INTRODUÇÃO
Existem patologias oncológicas em que se acredita que é possível que algumas exposições laborais possam modular o seu surgimento. Pretendeu-se com esta revisão resumir, de forma sucinta e prática, o que mais relevante e recente se publicou sobre o tema na literatura internacional, relativamente ao Cancro do Esófago (CE).
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores com postos de trabalho com exposições a fatores que possam influenciar o aparecimento do CE
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre o risco laboral de CE
-C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho com caraterísticas que possam aumentar o risco de surgir CE
Assim, a pergunta protocolar será: Quais os postos de trabalho/tarefas/agentes que poderão potenciar o risco de CE?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Cancro esofágico | -título e/ ou assunto |
2 | 1 | sim | - | - | - | |
Cancro do esófago | 7 | 2 | sim | - | - | - | |||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Esophageal cancer | -2011 a 2021 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
7735 | 3 | não | - | - | - | |
Occupational | 32 | 4 | sim | 1 3 4 9 10 14 29 |
CE1 CE2 CE3 CE4 CE5 CE6 CE7 |
1 2 4 5 3 - - |
Artigo | Caraterização metodológica | País | Resumo |
---|---|---|---|
1 | Artigo original | Taiwan | Esta investigação pretendeu avaliar a relação entre os asbestos e o CE através de uma meta-análise. Concluiu-se que eles se associavam, sobretudo com o subtipo crisólito. Os autores sugeriram que os trabalhadores continuassem a ser avaliados pelo menos até dez anos depois do térmico da exposição. |
2 | Artigo de revisão | EUA | Os autores realizaram uma revisão da evidência dos riscos de CE em relação aos asbestos, usando dados da toxicologia animal e estudos epidemiológicos em humanos, ainda que tenham salientado que a maioria destes não controlou aspetos eventualmente enviesadores (como o tabaco e álcool). Concluíram que os estudos animais não provam esta associação, logo, a evidência é insuficiente para humanos. |
3 | Estudo original | O projeto pretendeu analisar o CE na China, com destaque para a eventual interação com os HAPs (como o benzopireno), através da amostras de ar a circular numa cozinha e dos alimentos produzidos. Ambas as vias parecem influenciar os níveis de HAPs nos trabalhadores. | |
4 | China | Trata-se de outra meta-análise que objetivou estudar a eventual relação entre os asbestos e o CE. Concluiu-se que tal poderá ocorrer, sobretudo para o sexo masculino. | |
5 | Suécia | Este projeto almejou analisar a incidência de doenças oncológicas em profissionais de limpeza de chaminés, de 1918 a 2006, com uma amostra superior a 6300 funcionários. Percebeu-se que os asbestos podem potenciar o risco oncológico global e o do esófago, em específico. |
CONTEÚDO
Classificação histológica
A nível histológico, o CE divide-se basicamente em carcinoma de células escamosas e adenocarcinoma (1); sendo mais frequente o último (por exemplo, nos EUA, constitui cerca de 67% dos casos). A maioria ocorre na região inferior do esófago (2).
Incidência/Prevalência e outras caraterísticas epidemiológicas
O CE é o sexto mais mortal mundialmente (1) (3) (estimam-se 500.000 mortes anuais, ou seja, cerca de 5,3% de toda a mortalidade por cancros) (1). Outro artigo publicou de forma mais específica que a incidência mundial é de cerca de 482.300 novos casos e 406.800 mortes, em 2008 (4). Ele corresponde a cerca de 1% da patologia oncológica diagnosticada nos EUA; ainda que seja mais prevalente noutras zonas do planeta, como a China, Irão (2) (3) (4), Índia e algumas áreas de África (2) (4).
É três a quatro vezes mais frequente no sexo masculino (1) (2) (4) (em relação ao de células escamosas) e sete a dez vezes mais (para o adenocarcinoma) (1).
Fatores de risco
Os fatores de risco ocupacionais associados ao CE são os asbestos (1) (2) (4), hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), acetaldeído (3), nitrosaminas (1) (3) e alguns solventes da limpeza a seco (2). Contudo, estudos ocupacionais são razoavelmente escassos (1).
Outras condições a outros níveis que podem modular/potenciar este risco serão algumas alterações em polimorfismos genéticos, sexo (1), etnia (1) (4), existência de refluxo gastroesofágico (1) (2)- esófago de Barrett/obesidade (pela maior incidência e gravidade do refluxo), acalásia (disfunção dos esfíncter esofágico inferior, com acumulação de comida), outros cancros, infeção pelo papiloma vírus humano (2), tabaco (1) (2) (3) (4), álcool (1) (2) (4) e/ou outras substâncias psicoativas (1), menor nível socioeconómico (1) (4) e algumas alterações nutricionais (1) (2) (nomeadamente dieta com excesso de carne vermelha e poucos vegetais, especificamente fruta) (4).
Asbestos
O termo é usado para descrever um grupo de fibras minerais naturais, com propriedades interessantes a nível de tensão e resistência térmica/biológica/química, com aplicação a nível da construção, indústria têxtil, produção de objetos com capacidade de insonorização, componentes elétricos, cimento e produtos diversos resistentes ao calor (2).
O risco oncológico depende da concentração, duração da exposição, frequência da exposição e tamanho/forma/subtipo, bem como de outras co-exposições (por exemplo, o tabagismo). Alguns investigadores consideram que não há evidência suficiente para considerar que a ingestão poderá ser cancerígena (2).
Várias entidades classificaram os asbestos como agentes cancerígenos em relação ao pulmão e pleura; contudo, em relação ao esófago, a evidência é menos intensa (2). No entanto, alguns estimam que os asbestos aumentem o risco de CE em 2,38 vezes (1), ainda que a relação entre a exposição ocupacional a asbestos e o CE não é compreendida na totalidade (4).
Os asbestos associam-se de forma significativa ao CE, sobretudo o subtipo crisólito, ainda que costume existir um período de latência grande, sugerindo-se por isso um seguimento de pelo menos dez anos após o término da exposição (1). As versões mais tóxicas a nível médico, segundo outros autores, são a amosite e a crocidolite (sendo a última cancerígena para animais e humanos) (4).
Eles estão classificados como pertencentes ao grupo 1 (carcinogénios para humanos) desde 1970. Após inalação, as fibras não são todas eliminadas pelos macrófagos; a acumulação destas potencia a produção de radicais livres e aumenta a absorção com outros tóxicos, como por exemplo os HAPs, causando eventuais alterações no DNA (1). Se as fibras de asbesto forem removidas rapidamente, não há toxicidade; logo, a deposição e o clearence destas irá influenciar o potencial oncológico. A resposta inicial é proporcionada pelos macrógafos que, por sua vez, causam inflamação e dano tecidual (2).
HAPs (Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos)
Em algumas zonas do planeta, o tabaco é a principal fonte de HAPs (regiões de baixo risco). 99% dos HAPs que os tabagistas contatam são provenientes deste hábito. Algumas formas de consumir ópio (hábito razoavelmente frequente em algumas regiões da Ásia), também podem potenciar a prevalência (3).
Na China, por exemplo, os contatos mais relevantes com HAPs são na cozinha e/ou aquecimento com carvão/gás/madeira, bem como veículos motorizados (que funcionem com combustíveis fósseis). No Irão, por sua vez, será a alimentação. No Brasil acredita-se que, além do tabagismo, serão algumas formas de cozinhar (como o churrasco) e beber mate, por exemplo (este é uma infusão de ervas, bebida em alguns países da América do Sul que aumenta o risco de CE pelos seus constituintes e pela temperatura que por vezes é consumido) (3).
Os HAPS, como por exemplo o benzopireno, surgem a partir da combustão de matéria orgânica; são provavelmente carcinogénios e mutagénicos em humanos (3).
A nível Ocupacional existem HAPs nas fundições/forneiros, limpeza de chaminés, restauração e incineradoras; neste contexto, as principais vias de entrada são a inalatória e a cutânea (3).
Alguns polimorfismos genéticos influenciam o dano dos HAPs (3).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Existem alguns setores/tarefas/agentes associados ao CE com maior ou menor consenso na literatura internacional. Todos os profissionais da Saúde e Segurança Ocupacionais a atuar nessas áreas e todos os trabalhadores envolvidos deverão estar a par (pelo menos de forma sucinta) das condições associadas, de forma a atenuar o risco. Seria interessante avaliar os conhecimentos destes em relação a este tema e perceber, entre os setores mais relevantes a nível nacional, que medidas de proteção concretas (coletivas e individuais) são tomadas e qual aparenta ser a respetiva eficácia das mesmas.