alguns indivíduos, na opção “outros”, como relevante e que deverá ser incluído nos próximos estudos.
Riscos psicossociais: causas de stress
No ponto anterior ficou bem evidenciado que este é um fator de risco laboral importante para ser trabalhado com os profissionais da dança. Importa, no entanto, perceber quais as causas para a sua existência para que, no futuro, se possa pensar em estratégias de mitigação do problema.No gráfico 3 é possível consultar os principais stressores considerados pela amostra.
A dificuldade em conciliar a dança com a vida pessoal surge em primeiro lugar e afeta mais de 80% dos indivíduos. Na realidade a dança obriga a que grande parte da atividade profissional (atuações e aulas) se desenvolva no horário considerado de pós-laboral, ou seja, quando a maioria das pessoas está disponível, o que poderá dificultar a convivência familiar; se se acrescentarem a existência de atuações/digressões fora da área de residência, poderá eventualmente se potenciar o stress. Na nossa amostra esse fator surge, estatisticamente associado à escolaridade, ou seja, os indivíduos com formação superior (X 2 = 4,273; p=0,039), têm maior probabilidade de sentir stress laboral, uma vez que também são, como se disse em cima, os que mais acumulam funções noutras áreas profissionais e, por serem mais velhos, os que provavelmente têm maiores encargos familiares (por exemplo, cuidar dos filhos). Em oposição, este fator é desvalorizado pelos profissionais de danças urbanas (X 2 = 4,636; p=0,031), uma vez que abarcam, normalmente, indivíduos mais jovens, com menor probabilidade de terem famílias e que não se dedicam à dança integralmente.
A deficiente remuneração laboral, surge em segundo lugar, sendo referenciada por 80,6% dos profissionais; estatisticamente, este fator encontra-se associado de forma significativa à dedicação plena (Teste Exato de Fisher: p<0,001), o que se pode depreender que este setor profissional é, no geral, considerado mal remunerado, sendo tal gerador de stress, sobretudo para quem não aufere outros rendimentos.
A existência de vínculos laborais precários (74,4%) surge de seguida e associa-se, de forma estatisticamente significativa, à idade dos profissionais, pois há maior probabilidade de os indivíduos mais velhos, se sentirem expostos a este stressor (t=2,762; p=0,007),assim como os que trabalham há mais anos (t=2,389; p=0,019).
A falta de expectativas de progressão na carreira (67,8%) surge em último lugar, na hierarquia dos stressores que afetam mais de 50% da amostra, e está associada, com significância estatística, aos trabalhadores mais velhos (t=2,056; p=0,043), aos que se dedicam à dança em tempo integral (Teste Exato de Fisher: p=0,002) e aos que têm formação superior (X 2 = 5,680; p=0,017). Estas associações poderão estar relacionadas a questões como a curta longevidade da carreira de bailarino ou a exigência física dos movimentos que levam estes profissionais a ponderar o futuro precocemente, o que, na maioria das profissões, acontece numa fase mais tardia (nos denominados, trabalhadores mais velhos, com idades compreendidas entre os 55 e os 65 anos) (7); talvez isso explique a razão por que a insatisfação do empregador, apesar de só ser referenciada por 10,8% dos indivíduos, estar significativamente associada aos trabalhadores mais experientes (t=2,074; p=0,041).
A conjugação dos últimos três stressores obriga a que, não raras vezes, estes profissionais sejam obrigados a ter outro trabalho (a tempo parcial ou a fazer da dança o trabalho parcelar), o que não só causa stress por si só, como também contribui para agravar, ainda mais, a dificuldade em conciliar a vida profissional com a pessoal. O fator remuneratório parece, por isso, ter grande influência, sobressaindo na categoria de outros fatores de stress referenciados por escrito, onde emergem o diferencial entre a expectativa dos profissionais face aos produtos que têm para oferecer e a imprevisibilidade associada à procura (espetáculos ou aulas) por parte do público, ou seja, a incerteza associada à aquisição de ingressos para assistir aos espetáculos e/ou a dificuldade em conciliar os tempos letivos com as diferentes atividades idealizadas.
Em sentido contrário, questões relacionadas com o desempenho, como a autonomia profissional, a insatisfação por parte dos clientes (durante os espetáculos ou aulas) ou do empregador, não parecem ser fatores relevantes de stress, demonstrando que a autoconfiança e o prazer em dançar são fatores importantes de resiliência a ter em conta neste setor. Neste capítulo destacam-se as danças Modernas/Contemporâneas, onde a insatisfação do cliente é um fator desconsiderado pela totalidade dos profissionais (Teste Exato de Fisher: p=0,014), o que atesta a confiança nas suas performances; simultaneamente, há evidência de que os indivíduos com dedicação inferior a cinco horas semanais, têm menos probabilidade de identificar o stress como fator de risco laboral (Teste Exato de Fisher: p=0,002), o que parece indicar que, para estes, a dança é encarada mais como uma atividade da qual retiram prazer.
Utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs)
A utilização de EPI, por parte destes profissionais, é sempre muito limitada, devido à liberdade de movimentos necessária e condicionantes coreográficas/estéticas associadas à atuação artística. Para explorar este domínio, foram previamente estipuladas algumas alíneas e pedido que utilizassem a escala - “1-não é necessário; 2-tenho mas não uso; 3-tenho mas uso pouco; 4-tenho e uso com frequência” - para classificar o comportamento individual (Gráfico 4).
Para compensar a exigência física associada às tarefas realizadas durante a dança, poderá ser importante a utilização de equipamentos de contensão elástica,com o intuito de reduzir algumas lesões ou evitar o seu agravamento, sendo possível constatar a sua utilização frequente em 9,3% e esporádica em 28,7% dos indivíduos. Para além disso, alguns referiram, ainda, equipamento de proteção contra o desconforto térmico, passível de ser utilizado nos treinos (nas atuações normalmente não usam).
Atendendo, no entanto, que este estudo foi realizado durante a pandemia de Covid19, averiguou-se também a utilização de equipamentos de proteção respiratória ou outros passíveis de serem utilizados. Assim, a máscara é amplamente consensual, sendo usada frequentemente por 85,5% dos profissionais e esporadicamente por outros 10,0%. Apesar disso, 4,5% ainda se mantém resistente quanto à sua utilização, sendo mais provável que isso aconteça nos profissionais que se dedicam às danças urbanas (Teste Exato de Fisher: p=0,014), talvez por não exigirem tanto contato físico próximo entre bailarinos, como nas danças a par e por, vulgarmente, as atuações ocorrerem em locais eventualmente mais abertos e melhor ventilados.
No sentido oposto encontram-se o uso de viseiras e de luvas que, no contexto da dança, em função da proximidade existente e do contato frequente entre várias pessoas em simultâneo, não conferem a proteção necessária (podem, inclusive, dar uma falsa sensação de segurança agravando a transmissibilidade do vírus), embora ainda exista um número residual (1,8%) de profissionais que as utiliza com frequência e que é possível associar estatisticamente às danças de salão (Teste Exato de Fisher: p=0,039), possivelmente por ser, maioritariamente, dançada em dupla, o que obriga os profissionais a procurarem uma proteção extra. Nesta lógica, a utilização de máscara (como já foi referenciado) associada ao uso frequente de desinfetante para as mãos, afiguram-se como as medidas de proteção mais adequadas.
História de acidentes laborais
Os dados revelam que 72,6% dos indivíduos já teve, pelo menos, uma experiência de acidente laboral para reportar, facto a que não é alheia a exigência física das tarefas associadas (1) (3).Apesar da grande maioria dos acidentes não ter interferido com o desempenho (32,9%) e ter implicado apenas limitações ligeiras (40,2%), observa-se que em 56,1% dos casos foi necessário parar de dançar, por vezes mais de um mês (13%)- tabela 5. A bibliografia consultada aponta, no entanto, para a possibilidade de estes números serem falsos uma vez que, neste setor profissional, a desvalorização da dor por vezes é encarada como um comportamento profissionalmente assertivo (1)
Variáveis | n | % válida | |
---|---|---|---|
História de acidentes laborais | Sim | 82 | 72,6% |
Não | 31 | 27,4% | |
Se sim, ficou com alguma limitação para o trabalho? | Não | 27 | 32,9% |
Sim, mas discreta | 33 | 40,2% | |
Sim, moderada | 17 | 20,7% | |
Sim e grave | 5 | 6,1% | |
Se sim, foi necessário parar de dançar? | Sim | 46 | 56,1% |
Não | 36 | 43,9% | |
Tempo de paragem | Até uma semana | 18 | 39,1% |
Entre uma e quatro semanas | 22 | 47,8% | |
Mais de um mês | 6 | 13,0% |
Os resultados revelam ainda que existe associação estatística significativa entre a dedicação exclusiva à dança e a existência de acidentes laborais (X 2 =4,342; p=0,037). Constata-se ainda que, quem já teve acidentes de trabalho, tem maior perceção sobre a existência de riscos/fatores de risco laborais associados à dança (X 2 =6,216; p=0,013), o que permite suspeitar que a perceção pode surgir da experiência vivida e não da formação profissional; na realidade, nesta amostra, não se verificam diferenças estatisticamente significativas, quando se associa a formação profissional prévia sobre riscos laborais com a existência de acidentes ou evidência de lesões, facto congruente com o que também foi descrito por alguns autores (8).
A análise cruzada entre a história de acidentes pessoais e os diversos fatores de risco, revela que essa associação é particularmente notada quando se abordam fatores que envolvem potenciais lesões musculoesqueléticas ou stress (tabela 6), resultado que vai de encontro ao descrito por outros autores (3) e que comprova a importância de se desenvolverem estratégias para a sua mitigação.
Perceção face aos fatores de risco ocupacionais | Teste estatístico |
---|---|
Stress | p=0,003 |
Turnos prolongados | p=0,595 |
Desconforto térmico | p=0,098 |
Agentes biológicos | p=0,223 |
Ruído | p=0,696 |
Movimentos repetitivos | p<0,001 |
Quedas em altura | p=0,007 |
Quedas ao mesmo nível | p<0,001 |
Cargas/esforço físico | p=0,002 |
Posturas forçadas e/ou mantidas | p<0,001 |
No questionário, foi também pedido aos respondentes que enumerassem os diferentes tipos de acidentes/lesões sofridas no desempenho profissional. Pela leitura do gráfico 5 é possível verificar que as entorses, referidas por 55,8% dos indivíduos, constituem o principal evento (principalmente, para os profissionais das danças de salão - X 2 = 5,044; p=0,025); a literatura, apesar de escassa, é consistente a apontar os membros inferiores, com principal preponderância para o pé e tornozelo, como as principais zonas corporais propensas a lesão (3) (9), validando, por isso, os resultados deste estudo.
Em segundo lugar surgem as quedas ao mesmo nível, referidas por 39,8% (particularmente nas danças Africanas - X 2 = 8,446; p=0,004), seguidas por acidentes não especificados que deram origem a lesões musculares, referenciados por escrito na alínea “outros tipos de acidente”. São, ainda, de realçar as quedas em altura, que apesar de menos frequentes (referenciadas por apenas 8,0%, mas estatisticamente associadas aos profissionais de danças Africanas - Teste Exato de Fisher: p=0,004), envolvem um elevado risco de lesão para os profissionais e os acidentes que culminam em fraturas (9) que, tendo em conta o contexto, podem não ser valorizados, suficientemente, para se adotarem medidas de forma a evitar a sua repetição.
Sintomatologia associada à atividade profissional
Analisando a sintomatologia habitual mais referenciada pelos indivíduos, constata-se que apesar de ligeira, a grande maioria (84,6%) referiu a perda de audição, valor que se considera surpreendente, tendo em conta a idade dos respondentes, a sua consciencialização face aos riscos provocados pelo ruído e a evidência consultada nas referências bibliográficas, que apontam para a sintomatologia músculo-esquelética como a mais prevalente (3); na realidade, a dor, articular e muscular, apesar de presente, atinge valores muito menos expressivos que este (35,6% e 17,6% respetivamente), situando-se o stress num ponto intermédio (36,6%). Foram ainda apontados outros sintomas, por indivíduos isolados, sem expressividade estatística (como as cãibras).
A sintomatologia músculo-esquelética referenciada parece, no entanto, associada aos efeitos de uma menor preparação física para o desempenho da tarefa ou exercício sazonal da mesma (6), uma vez que asqueixas de dor muscular (Teste Exato de Fisher: p<0,001) e articular (Teste Exato de Fisher: p=0,002), surgem estatisticamente associadas a indivíduos que exercem profissionalmente menos horas; por outro lado, a desvalorização da dor em função do que consideram ser o profissionalismo (1) (3), pode justificar a razão porque os profissionais do Ballet (Teste Exato de Fisher: p=0,004) ou da dança Moderna (X 2 = 3,966; p=0,046) tenham menor probabilidade de referir este tipo de sintomatologia; os resultados também indicam que os indivíduos com esses tipos de queixas- mialgia (X 2 = 5,130; p=0,024) e artralgia (X 2 = 10,961; p<0,001), com maior probabilidade afirmarão que a dança não tem riscos/fatores de risco associados, ou seja, aparentemente, parecem encarar a dor como resultante da sua falta de preparação física ou como algo natural na dança e não como sinal de potencial lesão músculo-esquelética associada ao trabalho.
Paradoxalmente, quem exerce na dança mais horas, apresenta menos sintomatologia compatível com stress (Teste Exato de Fisher: p<0,001), como é caso dos profissionais do Ballet (Teste Exato de Fisher: p=0,009), o que nesta fase, devido à pandemia, com as restrições associadas ao setor, seria expectável o contrário; assim, os sintomas de stress surgem estatisticamente associados à necessidade de trabalhar, em simultâneo, noutros setores profissionais (Teste Exato de Fisher: p=0,002), o que talvez justifique a sua associação estatística aos profissionais das danças Latino Americanas (Teste Exato de Fisher: p=0,004) e Africanas (Teste Exato de Fisher: p=0,003),indo de encontro a outros achados previamente abordados.
Consumo de substâncias
Analisando o consumo de medicamentos, constata-se que 73,2% refere já ter tomado fármacos para atenuar os efeitos físicos e mentais da atividade laboral, de onde se destacam os anti-inflamatórios/analgésicos/relaxantes musculares (gráfico 6), para a sintomatologia músculo-esquelética, bem como os suplementos alimentares ou o consumo de ansiolíticos, para os efeitos negativos dos riscos psicossociais.A análise estatística inferencial revela, no entanto, que esse consumo, apesar de poder ser associado à existência prévia de acidentes laborais (X 2 = 7,380; p=0,007) e, em particular, à ocorrência de entorses (X 2 = 6,049; p=0,014), não tem correspondência direta com a sintomatologia referenciada previamente, uma vez que, estatisticamente, o consumo desses medicamentos tem maior probabilidade de acontecer nos indivíduos que não referenciaram sintomas de dor muscular (X 2 = 14,123; p<0,001), articular (X 2 = 21,186; p<0,001) ou stress (Teste Exato de Fisher: p=0,003); o consumo de medicamentos, parece assim, resultar mais da variabilidade individual para lidar com os problemas do que de uma relação direta com os efeitos do trabalho.
Para além do consumo de medicamentos prescritos ou da automedicação, alguns indivíduos referiram ainda recorrer a terapias alternativas à medicina convencional (4,4%), para aliviar os sintomas decorrentes da sua atividade laboral.
Perceção sobre a existência de doenças profissionais
A análise da perceção individual, sobre a existência de doença profissional associada, revelou que a grande maioria (84,4%) declarou não ter qualquer doença que pudesse ser considerada como profissional. Dos restantes, 11,9% referiu ter, mas não declarada, enquanto apenas 3,7% afirmou possuir uma doença reconhecida pela segurança social como tal.
As lesões músculo-esqueléticas, contrariamente ao que foi referenciado em termos de sintomatologia, surgem como das mais prevalentes (referenciadas por 40% da amostra) e associam-se, estatisticamente, ao consumo de medicamentos (X 2 =4,323; p=0,038) e à consciencialização profissional sobre a existência de riscos/fatores de risco laborais (Teste Exato de Fisher: p=0,012).
A prevalência de doenças do foro psicossocial foi referida por 16,8% dos indivíduos e surge estatisticamente associada quer ao consumo de ansiolíticos (Teste Exato de Fisher: p=0,007), como ao recurso às terapias alternativas (Teste Exato de Fisher: p=0,022).
Perceção sobre o apoio dado pela Saúde e Segurança Ocupacionais
Constatou-se que apenas 20,4% recorria a consultas de vigilância de Saúde do Trabalho de dois em dois anos, 11,5% apenas o fazia de forma esporádica, enquanto que a grande maioria (68,1%) nunca o fez.
A experiência de quem já teve consulta com o Médico do Trabalho, aparentemente, também não trouxe grandes benefícios, uma vez que apenas 11,2% considerou a experiência positiva, revelando que foi acompanhada por uma melhoria das condições laborais; na realidade, a grande maioria considerou que esse contacto em nada influenciou o seu trabalho (tabela 7).
Relativamente à atuação do Técnico de Segurança, 52,9% considerou que o seu posto de trabalho nunca foi alvo de avaliação; entre os que percecionaram essa atuação, 42,9% revelou que teve um efeito de melhoria nas condições laborais, embora a grande maioria tenha referido que em nada alterou o seu quotidiano (50%) ou até que o tenha piorado (7,1%).
Por último, quando questionados sobre a existência prévia de formação sobre riscos laborais, mais de três quartos da amostra (77,3%) referiu nunca ter assistido, observando-se uma ampla oportunidade para mudar, uma vez que 57,1% manifestou interesse em fazê-lo (tabela 6).
Variáveis | n | % | |
---|---|---|---|
Exames/consulta com o Médico do Trabalho | Nunca aconteceu | 77 | 68,1% |
Esporadicamente | 13 | 11,5% | |
Tenho exames anuais ou de 2 em 2 anos | 23 | 20,4% | |
Perceção sobre a atuação do Médico do Trabalho | Não altera as condições laborais | 32 | 88,9% |
Melhora discretamente as condições laborais | 2 | 5,6% | |
Melhora significativamente as condições laborais | 2 | 5,6% | |
Avaliação do contexto laboral pelo Técnico de Segurança no Trabalho | Nunca aconteceu | 54 | 52,9% |
Esporadicamente | 24 | 23,5% | |
Existem avaliações regulares | 24 | 23,5% | |
Omisso | 11 | ---- | |
Perceção sobre o desempenho laboral do Técnico de segurança Laboral | Não altera as condições laborais | 3 | 7,1% |
Melhora discretamente as condições laborais | 21 | 50,0% | |
Melhora significativamente as condições laborais | 12 | 28,6% | |
Não altera as condições laborais | 6 | 14,3% | |
Omissos | 6 | ---- | |
Formação relacionada com os riscos ocupacionais | Sim | 25 | 22,7% |
Não | 85 | 77,3% | |
Omisso | 3 | ---- | |
Vontade de receber formação | Sim | 60 | 57,1% |
Não | 45 | 42,9% | |
Omisso | 8 | ---- |
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O estudo reuniu uma ampla variedade de estilos e tipos de dança que permitem representar, de forma abrangente, este setor em Portugal, apesar de existirem muitos mais passíveis de serem estudados, para que se possa caraterizar, na íntegra, as diferentes necessidades em Saúde Laboral.
Os resultados apontam para que, globalmente, os profissionais da dança estejam consciencializados face à presença de fatores de risco laborais, principalmente os de origem ergonómica, dada a elevada exigência física e técnica das tarefas. No entanto, esse conhecimento parece advir da experiência vivida, proporcionada pelo desenvolvimento frequente de lesões músculo-esqueléticas, encaradas como uma consequência quase inevitável da profissão e ultrapassadas, como diz a bibliografia consultada, com “profissionalismo” (1) (3). Estas alterações, principalmente associadas ao pé e tornozelo, constituem o principal fator de preocupação, tal como vem descrito na bibliografia disponível(9), sendo recomendável o desenvolvimento de programas de acompanhamento adequados para que se evitem lesões e, em casos extremos, até mesmo o abandono precoce da profissão(8). Talvez sejam os menos experientes e que fazem da dança a tempo parcial, os que revelam menos conhecimentos sobre os fatores de risco e referem mais sintomatologia álgica. A evidência refere, no entanto, que a capacitação face aos riscos laborais(8) ou o desenvolvimento de programas específicos de preparação física poderão ter efeitos positivos na prevenção de lesões, razão pela qual se infere haver lugar para a intervenção sistematizada das equipas de Saúde Ocupacional.
O stress é também um fator a ter em conta, pois conjuga fatores como a precaridade dos vínculos laborais, as reduzidas oportunidades de evoluir na carreira, a baixa remuneração financeira e a reduzida longevidade da profissão, evidenciando-se sintomas comuns aos chamados trabalhadores mais velhos numa fase precoce da idade dos profissionais(7). Se aqui se associar que a dança ocupa profissionalmente os tempos livres da maioria da população ativa noutras áreas profissionais, é fácil perceber a dificuldade que estes profissionais podem ter em, por vezes, conciliar a agenda pessoal/familiar com o trabalho, principalmente se, em alguns casos, tiverem de ter ainda um outro emprego. Assim, os fatores de risco psicossociais deverão ser, também, um alvo privilegiado por parte da Saúde Ocupacional, no sentido de identificar precocemente as causas e direcionar a intervenção para preservar a saúde mental destes trabalhadores.
Apesar de residual, a percentagem de queixas relacionadas com a perda de capacidade auditiva é um achado que precisa de ser investigado, uma vez que nada foi encontrado na bibliografia consultada que o afirme. Se por um lado o ambiente onde estes profissionais trabalham não está isento de ruído (música numa intensidade razoavelmente elevada), por outro, o estudo reúne um conjunto de indivíduos muito jovens, que dificilmente já evoluíram para situações de surdez de origem laboral; para além disso, a análise estatística não encontrou qualquer associação com fatores como mais idade, experiência profissional ou dedicação plena que, em caso de doença profissional, seria mais lógico existirem.
Relativamente aos EPI, a sua utilização é residual, não só pela escassa disponibilidade de materiais adequados, que permitam proteger o profissional, sem alterar o desempenho (artístico e estético) como, provavelmente, pela atitude dos profissionais que, segundo a bibliografia, toleram os efeitos danosos provocados pela dança, em prol do desempenho artístico, considerando isso uma afirmação do seu profissionalismo (1) (3). Para além disso, tendo em conta a situação pandémica causada pela Covid19, identificaram-se alguns comportamentos passiveis de serem melhorados, como a necessidade de utilizar máscara ou o inadequado uso de luvas ou viseira, bem como a crença de que não existe risco biológico associado à dança; todas estas situações poderiam ser melhoradas com formação adequada e esclarecimentos por parte da Saúde Ocupacional. Acredita-se, no entanto, que o estudo possa ter contribuído, para o aumento da consciencialização face aos fatores de risco/riscos laborais entre os diversos trabalhadores que se dedicam à dança.
Neste capítulo, discute-se a necessidade de ponderar os potenciais contributos da Saúde e Segurança neste setor; não só porque é evidente a falta de apoio existente, o que contraria as leis de proteção ao trabalho em vigor no país, como também torna claro que o que existe, não está preparado para ir de encontro às necessidades do setor, prevalecendo, por isso, entre os trabalhadores, algum descrédito relativamente aos benefícios.
Sendo um estudo piloto, não se pressupõe que estes resultados possam ser generalizados, mas sim explorados de uma forma mais consistente. Identificam-se, no entanto, algumas debilidades associadas ao método de colheita de dados, que sendo por questionário, não apresentou na integra todas as opções de resposta, não permitindo, por isso, que as opções acrescentadas pelos respondentes pudessem ser percecionadas por todos, inviabilizando a sua expressividade estatística. Simultaneamente, faltou informação para caraterizar melhor a perceção individual sobre os acidentes de trabalho (por exemplo, o tipo de fraturas), a sintomatologia (por exemplo, as caraterísticas da dor) e as doenças profissionais, facto que deverá ser corrigido em futuros estudos.
CONCLUSÃO
Os resultados apontam para a confirmação das principais evidências pré-existentes sobre o setor: predomínio das lesões musculoesqueléticas, com principal incidência nos membros inferiores; atitude de resiliência por parte dos trabalhadores mais experientes que encaram a dor como fator implícito ao exercício competente da profissão e falta de acompanhamento e apoio por parte da Saúde e Segurança Ocupacionais que fornecem serviços standard descontextualizados das necessidades específicas do setor.
Como principais achados, realça-se uma visão mais ampla sobre os fatores psicossociais que interessa explorar, que engloba a gestão das vidas pessoais, quando o trabalho se desenvolve, preferencialmente, nos períodos de pausa da maioria da população ativa, bem como a sustentabilidade financeira dos trabalhadores, confrontados com uma profissão, por vezes, de longevidade reduzida, que os obriga a repensar o futuro numa fase muito precoce da vida.
O estudo faz também inferências sobre o potencial salutogénico da Saúde Ocupacional, quer apoiando o desenvolvimento de programas preventivos em função dos fatores de risco mais prevalentes, como desmistificando crenças e comportamentos erróneos, aumentando a formação profissional dos trabalhadores para lidarem com os fatores de risco.
Sintetizando, este trabalho fornece uma base para o desenvolvimento de estudos mais amplos, capazes de gerar novas evidências sobre este setor profissional, por forma a melhorar o fornecimento de serviços de saúde e segurança ocupacional.