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Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online

versão impressa ISSN 2183-8453

RPSO vol.16  Gondomar dez. 2023

https://doi.org/10.31252/rpso.09.12.2023 

Caso Clínico

SÍNDROME DOLOROSO DO GRANDE TROCÂNTER EM TRABALHADORA DA INDÚSTRIA TÊXTIL - CASO CLÍNICO

GREATER TROCHANTERIC PAIN SYNDROME IN A TEXTIL INDUSTRY WORKER - CASE REPORT

A Pereira1  , Autor principal do artigo, realização da pesquisa bibliográfica, redação do artigo

A Ribeiro2  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

G Miranda3  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

P Silva4  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

A Silva5  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

J Soares6  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

L Cruz7  , Co-autoria, Revisão do manuscrito

1Médico Interno de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Morada para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, R. Conceição Fernandes S/N, 4434-502 Vila Nova de Gaia. E-mail: andre.pereira@chvng.min-saude.pt

2Médica Interna de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School - Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4050-038 Porto. E-mail: ana.silva.ribeiro@chvng.min-saude.pt

3Médico Interno de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. 4400-704 Vila Nova de Gaia. E-mail: goncalo.rei.miranda@chvng.min-saude.pt

4Médico Interno de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4435-011 Porto. E-mail: paulo.silva@chvng.min-saude.pt

5Médica Interna de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School-Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4475-620 Maia. E-mail: catarina.vieira.silva@chvng.min-saude.pt

6Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. 4150-800 Porto. E-mail: joao.soares@chvng.min-saude.pt

7Responsável de Serviço e Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho e Imunoalergologia no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4445-490 Ermesinde. E-mail: linda.cruz@chvng.min-saude.pt


INTRODUÇÃO

As lesões musculoesqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERTs) representam uma grande parte da área de atuação da Saúde Ocupacional, representando cerca de 62% das doenças profissionais (DP) certificadas em Portugal, segundo os últimos dados disponíveis (1). Este tipo de lesão afeta os trabalhadores e, consequentemente as empresas e a economia em geral. Estas apresentam consequências como o absentismo, presentismo e a reforma antecipada ou compulsiva (2). Em 2015, mais de metade (53%) dos trabalhadores com lesões musculoesqueléticas (LME) indicaram ter estado ausentes do trabalho durante o ano anterior. Dados desse mesmo ano, mostram-nos que um terço dos trabalhadores com LME equacionam que não conseguirão continuar a fazer o seu trabalho até terem 60 anos (2).

O síndrome doloroso do grande trocânter, que afeta uma grande variedade de trabalhadores, inclui não só a bursite trocantérica, como também a tendinopatia glútea, sendo esta a tendinopatia do membro inferior mais prevalente. Esta afeta mais as mulheres (quociente 4:1) e é mais frequente entre os 40 e os 60 anos de idade. Alguns autores reportam prevalências de até 23,5% no género feminino e 8,5% no masculino, entre os 50 e 79 anos (3)(4).

Os mecanismos lesionais mais frequentemente implicados são a sobrecarga mecânica das inserções tendinosas do glúteo médio e mínimo associada a movimentos extremos de adução do membro inferior. Também os movimentos de flexão da anca parecem contribuir para a sua etiologia (3) (4).

A apresentação clínica mais comum caracteriza-se por uma dor localizada na face lateral da anca, que agrava com o movimento e com a posição de sedestação ou ortostatismo prolongados. No exame objetivo verifica-se frequentemente dor à palpação da região do grande trocânter e diminuição da força na abdução ativa contra resistência e rotação interna da anca, movimentos estes também dolorosos (3)(4). A confirmação diagnóstica pode ser feita recorrendo a exames de imagem, como a ecografia e a ressonância magnética (RMN). Segundo a literatura, a RMN tem sido o meio mais utilizado para o diagnóstico da patologia em questão, permitindo uma melhor avaliação das estruturas afetadas, um aspeto importante para a tomada de decisão sobre a melhor opção terapêutica. No entanto, atendendo ao significativo número de falsos positivos associado a este exame de imagem, a ecografia deve ser uma alternativa a considerar, tendo esta a vantagem de ser de mais rápida execução e menos dispendiosa, podendo ser realizada no consultório médico (3) (4).

A abordagem terapêutica inicial passa pelo tratamento conservador com anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), crioterapia e repouso, tendo também a fisioterapia um papel importante na reabilitação destes doentes. Quando a sintomatologia persiste com a referida abordagem, está indicada injeção local de corticosteroides, com o objetivo de reduzir a inflamação e dor. Têm sido descritos casos de sucesso terapêutico com a injeção local de plasma rico em plaquetas (PRP), sendo necessários mais estudos para comprovar a sua eficácia terapêutica. A terapia com ondas de choque apresenta também benefícios terapêuticos nestes doentes, principalmente em casos de tendinopatia calcificante. Por último, doentes que não respondem ao tratamento conservador instituído pelo menos durante doze meses, ou doentes jovens com roturas completas do tendão, têm indicação para tratamento cirúrgico (3) (4).

As profissões do setor da indústria, onde se inclui a indústria têxtil, têm sido as mais associadas ao desenvolvimento de LME, apresentando-se como o setor com mais DP musculoesqueléticas certificadas (1) (5).

DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO

Trata-se de uma mulher de 31 anos, sedentária, com um índice de massa corporal (IMC) de 24,3 Kg/m2, não fumadora e sem antecedentes patológicos relevantes. Trabalhadora da Indústria Têxtil (Brunidora) desde os quinze anos de idade, sem registo de acidentes de trabalho (AT) ou DP participada ou certificada até à data. Foi encaminhada pelo Médico de Família para consulta de Medicina Física e Reabilitação (MFR), após falência de tratamento conservador com AINE e fisioterapia convencional, por coxalgia direita na face ântero-lateral, de ritmo mecânico, com um ano de evolução. Na RMN foi evidenciada “trocanterite bilateral, mais marcada à direita, com espessamento da inserção do tendão glúteo médio e mais evidente do mínimo, associado a lâmina líquida externamente ao grande trocânter femoral direito, sem ruturas ou distensão de bursas”. Foi submetida a injeção local corticoanestésica peritrocantérica ecoguiada, com melhoria do quadro e consequente regresso ao trabalho habitual, cujas tarefas implicavam um movimento repetitivo, de cadência imposta, de adução/abdução da anca bilateral (Figura.1). Por agravamento das queixas, realizou nova RMN na qual se verificou heterogeneidade e irregularidade ao nível da inserção do tendão glúteo mínimo na faceta anterior do grande trocânter, em relação com tendinopatia, a que se associa edema dos tecidos moles envolventes, sugerindo peritendinite. Optou-se por realizar nova injeção local corticoanestésica peritrocantérica ecoguiada com melhoria franca do quadro. Por suspeita de etiologia profissional da patologia em questão por parte da MFR, foi requerida colaboração à Saúde Ocupacional, que avaliou a doente, adaptou o seu posto de trabalho à sua condição clínica e participou a patologia ao Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, em presunção de doença profissional. Esta adaptação passou pela mudança de posto de trabalho, de modo que a trabalhadora evitasse os movimentos repetitivos, de cadência imposta, de adução/abdução da anca, que deram origem ao quadro clínico, onde podia alternar a posição de sedestação e ortostatismo e por um aumento do número de pausas. Após três meses do regresso ao trabalho, a trabalhadora foi reavaliada, apresentando manutenção da melhoria do quadro.

Figura 1 Sequência de movimentos realizado pela trabalhadora no seu posto de trabalho que deram origem à sintomatologia. 

DISCUSSÃO/CONCLUSÃO

A elevada frequência de exposição a fatores de risco de natureza ergonómica e de contextos psicossociais adversos no trabalho, transversal aos vários setores de atividade e ocupações, são provavelmente responsáveis por uma grande fração das LME da nossa população. A interação destes fatores na produção de resultados adversos em saúde está bem documentada, representando um grande desafio para as equipas de Segurança e Saúde no trabalho (1).

No caso clínico apresentado observou-se que o tratamento isolado da lesão tendinosa sem uma adaptação laboral concomitante tem maior probabilidade de insucesso terapêutico. Desta forma, é imperativo associar uma modificação da atividade do trabalhador, alterando o padrão dos movimentos que estiveram na origem da lesão, de modo a potenciar o efeito do tratamento efetuado e prevenir recidiva.

A Saúde Ocupacional, pelo seu aprofundado conhecimento dos processos produtivos e a sua relação com os mecanismos lesionais, surge como um elemento fundamental não só na prevenção primária das patologias, mas também na adaptação do posto de trabalho às diferentes condições clínicas, participando de forma ativa no processo terapêutico. Assim, para benefício do trabalhador, é essencial uma melhor articulação entre a Saúde Ocupacional e as especialidades que tradicionalmente se dedicam ao tratamento das lesões musculosqueléticas. No entanto, o foco desta deve ser o da prevenção primária, de modo a evitar a ocorrência deste tipo de lesões nos trabalhadores. O surgimento de casos como o aqui apresentado, deve servir de reflexão para as equipas de Saúde Ocupacional, motivando-as a rever ou definir novos planos de ação nas empresas para prevenção dos mesmos. Estes devem ter por base a avaliação de riscos, contando também com a participação dos trabalhadores, incluindo-os na discussão sobre possíveis problemas e soluções (6). Existem diversas medidas descritas na literatura a serem adotadas, nomeadamente medidas de engenharia, de modo a ajustar ergonomicamente os postos de trabalho, assim como as ferramentas utilizadas. Também devem ser adotadas medidas organizacionais, como a rotatividade de tarefas, reduzindo o trabalho repetitivo e monótono, e o aumento dos tempos de descanso. Os programas de ginástica laboral, adaptados às diferentes atividades são também uma medida de prevenção frutífera que tem sido adotada nos últimos anos. A formação em matéria de segurança e saúde ocupacionais, nomeadamente sobre os riscos das atividades, da correta utilização dos equipamentos de trabalho, de como organizar o trabalho e o posto de forma ergonómica, é também essencial para a prevenção das LME (7). Devem ser também desenvolvidas políticas para a melhoria do ambiente psicossocial no local de trabalho, adequadas às diferentes realidades de cada empresa, dado o impacto conhecido deste em matéria de LMERTs (6).

Assim, tanto a prevenção das LMERTs, como a gestão e reinserção dos trabalhadores que já sofrem de patologia deste foro, apresentam-se como grandes desafios para as equipas de Saúde Ocupacional.

BIBLIOGRAFIA

1 Monjardino T, Amaro J, Batista A, Norton P, Lucas R, Benavides F. Trabalho e Saúde em Portugal 2016 [Internet]. Disponível em: https://ispup.up.pt/wp-content/uploads/2021/11/fd05bfae373d53c99fd4ed4570d64c74-1.pdf. [ Links ]

2 Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, Locais de trabalho saudáveis: Aliviar a carga 2020. [Internet]. Disponível em: https://sip-pt.pt/wp-content/uploads/2022/02/Guia-da-Campanha-2.pdf. [ Links ]

3 Grimaldi A, Mellor R, Hodges P, Bennell K, Wajswelner H, Vicenzino B. Gluteal Tendinopathy: A Review of Mechanisms, Assessment and Management. Sports Medicine. 2015; 45(8): 1107-19. DOI: 10.1007/s40279-015-0336-5. [ Links ]

4 LaPorte C, Vasaris M, Gossett L, Boykin R, Menge T. Gluteus medius tears of the hip: a comprehensive approach. The Physician and Sportsmedicine. 2018; 47(1): 15-20. DOI: 10.1080/00913847.2018.1527172. [ Links ]

5 Angeline G, Bobby J. Work related musculoskeletal disorders among adolescent girls and young women employees of textile industries in Tamil Nadu, India - a comparative study. International Journal of Adolescent Medicine and Health. 2017; 30(6). DOI: 10.1515/ijamh-2016-0116. [ Links ]

6 Lesões musculoesqueléticas - Segurança e saúde no trabalho - EU-OSHA. osha.europa.eu. 2018-2023 [Internet]. Disponível em: https://osha.europa.eu/pt/themes/musculoskeletal-disordersLinks ]

7 Berberoğlu U, Tokuç B. Work-related musculoskeletal disorders at two textile factories in Edirne, Turkey. Balkan Medical Journal. 2013; 30(1): 23-27. DOI: 10.5152/balkanmedj.2012.069. [ Links ]

QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS Nada a declarar.

Recebido: 23 de Outubro de 2023; Aceito: 08 de Novembro de 2023; Publicado: 09 de Dezembro de 2023

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não ter qualquer conflito de interesse.

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