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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.12  Gondomar dez. 2021  Epub 25-Mar-2022

https://doi.org/10.31252/rpso.20.11.2021 

Artigo Original

MOBBING, UMA REALIDADE PRESENTE EM MEIO HOSPITALAR

MOBBING, A REALITY IN THE HOSPITAL SYSTEM

A Roque1 
http://orcid.org/0000-0002-8514-7823

S Pimenta2 

R Ribeiro3 

J Ferreira4 

A Correia5 

T Martinho6 

E Perea7 

J Fonnegra8 

1Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. Morada para correspondência dos leitores: Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Hospital de Santa Cruz, Av. Prof. Reinaldo dos Santos 2790-134 Carnaxide

2Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. 2790-134 Carnaxide

3Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. 2790-134 Carnaxide

4Interno de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. 2790-134 Carnaxide

5Interna de Formação Específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Lisboa Norte.1649-028 Lisboa

6Diretora do Serviço de Saúde Ocupacional do CHLO, Assistente Hospitalar Graduada de Medicina do Trabalho. Assistente Hospitalar de Medicina Interna. 2790-134 Carnaxide

7Assistente Hospitalar em Medicina do Trabalho do CHLO. 2790-134 Carnaxide

8Assistente Hospitalar em Medicina do Trabalho do CHLO. 2790-134 Carnaxide


RESUMO

Introdução

O Mobbing pode afetar significativamente não só a saúde mental e física da população ativa, como também, a saúde organizacional.

Descrição do Caso Clínico

Trata-se de uma profissional de saúde, com 62 anos de idade, a trabalhar num Centro Hospitalar. Recorreu a consulta Ocasional de Medicina do Trabalho, a Pedido do Trabalhador, por ansiedade/pânico. Na avaliação pela Psiquiatria, foi apurado que se encontrava a vivenciar múltiplos conflitos laborais. Verificou-se uma situação de burnout profissional, associada a ansiedade e crises de choro fácil diariamente, nomeadamente nos dias de atividade laboral, bem como sentimentos de tristeza marcados relativos à mesma. Foi medicada e manteve seguimento na Psiquiatria de Ligação tendo sido dado a conhecer à Saúde Ocupacional o seu estado clínico através de relatório médico dirigido.

Discussão/Conclusão

Na última década, o Mobbing tornou-se uma forma frequente de problema relatado nas sociedades modernas, mostrando efeitos graves tanto na saúde dos trabalhadores quanto na taxa de absentismo e rotatividade de pessoal das empresas. O relato deste caso serve de alerta para a existência de casos de Mobbing numa atividade profissional na qual, pela elevada literacia em saúde, tal poderia não ser expectável.

Para além disso, reforça a importância, que por vezes é mandatório à Saúde Ocupacional, do contato com as chefias dos trabalhadores numa tentativa de resolução de conflitos que possam eventualmente existir.

Palavras-chave: Mobbing; Assédio laboral; Saúde Ocupacional

ABSTRACT

Introduction

Mobbing can significantly affected not only the mental and physical health of the working population, but also organizational health.

Clinical Case Report

This is a case report of a healthcare worker, 62 years old, working in a Hospital Centre. She attended to an Occupational Health consultation due to an anxious and/or panic crisis. In the assessment by Psychiatry, it was found that she was experiencing multiple labour conflicts. Professional burn-out symptoms were found, associated with anxiety and easy crying spells on a daily basis, particularly on days of work, as well as marked feelings of sadness related to it. She was medicated and was followed up at Liaison Psychiatry, and her clinical status was made known to Occupational Health through a medical report.

Discussion/Conclusion:

In the last decade, Mobbing has become a frequent form of problem reported in modern societies, showing serious effects both on workers' health and on the rate of absenteeism and staff turnover in companies. The report of this case is a warning to the existence of cases of Mobbing in a professional activity in which, due to the high level of health literacy, could not be expected. In addition, it reinforces the importance, which is sometimes mandatory for Occupational Health, of contacting the heads of workers to solve some conflicts that may eventually exist.

Keywords: Mobbing; Harassment at work; Occupational Health

INTRODUÇÃO

Numa sociedade cada vez mais competitiva, tem-se assistido a uma subversão das exigências laborais, marcada por pressões para um melhor desempenho quantitativo, além da despersonalização do trabalhador que passa a ser tratado como uma «máquina de produção», deixando para segundo plano o respeito e a dignidade pelo outro. As taxas de desemprego refletem a instabilidade económica atual, tornando as pessoas cada vez mais inseguras quanto à sua condição laboral e o ambiente de trabalho num local de conflitos e violência frequentes. É nesse ambiente que se desenvolve o denominado Mobbing, ou assédio moral, um processo de violência psicológica contra o trabalhador que poderá afetar a sua saúde física e mental (1).

Segundo alguns autores, o Mobbing no trabalho supõe a mais grave ameaça à saúde dos trabalhadores a ser enfrentada neste século. Este pode relacionar-se com a diminuição da satisfação, da capacidade de desempenho e da motivação para o trabalho, bem como a níveis mais elevados de doença e absentismo laboral). O fenómeno pode afetar significativamente não só a saúde mental e física da população ativa, como também, a saúde organizacional (2) (11).

A presença da violência no ambiente de trabalho implica custos consideráveis para os indivíduos- em termos de saúde e em termos laborais e para a organização, dado o impacto causado pelo absentismo, baixa na produtividade e rotatividade de pessoal. Assim, o combate à violência no trabalho traz benefícios ao indivíduo, à organização e à sociedade como um todo (3).

O termo Mobbing surgiu com Konrad Lorenz para descrever o comportamento de certos animais que se organizavam em grupo quando pretendiam afastar um inimigo potencialmente perigoso. Leyman utilizou este termo nos anos 90 para descrever comportamentos abusivos no local de trabalho (workplace bullying). O Mobbing carateriza-se por comportamentos e atitudes mal-intencionadas para afastar alguém do local de trabalho, através de acusações injustificadas, calúnias, humilhações, assédio em geral, abuso emocional e/ou terror psicológico, por vezes enquadrados no âmbito de uma “conspiração” desencadeada por um ou vários líderes- superior hierárquico, colegas ou subordinados - que incentivam outros elementos a partilhar destes comportamentos de assédio sistemáticos e frequentes. O resultado é, invariavelmente, o dano- físico ou mental, doença e sofrimento social e, frequentemente, expulsão do local de trabalho (3). Em todo o caso, será sempre pertinente proceder a uma averiguação acerca da veracidade das acusações. Em várias ocasiões, a pessoa que alega ser a vítima, na verdade, é essa mesma pessoa que faz o Mobbing na equipa, tratando-se de colaboradores que não têm a produtividade pretendida, ou simplesmente se recusam a exercer o seu trabalho corretamente, criando conflitos graves com a restante equipa e ainda assim sentindo-se incrivelmente injustiçados.

De acordo com Leyman, para que se possa falar em Assédio no Trabalho terão que estar presentes as três condições seguintes: os atos terão que ser sentidos como hostis; as agressões deverão repetir-se com frequência (pelo menos uma vez por semana); as agressões deverão prolongar-se durante um certo período de tempo (pelo menos durante seis ou mais meses) (4).

A Organização Mundial da Saúde (2002) considera o Mobbing no local de trabalho como um problema de saúde pública global multifacetado com consequências bastantes prejudiciais. As vítimas relatam sofrer de ansiedade, depressão, problemas de sono, irritabilidade, perda de concentração e distúrbios somáticos. Foi afirmado que o Mobbing pode levar à Perturbação de Stress Pós-traumático, uma vez que os indivíduos expostos apresentam sintomas como reviver a experiência, evicção e aumento da ansiedade (5).

De acordo com o VI Relatório Europeu sobre as condições de trabalho (EWCS, Eurofound), 16% dos inquiridos reportaram terem sido expostos a comportamentos sociais adversos e 7% foi alvo de assédio moral no local de trabalho nos doze meses anteriores, um valor que aumentou face a avaliações prévias. Em Novembro de 2017 foi publicado o primeiro inquérito homólogo realizado em Portugal que revelou números substancialmente mais baixos- 5% dos trabalhadores esteve exposto a situações sociais adversas, dos quais 6,1% mulheres e 3,4% homens reportaram terem sido vítimas de violência física, assédio moral, assédio sexual, e/ou intimidação/perseguição (6). A baixa visibilidade deste flagelo poderá ser consequência da falta de reconhecimento do abuso como um sério problema, do medo de despedimento ou vergonha da exposição a atos que atentam contra a honra e dignidade da pessoa (1).

As práticas deste tipo de assédio são transversais a qualquer tipo de emprego e podem ser feitas de empregadores para empregados (ou vice-versa) e entre colegas. Normalmente, tais práticas, estão ancoradas na desvalorização do trabalho realizado, nas ameaças de despedimento, no isolamento da vítima, na retirada total de trabalho ou na atribuição de trabalho em excesso, na humilhação em frente a todos e em comentários maliciosos. Com isto, a autoestima ressente-se, a ansiedade aumenta e podem existir outros sinais de perturbações do comportamento. Com o passar do tempo, podem surgir outro tipo de sintomatologias, tais como a depressão, frustração, insónias e a dificuldade na tomada de decisões.

O caso que de seguida se descreve, retrata uma profissional de saúde com diversos conflitos com a sua chefia, tendo sido afetada significativamente a sua saúde mental. Uma vez que, ainda se trata de uma temática pouco abordada e de difícil discussão, serve o presente caso como alerta para a existência e crescimento da mesma. O principal objetivo deste relato será também orientar os profissionais da Saúde Ocupacional das atitudes a tomar neste tipo de situações.

DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO

Este caso diz respeito a uma médica estomatologista, 62 anos de idade, género feminino, a trabalhar num Centro Hospitalar. No que diz respeito à história ocupacional, encontra-se a exercer no mesmo local há cerca de 40 anos, nunca tendo tido conflitos laborais de relevo previamente. Trata-se de uma trabalhadora sem contatos prévios com a Psiquiatria e sem antecedentes familiares relevantes.

Em meados de Janeiro de 2020, devido a rotura do tendão do supra-espinhoso direito, necessitou de certificado de incapacidade temporária (CIT), tendo sido tratada conservadoramente. Durante o período de incapacidade, em Março de 2020, iniciou quadro de diminuição da força muscular no membro inferior esquerdo e alterações da sensibilidade no membro inferior direito, pelo que recorreu ao serviço de urgência, tendo sido internada no Serviço de Neurologia. Durante o internamento e após realização de vários exames complementares de diagnóstico admitiu-se o diagnóstico de mielite transversa não longitudinalmente extensa de natureza idiopática, tendo tido alta para o domicílio com indicação de realização de fisioterapia.

Em Outubro de 2020, após melhoria clínica, apresentou-se em Junta Médica, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade parcial permanente de 5,76% com indicação de trabalhos moderados. Quando regressou ao trabalho foi observada pelo Médico do Trabalho, tendo resultado a sua aptidão para o trabalho em apto condicionalmente com as seguintes restrições: não pode permanecer em pé por longos períodos; não pode permanecer com os braços em suspensão em assistência ao doente por longos períodos; pode realizar consulta externa.

Em Julho de 2021 recorreu ao Serviço de Saúde Ocupacional em consulta Ocasional a Pedido do Trabalhador por crise de ansiedade e/ou de pânico. Aquando desta consulta, relata que a sua chefia não compreendeu o motivo para as suas limitações para o trabalho, nomeadamente o facto de não poder ter a seu cargo um elevado número de doentes. Após o período de incapacidade, e devido às restrições impostas em ficha de aptidão, a sua chefia retirou-lhe todas as tarefas relacionadas com o cuidado de doentes, não as substituindo por outras. Adicionalmente, teceu comentários do foro étnico-racial e forma de tratamento inadequada, nomeadamente desvalorização para a função que executa. De notar que, neste período, cada médico via em média cerca de três doentes por dia em virtude das contingências causadas pela pandemia da COVID-19, e por isso seria perfeitamente exequível esta carga de trabalho. Entretanto, na tentativa de encontrar uma solução, enviou um e-mail à sua chefia a solicitar que lhe fossem atribuídos alguns doentes. Nesta altura, o serviço já teria retomado toda a sua atividade normal, inclusive o número de doentes por médico, tendo-lhe sido atribuído o mesmo número de doentes que aos colegas, independentemente das suas restrições, o que implicava consultar cerca de treze doentes por dia, dos quais cerca de dez envolviam a realização de procedimentos que motivam um elevado esforço dos membros superiores. Dada a especialidade da médica ser a Estomatologia, grande parte das consultas implicam procedimentos cirúrgicos, sendo por isso consultas mais demoradas. Uma vez que se tratava de um quadro agudo e de uma crise inaugural, foi encaminhada pela Saúde Ocupacional em contexto de urgência, para consulta de Psiquiatria e atribuída uma aptidão condicional para o trabalho com as seguintes indicações: por indicação da Junta Médica deverá ter trabalhos moderados, o que implica redução do número de consultas habitual, nomeadamente consultas subsequentes que impliquem procedimentos; não pode permanecer na posição de ortostatismo por longos períodos, assim como com os membros superiores em suspensão; pode realizar consulta externa.

Na avaliação pela Psiquiatria, foi apurado que se encontrava a vivenciar múltiplos conflitos laborais com cerca de nove meses de evolução com o atual Diretor do seu serviço. Em consulta, foi apurada sintomatologia de burnout profissional (procrastinação, isolamento profissional, perda de satisfação profissional, perda de motivação), caraterizada por crises de choro fácil e ansiedade diariamente, nomeadamente nos dias de atividade laboral, bem como sentimentos de tristeza marcados relativos à mesma.

Não foi apurada sintomatologia depressiva franca, assim como maniforme ou psicótica, atual ou prévia. Ao exame objetivo apresentava-se vígil, orientada, colaborante, com choro fácil e fácies triste. Quanto ao discurso era ligeiramente acelerado e prolixo. O pensamento era organizado, não se tendo apurado conteúdos delirantes ou psicóticos. Negou ideação auto ou heteroagressiva. O humor era carateristicamente hipotímico, afetos congruentes e com crítica. Foi medicada com Mexazolam 1 mg, 1 vez por dia e Sertralina 50 mg, 1 vez por dia. Manteve seguimento na Psiquiatria de Ligação e foi dado a conhecer à Saúde Ocupacional o seu estado clínico através de relatório médico dirigido.

Dado tratar-se de uma situação delicada e de difícil resolução, foi orientada pelo Médico do Trabalho no sentido de tentativa de resolução da situação e/ou minimização do impacto da mesma. Numa primeira tentativa procedeu-se à restrição oficial em ficha de aptidão da carga de trabalho, nomeadamente do número de doentes que implicassem realização de procedimentos. Posteriormente foi discutido o caso em reunião multidisciplinar de Saúde Ocupacional, procedendo-se a um plano, se necessário, de contato direto com a chefia da trabalhadora e em última instância com o Conselho de Administração do Centro Hospitalar. Foi também recomendado que guardasse todos os tipos de prova (físicas ou testemunhas) da existência de Mobbing pela sua chefia, para se eventualmente pretendesse avançar para uma queixa formal contra o mesmo, uma vez que, é um processo demorado e de difícil comprovação.

DISCUSSÃO/CONCLUSÃO

Na última década, o Mobbing tornou-se uma forma frequente de problema relatado nas sociedades modernas, mostrando efeitos graves tanto na saúde dos trabalhadores como na taxa de absentismo e rotatividade de pessoal das empresas (7).

Se a violência psicológica e a sua duração aumentam, os seus efeitos também aumentam: no início, as vítimas experienciam o choro, tristeza, distúrbios do sono e dificuldade de concentração. Após um período mais longo, apresentam progressivamente hipertensão, dor no peito e palpitações cardíacas, problemas gastrointestinais, ganho ou perda excessiva de peso e, por vezes, dependência de substâncias. Para além disso acresce o medo e absentismo ao trabalho, depressão, ansiedade, baixa autoestima, ideação suicida e pode até culminar em reações violentas contra terceiros ou até mesmo contra si próprio (3) (7).

Muitos estudos encontraram uma correlação entre perfis de personalidade, capacidades de confrontação e gravidade dos sintomas, que pioram em pacientes com um componente paranoide e pouca adaptabilidade a situações stressantes (8,10).

O relato deste caso serve de alerta para a existência de casos de Mobbing numa atividade profissional na qual, pela elevada literacia em saúde, tal poderia não ser expectável, podendo qualquer profissional estar sujeito a este tipo de assédio. Para além disso, reforça a importância, que por vezes é mandatório à Saúde Ocupacional, do contato com as chefias dos trabalhadores, não só pela tentativa de resolução de eventuais conflitos, como também, para a perceção de qual o papel de cada um no conflito. Não é raro, neste tipo de ocorrências, a manipulação de um dos intervenientes com o objetivo de inverter totalmente a situação. No entanto, é importante ter a noção que o trabalhador que acusa alguém de assédio moral pode ficar sujeito a condenação por difamação- que é crime, sendo por isso necessário apurar de que lado está a razão e não assumindo desde logo que a pessoa que se queixa será a vítima.

Acima de tudo torna-se crucial o encaminhamento e resposta imediata ao episódio agudo, de forma a ser possível minimizar o impacto na saúde física e mental deste tipo de acontecimentos, assim como também, impedir que haja a progressão para patologia psiquiátrica mais grave e de difícil controlo.

O stresse pode causar um desequilíbrio nos circuitos neurais que mantêm a cognição, a tomada de decisões, a ansiedade e o humor. Esse desequilíbrio, por sua vez, afeta a fisiologia sistémica por meio de mediadores neuroendócrinos, autonómicos, autoimunes e metabólicos. A curto prazo, essas mudanças podem ser adaptativas; no entanto, se a ameaça terminar e o estado comportamental persistir junto com as mudanças nos circuitos neurais, essa adaptação disfuncional requer a combinação de intervenções comportamentais e farmacológicas (9,10). A utilização de diversos recursos no âmbito da Saúde Mental, da abordagem psicoterapêutica e dos psicofármacos testados, embora tenha sido alcançada uma atenuação parcial da intensidade e frequência dos sintomas, não foi alcançada até o momento uma suficiente resolução dos mesmos, os quais associamos principalmente à permanência do fator de stresse. Assim sendo, a curto prazo será necessário estabelecer o contato com a chefia numa tentativa de minimização dos fatores stressantes.

Encontramo-nos perante um cenário que se caracteriza por elevados custos humanos, económicos e sociais, onde o médico pode e deve desempenhar uma função protetora, aconselhando no sentido da evicção da perpetuação dos danos, do fortalecimento da autoestima e da identidade da pessoa. Enquanto profissional de saúde que faz um acompanhamento mais próximo do trabalhador, compete ao Médico do Trabalho investigar se os problemas relacionados com o local de trabalho poderão estar na origem das queixas do profissional que se apresenta com sintomatologia depressiva ou ansiosa. Por outro lado, deverá avaliar o estado de saúde mental daqueles que são efetivamente identificados como vítimas de Mobbing e tomar as atitudes adequadas no sentido de aconselhar e alertar para este fenómeno e para os direitos que lhes assistem enquanto trabalhadores, nomeadamente a apresentação de queixa-crime que penalize de forma efetiva os perpetradores (1,7,8).

Quer seja para efeitos de prevenção ou de intervenção, é importante que haja um momento de diagnóstico onde sejam aplicadas algumas das seguintes ações: avaliação dos fatores de risco psicossociais, avaliação das condições de trabalho, reconhecimento da possibilidade de ocorrência do Mobbing, reflexão sobre as práticas organizacionais e cultura organizacional avaliando possibilidades de mudança, análise das causas de absentismo, reclamações e faltas por doença e por último investigação da dimensão e natureza do problema. À prevenção do assédio moral deve ser dada particular atenção, constituindo um ponto essencial a criação de grupos de trabalho em contexto ocupacional contra o Mobbing. Outras medidas de prevenção incluem: alterações na organização do trabalho; sensibilização e consciencialização dos trabalhadores; promoção de melhorias nas relações interpessoais; promoção de estratégias que estimulem o respeito, a colaboração e a integração entre eles; apresentação de exemplos de comportamentos adequados e promoção de mudanças na organização que combatam o assédio. No que diz respeito à intervenção deve-se: identificar e avaliar a situação de assédio moral para intervir de modo contextualizado, de acordo com a fase na qual a situação se encontra; aplicar de medidas disciplinares e/ou sanções aos agressores e/ou empregadores; proteção judicial da vítima; minimização das consequências para a vítima (fornecer apoio psicológico, definir estratégias terapêutica, práticas alternativas, consciencialização de grupo); inserção do Mobbing no regulamento interno da instituição (11). Sempre que necessário, poderão também ser aplicados instrumentos de avaliação específicos para proceder à avaliação de sinais e sintomas ou para aferir a perceção do trabalhador quanto a determinados efeitos na saúde. Salienta-se que estes instrumentos deverão ser definidos caso a caso, com o objetivo de contribuir e reforçar o diagnóstico clínico. Indicam-se seguidamente alguns exemplos de instrumentos validados para a população portuguesa e disponíveis de forma gratuita: a) Depressão, ansiedade e stress: Hospital Anxiety and Depression Scale de Zigmund & Snaith (HADS), versão portuguesa de Silva et al; Inventário da Depressão de Beck, com versão portuguesa de Gomes-Oliveira et al; Escalas de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS) de 21 itens de Lovibond & Lovibond, com versão portuguesa de Pais Ribeiro; b) Burnout: Oldenburg Burnout Inventory (OLBI) - Escala de Demerouti e Nachreiner, validada para a população portuguesa por Sinval et al. c) Situações traumáticas: Posttraumatic Stress Disorder (PTSD) Checklist (PCL-5) (12).

A comunidade internacional deve estar alerta para esta questão que necessita de ser melhor estudada e tratada. Na ausência de critérios diagnósticos específicos, um diagnóstico diferencial correto deve ser feito de forma a ser possível uma visão clara do prognóstico, terapia e resultados possíveis (7) (8).

As vítimas de Mobbing não podem sofrer sozinhas. Devemo-nos suportar na ligação mais poderosa que possuímos- a relação médico-doente- como forma de quebrar o “silêncio ensurdecedor” que as atormenta (1).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Zlamalik P. Mobbing (ou assédio moral no trabalho): moda ou realidade? Ordem dos Médicos - Tribuna. 2018. Disponível em: https://ordemdosmedicos.pt/mobbing-ou-assedio-moral-no-trabalho-moda-ou-realidade/Links ]

2 Piñuel I, Cantero A. La incidencia del mobbing o acoso psicológico en el trabajo en España. Lan Harremanak: Revista de Relaciones Laborales. 2003. 35-62. [ Links ]

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8 Aristidou L, Mpouzika M, Papathanassoglou E, Middleton N, Karanikola M. Association Between Workplace Bullying Occurrence and Trauma Symptoms Among Healthcare Professionals in Cyprus. Frontiers in Psychology. 2020. 11: 1664-1078. DOI: 10.3389/fpsyg.2020.575623 [ Links ]

9 Tatar Z, Yuksel S. Mobbing at Workplace - Psychological Trauma and Documentation of Psychiatric Symptoms. Arquivo de Neuropsiquiatria Turco. 2018. 56(1): 57-62. DOI: 10.29399/npa.22924 [ Links ]

10 Franco S, Ara M, Tirado P, Calvo A, Franco C, Vidal M. El acoso laboral como origen de trastorno mental grave- estudio de un caso clínico. Revista Electrónica de PortalesMedicos.com - España. 2020. 989p. Disponível em: https://www.revista-portalesmedicos.com/revista-medica/el-acoso-laboral-como-origen-de-trastorno-mental-grave-estudio-de-un-caso-clinico/Links ]

11 Pereira R, Ramos P, Morão H. Newsletter nº6 - Assédio Moral - Mobbing - Serviço de Saúde Ocupacional, Instituto Politécnico de Lisboa. 2017. 1-7. Disponível em: https://www.estesl.ipl.pt/sites/default/files/ficheiros/newsletter_no_6_-_sso-ipl_-_assedio_moral_mobbing.pdfLinks ]

12 Direção Geral da Saúde. Guia Técnico nº3 - Vigilância da Saúde dos Trabalhadores Expostos a Fatores de Risco Psicossocial no Local de Trabalho. 2021. 1-135 [ Links ]

Recebido: 06 de Novembro de 2021; Aceito: 18 de Novembro de 2021; Publicado: 20 de Novembro de 2021

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