INTRODUÇÃO
Os autores, ao pesquisar artigos para outros subtemas associados ao ruido e a saúde ocupacional, encontraram alguma escassa bibliografia relativa à eventual associação entre ruido laboral e sinistralidade. Ficaram assim motivados a pesquisar melhor o tema, de forma a perceber o que de concreto já foi publicado.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): Trabalhadores sujeitos a ruido laboral.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre as eventuais interações entre o ruido no local de trabalho e a sinistralidade laboral.
-C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho com ruido.
Assim, a pergunta protocolar será: Quais os efeitos do Ruido Ocupacional na Sinistralidade Laboral?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2021, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”. Como se encontraram poucos artigos, os autores pesquisaram em motores de busca generalista, para conseguir ter acesso a outros artigos publicados em revistas científicas, diretamente divulgadas na internet e não incluídas nas bases de dados inicialmente mencionadas.
No quadro 1 podem ser consultadas as expressões/ palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Artigo | Caraterização metodológica | Resumo |
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1 | Coorte | Trata-se de um estudo norte-americano que pretendeu avaliar a influência dos acufenos, audição assimétrica e perda de audição (para baixas e altas frequências) e o risco de acidente laboral, entre trabalhadores de seis fábricas de produtos de alumínio, envolvidos na produção e manutenção, totalizando 8818 funcionários, entre 2003 e 2008. Concluiu-se que os zumbidos combinados com a perda de audição para altas frequências potenciam o risco de acidente, sobretudo em ambientes laborais ruidosos. |
2 | Coorte | Nesta publicação iraniana, existiu o objetivo de avaliar a eventual relação entre a exposição ao ruído e o acidente laboral, numa amostra de 1062 trabalhadores de uma fábrica de tratores, entre 2008 e 2009. Os autores concluíram que a exposição laboral ao ruido e a perda de audição potenciam a sinistralidade. |
3 | Caso- controlo | Neste projeto brasileiro os autores pretenderam avaliar a relação entre o ruido ocupacional e os acidentes de trabalho, utilizando uma amostra de 600 funcionários com sinistros laborais, entre os 15 e os 60 anos. Após aplicação de um modelo de regressão logística concluiu-se que existia correlação. |
4 | Estudo de caso múltiplo | Este estudo canadiano pretendeu destacar a eventual relação entre o ruido e os acidentes de trabalho fatais, utilizando uma amostra de 788 relatórios pertencentes à Comission de la Santé et de la Securité du Travail du Québec, entre 1990 e 2005. |
5 | Coorte retrospetivo | Neste documento foram publicados dados relativos ao estudo de 52.983 trabalhadores do sexo masculino expostos a pelo menos 90 decibéis. Concluiu-se que a perda de audição se relaciona com os acidentes laborais. |
6 | Artigo de Opinião | Os autores descrevem as consequências da perda de audição, com destaque para a sinistralidade laboral, fazendo sugestões concretas de estratégias para identificar e avaliar este risco. |
CONTEÚDO
Encontram-se vários artigos que referem que o Ruido Laboral se relaciona com maior Risco de Acidente (1) (2), porque o Ruido em si e a perda de audição associada podem prejudicar a comunicação entre colegas (1) (3) (4), perceção de avisos (1), deteção/discriminação e localização da fonte sonora, diminuir a atenção/concentração (2) (3) (4) e memória, bem como potenciar a ansiedade (3) e fadiga (2) (3), fatores estes que também aumentam o risco de acidente (3); pode diminuir a vigilância (4) e aumento do número de erros durante o turno (2). Logo, a diminuição do Ruido tornará o trabalho mais seguro (2) (3), mantendo-se o corte a nível dos 85 decibéis (2).
O Ruido aumenta o risco de acidente, mesmo em funcionários com audição normal; contudo, com hipoacusia, a gravidade do sinistro parece ficar potenciada. Por exemplo, num estudo holandês efetuado num estaleiro, estimou-se 43% acidentes de trabalho estavam associados ao Ruido e à perda de audição (5).
Existem dados publicados relativos ao facto de que perdas de audição superiores a 20 decibéis potenciam a sinistralidade em trabalhadores de estaleiro e que perdas superiores a 25 decibéis fazem o mesmo em agricultores, por exemplo (1). Outros estudos quantificaram que o risco de ter um Acidente de Trabalho em ambiente com Ruído moderado a intenso era o dobro, mesmo após controlo de eventuais variáveis enviesadoras (3). Outros investigadores publicaram que uma perda de audição de cerca de 20 decibéis associou-se a 1,14 maior risco de Acidente Laboral, mesmo controlando também eventuais variáveis confundidoras e que 12,2% dos Acidentes avaliados foram atribuídos a Ruido superior a 90 decibéis e à perda de audição (6).
Alguns investigadores estimaram um risco acrescido de Acidente Laboral na ordem dos 25% em trabalhadores com perda de audição para altas frequências e acufenos, sobretudo em postos muito barulhentos. A perda de audição para baixas frequências também está relacionada, mas de forma menos intensa. A audição assimétrica, por sua vez, parece não potenciar a sinistralidade, ainda que esta possa dificultar a localização da fonte sonora (direção, distância, movimento), perturbando a perceção da fala e de outros sons (1).
Os acufenos (na medida em que podem perturbar o sono e potenciar a depressão, cansaço e a diminuição da concentração) também conseguem aumentar o risco de acidente. Para além disso, podem confundir a perceção da restante informação sonora do ambiente de trabalho, comprometendo a segurança (1).
A utilização de aparelhos auditivos poderá atenuar a sinistralidade; contudo, se a amplificação não for realizada com qualidade, por diminuição da perceção de sons e a comunicação, pode-se obter o efeito inverso (2).
Está descrito que a ausência da proteção auricular pode implicar um risco de Acidente superior (3). No entanto, ela pode perturbar a comunicação e a perceção de parte da sinalização de perigo, o que também pode potenciar a sinistralidade, por vezes até de forma fatal. Daí que se deva ponderar o não uso da proteção auricular, quando o benefício possa ser inferior ou equivalente ao risco global. Trabalhadores que precisem de comunicar num ambiente ruidoso ficam mais relutantes em usar a proteção auricular. Esta deverá proporcionar a melhor perceção possível da linguagem oral, através de um coeficiente de atenuação adequado (5).
Para reduzir este tipo de Acidentes dever-se-ão identificar as tarefas onde um trabalhador com hipoacusia possa estar em risco acrescido; é também desejável que a Segurança do Trabalho identifique os locais onde a pior perceção da linguagem oral possa causar sinistros, onde existem sinais sonoros muito importantes e onde seja possível algum tipo de colisão com veículos em movimento, por exemplo (5).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que não se encontre muita bibliografia sobre o tema, a literatura existente parece ser razoavelmente consensual em relação a uma interação entre o Ruido Ocupacional e a Sinistralidade. A diminuição dos níveis de decibéis deve ser por isso prioritária, não só pela hipoacusia em si e outras patologias associadas, como também para atenuar os Acidentes de Trabalho.