INTRODUÇÃO
O conceito de Burnout, recentemente reconhecido e conceptualizado pela Organização Mundial de Saúde, foi mencionado pela primeira vez em 1974 por Freudenberger (1) (2). Embora alvo de várias definições, a mais conhecida é a de Maslach e Jackson que, em 1981, o definiram como uma síndrome psicológica, secundária a uma resposta crónica ao stress profissional excessivo, que se caracteriza por três dimensões: exaustão emocional, cinismo ou despersonalização e diminuição da realização profissional (3) (4). A exaustão emocional caracteriza-se por sentimentos de cansaço e desgaste emocional; a despersonalização consiste em atitudes e sentimentos de frieza e distância face aos doentes; a diminuição da realização profissional refere-se à redução dos sentimentos de competência e satisfação no trabalho (3). Assim, o Burnout repercute-se no nível individual, contribuindo para manifestações psicossomáticas, distúrbios psicológicos, dificuldades relacionais, abuso de substâncias psicotrópicas e, em casos extremos, suicídio e, aos níveis profissional e organizacional, resultando num aumento de erros, diminuição da produtividade, eficácia e qualidade do serviço prestado, bem como aumento de conflitos interpessoais de natureza laboral (2) (5-8).
Ao invés, na área da prevenção, encontramos o conceito de resiliência, que se define como um conjunto de habilidades psicossociais e estratégias de coping que ajudam a resistir e a superar a exposição a situações de stress e que são passíveis de serem desenvolvidas ao enfrentar experiências e desafios (1) (9) (10). O coping é um processo cognitivo e comportamental, em que o indivíduo tenta lidar com uma ameaça, através da avaliação dos recursos disponíveis, independentemente da sua eficácia (11). Um coping adequado a dada situação conduz a um ajustamento adequado.
Por outro lado, a realização de exercício físico é uma das medidas com maior impacto positivo na saúde e sobrevida do indivíduo. A sua prática regular apresenta efeitos preventivos e/ou curativos em doenças com uma elevada prevalência, encontrando-se bem documentado o seu contributo na melhoria da saúde mental, qualidade de vida e bem-estar (12). Mais especificamente, evidência recente tem demonstrado a eficácia da prática de ioga na redução dos níveis de Burnout, tanto na classe médica como na classe de enfermeiros, através da redução dos sintomas de despersonalização e da exaustão emocional (13) (14).
O impacto deste fenómeno na classe dos Profissionais de Saúde (PS) reveste-se de particular preocupação, tendo em consideração todos os efeitos supracitados, subjacentes ao insucesso da promoção e proteção do bem-estar dos mesmos (6). Considerando a sua prevalência- que provavelmente aumentou devido às exigências impostas pela pandemia COVID-19, torna-se essencial promover a sua prevenção e combate, de forma a obter uma melhoria na saúde dos trabalhadores. O rastreio e intervenção no Burnout deve ser uma prioridade dos serviços de saúde ocupacional e deve envolver os próprios PS no seu desenho, promovendo a sua participação e perceção de controlo, fundamentais no sucesso de qualquer mudança organizacional.
Com esta intervenção, pretendeu-se reduzir o Burnout, potenciar a saúde dos PS e capacitar as equipas de saúde ocupacional para a prestação de melhores cuidados, através da implementação de programas, atividades teórico-práticas dirigidas à aquisição dos mecanismos de coping e adoção de estilos de vida saudáveis.
MÉTODOS
Seleção de Participantes
Trata-se de um estudo de intervenção, conduzido entre fevereiro e agosto de 2021, numa Unidade de Saúde Familiar (USF) do Grande Porto, incluindo Médicos, Enfermeiros e Assistentes Técnicos. Foi utilizada uma amostragem de conveniência, onde a participação foi voluntária. Foi contactada a totalidade dos 26 PS da USF, dos quais 22 aceitaram participar no estudo, o que corresponde a uma taxa de resposta de 84,6%.
Recolha de dados
As informações pretendidas foram colhidas através da aplicação de questionários, previamente e após a intervenção, de forma online e garantindo a confidencialidade aos participantes. Na primeira parte, foram colhidos dados sociodemográficos (tabela 1).
N | % | M | DP | ||
---|---|---|---|---|---|
Sexo | Masculino | 5 | 22,7 | - | - |
Feminino | 17 | 77,3 | - | - | |
Idade | - | - | 43,7 | 7,9 | |
Estado civil | Casado(a)/União de facto | 13 | 59,1 | - | - |
Divorciado(a)/Separado(a) | 3 | 13,6 | - | - | |
Solteiro/a | 5 | 22,7 | - | - | |
Viúvo(a) | 1 | 4,6 | - | - | |
Nº Agregado familiar | 1 | 1 | 4,5 | - | - |
2 | 5 | 22,7 | - | - | |
3 | 11 | 50,0 | - | - | |
4 | 5 | 22,7 | - | - | |
- | - | - | 2,9 | 0,8 | |
Filhos | Sim | 19 | 86,4 | - | - |
Não | 3 | 13,6 | - | - | |
Nº Filhos | 1 | 11 | 57,9 | - | - |
2 | 8 | 42,1 | - | - | |
Setor Profissional | Médico | 9 | 40,9 | - | - |
Enfermeiro | 7 | 31,8 | - | - | |
Assistente Técnico | 6 | 27,3 | - | - | |
Dedicação exclusiva | Sim | 19 | 86,4 | - | - |
Não | 3 | 13,6 | - | - | |
Tempo de exerção da função | - | - | 19,5 | 8,1 |
Legenda: N - total; % - percentagem; M - Média; DP - Desvio Padrão
Na segunda foi aplicado o questionário Copenhagen Psychosocial Questionnaire II - versão curta (COPSOQ II) para avaliar os níveis de Burnout (figura 1) e, na terceira, avaliaram-se os mecanismos de coping através do Questionário de Modos de Lidar com os Acontecimentos (QMLA) (figura 2). Os COPSOQ II e QMLA foram aplicados após autorização pelos respetivos autores.
O COPSOQ II abrange uma ampla variedade de dimensões, descrevendo as condições psicossociais de trabalho e a sua dimensão empírica. É uma ferramenta popular e útil para a pesquisa e prática preventiva de riscos psicossociais no local de trabalho. O COPSOQ II português compreende três versões distintas: uma curta (26 dimensões e 41 questões), aplicável na autoavaliação dos trabalhadores ou em locais de trabalho com menos de 30 trabalhadores, correspondendo à versão adotada pelos autores; uma média (28 dimensões e 76 perguntas), destinada ao uso por profissionais de saúde ocupacional, nomeadamente 12 na avaliação de riscos, planificação e inspeção e uma longa (35 dimensões e 119 perguntas) para fins de investigação (15). O COPSOQ II foi aplicado antes e após a intervenção para averiguar o impacto da mesma nas várias dimensões do Burnout.
O QMLA corresponde a uma checklist que aborda as estratégias de coping. Apresenta 48 perguntas que abordam oito subescalas, entre as quais “distanciamento”, “fuga-evitamento”, “reavaliação positiva” e “autocontrolo” (focadas na emoção); “coping confrontativo”, “aceitação da responsabilidade” e “resolução planeada do problema” (focadas no problema) e a subescala “procura de suporte social”. As estratégias focadas na emoção descrevem esforços cognitivos e comportamentais direcionados para a redução ou gestão da angústia/aflição emocional, de forma a regular essas emoções (16). Por sua vez, as focadas no problema descrevem esforços cognitivos e comportamentais que visam alterar ou gerir a fonte do problema e gerir a relação da pessoa com o ambiente (17). Este questionário foi aplicado previamente à intervenção de forma a obter informação sobre os mecanismos de coping utilizados e, deste modo, adequar as sessões teórico-práticas.
Intervenção
Foram realizadas três sessões educativas teórico-práticas principais em grupo, em formato online e em direto que abordaram os seguintes temas: “Burnout, o seu impacto e mecanismos de coping”; “Trabalho e convívio em equipa na prevenção do Burnout”; e “Mindfullness como mecanismo preventivo". Adicionalmente, foram realizadas seis sessões teórico-práticas presenciais, de periodicidade semanal, que abordaram o tema “Exercício físico na prevenção do Burnout” e que consistiram na prática de ioga e outros exercícios de flexibilidade.
Análise estatística
Os dados foram registados e analisados com recurso ao Microsoft Excel 2010®. Na análise dos dados sociodemográficos, calculou-se a média e respetivo desvio padrão relativamente às variáveis “idade” e “tempo de exerção da função”. Em relação aos restantes parâmetros, calculou-se a proporção de indivíduos que respeitavam os mesmos- tabela 1.
Na análise da consistência interna dos questionários COPSOQ II e QMLA, considerou-se o coeficiente Alfa (α) de Cronbach de 0,60, como o valor mínimo para considerar a consistência interna das escalas aceitável.
Na análise do COPSOQ II, os resultados foram analisados fator a fator. Para cada dimensão/subdimensão calculou-se as médias e respetivos desvios-padrão das escalas correspondentes, assumindo a interpretação desse valor sentidos distintos de acordo com o fator em causa. Para um fator, o valor 4 (Frequente ou Muito Frequente), pode corresponder a uma exposição favorável ou representar uma situação de risco para a saúde, pelo que a análise foi feita individualmente para cada fator. Avaliou-se também a média dos itens em tercis, dividindo a amplitude de cotação dos itens de cada subescala em três partes iguais e usando os pontos de corte 2,33 e 3,66. Este tipo de divisão assume uma simbologia de semáforo, relativamente ao impacto para a saúde que a exposição a determinada dimensão representa: “verde” representa uma situação favorável; “amarelo” uma situação intermédia e o “vermelho” uma situação de risco para a saúde. Na análise dos dados recolhidos, utilizou-se o teste t-Student para amostras emparelhadas, de forma a comparar as médias das diferentes dimensões do Burnout antes e após a intervenção. Foram considerados resultados estatisticamente significativos para valores de p ≤ 0,050.
Na análise do QMLA, os resultados obtidos foram analisados tendo em consideração as pontuações absolutas e as pontuações relativas. As pontuações absolutas são o somatório das respostas dos sujeitos dos itens que compõem uma escala. Por sua vez, o método de pontuações relativas por escala consiste em calcular a pontuação média por item de uma dada escala, dividindo o somatório das pontuações dessa escala pelo número de itens que a compõem. Assim, enquanto as pontuações absolutas fornecem informação acerca do uso de cada subescala de coping, as pontuações relativas fornecem informação relativamente ao esforço representado por cada tipo de coping.
RESULTADOS
Foram incluídos 22 PS na amostra final para intervenção (tabela 1). O grupo foi constituído maioritariamente por elementos do sexo feminino (77,3%). A média de idades obtida foi de 43,7 ±7,9 anos, com uma amplitude entre os 33 e os 65 anos. Relativamente à categoria profissional, 40,9% eram médicos, 31,8% eram enfermeiros e 27,3% eram assistentes técnicos. Dos PS avaliados, a grande maioria encontrava-se em dedicação exclusiva (86,4%) com um tempo médio de serviço de 19,5 ±8,1 anos.
Dimensões/Subdimensões | Questões | α | Início | Fim | p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M | DP | M | DP | |||||
Exigências Laborais | ||||||||
Exigências quantitativas | 1, 2 | 0,41 | 3,04 | 0,93 | 3,03 | 1,01 | 0,473 | |
Acumulação trabalho | 1 | * | 2,65 | 0,78 | 2,74 | 0,99 | 0,379 | |
Falta de tempo | 2 | * | 3,43 | 0,99 | 3,32 | 1,06 | 0,355 | |
Ritmo de trabalho | 3 | * | 4,17 | 0,72 | 4,11 | 0,81 | 0,313 | |
Exigências cognitivas | 4, 5 | 0,27 | 4,48 | 0,72 | 4,39 | 0,75 | 0,287 | |
Atenção | 4 | * | 4,96 | 0,21 | 4,79 | 0,42 | 0,050 | |
Decisões difíceis | 5 | * | 4,00 | 0,74 | 4,00 | 0,82 | 0,500 | |
Exigências emocionais | 6 | * | 4,00 | 0,90 | 4,32 | 0,67 | 0,101 | |
Organização do Trabalho e Conteúdos | ||||||||
Influência no trabalho | 7 | * | 3,70 | 0,88 | 3,61 | 0,78 | 0,375 | |
Possibilidades de desenvolvimento | 8, 9 | 0,25 | 3,96 | 0,67 | 3,79 | 0,70 | 0,165 | |
Iniciativa | 8 | * | 4,09 | 0,51 | 3,84 | 0,69 | 0,097 | |
Aprender coisas novas | 9 | * | 3,83 | 0,78 | 3,74 | 0,73 | 0,353 | |
Significado do trabalho | 24, 25 | 0,77 | 4,30 | 0,59 | 4,16 | 0,59 | 0,191 | |
Compromisso face ao local do trabalho | 26 | * | 4,04 | 0,64 | 3,58 | 0,84 | 0,024 | |
Relações Sociais e Liderança | ||||||||
Previsibilidade | 10, 11 | 0,86 | 3,28 | 0,89 | 3,13 | 0,88 | 0,266 | |
Transparência do papel laboral desempenhado | 12 | * | 4,43 | 0,51 | 4,42 | 0,51 | 0,465 | |
Recompensas (Reconhecimento) | 13, 14 | 0,8 | 3,54 | 1,03 | 3,39 | 0,95 | 0,278 | |
Apoio social de superiores | 15 | * | 3,52 | 1,18 | 3,00 | 1,37 | 0,095 | |
Qualidade da liderança | 17, 18 | 0,73 | 3,39 | 1,01 | 2,68 | 0,86 | 0,038 | |
Interface Trabalho-Indivíduo | ||||||||
Satisfação laboral | 27 | * | 3,48 | 1,04 | 3,16 | 1,07 | 0,166 | |
Insegurança laboral | 28 | * | 2,17 | 1,50 | 2,11 | 1,10 | 0,434 | |
Conflito trabalho/família | 30, 31 | 0,84 | 3,46 | 1,09 | 3,34 | 1,24 | 0,373 | |
Valores no Local de Trabalho | ||||||||
Comunidade social no trabalho | 16 | * | 4,35 | 0,71 | 4,05 | 0,91 | 0,123 | |
Confiança Vertical | 19, 20 | 0,89 | 3,85 | 0,87 | 3,66 | 0,94 | 0,237 | |
Justiça e respeito | 21, 22 | 0,84 | 3,41 | 0,93 | 3,21 | 0,81 | 0,211 | |
Personalidade | ||||||||
Autoeficácia | 23 | * | 3,96 | 0,56 | 4,00 | 0,33 | 0,384 | |
Saúde e Bem-Estar | ||||||||
Saúde geral | 29 | * | 3,13 | 0,87 | 2,63 | 0,90 | 0,038 | |
Problemas em dormir | 32 | * | 3,17 | 0,98 | 2,58 | 1,02 | 0,031 | |
Esgotamento | 33, 34 | 0,93 | 3,52 | 1,13 | 3,34 | 1,02 | 0,291 | |
Stress | 35, 36 | 0,94 | 3,43 | 1,13 | 3,08 | 1,02 | 0,142 | |
Sintomas depressivos | 37 | * | 2,96 | 1,07 | 2,89 | 1,10 | 0,427 | |
Comportamentos Ofensivos | 38, 39, 40, 41 | 0,43 | 1,15 | 0,49 | 1,18 | 0,56 | 0,36 | |
Insultos | 38 | * | 1,48 | 0,79 | 1,63 | 0,96 | 0,286 | |
Assédio sexual | 39 | * | 1,00 | 0,00 | 1,00 | 0,00 | NA | |
Ameaças de violência | 40 | * | 1,09 | 0,42 | 1,11 | 0,32 | 0,438 | |
Violência física | 41 | * | 1,04 | 0,21 | 1,00 | 0,00 | 0,185 |
Legenda: α - alfa de Cronbach; M - Média; DP - Desvio Padrão;
* Não é possível calcular o α de Cronbach uma vez que a subescala é constituída por um único item.
A análise dos resultados do COPSOQ II versão curta no início e após a intervenção, encontra-se descrita na tabela 2. Nas subescalas do COPSOQ II o coeficiente de α de Cronbach obtido foi acima de 0,6 com exceção das dimensões “exigências quantitativas”, “exigências cognitivas”, “possibilidades de desenvolvimento” e “comportamentos ofensivos”. Por este motivo, os itens foram analisados individualmente. Após a intervenção, obteve-se uma melhoria estatisticamente significativa na “atenção" que está integrada no item das “exigências cognitivas” (p = 0,050), no “compromisso face ao local do trabalho” (p = 0,024), da “saúde geral” (p = 0,038) e dos “problemas em dormir” (p = 0,031). Ao invés, obteve-se um agravamento estatisticamente significativo da “qualidade da liderança” (p = 0,038). Nos restantes itens não se obtiveram resultados estatisticamente significativos.
A tabela 3 e os gráficos 1 e 2 representam a análise em semáforo dos resultados no início e após a intervenção, respetivamente. Na tabela 3 encontram-se, sob a forma de percentagem, a pontuação obtida no início, a pontuação obtida após a intervenção e a diferença obtida entre as duas medições. Apesar dos restantes elementos avaliados pelo questionário não terem apresentado uma melhoria estatisticamente significativa, cinco dos 26 itens apresentaram uma tendência à melhoria.
Subdimensões | Favorável | Intermédio | Risco | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Inicial | Final | Δ | Inicial | Final | Δ | Inicial | Final | Δ | |
Exigências quantitativas | 13,0% | 15,8% | 2,7% | 69,6% | 73,7% | 4,1% | 17,4% | 10,5% | -6,9% |
Ritmo de trabalho | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 17,4% | 26,3% | 8,9% | 82,6% | 73,7% | -8,9% |
Exigências cognitivas | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 4,3% | 15,8% | 11,4% | 95,7% | 84,2% | -11,4% |
Exigências emocionais | 4,3% | 0,0% | -4,3% | 13,0% | 10,5% | -2,5% | 82,6% | 89,5% | 6,9% |
Influência no trabalho | 4,3% | 5,6% | 1,2% | 43,5% | 38,9% | -4,6% | 52,2% | 55,6% | 3,4% |
Possibilidades de desenvolvimento | 78,3% | 57,9% | -20,4% | 21,7% | 42,1% | 20,4% | 0,0% | 0,0% | 0,0% |
Significado do trabalho | 87,0% | 84,2% | -2,7% | 13,0% | 15,8% | 2,7% | 0,0% | 0,0% | 0,0% |
Compromisso face ao local do trabalho | 0,0% | 15,8% | 15,8% | 17,4% | 15,8% | -1,6% | 82,6% | 68,4% | -14,2% |
Previsibilidade | 34,8% | 31,6% | -3,2% | 52,2% | 57,9% | 5,7% | 13,0% | 10,5% | -2,5% |
Transparência do papel laboral desempenhado | 100,0% | 100,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% |
Recompensas (Reconhecimento) | 39,1% | 31,6% | -7,6% | 52,2% | 63,2% | 11,0% | 8,7% | 5,3% | -3,4% |
Apoio social de superiores | 52,2% | 42,1% | -10,1% | 26,1% | 26,3% | 0,2% | 21,7% | 31,6% | 9,8% |
Qualidade da liderança | 30,4% | 5,3% | -25,2% | 56,5% | 68,4% | 11,9% | 13,0% | 26,3% | 13,3% |
Satisfação laboral | 43,5% | 36,8% | -6,6% | 39,1% | 36,8% | -2,3% | 17,4% | 26,3% | 8,9% |
Insegurança laboral | 65,2% | 63,2% | -2,1% | 13,0% | 31,6% | 18,5% | 21,7% | 5,3% | -16,5% |
Conflito trabalho/família | 4,3% | 26,3% | 22,0% | 52,2% | 36,8% | -15,3% | 43,5% | 36,8% | -6,6% |
Comunidade social no trabalho | 87,0% | 73,7% | -13,3% | 13,0% | 21,1% | 8,0% | 0,0% | 5,3% | 5,3% |
Confiança Vertical | 56,5% | 63,2% | 6,6% | 43,5% | 31,6% | -11,9% | 0,0% | 5,3% | 5,3% |
Justiça e respeito | 34,8% | 21,1% | -13,7% | 56,5% | 63,2% | 6,6% | 8,7% | 15,8% | 7,1% |
Autoeficácia | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 17,4% | 5,3% | -12,1% | 82,6% | 94,7% | 12,1% |
Saúde geral | 26,1% | 52,6% | 26,5% | 39,1% | 26,3% | -12,8% | 34,8% | 21,1% | -13,7% |
Problemas em dormir | 13,0% | 52,6% | 39,6% | 56,5% | 31,6% | -24,9% | 30,4% | 15,8% | -14,6% |
Esgotamento | 13,0% | 5,3% | -7,8% | 39,1% | 63,2% | 24,0% | 47,8% | 31,6% | -16,2% |
Stress | 17,4% | 26,3% | 8,9% | 43,5% | 31,6% | -11,9% | 39,1% | 42,1% | 3,0% |
Sintomas depressivos | 34,8% | 36,8% | 2,1% | 30,4% | 31,6% | 1,1% | 34,8% | 31,6% | -3,2% |
Comportamentos Ofensivos | 100,0% | 100,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% | 0,0% |
Legenda: ∆ - Variação entre o valor final e o inicial.
Na comparação do gráfico 1 com o gráfico 2, observou-se que tanto nos “sintomas depressivos” como nas “exigências quantitativas” a percentagem de PS com pontuações correspondentes ao “risco para a saúde”, representada a vermelho, diminuiu após a intervenção tendo-se obtido uma variação de-3,2% e-6,6%, respetivamente. Já a percentagem de pontuações “favorável para a saúde”, representadas a verde, e as pontuações de “risco intermédio”, representadas a amarelo, aumentaram 2,1% nos “sintomas depressivos” e 22% nas “exigências quantitativas”.
No “esgotamento”, apesar da percentagem "favorável para a saúde” ter diminuído, a percentagem de “risco para a saúde” diminuiu (variação de-16,2%) e a percentagem de "risco intermédio" aumentou (variação de 24%). Por sua vez, no “conflito trabalho/família”, o “risco para a saúde” e o "risco intermédio" diminuíram e o "favorável para a saúde” aumentou em 22%. O “ritmo de trabalho” também teve uma evolução favorável, verificando-se que as pontuações de “risco para a saúde” diminuíram em 8,9% e o “risco intermédio" aumentou, também, 8,9%, apesar da percentagem de pontuações "favorável para a saúde” ter permanecido igual.
A análise do QMLA encontra-se descrita na tabela 4. As escalas deste questionário obtiveram um coeficiente Alpha de Cronbach entre os 0,21 e os 0,86. Mais especificamente, três das oito subescalas analisadas obtiveram um coeficiente aceitável (α>0,60), nomeadamente, o “Autocontrolo” (α=0,65), a “Fuga/Evitamento” (α=0,78) e a “Reavaliação Positiva” (α=0,70). Apesar disso, também obtiveram um coeficiente aceitável o “Coping Focado nas Emoções” (α=0,86) e o “Coping Focado nos Problemas” (α=0,82). De acordo com as pontuações relativas, as estratégias de coping mais utilizadas pelos participantes foram a “Aceitação da Responsabilidade” (1,9±0,49), seguida da “Resolução Planeada de Problemas” (1,77±1,69) e, por último, o “Autocontrolo” (1,70±0,45). O mecanismo menos utilizado foi a “Fuga/Evitamento” (0,85±0,57). Por último, observou-se que perante situações de stress, os participantes utilizam maioritariamente o “Coping Focado nos Problemas” (1,62±0,42), comparativamente ao “Coping Focado nas Emoções” (1,36±0,47).
Estratégias | α | Pontuação | M | DP | Amplitude | |
---|---|---|---|---|---|---|
Min | Máx | |||||
Resolução Planeada de Problemas (6 itens) | 0,51 | Absoluta | 10,62 | 2,32 | 6,00 | 14,00 |
Relativa | 1,77 | 0,39 | 1,00 | 2,33 | ||
Confronto (6) | 0,45 | Absoluta | 7,19 | 2,34 | 2,00 | 12,00 |
Relativa | 1,20 | 0,39 | 0,33 | 2,00 | ||
Procura de Suporte Social (6) | 0,43 | Absoluta | 9,33 | 2,17 | 7,00 | 14,00 |
Relativa | 1,56 | 0,36 | 1,17 | 2,33 | ||
Aceitação da Responsabilidade (4) | 0,31 | Absoluta | 5,71 | 1,48 | 2,00 | 8,00 |
Relativa | 1,90 | 0,49 | 0,67 | 2,67 | ||
Autocontrolo (7) | 0,65 | Absoluta | 11,90 | 3,13 | 4,00 | 18,00 |
Relativa | 1,70 | 0,45 | 0,57 | 2,57 | ||
Fuga/Evitamento (7) | 0,78 | Absoluta | 5,95 | 3,96 | 0,00 | 14,00 |
Relativa | 0,85 | 0,57 | 0,00 | 2,00 | ||
Distanciamento (5) | 0,21 | Absoluta | 6,38 | 1,86 | 3,00 | 11,00 |
Relativa | 1,28 | 0,37 | 0,60 | 2,20 | ||
Reavaliação Positiva (7) | 0,70 | Absoluta | 11,19 | 3,38 | 3,00 | 16,00 |
Relativa | 1,60 | 0,48 | 0,43 | 2,29 | ||
Coping Focado nas Emoções | 0,86 | Absoluta | 8,86 | 3,08 | 0,00 | 18,00 |
Relativa | 1,36 | 0,47 | 0,00 | 2,57 | ||
Coping Focado nos Problemas | 0,82 | Absoluta | 7,84 | 2,05 | 2,00 | 14,00 |
Relativa | 1,62 | 0,42 | 0,33 | 2,67 |
Legenda: α - alfa de Cronbach; M - Média; DP - Desvio Padrão; Min - Mínimo; Máx - Máximo
DISCUSSÃO
A presente intervenção visou reduzir os níveis de Burnout, avaliar os mecanismos de coping e sensibilizar os PS para a adoção de um estilo de vida saudável. A maioria dos participantes encontrava-se em situação de risco para a saúde em várias das subdimensões avaliadas, que englobam a saúde física e mental, assim como a capacidade de resposta em situações de conflito profissional. Verificou-se que a intervenção parece ter tido um efeito positivo na redução dos níveis de Burnout. Adicionalmente, este trabalho vem identificar possíveis áreas de atuação para os serviços de saúde ocupacional, ao nível da prevenção e promoção da saúde física e mental dos PS.
De forma a avaliar o Burnout foi aplicado o COPSOQ II versão curta. Previamente à intervenção, observamos que, entre os participantes do nosso estudo, 82,6%, 95,7% e 82,6% encontravam-se dentro do tercil de situação de “risco para a saúde” nas subdimensões “ritmo de trabalho”, “exigências emocionais” e “exigências cognitivas”, respetivamente. No estudo de Silva et al (16), o mesmo questionário foi aplicado a uma amostra da população portuguesa, constituída por 4162 profissionais de várias áreas, sendo que 41,8% eram PS. Neste, os autores obtiveram valores de situação de “risco para a saúde” nas subdimensões “ritmo de trabalho”, “exigências emocionais” e “exigências cognitivas” de 50%, entre 65 a 70% e 35%, respetivamente, valores consideravelmente inferiores aos valores obtidos para os PS no nosso estudo. É de assinalar, no nosso estudo, o impacto do aumento da carga laboral e horária, onde 82,6% dos PS se encontram numa situação de “risco para a saúde” e 17,4% apresentam “risco intermédio para a saúde”, na subdimensão “compromisso face ao local de trabalho”, não se verificando nenhuma situação “favorável” para a saúde neste aspeto. Do mesmo modo, dentro da dimensão “saúde e bem-estar”, 47,8%, 39,1% e 34,8% encontram-se numa situação de “risco para a saúde” nas subdimensões de “esgotamento/burnout”, “stress” e “sintomas depressivos”, respetivamente. Comparativamente com os resultados do estudo de Silva et al (16), verificamos, novamente, que são consideravelmente superiores aos de outros profissionais, que apresentam valores de “risco para a saúde” de 15 a 20%, 10 a 15% e 10% nas subdimensões assinaladas previamente. Relativamente à subdimensão “conflito trabalho/família”, cerca de 95% dos PS do nosso estudo encontravam-se em “risco intermédio” e “risco para a saúde”, este último com 43,5% dos casos. Nesta subdimensão, entre 20 a 25% dos outros profissionais apresentam níveis de “risco para a saúde”, no estudo de Pais-Ribeiro e Santos (17). Assim, esta discrepância entre os nossos resultados pode dever-se ao envolvimento diferencial dos PS em responder às exigências laborais, e que se repercute, posteriormente, na deterioração da sua saúde física e mental, e a nível familiar.
Por outro lado, comparativamente com outros profissionais (17), na nossa intervenção estão presentes situações favoráveis para a saúde, com pontuação máxima de 100% na subdimensão “transparência do papel laboral desempenhado”, incluída na dimensão “relações sociais e liderança”. Esta subdimensão é avaliada através da resposta à pergunta “Sabe exatamente quais são as suas responsabilidades?”, pelo que podemos inferir que a categorização e divisão de competências e funções entre os médicos, enfermeiros e assistentes técnicos é clara, o que denota a importância e eficácia das reuniões multidisciplinares realizadas periodicamente. De igual modo, na dimensão “comportamentos ofensivos” não se verifica exposição desfavorável, nem valor intermédio de “risco para a saúde”, evidenciando a ausência de ameaças, insultos, violência física ou assédio sexual.
Relativamente aos resultados obtidos após a intervenção, onde se obteve uma melhoria significativa na “saúde em geral”, “problemas em dormir”, “atenção” e “compromisso face ao local de trabalho”, podemos inferir que estão relacionados com as sessões de exercício e ioga semanais, uma vez que estas representaram uma maior proporção na intervenção global, relativamente às outras sessões que foram de periocidade inferior. Este resultado está concordante com a revisão sistemática de Kelley e Kelley (18), onde o exercício físico também apresentou um impacto positivo na qualidade global do sono e no seu tempo de latência, assim como os ensaios clínicos aleatorizados e controlados de Taylor et al (13) e Alexander et al (14), onde se verificou que a prática de ioga personalizado reduziu os níveis de Burnout, nos médicos jovens e nos enfermeiros, respetivamente, através da redução da despersonalização e melhorando também a variável “atenção”.
O presente estudo observou uma tendência à melhoria, não estatisticamente significativa, nas subdimensões “sintomas depressivos”, “esgotamento” “conflito trabalho/família”, “exigências quantitativas” e “ritmo de trabalho”, uma vez que as sessões sobre a gestão de tempo, trabalho em equipa e Mindfullness envolvem mudanças de atitude e de comportamentos que necessitam continuidade no tempo. Sendo assim, parece aceitável que esta intervenção per se não tenha tido um impacto estatisticamente significativo nos resultados, ressalvando-se o benefício futuro que os PS poderão obter dos conhecimentos adquiridos a médio-longo prazo, se praticados de forma consistente.
Apesar do impacto globalmente positivo da intervenção, observamos que a subdimensão “qualidade da liderança” sofreu um agravamento após a mesma. Esta alteração poderá estar relacionada com a tomada de consciência dos participantes acerca do seu estado de saúde e resultante das exigências impostas por parte dos superiores hierárquicos.
Na avaliação do coping, aplicou-se o QMLA, tendo observado que as estratégias mais utilizadas são a “resolução planeada de problemas”, a “aceitação da responsabilidade” e o “autocontrolo”. Assim, os PS do nosso estudo parecem optar mais pela análise do problema, concentrando os esforços na sua resolução. Adicionalmente, reconhecem o seu próprio papel na persistência do problema, procurando alterar o seu comportamento face ao mesmo. Por último, utilizam também a estratégia do “autocontrolo” que pressupõe o esforço para regulação das próprias ações e sentimentos. Ao invés, a estratégia de “procura de suporte social” apresentou uma pontuação inferior, o que pode indicar a necessidade de melhorar a autoconsciência e reflexão sobre esta estratégia.
No estudo de Pais-Ribeiro e Santos (17), o QMLA foi aplicado a uma amostra de 98 profissionais de várias áreas, divididos por três grupos etários: 49% tinham menos de 30 anos, 14,3% entre 30 e 45 anos e 36,7% mais de 45 anos. As estratégias de coping mais utilizadas nesta amostra foram a “reavaliação positiva”, “procura de suporte social”, “resolução planeada do problema” e “distanciamento”. Quando comparados com esta amostra, os PS do nosso estudo possuem valores α de Cronbach superiores no coping sob a forma de “fuga/evitamento”, que traduz os esforços cognitivos e comportamentais que permitam evitar ou escapar ao problema. No entanto, esta estratégia não avalia a competência de desprendimento, sendo esta medida pela variável “distanciamento” que, no caso dos PS, não atinge valores de α de Cronbach aceitáveis. Desta forma, nos PS parece existir um esforço no sentido de compartimentalizar a sua vida profissional, separando-a da sua vida pessoal, mantendo, não obstante, o compromisso em relação ao trabalho. Contrariamente ao valor obtido na amostra usada por Pais-Ribeiro and Santos (17), o α de cronbach obtido nos PS relativamente à estratégia "procura de suporte social” é de 0,43, pelo que podemos inferir que esta classe profissional não procura o suporte emocional, preferindo a estratégia “fuga/evitamento”.
Este estudo foi conduzido numa USF com o objetivo de sensibilizar para o Burnout, reduzindo-o, na sua força motriz. Trata-se de um ambiente de elevada proximidade laboral, onde qualquer conflito ou mudança positiva pode ter um impacto facilmente percebido. Assim, parece ser o local ideal para uma intervenção por parte das equipas de saúde ocupacional, através da identificação dos potenciais riscos para a saúde, introdução de programas dirigidos à atenuação deste fenómeno e aferição dos resultados obtidos. Futuramente, serão necessários programas de monitorização por parte destas equipas para assegurar a melhoria contínua das intervenções que venham a ser instituídas. Com pouco tempo de intervenção, foi possível obter melhorias estatisticamente significativas em diversas dimensões. Espera-se que os resultados obtidos promovam a implementação de estratégias de prevenção quinquenária, atribuindo assim um importante papel ao médico e enfermeiro de trabalho como percursores destes objetivos.
Como eventuais limitações poderão ser citadas as dificuldades percecionadas nas respostas aos questionários, por se tratarem de perguntas utilizando escalas Likert. Apesar de aumentarmos, desta forma, a objetividade na recolha dos dados, e assim possibilitarmos comparações entre resultados, a ausência de perguntas de resposta aberta poderá ter dificultado e/ou ocultado a transmissão de certas emoções ou experiências vivenciadas pelos PS, que não são facilmente transmissíveis pelo uso de escalas. Assim, a facilitação de partilha de experiências através de reuniões multidisciplinares assume particular relevância na melhoria desta limitação. Finalmente, considerando a dimensão e a constituição particular da nossa amostra, a validade externa poderá estar condicionada, se comparada com estudos que abranjam a população geral ou dimensões de amostras significativamente superiores.
CONCLUSÃO
Este estudo permitiu observar que a implementação de intervenções de prevenção quinquenária nos PS e a identificação de áreas onde atuar, pode melhorar a saúde dos trabalhadores e as suas estratégias de coping. A intervenção realizada apresentou um impacto positivo no Burnout, particularmente nas subdimensões da saúde geral, problemas em dormir, compromisso com o local de trabalho e nas exigências cognitivas, diminuindo assim os riscos psicossociais, presentes em níveis de risco para a saúde. Os resultados obtidos confirmam a importância da sensibilização para este fenómeno e as suas consequências, cuja prevalência é cada vez mais comum nos atuais sistemas de saúde. Importa também realçar a importância do papel dos serviços de saúde ocupacional, onde se incluem o médico e o enfermeiro do trabalho, no rastreio regular dos riscos para a saúde que podem conduzir ao Burnout, na implementação de estratégias de intervenção precoce e na aplicação de ferramentas de avaliação das mesmas.
O incentivo à implementação de boas práticas de proteção e promoção da saúde em contexto socioprofissional é essencial para catalisar esta mudança.